Aqui, uma análise pelo Pepe Escobar, mostrando o que pode ter acontecido. Se non è vero, è tanto possibile... Do Outras Palavras. Vale apena explorar alguns dos links, particularmente a entrevista do general Wesley Clark.
Quem ganha com a explosão de Beirute
Trump e Netanyahu falaram em “ataque” e em “Hezbollah”: coincidência? Agora, há um estoque trilionário de imóveis a peço de banana, e à disposição de megafundos ocidentais. Mas e se o Líbano, ao contrário, voltar-se para a Ásia?
Publicado 10/08/2020 às 17:51 - Atualizado 11/08/2020 às 07:17

Por Pepe Escobar, no Asia Times | Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel
A
 narrativa de que a explosão de Beirute foi exclusiva consequência da 
negligência e da corrupção do atual governo libanês parece já uma 
história gravada sobre a pedra, ao menos no contexto do mundo 
atlanticista. No entanto, cavando mais fundo, deduzimos, na realidade, 
que a negligência e a corrupção podem ter sido amplamente exploradas, 
via sabotagem, para engendrar a grande explosão.
O Líbano é um 
cenário, por excelência, para as tramas de John Le Carré: um covil 
multinacional de espiões de todos os matizes ― agentes da Casa de Saud, 
operativos sionistas, fornecedores de armas para “rebeldes moderados”, 
intelectuais do Hezbollah, “realeza” árabe depravada, contrabandistas 
autoglorificados ―, em um contexto de desastre econômico de amplo 
espectro, que aflige um dos membros do Eixo da Resistência, alvo perene 
de Israel, ao lado da Síria e do Irã.
Como se isso não fosse 
suficientemente vulcânico, o presidente Donald Trump meteu o nariz na 
tragédia para turvar ainda mais as já contaminadas águas do Mediterrâneo
 Oriental. Informado [em jargão militar, “brifado”] por “nossos grandes 
generais”, Trump, na terça-feira, disse: “De acordo com eles… e eles 
saberiam melhor do que eu… eles reconhecem o que aconteceu como um 
ataque”. 
Trump acrescentou: “foi algum tipo de bomba”.
Teria
 Trump, com uma observação incandescente como essa, dado com a língua 
nos dentes, revelando inadvertidamente informações confidenciais? Ou 
estaria o presidente disparando outro dos seus non sequitur [conclusão 
falaciosa]? 
 Trump por fim voltou atrás nos seus comentários, depois que o 
Pentágono se recusou a confirmar a ilação sobre que coisa os “generais” 
teriam dito, e depois que seu secretário de Defesa, Mark Esper, 
assentira no argumento do acidente como explicação para a explosão.
 Essa é mais uma ilustração visível da guerra que assola o Beltway [N. 
do T.: o território dentro do cinturão rodoviário que circunda e 
delimita a capital norte-americana, ou, em termos figurados, a corte dos
 altos funcionários, lobistas e a imprensa que os cobre]. Trump: ataque.
 Pentágono: acidente. “Acho que ninguém pode dizer agora” ― disse Trump 
na quarta-feira. “Eu ouvi das duas maneiras”.
 Ainda assim, não custa nada lembrar uma nota da agência de notícias Mehr,
 do Irã, de que quatro aviões de reconhecimento da Marinha dos EUA foram
 identificados nas proximidades de Beirute no momento das explosões. 
Estaria a inteligência dos EUA ciente, em todo o espectro de 
possibilidades, do que realmente aconteceu?
Ah! Aquele nitrato de amônio!…
 A segurança no porto de Beirute, principal centro econômico do país,
 deveria ser considerada uma prioridade. Mas, parafraseando uma fala do “Chinatown”, de Roman Polanski: “Esqueça, Jake. É Beirute”.
 
 Essas agora icônicas 2.750 toneladas de nitrato de amônio chegaram a 
Beirute em setembro de 2013, a bordo do Rhosus, um navio de bandeira 
moldava que navegava de Batumi, na Geórgia, para Moçambique. O Rhosus 
acabou sendo apreendido pelo Controle Estatal do Porto de Beirute. 
Posteriormente, o navio foi abandonado, de fato, por seu proprietário, o
 obscuro empresário Igor Grechushkin, nascido na Rússia e residente em 
Chipre, que, de forma suspeita, “perdeu o interesse” na sua carga 
relativamente valiosa, sequer tentando vendê-la na bacia das almas para 
pagar suas dívidas.
 
