segunda-feira, 31 de março de 2014

GRANDE PARTICIPANTE DO GOLPE E DA DITADURA: A IMPRENSA

Veja esta matéria de Luiz Carlos Azenha, no Viomundo

Golpe de 64 e a imprensa: 50 anos depois, a manipulação continua; depois da ditabranda, a “ditacurta”

publicado em 31 de março de 2014 às 6:33
por Luiz Carlos Azenha

Ao participar no sábado do evento TV Globo: Do Golpe de 64 à Censura Hoje, o professor Luiz Antonio Dias contou um pequeno causo. Ele descobriu nos arquivos da Unicamp pesquisas do Ibope, algumas das quais nunca divulgadas, demonstrando apoio a João Goulart, à política econômica de Goulart e às reformas de base propostas por ele. Pesquisas feitas em 1963 e às vésperas do golpe que derrubou o presidente constitucional, em 64. Ver o vídeo da vimeo.

Há alguns dias, o professor recebeu uma ligação de um jornalista de O Globo. Como estava na rua e não dispunha dos números exatos nas mãos, arredondou: disse que as reformas de Jango tinham cerca de 70% de apoio popular. No outro dia foi olhar no jornal e constatou: segundo o jornalista, 30% dos entrevistadosrejeitavam as reformas! Ou seja, o jornalista optou pelo viés negativo e cometeu um erro, já que o número real dos que rejeitavam era de 9% — os demais não sabiam ou não responderam.

É a manipulação de informações, versão 2014!

Vejamos outro caso:
O título acima, da Folha, reflete uma escolha editorial. Ênfase a algo dito pelo entrevistado que desqualifica a luta armada de resistência à ditadura. Muito mais importante, a meu ver, é esta afirmação, já que estamos tratando, 50 anos depois, de rever a História:


Por que não foi para o título? Porque chama atenção para o papel da mídia no golpe e, indiretamente, da própria Folha de S. Paulo.

Notem também a pergunta safada incluída na pesquisa do Datafolha:
Claramente, a pergunta é dos apoiadores do golpe e dos organizadores e financiadores da tortura na Operação Bandeirantes: iguala a tortura organizada e financiada pelo Estado, com apoio de empresários como Octávio Frias de Oliveira, a casos que a Folha não define quais são, de parte da resistência. Nojento!

Já o caderno do Estadão sobre o golpe fala em uma sociedade dividida, mas não é enfático ao definir a divisão: de um lado a elite brasileira, com apoio dos Estados Unidos, tendo como um dos principais conspiradores Júlio de Mesquita Neto; de outro, os trabalhistas e as reformas de base, dentre as quais — tremores no prédio do Estadão — a reforma agrária. O jornal escreve que deixou de apoiar os golpistas logo depois que eles adiaram as eleições de 65, como se isso diminuísse a responsabilidade do diário moribundo por incitar a quartelada.

Na palestra acima, que vale muito a pena ver, o professor Luiz Antonio Dias fala um pouco sobre este papel. Ele fez seu estudo de mestrado a respeito do papel da Folha e do Estadão nos meses que antecederam o golpe.

Conta de um caderno especial que saiu na Folha, antes do 31 de março, falando de um novo tempo que o Brasil viveria! Sugere, assim, que o jornal sabia antecipadamente que João Goulart seria derrubado.

Fala das notícias falsas plantadas na época  – por exemplo, a de que emissários de Moscou tinham estado com o governador de Pernambuco, Miguel Arraes e que a revolução comunista começaria por Pernambuco.

Fala dos “tentáculos vermelho-amarelos” da propaganda anticomunista, que justificou a derrubada de Goulart.

O professor cita um argumento do jornal ao publicar uma notícia não confirmada: “Não sabemos bem ao certo, mas a fonte é segura”. Isso lembra muito o que escreveu a Folha sobre a ficha falsa da candidata do PT Dilma Rousseff publicada na primeira página durante a campanha eleitoral de 2010. Ao investigar, depois da publicação, afirmou o jornal que era impossível confirmar ou desmentir a informação.

Em resumo: 1964 é agora! Talvez de forma mais sutil, já que existem as redes sociais para desmentir, mas a omissão, a manipulação, a distorção e a falta de contexto continuam.

O professor também dá uma sapecada no historiador Marco Antonio Villa, o teórico da “ditacurta” que tem obtido grande espaço na Globonews.

domingo, 30 de março de 2014

COMO AGEM OS TROLLS DA DIREITA NA INTERNET

Do Tijolaço

Aécio sabia do que falava. Há mesmo o “mensalão da Internet”: o da direita…

30 de março de 2014 | 07:02 Autor: Fernando Brito
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No final de maio do ano passado, o senador Aécio Neves publicou umartigo na Folha, fazendo coro às acusações de Marina Silva de que havia um  ”Mensalet” ou “mensalão da internet”, “uma indústria subterrânea voltada a disseminar calúnias e a tentar destruir reputações”.
“Fingindo espontaneidade, perfis falsos inundam as áreas de comentários de sites e blogs com palavras-chaves previamente definidas; robôs são usados para induzir pesquisas com o claro objetivo de manipular os sistemas de busca de conteúdo; calúnias são disparadas de forma planejada e replicadas exaustivamente, com a pretensão de parecerem naturais.“, escreveu Aécio.
Hoje, o Estadão mostra que o presidente do PSDB sabia do que estava falando.
Pouco antes do julgamento dos embargos infringentes, segundo o jornal, “um ‘exército de “robôs’ entrou em campo no Twitter durante o julgamento do mensalão com o provável objetivo de levar um slogan aos “trending topics” – a lista de termos mais citados”.
A mensagem “diga #NaoAosEmbargosInfringentes” foi espalhada por 23.846 usuários.
Deles, apenas três pessoas de verdade.
Os outros 23.843 eram perfis falsos, criados em série e, informa o repórter Daniel Bramatti, “seguidos por zero usuários e também não seguiam ninguém no Twitter; entraram na rede em 13 ou 14 de setembro”.
Todas as mensagens remetiam a um vídeo no Youtube, o “#OperaçãoBrasilSemPT.”.
O senador Aécio Neves, que foi à Justiça tentar bloquear menções a seu nome que o associassem a entorpecentes ou a desvios de verba, certamente vai apoiar uma investigação sobre este “exército”  de “robôs” que visava pressionar o Supremo e criar um clima de comoção nas redes sociais, não é?
E não precisa ser sob sigilo de Justiça, como fez ele, identificando-se apenas como “A.N. da C.”.
Pode e deve ser aberto, conduzido pelo Ministério Público Eleitoral, já que a menção ao “Brasil sem PT” deixa evidente o cunho de propaganda antipartido da propaganda e, portanto, tão propaganda eleitoral irregular quanto aquela que é a favor.
Basta imaginar o que estariam fazendo, a esta hora, os tucanos se a chamada fosse para um “#OperaçãoBrasilsemPSDB”.
É, simples, simples, descobrir a origem: basta pedir ao Twitter os “IP” dos criadores ou do criador dos perfis falsos, naqueles dois únicos dias. Identificado, ver quem o contratou.
Você acredita que o PT vá pedir essa apuração? Nem eu.
E os “brucutus” tucanos vão continuar agindo na certeza da impunidade.

