quinta-feira, 27 de outubro de 2016

ANA JÚLIA, CIDADÃ BRASILEIRA E ATIVISTA

Peguei no Tijolaço


Ana Júlia, a menina que calou a hipocrisia dos marmanjos . Por Jari da Rocha

anajulia
Nunca levei a sério pessoas, supostamente indignadas, falando “da boca pra fora”  que o mais importante para um país é a educação.
Soltam uma dúzia e meia de clichês, porque acham que educação, no conteúdo, é saber repetir e, na forma, ter. Para “bom comportamento”: silêncio, “ficar no seu lugar”,  não questionar.
Hipócritas.
Frequento a escola há quase 50 anos, como aluno e como professor.
E  ainda sou aluno e sou professor.Faz parte do meu dia a dia, dos meus sonhos e desilusões.
Quem convive, assim de pertinho, tem outra relação.
Claro, alguns são mais pessimistas, normalmente aqueles que se esqueceram de como eram quando jovens.
Outros, no entanto, observando cada movimento, cada avanço, cada novo olhar como um foco possível de esperança.
Sim, vivemos de esperança.
Nós, professores, não estudamos a vida inteira (a vida inteira!) para ficarmos ricos.
Estudamos a vida inteira para ter oportunidade de nos emocionar quando um só aluno que seja nos faz crer que sim, valeu a pena.
Particularmente, tive várias vezes esta chance.
E a tive outra vez, justo quando  tudo em que acreditamos durante a vida pode parecer ter sido em vão, diante do retrocesso de civilização, de democracia e de humanidade pelo qual passamos.
Emociona, sim, ver Ana Júlia.
Vê-la usar sua própria voz, suas próprias palavras,  a voz, para, do seu jeito, falar o que ela e seus colegas, os estudantes, pensam do mundo.
Alguém já tinha pensado em perguntar o que eles, os estudantes, esperam do futuro deles?
Ana Júlia, no alto dos seus 16 anos, começa com uma pergunta que deveria ter uma resposta óbvia: a quem pertence a escola?
Em seguida, deslegitima o movimento infame e reacionário chamado ‘escola sem partido’ e resume a pó o movimento fascista MBL.
Vai além. Fala de direitos, de constituição cidadã e fala de morte, do estudante Lucas.
Neste momento, é interrompida pelo presidente Assembleia Legislativa do Paraná que a ameaça (velhacos gostam de ameaçar, não?) cassar a palavra. Resta a Ana Júlia pedir desculpas. Ela pede desculpas, resolve o risco de não poder continuar a falar, mas não deixa barato.
Você tem que assistir esse vídeo.
O|Brasil deveria ouvir a estudante Ana Júlia.

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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

MÉDICOS CUBANOS

Reportagem, saiu no O Cafezinho


Despedida: moradores do Piauí agradecem médicos cubanos que passaram três anos no país


Médicos cubanos parten a Haití para ayudar a las víctimas del Huracán Matthew. Foto: Ismael Francisco/ Cubad ebate 
Médicos cubanos parten a Haití para ayudar a las víctimas del Huracán
Matthew. Foto: Ismael Francisco/ Cubadebate

