quinta-feira, 21 de maio de 2015

A SITUAÇÃO POLÍTICA DO BRASIL, POR ANDRÉ SINGER

No Outras Palavras, extraída do Correio da Cidadania. Pensar claro pode não ser suficiente, mas é necessário, e André Singer apresenta aqui uma notável contribuição nesse sentido. A matéria é longa, mas vale a pena.

André Singer vê “o momento mais difícil do Lulismo”

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Burguesia reunificou-se por volta ao neoliberalismo. Dilma cedeu, após breve resistência. Recessão pode devastar projeto do ex-presidente. Esquerda precisa preparar-se para enfrentar capital financeiro
Entrevista a Valéria Nader e Gabriel Brito, no Correio da Cidadania
Os poucos meses que já se passaram nesse segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o quarto sob o comando do Partido dos Trabalhadores, podem trazer sensações tão díspares quanto intensas. De um lado, a briga de facções que se instalou entre o governismo, envergonhado e tacanho, e forças oposicionistas, oportunistas e golpistas. De outro, a apatia de setores médios da população e a revolta entre forças políticas e sociais progressistas.
O cenário não poderia ser muito diferente para um governo que se elegeu sob marketing eleitoral mentiroso e que, nem bem iniciado o segundo mandato, parecia velho. Para complicar, um governo que, nesse exato momento, dá mostras de nem mesmo estar governando de fato.
Para ajudar a compreender essa intrincada conjuntura política nacional, o Correio da Cidadania entrevistou André Singer, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e autor de importantes obras de interpretação sócio-política da realidade nacional, dentre elas, aquelas que se destinam ao entendimento do fenômeno chamado de ‘lulismo’.
Singer ressalta a fraqueza política do atual governo – algo que teria suas sementes já em 2012, desde que as pressões por um ajuste recessivo se reforçaram, ameaçando o ensaio desenvolvimentista do começo do primeiro mandato da presidente Dilma. “Olhando pelo ângulo da pressão do capital, era praticamente certo que seria feito o que estamos vendo agora. Surpreendente é que, durante a campanha para a reeleição, a presidente optou por um discurso à esquerda, o que mobilizou setores da sociedade para um engajamento em sua campanha, decisivo para a vitória. Dessa forma, quando ela, 24 horas depois, deixou vazar que iria escolher alguém do mercado para o Ministério da Fazenda, e confirmou, criou-se uma decepção muito grande. Isso começou, assim, a desenhar um quadro de enfraquecimento político”.
Ainda que a ideia do impeachment tenha atualmente expressão institucional no país, já que encampada por segmentos poderosos do maior partido de oposição, o PSDB, Singer acredita que a presidente irá cumprir seu mandato. Quanto ao lulismo e o petismo, o cientista político enxerga seus futuros em aberto. Mas é enfático em afirmar que o primeiro atravessa o seu momento mais difícil e que o PT é hoje um partido que gravita fundamentalmente em torno do lulismo. Isso, em sua visão, significa que deixou de ser um “partido de classe”.
Singer discorre, finalmente, sobre os atuais protestos e manifestações, pró e contra o governo, que ocorrem país afora e sobre as possibilidades que se abrem para a atuação da esquerda. Como colunista de um dos jornais de maior circulação no país, a Folha de S. Paulo, e uma das raras vozes na mídia corporativa a trazer um debate alternativo e progressista, dá sua opinião sobre a mídia hoje no Brasil.
Singer: "O jogo está sendo jogado, o ex-presidente está ativo. Não vamos decretar o fim do lulismo antes que ele acabe, mas vamos reconhecer que existem problemas muito sérios em jogo"
Singer: “O jogo está sendo jogado, o ex-presidente está ativo. Não vamos decretar o fim do lulismo antes que ele acabe, mas vamos reconhecer que existem problemas muito sérios em jogo”

Aumentos tarifários, desaceleração econômica, crise hídrica e elétrica, escândalos de corrupção. Como vê hoje o país e o seu governo, que pareceu velho nem bem iniciado o segundo mandato e que agora dá mostras de quase nem mesmo estar governando de fato?