PASADENA: O QUE DIZ GABRIELLI

Do Brasil 247


VOCÊ QUER UM CACHO DE BANANA?


Você quer um cacho de banana,
Mas na sua terra não dá,
A banana é do meu país,
Veja lá, onde mete o seu nariz.
Acho uma graça,
Em mister johnny,
Em tudo quer ser o tal,
Qualquer dia vai querer ser dono,
Até, do nosso carnaval.

Marchinha da década de 60, ou 50. Bons tempos em que no Brasil se podia falar de forma leve sobre a mão pesada (e cheia de sangue) do império estadunidense. É fundamental lembrar o papel de coordenação, financiamento e talvez de comando dos EUA no golpe que instalou a ditadura de 21 anos no Brasil, de 1964 a 1985. Recomendo entre outras a leitura do artigo de Monis Bandeira na Carta Capital desta semana. Não deu para copiar, é melhor você comprar a revista, que está particularmente rica. 

sexta-feira, 28 de março de 2014

PRECISA FALAR MAIS SOBRE O QUE FOI O MENTIRÃO?

Artigo de Breno Altman, sobre o tratamento dado a Azeredo versus o dado aos dirigentes do PT


Decisão sobre Azeredo desmascara AP 470

Por Breno Altman

O Supremo Tribunal Federal deliberou, por 8 votos a 1, pela remessa do processo contra o ex-deputado Eduardo Azeredo à primeira instância, nas montanhas de sua Minas Gerais, onde responderá pelo mensalão tucano.

Tal resolução, a bem da verdade, guarda coerência com outra, tomada há algumas semanas, que estabeleceu desmembramento de processos que envolvam cidadãos com e sem foro privilegiado, ainda quando partilhando a mesma denúncia penal. Aqueles que não possuírem alçada federal, serão remetidos para o pé da pirâmide judicial, com direito a dois ou até três graus de apelação.

Pode-se especular que o ex-presidente do PSDB renunciou ao mandato parlamentar por razões maliciosas, apenas para ganhar tempo e aumentar as chances de prescrição para eventuais crimes, além de buscar a tranquilidade de uma comarca na qual exerça maior influência. Mas não há qualquer dúvida que a atitude tomada por Azeredo, trocando sua cadeira na Câmara por maior segurança jurídica, está protegida por direitos constitucionais. Como reconheceu, aliás, a própria corte suprema.

Talvez seja pertinente a crítica moral. Ao contrário de José Dirceu, que recusou abdicar do parlamento para escapar da cassação, preferindo o combate político ao cálculo de oportunidades, o outrora governador mineiro resolveu escapar pela porta dos fundos. Não é bonito, tampouco ilegal. Dirceu tem obrigação histórica e biográfica de ser como é. Azeredo contou com a possibilidade regulamentar de agir como o fez.

O mais relevante, no entanto, está na jurisprudência que acarretam as novas deliberações do STF. Depois de revisado o crime de quadrilha, caiu a segunda das quatro pilastras sobre as quais se ancorou a AP 470, qual seja, a unificação de todas as denúncias em um só processo na corte suprema quando qualquer dos réus goza de foro privilegiado. Quando foi analisado o caso contra os petistas, apenas três dos 39 acusados eram parlamentares nacionais, mas todos foram conduzidos a julgamento em instância única.

Este procedimento, considerado fundamental para as condições de espetáculo e resultado contra Dirceu e companheiros, foi devidamente arquivado depois de ajudar o relator Joaquim Barbosa a alcançar seus objetivos. Não é à toa que o único voto contra Azeredo tenha sido o do atual presidente do STF, possivelmente pouco à vontade em corroborar, com sua própria incoerência, o caráter de exceção do encaminhamento anterior.

A mudança de critérios, de toda forma, desmascara parte dos métodos arbitrários do processo precedente, que também se encontram sob acosso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reiteradamente exigindo que todos os signatários do Pacto de San Jose ofereçam julgamento recursal em ações penais, mesmo quando os réus são enquadrados na instância superior do sistema judiciário.

Com o tempo, não irá restar pedra sobre pedra das armações que determinaram a AP 470, cujas operações foram tecidas sob medida, para ocasião única, na alfaiataria dirigida pelo ministro Barbosa. Ainda restam outras duas colunas: o domínio do fato como teoria que dispensa provas materiais concretas para condenação e o fatiamento do suposto crime de suborno em diversos delitos independentes, com a meta de garantir a devida exacerbação penal. Tampouco essas aberrações sobreviverão à via constitucional que o STF está obrigado a retomar.

Quando a normalidade jurídica estiver plenamente recuperada, porém, a corte suprema terá que resolver um dos maiores dilemas de sua história. Como irá corrigir as injustiças e desmandos que levaram à cadeia líderes históricos do PT? Quem irá pagar a conta do circo judicial e midiático montado com a única finalidade de degolá-los por crimes que jamais cometeram?

* Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi

I'M FIXING A HOLE

Essa canção dos Beatles sempre me intrigou. Na realidade, os dois primeiros versos: Estou consertando um buraco por onde a chuva entra / e impede minha mente de divagar.

Não sei bem porque. Na época do lançamento, eu teria meus vinte e poucos anos - a mesma idade deles. Escolhi esses dois primeiros versos, sem saber bem o que eles queriam dizer, ou se eles estavam tentando dizer alguma coisa a mais. Para o resto do poema não prestei muita atenção, e agora, revendo ele inteiro, continua sem dizer muita coisa para mim. Na parte musical, a mesma coisa, só a dos primeiros versos me chamou a atenção.