 Grechushkin nunca pagou a tripulação do 
navio, que mal conseguiu sobreviver vários meses, antes de ser 
repatriada por motivos humanitários. O governo cipriota confirmou que 
não havia nenhum pedido do Líbano à Interpol para prendê-lo. Toda a 
operação parece um disfarce para encobrir os verdadeiros destinatários 
do nitrato de amônio, provavelmente “rebeldes moderados” que tentavam 
derrubar o governo sírio, e que o usavam para fazer IEDs [Improvised Explosive Devices: dispositivos explosivos improvisados] e equipar caminhões suicidas, como o que demoliu o hospital Al Kindi, em Alepo.
 
 As 2.750 toneladas ― embaladas em sacos de 1 tonelada com a etiqueta 
“Nitroprill HD” ― foram transferidas para o armazém do Hangar 12, 
próximo ao cais. O que se seguiu foi um caso surpreendente de 
negligência em série.
 
 De 2014 a 2017, cartas de funcionários da
 alfândega ― uma série deles ―, bem como alternativas propostas para se 
livrar da carga perigosa, exportá-la ou vendê-la, foram simplesmente ignoradas.
 Cada vez que esses funcionários tentavam obter uma decisão legal para 
se desfazer da carga, não obtinham qualquer resposta do judiciário 
libanês. Quando o primeiro-ministro Hassan Diab proclama agora que “os 
responsáveis pagarão o preço”, o reconhecimento do contexto faz-se 
absolutamente essencial.
 
 Nem o primeiro-ministro, nem o 
presidente, nem qualquer dos ministros sabiam que o nitrato de amônio 
estava armazenado no Hangar 12, confirma o ex-diplomata iraniano Amir 
Mousavi, diretor do Centro de Estudos Estratégicos e Relações 
Internacionais de Teerã. Estamos falando de um artefato explosivo 
gigante, localizado no centro da cidade.
 
 A burocracia no porto 
de Beirute e as máfias que realmente mandam estão intimamente ligadas, 
entre outros, à facção al-Mostaqbal, liderada pelo ex-primeiro-ministro 
Saad al-Hariri, que conta, por sua vez, com total apoio da Casa de Saud.
 
 O enormemente corrupto Hariri foi removido do poder em outubro de 2019,
 em meio a protestos consideráveis. Seus comparsas “desapareceram” pelo 
menos US$ 20 bilhões do tesouro do Líbano, o que agravou seriamente a 
crise monetária do país. Não admira que o atual governo ― chefiado pelo 
primeiro-ministro Diab, apoiado pelo Hezbollah ― não tenha sido 
informado sobre o nitrato de amônio.
 
 O nitrato de amônio é 
bastante estável, o que o torna um dos explosivos mais seguros usados na
 mineração. O fogo normalmente não o aciona. Ele se torna altamente 
explosivo apenas se contaminado ― por exemplo, por óleo ― ou aquecido a 
um ponto onde sofre mudanças químicas que produzem uma espécie de casulo
 impermeável ao seu redor, no qual o oxigênio se acumula a um nível 
perigoso, e onde basta uma ignição para produzir uma explosão.
 
 Por que, depois de dormir no Hangar 12 por sete anos, essa pilha de repente sentiu vontade de explodir?
 
 Até agora, a explicação mais objetiva, do especialista em Oriente Médio, Elijah Magnier, aponta
 para uma tragédia sendo “desencadeada” por um serralheiro sem noção, 
manejando um maçarico bem próximo ao nitrato de amônio inseguro. 
Insegurança que se pode atribuir à negligência e à corrupção… ou como 
parte de um “erro” intencional que virtualmente anteciparia a futura 
explosão.
 
 Este cenário não explica a explosão inicial de “fogos
 de artifício”. E certamente não explica o que ninguém ― pelo menos no 
Ocidente ― está falando: os incêndios deliberados em um mercado iraniano
 em Ajam, nos Emirados Árabes Unidos, e também em uma série de armazéns 
agrícolas/alimentares em Najaf, Iraque, imediatamente após a tragédia de
 Beirute.
 
 Siga o dinheiro
 
 O Líbano, 
que ostenta ativos e imóveis no valor de trilhões de dólares, é um 
pêssego suculento para os abutres das finanças globais. Adquirir esses 
ativos a preços baixíssimos, no meio da Nova Grande Depressão, seria 
simplesmente irresistível. Em paralelo, o outro abutre, o FMI, 
embarcaria no modo extorsão total e, por fim, “perdoaria” umas quantas 
dívidas de Beirute, desde que alguma modalidade severa de “ajuste 
estrutural” seja imposta.
 
 Quem lucra, neste caso, são os 
interesses geopolíticos e geoeconômicos dos Estados Unidos, Arábia 
Saudita e França. Não por acaso o presidente Macron, um servo zeloso dos Rothschild,
 chegou a Beirute na quinta-feira para prometer “apoio” neocolonial de 
Paris e praticamente impor, como um vice-rei, um conjunto abrangente de 
“reformas”. Um diálogo inspirado em Monty Python, arrematado com forte 
sotaque francês, poderia ser expresso nas seguintes linhas:
 
 ―Queremos comprar o seu porto.
 