No que diz respeito à economia, meu enfoque é político, já que não sou economista. Mas, pelo que vejo, a situação de hoje precisa ser compreendida à luz do que vem ocorrendo desde 2012. Creio que a presidente Dilma tentou, entre 2011 e 2012, fazer uma suave, porém importante, inflexão da política econômica, no sentido de tentar modificar o chamado tripé macroeconômico neoliberal. Ela produziu uma importante redução da taxa de juros, chegamos perto de uma taxa real de 1,5% em sua fase mais baixa, o que é muito significativo na economia brasileira. Produziu uma pequena desvalorização do real e algumas ações no sentido de controle cambial, fundamentais para a retomada da indústria brasileira. E, simultaneamente, manteve o investimento público, que já vinha desde o segundo governo Lula.
Portanto, esse conjunto de ações apontava na direção de uma retomada do crescimento, com reindustrialização e aceleração da distribuição de renda. Entre 2011 e 2012, poder-se-ia dizer que as melhores promessas da campanha de 2010 eram cumpridas. O problema é que o projeto, ao qual chamo de ensaio desenvolvimentista, deu errado. No sentido de que o investimento, em lugar de crescer, caiu, já em 2012, e a inflação deu uma pequena subida. A soma dessas duas coisas criou uma situação bem difícil para o governo Dilma.
Do ponto de vista político, o assunto que mais interessa, ou que melhor conheço, houve uma recomposição do empresariado e da burguesia brasileira, que tinha se dividido entre duas frações: uma rentista e outra produtivista. Essa divisão ficou mais clara no segundo governo Lula, mas vinha se mostrando desde o primeiro.
Paradoxalmente, em 2012 houve uma recomposição em torno das bandeiras neoliberais. E ninguém sabe muito bem por que isso aconteceu. Minha hipótese é de que tenha sido por razões políticas, mas não é o que interessa discutir aqui. O fato é que aconteceu.
Dilma chegou no final de 2012 numa situação econômica um pouco difícil e com uma frente burguesa inteira contra ela, cobrando aquilo que está sendo feito agora. Entre 2012 e 2014, na verdade, a presidente de certa forma adiou o processo, o fez pela metade, porque autorizou o BC a aumentar juros novamente, o que, em certa medida, tem a ver com a inflação, mas, por outro lado, impede o processo desenvolvimentista.
Ao mesmo tempo, ela seguiu algumas das políticas desenvolvimentistas polêmicas do ponto de vista da esquerda: através das desonerações da folha de pagamentos, uma reivindicação importante dos industriais para aumentar a competitividade da indústria brasileira, mas que, no médio e longo prazo, se dá às custas da previdência dos trabalhadores. No primeiro momento, o Tesouro segura, mas depois haverá cobrança sobre a previdência.
Assim, digamos que 2013 e 2014 foram anos de política híbrida, pois não se teve mais condição de continuar desvalorizando o real por conta do impacto sobre a inflação e da subida de preços dos produtos importados. Dessa forma, seria preciso começar a produzir aqui, imediatamente. Se não tem investimento pra isso, não tem produção e a equação não fecha.
Resultado: a pressão pelo ajuste recessivo veio crescendo ao longo dos anos, de tal forma que, olhando pelo ângulo da pressão do capital, era praticamente certo que seria feito o que estamos vendo agora. Surpreendente é que, durante a campanha para a reeleição, a presidente optou por um discurso à esquerda, o que mobilizou setores da sociedade para um engajamento em sua campanha, decisivo para a vitória.
Dessa forma, quando ela, 24 horas depois, deixou vazar que iria escolher alguém do mercado para o Ministério da Fazenda, e confirmou, criou-se uma decepção muito grande. E um sentimento de engano muito forte. Isso começou, assim, a desenhar um quadro de enfraquecimento político, que foi se acentuar na medida em que essa política de ajuste recessivo já pegou a economia em uma condição ruim. A economia já tinha parado em 2014, já tínhamos uma espécie de prenúncios vagos de desemprego, que vieram a se concretizar. E o ajuste acentua a paralisia e o retrocesso econômico.