Nestes dias, em que o conceito de trabalho necessário tem perdido o sentido que tinha antes numa sociedade pós-industrial, em que um intelectual italiano escreve sobre "Ócio Criativo", e em que um economista prêmio nobel escreve um livro com o título "Desenvolvimento como Liberdade", livrar-se do buraco que não deixa a mente vagar tem outros significados. 

O buraco, por sua vez, pode ser questão mais grave. Pode impedir a liberdade. Pode vir de problemas familiares, afetivos. Pode vir da atuação de fascistas e defensores de ditaduras em um regime democrático, antes que uma democracia real, orgânica, possa se estabelecer, para ser capaz de ser um contraponto ao domínio extenso e esmagador do capital (também chamado de mercado). 

Em minha juventude não foi um buraco, foi uma catástrofe - o golpe civil-militar de 1964, supervisionado e parcialmente financiado pelos Estados Unidos, que fincou sobre o país uma ditadura que durou mais de vinte anos, e que até agora não foi "fixed". 





DOIS DISCURSOS NO PRIMEIRO DE ABRIL DE 1964

Ouça dois importantes discursos, de gente que se opôs ao golpe, e que pagaram, com o exílio um e com o assassinato pelos bandidos da ditadura, outro: Miguel Arraes, e Rubens Paiva. Serenos, firmes. Lembrança de Paulo Moreira Leite, no Isto É Independente.

E A ÁGUA PARA SÃO PAULO CONTINUA A SE ESGOTAR

Do Tijolaço, hoje

Alckmin, Cabral e imprensa travam a falsa “guerra da água”. E o Cantareira seca…

28 de março de 2014 | 11:24 Autor: Fernando Brito
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A Folha e o Estadão trazem matérias sobre a preocupação de que a “guerra pela água” entre os estados de São Paulo  e Rio de Janeiro se agrave e vá parar na Justiça.
Não vai, a não ser como expediente político.
O problema do abastecimento de água de São Paulo não é para daqui a três anos, quando – com otimismo – poderia ficar pronta a tal captação de água do Rio Paraíba do Sul.
É para agora, já.
Mesmo com as “contas de chegar” que a Sabesp faz para ganhar 0,1 ou 0,2% no volume de água do Sistema – somando a capacidade de um “reservatório” que não pode suportar mais que um dia de fornecimento à cidade, o valor oficial da reserva de volume baixou para 13,8% (ou 13,7%, segundo a Agência Nacional de Águas)
Sem contar a tal “caixa de passagem”, o Sistema Cantareira tem 13,5% de capacidade e seu principal reservatório – 83% do total – está reduzido a 6,6% de seu volume e nem mesmo há certeza que, abaixo de 5%, o túnel que retira dele a água possa funcionar perfeitamente, porque a lâmina d’água sobre a defesa da tomada de captação – veja na foto como é, numa das quatro das seis tomadas que já estão secas – pode não oferecer vazão suficiente para o enchimento total do seu volume.
O esvaziamento deste reservatório está mais acelerado porque a Sabesp resolveu “reforçar” o reservatório do Atibainha, de onde vai bombear água quando o sistema não tiver mais o que transportar por gravidade para a Elevatória de Santa Inês, que manda água para São Paulo.
Não há uma matéria nos jornais sobre o andamento destas obras, nem sobre qualquer estudo sobre a qualidade da água de fundo do reservatório, cuja carga de algas já obrigou, diversas vezes, a aplicação de sulfato de cobre para torná-la adequada á estação de tratamento do Gargaú.
Natural: os jornais de São Paulo estão preocupados com a “guerra” forjada por Alckmin para amenizar a responsabilidade de governos que, há 20 anos, não investem em aumento na reservação de água para a Grande São Paulo.

AS ELEIÇÕES, UMA ANÁLISE DE RODRIGO VIANA

Mudança ou continuidade: uma eleição mais difícil do que parece para Dilma

publicada quinta-feira, 27/03/2014 às 19:05 e atualizada quinta-feira, 27/03/2014 às 19:11
por Rodrigo Vianna

Desde o retorno da Democracia no Brasil, tivemos 6 eleições presidenciais. De uma maneira geral (e algo superficial), podemos dizer que quatro delas se deram sob o signo da “continuidade”. E outras duas sob o signo da “mudança”.

Em 1989, com a hiperinflação e o desemprego atormentando o país, a disputa foi pra ver quem encarnaria a  mudança necessária e desejada: Lula e Brizola pela esquerda; Collor pela direita – mas com ares de renovação. A candidatura de “continuidade” (Ulysses, PMDB) foi massacrada. E Collor(com ajuda da Globo) ganhou a eleição. O conservadorismo precisou se travestir de mudança pra não  entregar o poder à esquerda.

Em 1994, Itamar Franco domou a inflação com oPlano Real, e FHC encarnou a “continuidade” do que estava dando certo - venceu Lula no primeiro turno. Em 1998, também sob signo da “continuidade”, FHC foi reeleito (e, de novo, em primeiro turno).

Em 2002, o “apagão” energético e a crise cambial que levaram o Brasil ao FMI já no começo do segundo mandato de FHC, abriram caminho para a “mudança”. Lula se elegeu (assumindo compromissos com o conservadorismo, sim; mas encarnando a “mudança”). Depois, sob o signo da “continuidade”, Lula conquistou a reeleição em 2006 (havia os programas sociais e o combate à pobreza como realidades a proteger, a manter), e conseguiu eleger Dilma em 2010.

Chegamos a 2014 sem uma definição tão clara como a dos pleitos anteriores. Afinal, estamos diante de uma eleição de”mudança” ou “continuidade”??

pesquisa IBOPE da semana passada criou certa euforia entre os apoiadores do lulismo. Dilma apareceu com mais de 40% das intenções de votos, em todos os cenários. Aécio(PSDB) marcou 15% e Eduardo Campos (PSB) só 7%. A pesquisa indicou anemia dos dois candidatos da oposição (e Marina, ao lado de Eduardo, também parece ter perdido o encanto e a capacidade de encarnar”mudança”). Além disso,  a rejeição de Dilma (mesmo sob bombardeio diário da velha mídia) é praticamente a mesma dos dos dois adversários.