 ―Não está à venda.
 
 ―Oh, que pena! Um acidente acabou de acontecer.
 
 Já faz um mês, que o FMI vinha “avisando”
 que a “implosão” no Líbano estava se “acelerando”. O primeiro-ministro 
Diab teve que aceitar a proverbial “oferta irrecusável” para 
“desbloquear bilhões de dólares em fundos de credores”. Se não… A 
especulação ininterrupta, de mais de um ano, sobre a moeda libanesa foi 
apenas um aviso, relativamente educado.
 
 Isso acontece em meio a
 uma enorme apropriação global de ativos, especificada pelo contexto 
mais amplo da queda do PIB americano em quase 40%, ordens de falências, 
um punhado de bilionários acumulando lucros inacreditáveis e megabancos 
grandes-demais-para-falir devidamente resgatados com um tsunami de 
dinheiro grátis.
 
 Dag Detter, um financista sueco, e Nasser Saidi, um ex-ministro libanês e vice-presidente do banco central, sugerem
 que os ativos do país sejam colocados em um fundo de patrimônio 
nacional. Os ativos suculentos incluem a Electricité du Liban (EDL), 
concessionárias de água, aeroportos, a companhia aérea MEA, a empresa de
 telecomunicações OGERO, o Casino du Liban. A EDL, por exemplo, é 
responsável por 30% do déficit orçamentário de Beirute.
 
 Isso não chega nem perto da sanha do FMI e dos megabancos ocidentais. Eles querem devorar tudo, além de muitos imóveis.
 
 “O valor econômico dos imóveis públicos pode valer pelo menos tanto 
quanto o PIB e, muitas vezes, várias vezes o valor da parte operacional 
de qualquer portfólio”, dizem Detter e Saidi.
 
 Quem está sentindo as ondas de choque?
 
 Mais
 uma vez, Israel é o proverbial elefante em uma sala de cristais agora 
amplamente retratada pela mídia empresarial ocidental como “Chernobyl 
libanês”. Um cenário como a catástrofe de Beirute já estava vinculado 
aos planos israelenses desde fevereiro de 2016.
 
 Israel admitiu que o Hangar 12 não era uma unidade de armazenamento de 
armas do Hezbollah. Ainda assim, crucialmente, no mesmo dia da explosão 
em Beirute, e após uma série de explosões suspeitas no Irã e a alta 
tensão na fronteira Síria-Israel, o primeiro-ministro Netanyahu tuitou,
 no presente do indicativo: “Nós atingimos uma célula, e agora nós 
acertamos os remetentes. Faremos o que for necessário para nos defender.
 Eu sugiro a todos eles, incluindo o Hezbollah, que considerem isso”.
 
 Isso está em concordância com a intenção, proclamada abertamente no final da semana passada, de bombardear a infraestrutura libanesa caso o Hezbollah perturbasse os militares das Forças de Defesa de Israel ou os civis israelenses.
 