Esse cenário potencializa rapidamente decepção em setores mais progressistas. E há um segundo elemento de fraqueza política, bastante grave, e que se combina aos fatores de crise: de um lado, a investigação da operação Lava Jato, que, não obstante podermos discutir diversos aspectos de como interpretar o assunto, bem complexo, é, evidentemente, um grande escândalo de corrupção, e pega a base do governo. Há políticos do PSDB aqui e ali envolvidos, mas a base de governo está no centro e é o alvo de um importante desgaste. De outro lado, ocorreu o erro tático de se disputar a presidência da Câmara contra o Eduardo Cunha e sofrer uma derrota visível, que deu muita liberdade ao Cunha de se colocar numa posição que, na realidade, é de oposição ao governo.
Combinados esses elementos, temos um governo que começa muito fraco e com um ajuste recessivo que ninguém sabe bem até onde vai. Lendo os economistas, vemos um grau de incerteza. Há aqueles que dizem que será um ajuste mais rápido e suave, tem quem diga que será longo e catastrófico, e tem quem fica no meio termo. No fundo, ninguém sabe o que vai acontecer e onde o processo vai parar. É o panorama em que nos encontramos hoje.
Diante de todo esse quadro, acredita que vivemos, de alguma forma, uma crise institucional no país, inclusive com a possibilidade de eventual abertura de um processo de impeachment, ou mesmo de uma renúncia de fato da presidente, até pela celeuma criada até aqui? O que resultaria para o país em um tal cenário?
Estamos em uma situação em que tais cenários se colocam. Portanto, há a possibilidade de uma crise institucional – que não está dada. Um elemento muito importante é que os militares mostram interesse zero em intervir na cena política. Estamos diante de uma situação que favorece saídas democráticas para a crise. Por esse ponto de vista, o quadro é muito diferente de 1964. Por outro lado, um governo muito fraco dá ensejo a movimentos de impeachment, os quais considero movimentos de golpe branco. Por mais que setores da sociedade não gostem do governo, e têm esse direito democrático, o impeachment não pode ser usado como forma de sub-parlamentarismo.
Ou seja, não se pode destituir um governo simplesmente por estar fraco, este não pode ser o pretexto de impeachment. O instrumento não foi feito pra isso. Foi feito para que, em casos extremos, nos quais ficarem comprovados crimes de responsabilidade, se abra um processo. Impeachment serve para interromper uma situação na qual a presidência da República está visivelmente comprometida com crimes de responsabilidade. E não é o caso. Todo mundo sabe que a Dilma é uma mandatária honesta, comprometida com valores republicanos. Pode-se fazer todo tipo de crítica, mas um impeachment nessas condições seria um golpe branco.
No entanto, não podemos deixar de enxergar que tal movimento existe na sociedade. Creio que, até este momento, ainda é um movimento isolado. Porém, já há setores significativos do PSDB que se manifestaram em favor. Por enquanto, o PSDB, como partido, não aprovou tal proposta e conteve os que são favoráveis. Mas, na bancada de deputados federais, essa é uma posição significativa. E se o principal partido de oposição compra a ideia, ela deixa de ser movimento isolado na sociedade, e passa a ter expressão institucional.
Eu realmente faço votos de que isso não aconteça. E acho que todos aqueles empenhados na solução democrática, onde me incluo, precisam reconhecer que até agora o PSDB não tomou esse rumo. Precisamos trazer o PSDB para a solução democrática, e não empurrá-lo para o lado de um golpe branco. Com relação à renúncia, sempre haverá pressão nesse sentido, hoje pequena. Acredito que a presidente tem uma biografia que mostra capacidade de resistência suficiente pra não chegar a tal.
Estamos diante de um governo fraco. Tal fraqueza deverá continuar por um período não pequeno, o que depende da economia, ainda que não exclusivamente, sendo que ninguém sabe quanto tempo vai durar o processo recessivo e o quão profundo será. Mas acredito que a presidente tem condições de cumprir o mandato, que é o que devemos apoiar, mesmo fazendo as críticas, como eu as faço, a respeito do ajuste recessivo, que considero equivocado.
Você mencionou o sub-parlamentarismo. Ainda que afastado por ora o espectro de uma renúncia ou impeachment, não estamos, de um certo modo, já vivendo sob uma espécie de sub-parlamentarismo, uma vez diante de um governo fraco, sem um comando pleno da economia e da política nacionais? Teremos pela frente um tempo sob esse sub-parlamentarismo que você mencionou?