Médicos cubanos se despedem do Piauí e governador pede desculpas

Choro e histórias inacreditáveis marcam o retorno dos médicos a Cuba
“Peço desculpas por vocês terem enfrentado algumas adversidades no nosso país. Saibam que a dor que vocês passaram valeram a pena. Vocês estão saindo daqui com um Brasil diferente”, disse o governador Wellington Dias (PT), durante homenagem a 256 médicos cubanos que atuaram no Piauí no Programa Mais Médicos nos últimos três anos. A solenidade aconteceu na manhã desta segunda-feira (24), no Palácio de Karnak.
Centro e trinta médicos cubanos despedem-se já neste mês. Outros 124 cubanos deixam o Estado até o final do ano.
Ao saberem do retorno dos médicos à ilha caribenha, houve pacientes que choraram de emoção. “Pacientes choraram quando souberam do nosso regresso a Cuba, principalmente os idosos”, declarou Idalia Romero, 54 anos. “Eles gostavam muito do nosso trabalho. Realizamos muitas atividades: rodas de conversas com idosos, reuniões com grávidas, grupo de tabagismo, caminhadas, atividades físicas com a comunidade”, disse. “Gostaria de ficar mais tempo, mas acabou o prazo, infelizmente”, declarou o médico geral Ibrahin Gainza, 46 anos.
Segundo Wellington Dias, um dos principais resultados é que o programa está vencendo muitas doenças a partir da prevenção.  A diminuição da mortalidade infantil foi outro ponto destacado por Laura Ivete Torres, cônsul cubana no Nordeste.
A médica cubana Lidice Vasquez, em discurso emocionado, contou que foi um grande privilégio trabalhar em Guaribas, a 653 km de Teresina, cidade de difícil acesso e com 4.500 habitantes. “Compartilhamos o cuscuz, o beju, o cafezinho. Começamos a fazer parte da família brasileira”, declarou.
Antes do programa, muitos municípios brasileiros não tinham acesso a atendimento médico. Guaribas era uma dessas milhares de cidades onde os gestores tinham dificuldade de fechar contratos com médicos.  “O programa foi pensado principalmente para esse tipo de população”, destacou Vasquez.
Histórias
O governador Wellington Dias, a coordenadora da comissão estadual do Programa Mais Médico no Piauí, Idvani Braga, e alguns médicos cubanos presentes da solenidade de homenagem no Palácio de Karnak, na manhã desta segunda-feira (24), contaram muitas histórias curiosas, que são difíceis de serem imaginadas pela medicina tradicional brasileira.
As casas dos médicos cubanos
Dias lembrou que, por exemplo, em São João do Piauí, o governo preparou casas nos melhores bairros para servirem de moradia para os cubanos, mas, ao chegarem à cidade, os médicos fizeram questão de morar na comunidade onde iriam atuar, em casas sob as mesmas condições onde vive a população carente, sem privilégios, a fim de garantir uma maior proximidade dos pacientes, para entenderem os seus problemas de perto e também para estarem mais acessíveis à população.
A posição da cadeira
A coordenadora da comissão estadual do Programa Mais Médico no Piauí, Idvani Braga, contou que, em Guaribas, ocorreu um fato curioso: o médico cubano teve que amarrar a cadeira do paciente ao lado da cadeira do médico. A tendência brasileira é que a cadeira do paciente fique atrás da mesa, de modo que o paciente fique na frente do médico. Já no modelo cubano, o costume é que o paciente fique mais próximo ao médico, logo ao lado, para garantir um maior contato entre ambos, diminuindo as distâncias.
Em São João do Piauí
Na cidade da primeira-dama, Rejane Dias, e do provável futuro presidente da APPM, o médico Gil Carlos Modesto, um idoso fez um relato ao governador. Disse que, ao levar a filha para uma consulta, ocorreu um fato inacreditável: A criança estava com disenteria. Assim, o médico cubano forneceu a medicação, mas disse que no dia seguinte visitaria a casa da família, para descobrir o que estava ocasionando a doença. Para a surpresa do idoso, cedo da manhã seguinte, lá estava o médico, que se deparou com muito lixo por várias partes da casa. Vendo de perto o que estava acarretando a doença, para mais uma surpresa do sanjoanense, o médico combinou que no dia seguinte iria novamente à casa da família, para realizar a retirada do lixo, junto com uma equipe. E assim foi feito!
Rede feita com o “coração”
Para Wellington Dias, outra característica é que “é uma rede feita com o coração, com muito amor. Vamos levar esse modelo ao Programa Saúde da Família”, declarou.  “Tenho acompanhado as despedidas dos médicos cubanos no Nordeste, vejo o quão emocionante tem sido”, revelou Laura Ivete Torres, cônsul cubana no Nordeste.
Continuidade do Programa
Mesmo sob ameaça, o Programa foi renovado e outros cubanos devem substituir os médicos que estão finalizando a cooperação. Além disso, de acordo com Wellington Dias, ele irá se reunir com todos os outros governadores para garantir a continuidade do programa, priorizando os médicos brasileiros e conforme o que for possível dentro da legislação.
Segundo Teófilo Cavalcante, presidente do Conselho Estadual de Saúde, 92% da população do estado, cerca de 2 milhões e 900 mil piauienses dependem do SUS. “A tal PEC da morte será um grande atraso para a saúde. É nossa preocupação a continuação do Programa Mais Médicos. A Farmácia Popular já acabou. Como sabemos, não há como fazer saúde sem dinheiro”, protestou.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