 Uma manchete do jornal israelense Haaretz
― “Ondas de choque da explosão de Beirute serão sentidas pelo
Hezbollah por muito tempo” ― confirma que a única coisa que
importa para Tel Aviv é lucrar com a tragédia para demonizar o
Hezbollah e, por associação, o Irã. E isso também está de acordo
com o “Ato Militar do Congresso dos EUA de Combate contra o
Hezbollah no Líbano”, de 2019 {S.1886}, que praticamente ordena
que Beirute expulse o Hezbollah do país.
Não obstante,
após a explosão, Israel quis mostrar-se estranhamente
prostrado.
Turvando mais ainda essas águas, a
inteligência saudita ― que tem acesso ao Mossad e demoniza o
Hezbollah muito mais do que Israel ― cruza o caminho. Todos os
operadores de inteligência com os quais conversei se recusam a
deixar registro, considerando a extrema sensibilidade do tema. Ainda
assim, uma fonte de inteligência saudita, cujo cacife se assenta na
troca frequente de informações com o Mossad, afirma que o alvo
original eram os mísseis do Hezbollah armazenados no porto de
Beirute. Sua história é que o primeiro-ministro Netanyahu estava
prestes a receber o crédito pelo sucesso, dando sequência a seu
tweet. Mas então o Mossad percebeu que a operação tinha dado muito
errado, e se transformado em uma grande catástrofe.
O
problema começa com o fato de que não se tratava de um depósito de
armas do Hezbollah ― como até mesmo Israel admitiu. Quando
depósitos de armas explodem, ocorre uma explosão primária, seguida
por várias explosões menores, algo que pode durar dias. Não foi
isso que aconteceu em Beirute. A explosão inicial foi seguida por
uma segunda explosão massiva ― com toda certeza uma grande
explosão química ― e então, silêncio.
Thierry
Meyssan, que é muito próximo da inteligência síria, adianta
a possibilidade
de que o “ataque” tenha sido realizado com uma arma desconhecida,
um míssil ― e não uma bomba nuclear ― testada na Síria em
janeiro de 2020. (O teste é mostrado neste
vídeo). Nem a Síria nem o Irã jamais fizeram referência a essa
arma desconhecida, e não tive confirmação de sua
existência.
Supondo que o porto de Beirute foi atingido
por uma “arma desconhecida”, o presidente Trump pode ter dito a
verdade: foi um “ataque”. E isso explicaria por que Netanyahu,
contemplando a devastação em Beirute, acabou decidindo que Israel
deveria manter a discrição.
Vejam
aquele camelo em movimento!
À
primeira vista, a explosão de Beirute pode ser vista como um golpe
mortal contra a Iniciativa Cinturão e Estrada (ou Nova Rota da
Seda), já que a China considera a conectividade entre o Irã,
Iraque, Síria e Líbano como a pedra angular do corredor do Cinturão
do Sudoeste Asiático.
Só que isso pode sair pela
culatra, e mal. A China e o Irã já estão se posicionando como os
investidores preferenciais após a explosão ― em nítido contraste
com os atiradores do FMI ―, tal como aconselhara o secretário-geral
do Hezbollah, Nassan Nasrallah, tão apenas poucas semanas
atrás.
Síria e Irã já estão na linha de frente no
fornecimento de ajuda ao Líbano. Teerã está enviando um hospital
de emergência, remessas de alimentos, remédios e equipamentos
médicos. A Síria abriu suas fronteiras com o Líbano, enviou
equipes médicas e está recebendo pacientes dos hospitais de
Beirute.
É sempre importante ter em mente que o “ataque”
(Trump
dixit)
ao porto de Beirute destruiu o principal silo de grãos do Líbano,
além de desencadear a destruição total do porto, o principal
acesso comercial do país.
Uma iniciativa dessas se
ajustaria a uma estratégia de matar o Líbano de fome. No mesmo dia
que o Líbano tornou-se, em larga medida, alimentarmente dependente
da Síria ― já que agora resta apenas um mês de suprimento de
trigo ao país ―, os EUA atacaram os silos sírios.
A
Síria é um grande exportador de trigo orgânico. E é por isso que
os EUA rotineiramente miram seus silos e queimam suas plantações,
tentando matar também a Síria de fome, e forçar Damasco, já sob
severas sanções, a gastar fundos crucialmente necessários na
compra de alimentos.
Em completo contraste com os
interesses do eixo EUA/França/Arábia Saudita, o Plano A para o
Líbano seria abandonar progressivamente o estrangulamento EUA-França
e ir direto para a Nova Rota da Seda, tanto quanto para a Organização
de Cooperação de Xangai. Ir para o leste, o caminho da Eurásia. O
porto e mesmo boa parte da cidade devastada, a médio prazo, podem
ser reconstruídos um tanto rápida e profissionalmente com
investimentos chineses. Os chineses são especialistas em construção
e gestão de portos.
Um cenário deliberadamente otimista
como esse implicaria em um expurgo dos hiper-ricos, a plutocracia que
aparelha o Estado para gerir a corrupção, o tráfico de armas, de
drogas e a especulação imobiliária, e que habitualmente foge para
seus apartamentos em Paris ao primeiro sinal de turbulência.
Junte
a isso o sistema de bem-estar social muito bem-sucedido do Hezbollah
― que eu mesmo vi em funcionamento no ano passado ― ganhando uma
chance de conquistar a confiança das classes médias empobrecidas e
tornar-se, assim, o pivô da reconstrução.
Vai ser uma
batalha de Sísifo. Mas compare esta situação com o Império do
Caos, que precisa do caos em todos os lugares, especialmente na
Eurásia, para paliar a chegada do caos Mad Max dentro dos próprios
Estados Unidos.
O caso notório do General Wesley Clark,
dos
sete países em cinco anos,
mais uma vez vêm à mente. E o Líbano continua sendo um desses sete
países. A lira libanesa pode ter entrado em colapso; a maioria dos
libaneses pode estar completamente falida; e agora Beirute está
semidevastada. Essa pode ser a palha que quebra as costas do camelo
[N. do T.: expressão anglófona que corresponde à ideia da gota
d’água que extravasa o copo] ― deixando-o livre para, por fim,
retraçar seus passos, de volta à Ásia e ao longo das Novas Rotas
da Seda.
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