Esses números indicariam, portanto, mais uma eleição de “continuidade”, certo? Não. Primeiro porque a maior parte do eleitorado não parou pra pensar em eleição. Por isso, é natural que Dilma esteja bem na frente. Mas o principal: quase dois terços dos entrevistados (64%) dizem que gostariam de mudar tudo ou muita coisa no país. Cerca de um terço (32%) diz que prefere pouca ou nenhuma mudança.

Ora, o povo quer “mudança” mas vota na “continuidade”? O quadro é complexo. O IBOPE perguntou à turma que pede mudança (total ou muita): quem deveria comandar esse processo de “mudança”? 27% querem que Dilma seja a comandante da “mudança”. Ou seja: 27% – dos 64% que pedem mudanças - querem Dilma, o que significa cerca de 18% do eleitorado total. 

A conclusão é que – pela primeira vez em 25 anos – teremos um quadro híbrido entre “continuidade” e “mudança”. A maioria do eleitorado até deseja mudanças, mas (por hora) não confia na oposição para comandar essas mudanças. Dilma segue favorita porque  consegue somar: os brasileiros que desejam continuidade (32%) + os que desejam mudanças com Dilma (cerca de 18% do eleitorado).

Essa equação só é possível porque a oposição não consegue encantar o eleitorado que deseja mudança. Esse quadro pode mudar até outubro?Pode. Não faz sentido que, num país em que dois terços do eleitorado desejam mudança, a oposição não consiga sequer levar a eleição para o segundo turno.

nova pesquisa CNI/IBOPE (não confundir com a anterior, que era só do IBOPE) traz mais sinais de que a eleição será dura. Só 36% dos brasileiros consideram o governo Dilma ótimo ou bom (é aquele um terço que – pela pesquisa anterior – deseja continuidade). Para 27%, o governo é ruim ou péssimo (eram 20% na pesquisa anterior). E 36% consideram o governo regular. Além disso, a confiança em Dilma recuou para 48%. E a desconfiança atingiu 47%.
São dados a apontar uma eleição realmente disputada. Ok, podemos desconfiar do IBOPE. O instituto tem um histórico complicado, como escrevi aqui. Mas quem anda pelas ruas das grandes cidades percebe – sim- um quadro (moderado) de insatisfação.

A CPI da Petrobras ajudaria a provocar mais desajustes entre Dilma e a elite (econômica e política) do país. Mas tem pouco potencial de atingir a grande massa de eleitores. O que parece pesar mais, especialmente nas grandes cidades, é esse clima difuso de mau-humor: trânsito, violência, caos urbano. Nada disso é responsabilidade do governo federal, mas ajuda a criar a impressão (verdadeira?) de que as coisas não vão tão bem. A isso soma-se a tempestade de notícias ruins despejada sobre nós todos os dias pelas TVs, radios e jornais. Dilma vai sentir na pele em breve o erro que foi não enfrentar a questão da comunicação no Brasil.

Mas é preciso dizer que nem tudo é culpa da “velha imprensa”. Há dificuldades concretas. Lula levou o país a um novo patamar. Elegeu Dilma para mais um salto. Só que a impressão é que passamos quatro anos sem sair do lugar. O dia-a-dia do brasileiro não piorou, mas parou de melhorar. A grande mudança prometida – redução de juros e retomada do desenvolvimento (com dinheiro saindo dos bancos para o investimento) – não aconteceu. Dilma perdeu a guerra com os rentistas. Mas tem o mérito inegável de ter mantido o emprego baixo (muito baixo) em meio a uma grave crise internacional. É uma espécie de “empate” – que permite tanto pensar em “mudança” como em “continuidade”.

A oposição não conseguiu explicar até agora qual seria a alternativa a Dilma. Pode encaixar um discurso mais consistente até outubro? Na teoria, pode. Mas Aécio e Eduardo não parecem ter um problema só de comunicação. Falta realmente um projeto, uma “utopia” para apresentar ao país. Dilma, por outro lado, pode perfeitamente consolidar a vitória, desde que consiga criar a imagem de “mudança, mas sem aventura nem passo atrás.”

Só que, repito, a eleição será muito mais difícil do que indicam hoje os percentuais de voto em Aécio e Eduardo. O quadro geral indica eleição para dois turnos, disputada, com o país dividido.

quarta-feira, 26 de março de 2014

UM DEPOIMENTO SOBRE A DITADURA - A PARTE CIVIL

Do Carta Capital

Um golpe contra o Brasil

O objetivo da ditadura era implantar um projeto econômico e social cujo alvo eram os trabalhadores, escreve Ivan Seixas
por Ivan Seixas — publicado 25/03/2014 08:55, última modificação 25/03/2014 09:23
Veronica Manevy
ivan
Ivan Seixas no antigo prédio do DOI-Codi. Ele acompanhou o assassinato do pai
Engana-se quem acha que a ditadura foi implantada , em abril de 1964, com uma quartelada ou alguma ação improvisada de militares furiosos. Foi um golpe de Estado anticomunista, antioperário e antinacional, dentro da histeria da Guerra Fria, em uma agressão escancarada para impor um minucioso projeto econômico e social desenvolvido segundo os interesses do capitalismo estrangeiro e seus aliados nacionais.