QUEM É PIOR, HILLARY OU TRUMP?

Para política interna, Trump é o racista, sexista, despudorado. Mas Clinton pensa a política externa em termos de ir contra quem possa fazer sombra ao império em declínio. Sem preocupação de evitar até uma ou mais guerras contra Rússia e China. Artigo publicado no ótimo Outras Palavras.


“É tudo culpa dos russos”

Wikileaks revela ligações de Hillary Clinton com indústria armamentista, oligarquia financeira, velha mídia, petroleiras. Ela reage como nos piores tempos do macartismo — e tenta destruir Julian Assange
Por Patrícia Cornils
“O governo do Equador respeita o princípio de não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Não interfere em processos eleitorais externos e nem o faz a favor de qualquer candidato em particular.”
Imagine. Esta frase faz parte de uma nota oficial na qual o Equador, um país latinoamericano com 15 milhões de habitantes e sem moeda própria – a moeda lá é o dólar – nega interferência nas eleições presidenciais do Estado militarmente mais poderoso do planeta. Os Estados Unidos. A nota foi publicada no dia 18 de outubro para explicar por que o governo do Equador cortou, dois dias antes, o acesso à internet de Julian Assange, asilado em sua embaixada em Londres. “Durante as últimas semanas, o WikiLeaks publicou uma grande quantidade de documentos que têm um impacto sobre a campanha eleitoral nos Estados Unidos. A decisão de tornar essas informações públicas é de exclusiva responsabilidade da organização”, escreveu o governo do Equador.

As informações publicadas pelo Wikileaks são milhares de emails trocados entre os principais dirigentes do Comitê Nacional do Partido Democrata entre janeiro de 2015 e o final de maio deste ano, além de emails de John Podesta, coordenador da campanha de Hillary Clinton. Assange havia anunciado em julho, em entrevista para a rede britânica ITV, que o Wikileaks tinha emails relacionados a Hillary Clinton e iria publicá-los.
“O que você está dizendo, o que você está publicando, atinge Hillary Clinton. Você prefere que Trump seja presidente?”, perguntou então o entrevistador. A resposta foi que Trump é um fenômeno imprevisível, que “não se pode prever o que ele faria na presidência”. Em seguida, Assange acrescentou uma informação que tem relação com a autodefesa do Wikileaks. Os documentos já publicados, disse, “mostram que Hillary recebe notícias constantes sobre minha situação pessoal. Ela fez pressão pela abertura de um processo contra o Wikileaks, que ainda está em curso. Então achamos que ela é um problema para a liberdade da imprensa, de maneira geral”.
Assange está asilado na embaixada para não ser extraditado aos Estados Unidos e julgado em um processo obscuro, iniciado sob responsabilidade de Hillary Clinton, no qual mesmo as pessoas interrogadas recebem GAG orders (não podem contar que foram intimadas e que depuseram). Isso comprova sua afirmação sobre ameaça à liberdade de imprensa, recomprovada agora pelo corte de da conexão à internet. O governo norteamericano não assumiu o que deve ter sido uma enorme pressão sobre o Equador, mas a nota oficial do país latinoamericano diz explicitamente que cortou a internet para impedir interferência na disputa pela presidência dos Estados Unidos. O que é espantoso porque o objetivo de toda boa impresa é exatamente publicar informações para que cidadãos formem sua opinião e interferiram em decisões políticas.
No material divulgado pelo Wikileaks, até agora, há declarações relevantes de Hillary Clinton: “Vamos cercar a China com defesa antimísseis”, “Quero defender o fracking”; ativistas contra o aquecimento global deveriam “achar o que fazer”; “você precisa ter duas posições [a respeito de políticas], uma pública e uma privada” e “meu sonho é um mercado comum hemisférico, com comércio livre e fronteiras abertas”. As publicações começaram no dia 22 de julho, quando o Wikileaks iniciou a “Série Hillary Leaks”. No primeiro lote, foram divulgados 19,2 mil emails trocados entre os principais dirigentes da campanha democrata entre janeiro de 2015 e o final de maio deste ano – e que mostraram dirigentes do Partido Democrata depreciando um dos pré-candidatos do partido, Bernie Sanders, e considerando a possibilidade de usar sua crença judaica para atacá-lo. Esta é a base de dados do Comitê Nacional do Partido Democrata.
Apesar do corte da conexão de Assange, o Twitter do Wikileaks segue atualizando o segundo conjunto de mensagens, os “Podesta emails”, iniciado dia 7 de outubro. Além de atual coordenador da campanha de Hillary, Podesta foi chefe do estado maior do presidente Bill Clinton entre 1998 e 2001 e é dono do Podesta Group, uma empresa de lobby. Na primeira leva foram publicados 2,06 mil emails com foco em mensagens relacionadas a energia nuclear e doações de empresas mineradoras e envolvidas com a questão nuclear para a Fundação Clinton.
Mesmo a contragosto, imprensa norte-americana vê-se obrigada a repercutir as informações vazadas. Possíveis candidatos a vice analisados por Hillary Clinton. A íntegra de seus discursos em eventos com banqueiros de Wall Street em que foi remunerada para falar. “Lotes anteriores dos emails incluíram exemplos de conluio entre a campanha e a mídia, comentários depreciativos sobre Bernie Sanders e cópias de discursos proferidos perante banqueiros de Wall Street, incluindo Goldman Sachs”, escreve hoje o blog financeiro Zero Edge –que tem publicado textos sobre os e-mails vazados. “E entre as mais dramáticas revelações há mais confimações de concluio e coordenação com a mídia (…)uma revelação chocante sobre os conflitos de interesse de Bil Clinton na consultoria Teneo, e o elo perdido dos e-mails que Hillary apagou, confirmando que ela havia instruído a exclusão de e-mails desde o início e refutando seu testemunho anterior.”
Ontem, no debate com Donald Trump, Hillary Clinton reiterou sua versão para esses vazamentos. Foram os russos, ela afirma. “O governo russo se envolveu em espionagem contra americanos. Eles invadiram sites americanos, contas particulares, contas de instituições. Em seguida, deram essa informação para o Wikileaks com a finalidade de colocá-la na internet. Isto veio dos níveis mais altos do governo russo, claramente de Putin em pessoa, em um esforço, como dezessete de nossas agências de inteligência confirmaram, para influenciar nossa eleição. Então, realmente acho que a questão mais importante desta noite é se Donald Trump vai finalmente admitir que os russos estão fazendo isso e condená-los.”
Hoje o Wikileaks, ironiza a pergunta em seu Twitter, notando que entre 17 agências de inteligência americanas estão a Guarda Costeira, a Inteligência Naval, o Departamento de Energia, que provavelmente nada têm a dizer sobre o assunto. “As 17 agências de inteligência dos EUA de Clinton pode ser a maior mentira, mais imediatamente refutável, já dita intencionalmente durante um debate”, publicou o Wikileaks.
No site do Wikileaks há uma resposta mais direta à acusação. A organização nega o desejo de tomar partido nas eleições dos EUA, afirma que é independente de governos e que a alegação de que foca exclusivamente no “Ocidente” é falsa. “O Wikileaks publicou mais de 650 mil documentos críticos relacionados à Rússia sob Vladimir Putin. Expôs as listas negras de censura da China. Publicou 2,3 milhões de emails expondo o regime de Assad. O próprio diretor da Inteligência Nacional dos EUA, James Clapper, confirmou que no que diz respeito às agências de inteligência norteamericanas não há evidência de que a Rússia foi a fonte dos emails do Comitê Nacional do partido Democrata e que a especulação da mídia de que a Rússia estaria por trás desses vazamentos é ‘hiperventilação’”.
fato é que as informações publicadas trazem para o debate os impactos das decisões do governo americano na política mundial, como escreveu o filósofo e ativista Srećko Horvat na Counterpunch.“O que o WikiLeaks está fazendo é revelar esta luta brutal pelo poder, mas, como diz o velho ditado, ‘quando um sábio aponta a lua, o idiota olha para seu dedo’. Em vez de olhar para o dedo que aponta a Rússia, deveríamos estar olhando para as informações vazadas.”