Para impor esse projeto econômico e social era necessário impor o arrocho salarial e medidas impopulares sem precedentes. E para que isso se efetivasse era necessário o terrorismo de Estado e a cumplicidade e cooperação do empresariado nacional. A grande maioria dos sindicatos de trabalhadores sofreu intervenção, que passaram a ser dirigidos por gente de confiança da ditadura e dos patrões. Para garantir a repressão, uma extensa rede de repressão se instala desde os primeiros momentos da ditadura sob o comando do temido SNI - Serviço Nacional de Informações, complementada por agentes de repressão particular dentro das fábricas, contratados pelos empresários. Essa cooperação é prevista no organograma do SISNI – Sistema Nacional de Informações, que destaca as “Comunidades Complementares” com os convênios com “Entidades privadas conveniadas”.
Toda essa rede de arapongas a serviço do empresariado foi detectada pela Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, com base em documentos oficiais do SNI, guardados no Arquivo Nacional. Do mesmo modo, o Arquivo do Estado de São Paulo guarda documentos que mostram que as empresas entregavam as fichas funcionais de seus empregados ao DOPS – Departamento de Ordem Política e Social para que fossem perseguidos pela temida repressão política e essa perseguição servir de desculpas para demitir e colocar o nome do perseguido nas “listas negras” daqueles que não poderiam conseguir emprego mais. Suas famílias passavam fome e os empresários impunham assim o medo da demissão e a submissão dos trabalhadores dentro do projeto implantado em abril de 1964.
A Comissão Estadual descobriu também os livros de entrada e saída no DOPS. Não o livro de entrada de presos, mas o de visitantes do departamento. Sem nenhuma dúvida, o visitante mais constante era um funcionário da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Geraldo Resende de Mattos, homem de confiança do chefe da entidade patronal. Suas visitas nem sempre têm registrado o horário de saída. Numa dessas vezes, a entrada foi pouco antes das seis da tarde e sua saída se dá no dia seguinte quase sete horas da manhã. Óbvio que o funcionário da FIESP ia lá organizar a repressão ao movimento sindical já amordaçado, reprimido e duramente perseguido. Mais uma vez o projeto econômico e social implantado em 1964 era garantido pela repressão política da ditadura sem nenhum disfarce, bem longe da civilidade ou legalidade.
Outro que visitava muito aquele órgão de repressão, tortura e extermínio e opositores à ditadura militar era Claris Halliwell, graduado membro do consulado geral dos EUA, que entrava e saía com muita frequência e também não tinha horário de saída registrado ou só saía no dia seguinte. Em geral, sua presença lá coincidia com os dias em que aconteciam terríveis sessões de tortura a membros da resistência ao estado de terror imperante. Sua entrada acontecia junto com conhecidos torturadores do DOI-CODI de São Paulo como o tenebroso Capitão Ênio Pimentel Silveira, notório torturador e assassino de presos políticos. A entrada dos dois indica que participavam das sessões de torturas, como é o caso do dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), Devanir José de Carvalho, Comandante Henrique, barbarizado por quase três dias seguidos e assassinado ao fim dessa jornada.
Torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores militantes de organizações revolucionárias de luta armada aconteciam no mesmo lugar e com a mesma atenção que a repressão ao movimento sindical e de trabalhadores em geral. A ligação que há entre Mister Halliwell e Geraldo Resende de Mattos é o projeto econômico e social implantado em 1964, com orientação, apoio e acompanhamento do governo americano ao Estado usurpado pelos golpistas civis e militares, que se perpetuaram por longos 21 anos seguidos no poder. Causaram danos em, pelo menos, três gerações de brasileiros e estão impunes até hoje.
Nesse momento em que se marcam os cinquenta anos do assalto ao poder por gente que não tinha compromisso com a democracia e menos ainda com o País, devemos refletir o que se pode fazer para o Brasil continuar e aperfeiçoar suas instituições. Cometeram crimes de lesa-humanidade e também crimes de lesa-pátria, pois causaram danos ao povo trabalhador, aos jovens, à cultura nacional, à economia nacional e às instituições nacionais. E continuam impunes. As mortes são imperdoáveis, mas o que se pode dizer da fome causada aos trabalhadores colocados nas chamadas “listas negras”? Não eram “apenas” os trabalhadores, mas todos os componentes de suas famílias. Danos morais, políticos e econômicos em mulheres, crianças e idosos. Não há como perdoar. Tudo cometido em nome de um maldito projeto econômico e social de uma potência estrangeira.
*Ivan Seixas, ex-militante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), foi torturado ao lado do pai, assassinado pelo regime. Hoje Seixas preside o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Seu relato faz parte da série de 50 depoimentos coletados para o especial Ecos da Ditadura, sobre os 50 anos do golpe civil-militar de 1964.

PROFESSOR DA USP CRITICA O GOVERNO

Saiu no Viomundo. Vale a pena ler toda a entrevista:


Júlio Cerqueira César: “Alckmin e Sabesp já estão fazendo racionamento de água; é dirigido aos pobres, vão deixar os ricos para o fim”

publicado em 24 de março de 2014 às 18:45
Júlio Cerqueira César Neto: “A Sabesp se transformou num balcão de negócios. Sucesso total no mundo dos negócios, fracasso total no mundo sanitário, na saúde pública”

por Conceição Lemes

Apesar de o nível do sistema Cantareira diminuir dia após dia, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) insiste: o racionamento de água está descartado em São Paulo.
A razão é óbvia: teme que a medida interfira nas eleições de 4 de outubro.

“Só que o governador e a Sabesp já estão fazendo racionamento e dizem que não vão fazer”, condena o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, professor aposentado de Hidráulica e Saneamento da Escola Politécnica da USP. “Ao não contar todas as coisas que está fazendo, o governador  mente.”

“Na verdade, o racionamento começou há mais de dois meses”, denuncia. “A Sabesp já está cortando água em vários pontos da cidade de São Paulo e em municípios da região metropolitana, como Osasco, Guarulhos, São Caetano do Sul. Em português, o nome desses cortes é racionamento.”

“Só que essa forma de fazer o racionamento me parece completamente injusta, pois é  dirigida aos pobres; vão deixar os ricos para o fim”, prossegue. “Se existe essa situação de crise total, todos têm de ser penalizados.”

Para o professor, o problema não é falta de chuvas, mas a falta de investimento em mananciais.

“O sistema  de chuvas funciona de acordo com ciclos naturais da natureza. Esses ciclos de secas e enchentes, menos água, mais água – chamados de ciclos hidrológicos negativos –, ocorrem naturalmente. Nós não temos influência grande nisso”, explica.
 “Nosso sistema de abastecimento de água, portanto, deveria ser sido feito de forma a prevê-los e superá-los. Não é o aconteceu.  Em 1985, São Paulo inaugurou o sistema Cantareira e o governo do Estado e a Sabesp, especialmente, cruzaram os braços.”

“A partir da década de 1990, a Sabesp aderiu ao modelo neoliberal e passou a buscar o lucro a qualquer custo, independentemente dos direitos fundamentais do homem”, observa o engenheiro. “Assim,  deixou de considerar o saneamento básico como problema de saúde pública. E passou a encará-lo como um negócio qualquer.”

“A Sabesp se transformou num balcão de negócios. Sucesso total no mundo dos negócios, fracasso total no mundo sanitário, na saúde pública”, sentencia Júlio de Cerqueira César Neto.