ALGUMAS IDEIAS PARA SAIR DO TORPOR

REVERTER
As privatizações e desregulamentações dos serviços públicos.
As reduções dos gastos do setor público.
As fortunas dos aproveitadores.
O domínio do capital sobre os quatro poderes do Estado.
O uso de polícias e do judiciário como parte de uma guerra de classes dos ricos contra o resto.
INSTITUIR
Sistema tributário mais justo.
A transição completa para energia renovável – sem nuclear. É perfeitamente viável.
Um sistema de informações aberto e democrático.
As polícias na função da proteção de pessoas contra malfeitores.
REINSTITUIR
A civilidade política entre pessoas.
É MENTIRA
Que não há alternativa. Isso não passa de grito de guerra dos neoliberais.
Que acabou a história.

Que só mercado neoliberal funciona.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

ENQUANTO O TRAÍRA DESENROLA NO BRASIL O SACO DE MALDADES DE SEUS PATRÕES...

Na Europa e nos EUA os neolibelês vão recuando. Análise por Vincenç Navarro, publicada na Carta Maior.


Europa abandona cartilha neoliberal sem se desculpar pelos danos causados

As medidas neoliberais não só foram prejudiciais para a classe trabalhadora como também afetaram a própria eficiência do sistema econômico.


Vicenç Navarro *, para o sítio espanhol Nueva Tribuna

Ao largo da minha longa vida acadêmica, vi com frequência como as ideias que alguma vez foram consideradas radicais terminaram sendo aceitas anos depois, dependendo do tempo de resposta da sociedade e da flexibilidade das instituições encarregadas de atuar nas áreas onde se essas supostamente radicais propostas são apresentadas. Na Espanha, por exemplo, o enorme conservadorismo e rigidez do establishment financeiro, político e midiático que governa o país faz com que se necessite muito mais tempo para que tais ideias sejam aceitas, pois mesmo as que parecem ser mero sentido comum podem ser consideradas radicais demais.

Algo está acontecendo hoje na Europa, em algumas instituições enormemente poderosas de caráter financeiro, que confirma o que estou dizendo. Me refiro à recente mudança realizada pelo Banco Central Europeu, que passou de ser um dos maiores defensores da redução dos salários a um forte apoiador do aumento dos mesmos. O mais escandalosos é que o organismo sequer tenta explicar porque defende esta medida agora, depois de anos patrocinando ideias opostas, e tampouco pede desculpas pelo enorme dano que causou propondo – e, em muitas ocasiões, impondo – arrochos salariais cujos efeitos daninhos e totalmente contraproducentes para alcançar a recuperação econômica eram fáceis de serem percebidos. Vejamos os dados.

O que aconteceu até agora?

Ainda estamos saindo de uma das maiores crises econômicas já vividas pela Europa, definida como a Grande Recessão (que, na verdade, deveria ser definida como a nova Grande Depressão), na qual, apesar do que diz a sabedoria convencional, ainda estamos estancados. A causa desta Grande Recessão (ou Grande Depressão) é bastante fácil de observar – e era, portanto, igualmente fácil de prevenir, algo que alguns países souberam fazer. A causa más importante foi a aplicação das políticas neoliberais iniciada nos dois lados do Atlântico Norte, ainda nos Anos 80, impulsadas pelos presidentes estadunidenses Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho, por Thatcher e Blair no Reino Unido, por Schröder na Alemanha, entre outros. Políticas que eram, nada mais nada menos, que um ataque frontal por parte do mundo do capital ao mundo do trabalho, promovendo reformas trabalhistas que tinham como objetivo reduzir os salários, como rezam as políticas de austeridade, cujo objetivo é reduzir ou desmantelar o Estado de Bem Estar, criando grande insegurança e instabilidade na classe trabalhadora, eixo das classes populares.


O enorme arrocho salarial como uma das causas da Grande Recessão

Era fácil prever que essas políticas de redução dos salários e cortes de gastos públicos criaram um enorme problema de demanda doméstica, que afetou negativamente o crescimento econômico. O grande crescimento do endividamento, causado pela diminuição dos salários, aumentou o tamanho do capital financeiro, que ao ver sua rentabilidade diminuída em termos de investimentos na economia produtiva – como consequência da escassa demanda –, passou a investir na economia especulativa, criando bolhas que, quando estouraram, deram início à enorme crise financeira que vivemos. Os índices econômicos, através dos anos, demonstram claramente a origem de tal crise – o que não significa, porém, que sejam facilmente visíveis nos principais meios de informação e persuasão, a grande maioria deles influenciados pelo capital financeiro, ou seja, pelos bancos.

Todo o enorme sofrimento causado pela aplicação das políticas neoliberais, que beneficiam única e exclusivamente os setores privilegiados e minoritários da população (o famoso 1% que está no topo da pirâmide a forma moderna de se referir à classe capitalista, os proprietários e gestores das grandes empresas financeiras, industriais e de serviços), era facilmente previsível. Ademais, essas medidas não só foram prejudiciais para a classe trabalhadora, a grande maioria da população, como também afetaram a própria eficiência do sistema econômico. Ao contrário do que o pensamento econômico neoliberal dominante sustenta, a iniquidade não favorece a eficiência econômica. Pelo contrário, a prejudica, como os índices econômicos também demonstram.

Como a sabedoria convencional neoliberal está mudando, sem admitir seus erros

Agora, quase dez anos depois do início da crise, alguns dos mais conhecidos arquitetos das políticas promovidas pelo establishment europeu – como Mario Draghi, o economista italiano que preside o BCE – indicam que as políticas monetárias, como imprimir mais e mais dinheiro, não têm sido suficientes para estimular a economia. Algo que é fácil de entender, pois esse dinheiro impresso pelo BCE não vai parar nas mãos do que o necessitam, ou seja, dos cidadãos e dos Estados – a não ser pela via indireta, através dos mercados secundários. O destino primordial são os bancos e as grandes empresas, que preferem acumular esses recursos para otimizar seus benefícios, sem que isso implique numa melhora da demanda doméstica. Por isso Draghi recomenda, agora, que se aumentem os salários, o que algumas poucas vozes, entre as quais me inclui, já vínhamos sugerindo desde o começo da crise, pois era fácil de ver que o grande estancamento do crescimento econômico era, em parte, resultado da queda da demanda doméstica, uma das consequências do arrocho salarial.