“O volume morto do sistema Cantareira não é reserva estratégica coisa nenhuma e seu uso terá consequências”, avisa. “Tirar água do rio Paraíba do Sul para o Cantareira é mais uma jogada demagógica do governador.”

Por quê? Sugiro que leiam a íntegra da entrevista do professor Júlio Cerqueira César Neto até o final. É muito esclarecedora.

Viomundo – Em 2009, 2010 e 2011, a região metropolitana de São Paulo enfrentou grandes enchentes. O então governador José Serra (PSDB) debitou-as na conta de São Pedro e da população das periferias por jogar lixo e entulhos na rua. Agora, a situação é oposta. Há falta dramática de água. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) responsabiliza a falta de chuvas pela crise de desabastecimento.  O que acha disso?

Júlio Cerqueira César – O abastecimento de água e a drenagem são sistemas de infraestrutura urbana que têm as suas próprias lógicas e características.

Isso quer dizer o seguinte. O abastecimento depende de chuvas intensas para encher os reservatórios. Então, teoricamente quanto mais água tiver durante o ano, melhor. Teremos água para consumir.  Quando isso não acontece, falta água.

O problema da enchente é o contrário. Quando o sistema de drenagem não tem capacidade para escoar as chuvas que ocorrem no período chuvoso, ele extravasa. É completamente oposto ao que acontece agora.

Infelizmente, temos deficiências nos dois sistemas.  O nosso abastecimento de água está totalmente insuficiente em função das disponibilidades que o meio ambiente nos fornece. Se o governo do Estado tivesse feito há mais de 10 anos as obras de reforço necessárias, nós não teríamos falta d’ água hoje.

A mesma coisa acontece em relação às enchentes. Se o governo do Estado não aumentar a capacidade de drenagem dos nossos canais e rios, teremos enchentes.
Fiz até esta piada com a nossa situação.

O governador foi dormir com a dona Lu e falou:
– Oh, meu amor, reza para chover bastante.  Senão a minha reeleição vai para o brejo…o volume dos reservatórios está diminuindo…
Ao que dona Lu respondeu:
– Mas meu bem, se eu pedir pra chover muito, a cidade vai ficar alagada, você vai perder a eleição do mesmo jeito.

Viomundo – Qual o peso da falta de chuvas na atual crise desabastecimento de água?

Júlio Cerqueira César – Vamos tirar a chuva da pauta de discussões, porque o sistema  de chuvas, que é o clima, funciona de acordo com ciclos naturais da natureza. Esses ciclos de secas e enchentes, de menos água, mais água – chamados ciclos hidrológicos negativos –, ocorrem naturalmente. Nós não temos influência grande nisso.

Nosso sistema de abastecimento de água, portanto, deveria ser sido feito de forma a prevê-los e superá-los. Não é o aconteceu.  Em 1985, São Paulo inaugurou o sistema Cantareira e o governo do Estado e a Sabesp, especialmente, cruzaram os braços.

Viomundo – O que deveria ter sido feito?

Júlio Cerqueira César — Em 1985, quando o Cantareira ficou pronto, ele abastecia com folga 100% da população que existia naquela época. E, ainda, tinha capacidade para fazer face às ocorrências cíclicas que a natureza nos proporciona. Era um sistema projetado para satisfazer as necessidades e não deixar a população sem água.

Tanto que de 1985 a 2003 não tivemos um problema de abastecimento de água. Fomos ter 2003, quando houve estiagem prolongada e o Cantareira quase entrou em colapso. A demanda de água de São Paulo era maior do que a disponibilidade dos nossos mananciais.

O que aconteceu? De 1985 a 2003, a população continuou crescendo.  Só que não se investiu mais em mananciais.

Com a inauguração do Cantareira, não era para sentar na cadeira e dizer: agora eu não faço mais nada. Tinha e tem que continuar fazendo, porque a população cresce e eventos hidrológicos negativos variados acontecem.

Viomundo – E de 2003 para cá o que foi feito?

Júlio Cerqueira César – Nada!  Há quase 30 anos São Paulo não investe em novos mananciais.

De 1985, quando o sistema Cantareira foi inaugurado, até 2003, quando tivemos a primeira situação complicada de desabastecimento, eles queimaram a “gordura” que o sistema tinha.

Acontece que não aprenderam nada com a crise de 2003 e continuaram a não tomar as providências indispensáveis  e agora estamos nessa situação dramática.
Em certas regiões do mundo não tem água. Israel, por exemplo. Lá, eles não têm água e têm de se virar, pegar água do mar, dessalinizar…

Nós, não. A região metropolitana de São Paulo dispõe do Vale da Ribeira, que tem água mais do que suficiente para o resto da vida da metrópole. E sem prejudicar os moradores de lá.

Então, o nosso problema não é falta d’água. É falta de investimento para ampliar o sistema como foi feito anteriormente com o Cantareira e que nos deixou em 1985 numa situação de  abastecimento de gente civilizada.

Viomundo – O que deveria ter sido feito?

Júlio Cerqueira César – No dia seguinte à situação altamente favorável com a inauguração do Cantareira, a Sabesp deveria ter-se sentado à mesa para definir qual seria o próximo manancial a abastecer São Paulo dali a 10 anos.

E, aí, começar a programar a evolução do sistema ao longo do tempo em função de um crescimento de população que ela deveria imaginar que iria ocorrer. E ir fazendo investimentos, aumentando os mananciais, em função de uma previsão de crescimento da população.

Mas a Sabesp não fez isso. Ficou com os louros da vitória. E a população à revelia (risos) continuou crescendo.

Viomundo – Na prática, seria fazer o quê?

Júlio Cerqueira César  — Ampliar os mananciais. E entre disponíveis, há o do Vale da Ribeira.  Se lá atrás, a Sabesp tivesse feito obras para captar 20 m3/s do Vale do Ribeira, hoje não faltaria água.

Raciocine comigo. O sistema Cantareira foi inaugurado em 1985. Então, em 1990/1995, eles já deveriam começar as obras de  novos mananciais. E poderiam fazer sem correrias, sem superfaturamento, e ir atendendo as necessidades da população de, repito, forma civilizada.

Viomundo – Como se captaria água do Vale da Ribeira, por exemplo?