Porém, existem outras intervenções que ainda não foram reconhecidas como necessárias, mas eu tenho certeza que serão, nos próximos anos. Me refiro ao massivo investimento público voltado à criação de empregos e à estimulação da demanda doméstica. O máximo que o establishment europeu (as instituições que governam a Zona Euro) conseguiu fazer nesse sentido, até agora, foi o Plano Juncker (ideado pelo político luxemburguês Jean-Claude Juncker, ex-presidente do Eurogrupo e atual presidente da Comissão Europeia), um estímulo ao capital privado para que seja ele o que invista, ideia que tem se mostrado dramaticamente insuficiente. É bem provável que se passem mais dois anos até que o establishment entenda que esses investimentos são necessários para terminar finalmente com a Grande Recessão, como foram decisivos para a resolução da Grande Depressão.

Comparando a sabedoria convencional da Europa com a existente nos Estados Unidos

Neste sentido, é interessante ver o que está acontecendo nos Estados Unidos, e compará-lo com o contexto da União Europeia. A teatralidade das eleições nos Estados Unidos – devido, em parte, à figura atípica de Donald Trump – leva o debate eleitoral (ou o não debate) a ignorar as análises mais profundas dos programas econômicos e sociais dos candidatos, que têm diferenças mas também semelhanças, algumas delas especialmente relevantes, como a promessa de priorizar os investimentos públicos em melhorar a infraestrutura física do país. Os dois partidos majoritários estadunidenses propõem um massivo investimento público, não só para recuperar boa parte da estrutura física bastante abandonada nos últimos anos como também para estimular a criação de empregos com novos postos bem pagos.

Por exemplo, Hillary Clinton promete gastar mais de 270 bilhões de dólares em melhorar o sistema educativo, e afirma que seu objetivo é aumentar o acesso das classes populares a esse sistema, além de melhorar a infraestrutura do país, incluindo estradas, portos, ferrovias, transformação energética, estrutura de internet de alta velocidade e outros aspectos considerandos necessários – estruturas cujas deficiências são, em parte, consequências da queda na produtividade do país. Como era de se esperar, Trump prometeu gastar o dobro do previsto pela concorrente, também enfocando a infraestrutura física.

A proposta de Trump não prevê como esse gasto será financiado. Clinton sim o faz: com um imposto extra às companhias estadunidenses que tem parte da sua produção fora do país. Hoje, as políticas de apoio à globalização econômica estão desacreditadas nos Estados Unidos, e por isso a população apoia medidas que na União Europeia definidas e denunciadas como protecionistas. É interessante notar, nesse aspecto, a mudança de total de rumo tomada por Larry Summers, que foi um dos principais assessores da política econômica de Bill Clinton – e arquiteto da desregulação financeira dos Estados Unidos, uma das causas da crise financeira – e passou de ser um grande entusiasta da desregulação e da mobilidade dos capitais a defender, hoje, a regulação dos mercados e o investimento público massivo. Àqueles conservadores e liberais que protestam por tal incremento do gasto público, alegando (como sempre fazem) que estaríamos criando uma dívida que castigaria os nossos filhos e netos (um dos argumentos mais utilizados pelos gurus do neoliberalismo, e que ainda encontra enorme espaço em alguns meios de comunicação mundo afora), Summers responde indicando que seria imperdoável, neste momento, não investir para deixar aos filhos e netos uma infraestrutura muito melhor que a existente hoje. Mais que isso, ele reconhece que o governo estadunidense poderia pedir emprestado, a juros baixíssimos, pois tais investimentos provocariam um crescimento da produtividade, o que originaria um aumento de 3% na arrecadação do Estado federal, o que permitiria pagar a dívida facilmente.