Júlio Cerqueira César– No Alto Juquiá, nós temos o reservatório França. É como se fosse um imenso tanque que armazena água do rio Juquiá, que  vai parar no Ribeira, lá embaixo. Ele tem capacidade de 20m3/s. Nós poderíamos ter providenciado a captação desses 20 m3/s, para mandá-los para São Paulo.

Agora, são obras complexas. Entre programar e executar, elas demoram aproximadamente dez anos.

Vamos supor que, em 1995, a Sabesp tivesse começado as obras do França, não tinha faltado água em 2003. E não teríamos problema hoje.

Viomundo –  Por que a Sabesp não fez isso?

Júlio Cerqueira César  — Até o final da década de 1980, a Sabesp era uma empresa de saneamento básico. E saneamento, para a empresa, era considerado problema de saúde pública. A Sabesp era mantida e operada por engenheiros sanitaristas, que sabiam que o problema era saúde publica. Ela tinha que abastecer a população com água, ao longo do tempo, sem interrupções. E tratar os esgotos que a população produzia.

Até o final da década 1980 foi assim que funcionou. Os responsáveis estavam ligados no assunto para resolver esses problemas.

Na década de 1990, a Sabesp aderiu ao modelo neoliberal e passou a buscar o lucro a qualquer custo, independentemente dos direitos fundamentais do homem. A Sabesp demitiu os engenheiros sanitaristas e advogados e economistas assumiram o comando.

Viomundo – E o que aconteceu?

Júlio Cerqueira César  — A Sabesp deixou de considerar o saneamento básico como problema de saúde pública. E passou a encará-lo como um negócio qualquer. A Sabesp se transformou num balcão de negócios.

E os usuários?!  A partir daquele momento a Sabesp não quis nem mais saber de nós, os usuários; éramos um estorvo. Ela passou a ser preocupar unicamente com os seus acionistas.

Em 2000, colocou suas ações na bolsa de Nova York. Dez anos depois, houve uma grande festa lá, pois as ações da Sabesp tinham sido que as mais valorizadas na Bolsa de Nova York na década.

O capital ativo da Sabesp cresceu uma enormidade. Sucesso total no mundo dos negócios, fracasso total no mundo sanitário, na saúde pública.
Sabendo disso eles vão mudar? O pior é que não.

Viomundo –  Apesar dos níveis do Cantareira só diminuírem dia após dia, o Alckmin continua  descartando o racionamento. Por que empurrar com a barriga algo que parece inevitável?

Júlio Cerqueira César — Porque o senhor governador está  preocupado  com o dia 4 de outubro. Ele acha que se falar em racionamento, a população não vai votar nele. Então começa a inventar uma série de jogadas demagógicas. Só que ele já está racionando a água há mais de dois meses.

Viomundo – Como assim, professor?

Júlio Cerqueira César — Na verdade, o racionamento já começou. A Sabesp já está  cortando água em vários pontos da cidade e em cidades da região metropolitana, como Osasco, Guarulhos. Em português, o nome desses cortes é racionamento.

Só que essa forma de fazer o racionamento me parece completamente injusta. Se existe essa situação de crise total, acho que todos têm de ser penalizados. Isso significa fazer o racionamento de modo uniforme em toda a região metropolitana para todos terem a mesma penalização.

Só que eles estão fazendo o racionamento dirigido.

Dirigido a quem? Aos pobres que não reclamam. Vão deixam os ricos para o fim.

Viomundo – Em que regiões a Sabesp já está racionando a água?

Júlio Cerqueira César — A Sabesp já tinha cortado 20% de São Caetano. Cortou 20% de Guarulhos. Em Osasco e alguns bairros da Zona Norte, o pessoal está com água só de dia. À noite, a Sabesp corta o fornecimento.

O governador e a Sabesp já estão fazendo racionamento e dizem que não vão fazer. Ao não contar todas as coisas que está fazendo, o governador mente. É uma situação muito complicada.

Viomundo – O governador está mentido?!  

Júlio Cerqueira César — Não há a menor dúvida. O nome certo do que estão fazendo é mentira. Eles estão mentindo para a população há tempos.

Você viu o que a Sabesp fez desde janeiro?

De acordo com o sistema de outorga existente, a  Sabesp tem o direito de tirar para São Paulo, em condições normais,  31m3/s. E é obrigada a soltar 5m3/s para Piracicaba. Essa é a regra.
Consta da regra também o seguinte. Se houver falta de chuva, São Paulo só pode tirar 24,8m3/s em vez dos 31.  E soltar 3m3/s para Piracicaba.

O que fez a Sabesp, quando chegou janeiro e o negócio engrossou? Cortou os 3m3/s para Piracicaba e continuou tirando os 31 para São Paulo, até o dia que isso veio a público e o governador mandou diminuírem, mas não diminuíram para os níveis estabelecidos na outorga.

Só que eles vão ter de fazer isso de uma forma mais uniforme. Não é possível só penalizar alguns. Vai ser necessário penalizar todos até outubro. Aos poucos, vão ter de compreender isso e fazer racionamento pelo menos até outubro.

Viomundo – Por que outubro?

Júlio Cerqueira César –  É quando começa a nova estação de chuvas. Nós estamos entrando na estação de estiagem com os reservatórios secos! É um negócio muito sério.

Viomundo — E essa ideia de bombear água do volume morto? 

Júlio Cerqueira César — Isso também é um negócio muito mal contado. Esse volume morto é um acidente de obra. Ele não tem nenhuma função no abastecimento de água do sistema Cantareira.

Viomundo – Nenhuma função?! 

Júlio Cerqueira César –  Nenhuma, mesmo, tanto que ele não pode ser retirado normalmente de lá. Para retirar essa água de lá, são necessárias obras que ficam em de R$ 80 a R$ 100 milhões. Se essa água fosse usável, fosse  mesmo reserva estratégica, não seria um buraco ao qual que não se tem acesso.

Viomundo – Mas o governador diz que é uma reserva estratégica?

Júlio Cerqueira César – Não é reserva estratégica coisa nenhuma. É um volume 400 milhões de litros de água que está lá. Só que ele não é usável, porque está abaixo do reservatório do Cantareira. Então, esse volume morto não entra no reservatório. Não entrando no reservatório, não entra no sistema Cantareira.  Eles vão ter de comprar bombas para tirar água desse buraco e jogar no reservatório.

Viomundo – Supondo que consigam retirar os 400 milhões de litros de água, o que vai acontecer?

Júlio Cerqueira César  — Se fizerem isso realmente, eles podem fazer o sistema Cantareira usar essa água por três meses: abril, maio e junho. E ela acaba. E nós continuamos com os reservatórios secos , pois só vai chover em outubro. Como ficaremos em julho, agosto e setembro?

Se eles tirarem a água agora, eles vão jogar o problema para três meses à frente. Esse é o primeiro problema.

Mas há um segundo problema. Quando começar a chover em outubro, os reservatórios do Cantareira vão começar a encher? Não!!!

O buraco é que vai encher primeiro.  Enquanto não estiver cheio, nada de água nos reservatórios. E a quantidade de água das chuvas é menor do que essa que vão tirar do buraco. Em vez de três meses, vai levar um ano para encher esse buraco e começar a entrar água no Cantareira.

Viomundo – O senhor é contra usar o volume morto?

Júlio Cerqueira César — Podem até usar, mas sabendo o que vai acontecer depois. Acho que eles se esqueceram disso.

Quando começar a chover, não há a menor dúvida que a primeira água vai cair no buraco. Eles estão resolvendo um problema agora para criar outro depois.  Não tem cabimento uma coisa dessas. Depois, o que eles vão fazer com essas bombas?

Viomundo — O que é um acidente de obra?

Júlio Cerqueira César — Eu também não conhecia esse volume morto. Acontece que é uma região topograficamente muito acidentada. Então quando foi encher o reservatório do Cantareira, encheu o buraco também, pois ele fica abaixo do nível do Cantareira.

Por isso, foi um acidente de obra. Ele estava lá e deixaram lá.

Tanto que de 85 para cá, nunca foi usado, ninguém lembrava que ele existia.

E mesmo agora que precisam usar, eles não podem usar. É preciso gastar R$ 100 milhões em obras, para tirar a água de lá de dentro.

E com o agravante que eu já falei. Essa água vai fazer falta quando começar a chover.  Ela vai ter de encher primeiro o buraco, porque ele está abaixo do reservatório e a água escorre.

Viomundo – Parece piada, professor.

Júlio Cerqueira César — Parece piada, mesmo. E isso feito pela quarta empresa de saneamento do mundo e a maior da América Latina.

Viomundo – E essa ideia de trazer água do rio Paraíba do Sul para o Cantareira?

Júlio Cerqueira César  — Tecnicamente, é viável. Mas ela esbarra na questão política. O Estado do Rio de Janeiro vai autorizar? Além disso, não é uma obra que ficará pronta em uma semana. Serão necessários dois anos para ela ficar concluída. Por isso, pra mim, é mais uma jogada demagógica do governador.

Viomundo – E como sair dessa situação?

Júlio Cerqueira César  – Não tem como sair. Nós chegamos agora num ponto que vamos ter de suportar essa estiagem até começar a chover de novo. São seis meses de racionamento violento. O Cantareira representa metade da água de São Paulo. Não tem outro jeito, a não ser racionar.

PARAGUAI EXISTE

O presidente do Paraguai esteve recentemente no Nordeste do Brasil, vendo se consegue transferir as atividades de pelo menos de 30 mil trabalhadores em confecções para o Paraguai. Talvez consiga, causando desemprego em uma região pobre do Brasil, cuja renda vem melhorando mais do que as das regiões Sudeste e Sul. Enquanto isso, em casa, (do Telesur):

Sectores sociales paraguayos inician huelga contra Gobierno de Cartes

Campesinos, indígenas, organizaciones sindicales y movimientos sociales paraguayos darán inicio este miércoles a la primera huelga general contra el Gobierno del presidente Horacio Cartes, una medida que servirá para expresar el rechazo popular a la política económica y social del actual Ejecutivo nacional.
Decenas de miles de personas se movilizarán por las principales calles de Asunción (capital) para reclamar aumento salarial del 25 por ciento, reforma agraria, rebaja del precio del boleto urbano, libertad de los campesinos presos por motivos políticos, control de los precios de productos de la canasta básica y una reforma educativa.
En vista de ello, la Federación Nacional Campesina (FNC) denunció presiones y amenazas pro parte de empresarios privados de transporte del interior del país, quienes buscan impedir la celebración del paro nacional.
Miles de labriegos emprendieron su camino a al capital desde el día martes, marchando desde diferentes regiones y cortando el tránsito en forma intermitente durante su recorrido, al menos en 13 de los 17 departamentos del territorio.
También respaldan la medida los sindicatos afiliados a la Unión Nacional de Maestros y la Organización de Trabajadores de la Educación, que reclaman aumentos salariales y la derogación de la Ley de Alianza Público-Privada, que los sindicatos consideran un “anticipo”‘ para la privatización de las empresas públicas. .
Los sectores que respaldan el paro abogan por un modelo económico productivo y agroecológico al servicio de las grandes mayorías, que ponga fin a la criminalización de la lucha social y permita la recuperación de tierras otorgadas deliberadamente a oligarcas durante la dictadura de Alfredo Strossner (1954-1989).
Otro punto insólito de la huelga será el apoyo de la Comunidad de Nudistas del Paraguay, que anunció su respaldo a la manifestación y dijo que sus integrantes marcharán en “prendas íntimas”, desechando su idea original de hacerlo desnudos.
Uno de los líderes de la huelga, el dirigente de la FNC, Luis Aguayo, denunció que el país afronta una “política entreguista” de Cartes y exigió que el gobierno aplique “un modelo de desarrollo social”.
La FNC tradicionalmente realiza en esta época del año una marcha en Asunción para plantear sus reclamos, pero por primera vez se unirá a otra movilización. Por eso, el nombre de la manifestación es “XXI Marcha del Campesinado Pobre y Huelga General”.

FALTA DE ENERGIA EM SÃO PAULO

Os jornais, a mídia e os especialistas escolhidos por eles para dar seus palpites tem poupado a Eletropaulo, porque ela não é do governo federal. Enquanto isso, o povo e as empresas de São Paulo sofrem nas mãos de um dos grupos mais beneficiados pela privataria dos tucanos - a texana AES. Só de vez em quando há uma vitória sobre um desses novos polvos (desta vez, não canadense mas estadunidense). Veja abaixo do 247.