Tal argumento se aplica também, por exemplo, ao Estado espanhol, que tem um dos maiores sistemas bancários privados do mundo, e um dos menores sistemas bancários públicos da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos), o grupo de países mais ricos do mundo capitalista desenvolvido. Seria de se esperar que isso seja revertido a médio ou longo prazo. Por mais paradoxal que pareça, o problema da Espanha não é a falta de dinheiro, mas sim os canais privados (a banca privada) nos quais circula. É provável que isso mude, sobretudo em consequência das transformações na cultura política e econômica do país, hoje extraordinariamente conservadora e causadora de danos ao bem estar das classes populares, e que está originando, como resposta, uma insatisfação generalizada que poderia mudar o país, caso as novas forças políticas sejam capazes de canalizá-la. Nesse sentido, é extraordinário o que já se conseguiu neste recente e curto período. As lentas mudanças impulsadas pela via parlamentar deveriam ser acompanhadas de amplas mobilizações em defesa dos interesses das classes populares, pressionando para que as reformas necessárias sejam realizadas. Na verdade, o fato de que o BCE hoje peça um aumento dos salários é uma resposta direta ao temor de que os movimentos de protesto – dos dois lados do espectro político – possam se expandir por todo o território europeu. Uma vez mais, se impõe a máxima de que por trás de toda mudança na política econômica, monetária e/ou financeira há fortes pressões políticas. E são essas variantes políticas que determinam os fenômenos econômicos, e não o contrário. Isso também é claro.

* Professor de Ciências Políticas e Políticas Públicas da Universidade Pompeu Fabra, e ex-professor de Economia da Universidade de Barcelona.

Tradução: Victor Farinelli

NESTES DIAS SOMBRIOS, LEMBRAR BRIZOLA

Como faz Fernando Brito, em seu Tijolaço. Com toda a veemência que a Política exige. Enfrentando, não conciliando.


A anti-PEC 241 do Brizola

brizaeduc
A vida, de vez em quando, nos dá um carinho.
O de saber que estivemos do lado certo.
Como hoje, dia da Criança e recém-aprovada a PEC que tira recursos da Educação.
Saber que estive e estou do lado da emoção da decência.
Como o velho Brizola, mais moderno que nunca:
Veja aqui.
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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

E O SÉRGIO MORO?

Ótimo artigo do professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, reproduzido no Conversa Afiada


Moro vai acabar na fogueira

"Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes"

publicado 11/10/2016
Florenca.jpg
Os que se beneficiaram dele em Florença trataram de queimá-lo vivo
O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval. É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida. Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".

Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto. Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.

Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savonarola foi queimado. Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

QUANDO O GOLPE FOR DERROTADO

Eis algumas das coisas que os políticos - de partidos, dos movimentos sociais, das imprensas e mídias vão ter que defender, para eu aceitá-los:


Propor emendas à Constituição para incluir entre as funções do Estado o combate à desigualdade.

Combate ao poder do capitalismo financeiro: bancos e grandes corporações sobre a sociedade. Taxando grandes fortunas e lucros sobre papeis dos bancos e corporações.

Reformar o aparato policial, desmilitarizando as polícias e passando a proteger toda a população, com o término da insegurança nas ruas e de territórios dominados por bandidos.

Restabelecer o equilíbrio entre poderes, limitando o as ações do poder judiciário e submetendo seus componentes a controle externo.

Quebrar os monopólios de mídia. Retirar de imediato concessões de rádio e televisão a políticos. Estabelecer uma empresa estatal de radiodifusão, tão forte aqui como por exemplo a BBC no Reino Unido.

Estabelecer um sistema de inteligência que controle as atividades de espionagem e de interferência de países estrangeiros na política e em aparelhos de estado brasileiros.


Assegurar direitos a movimentos sociais e sindicatos, para que tenham condições de negociar e para contrabalançar a guerra neoliberal contra direitos dos trabalhadores e cidadãos comuns.

E claro, muito mais. 

No intervalo, recomendo muito a leitura do livro Golpe de Estado, de Mylton Severiano e Palmério Doria. Mesmo para quem viveu todos esses anos desde o golpe  de 1964 e ditadura civil militar subsequente, é importante recuperar como agimos e como eles agiram até o golpe, em marcha, de 2016.