Não podemos nos confundir com as palavras. Sem dúvida, é um governo fraco, começou fraco. De fato, Dilma teve de delegar funções. Na economia, houve uma terceirização, o Ministério da Fazenda aplica a política do PSDB. Na política, teve de chamar o vice Michel Temer e entregar-lhe a articulação política, que agora está na mão do PMDB. Existe essa espécie de delegação. Mas não chamaria de sub-parlamentarismo, e sim de um governo presidencialista fraco, num país hiper-presidencialista como o Brasil, não apenas no sentido de que o presidente tem todas as atribuições de um presidente dos EUA: ele também possui a atribuição de, até certo ponto legislar, por meio de Medidas Provisórias e Decretos.
Portanto, é muito forte o presidencialismo aqui, a figura do presidente dá o norte do país, é o centro em torno do qual gira a política nacional. Na medida em que a presidência se enfraquece, temos um teor de confusão e, até certo ponto, irracionalidade, porque as forças começam a agir por si próprias, às vezes de acordo com interesses apenas locais, mas com importantes repercussões na vida do país. Veja-se, por exemplo, a questão da terceirização. Temos, assim, uma situação instável, mas não chamaria de sub-parlamentarismo. Chamaria de regime presidencialista de presidência fraca. Quão fraca e por quanto tempo não sabemos, mas a situação é essa.
Penso que o Brasil precisa aprender a conviver com isso: em alguns momentos, a presidência vai estar mais fraca, em outros, mais forte, mas não deixa de ser a presidência da República. Esse é o nosso sistema de governo. Precisamos, no conjunto da sociedade, não só nos acostumar a esse contexto, como construir mecanismos para operar os conflitos, que podem acontecer por diversos motivos. Presidência fraca não é presidência inexistente.
Como um ideólogo e estudioso do que se convencionou chamar de “lulismo”, o que significa este conceito, em sua origem e nas atuais circunstâncias históricas do país? E o que responderia a outros estudiosos que veem hoje um esfacelamento da “hegemonia lulista”, em função de se terem esgotado as condições econômicas que deram base a um de seus sustentáculos essenciais, a conciliação de classes – o que, na acepção de alguns estudiosos, como Ruy Braga, está também associado ao fim do consentimento passivo das massas populares?
Só faço um reparo: eu não sou ideólogo do lulismo. E aproveito a oportunidade de falar disso. Sou um analista que tenta entender o processo político brasileiro. O conceito de lulismo me pareceu útil pra compreender um determinado período. Mas a pergunta é fundamental. É o momento mais difícil do lulismo, desde que começou – e creio que começou a se gestar em 2003, não antes. Neste processo de 12 anos, é o momento mais difícil.
Pego a pergunta em termos literais, não para dar uma resposta fechada, mas pra focar na questão da hegemonia. O que é hegemonia? Na minha opinião, é a capacidade de direção, de dar uma orientação à sociedade, a partir de determinadas frações ou coalizões de classe. Diria que o lulismo vive seu momento mais difícil porque sua capacidade de direção está em xeque. Fundamentalmente, pela razão de que, se este ajuste recessivo tiver a profundidade que pensam os analistas mais pessimistas – um quadro de alto desemprego, seguro-desemprego restrito pela aprovação das novas regras, lei de terceirizações aprovada –, teremos um conjunto de medidas que vão rebaixar o custo da mão de obra, em outras palavras, o valor do trabalho. Trata-se de algo que põe sob questão o modelo lulista.
O modelo lulista é uma política de redução da pobreza extrema, porém, com repercussões favoráveis junto à classe trabalhadora organizada. À medida que se reduz o desemprego, criam-se condições de luta pra classe trabalhadora organizada. E foi isso que aconteceu nos últimos 12 anos. Tanto que houve ganhos salariais. Se formos ver, não foram enormes, mas no conjunto foram. Tanto no salário mínimo, que cresceu 70%, como nos ganhos salariais das categorias que negociaram nos últimos 12 anos. Toda negociação salarial tinha um ganho de 1%, 2%, 3%, o que na soma é significativo.
Portanto, houve uma melhora da condição de vida dos trabalhadores em geral. Não só dos muito pobres, que chamo de sub-proletariado, como também dos trabalhadores organizados. Se agora passarmos a uma política que diminua o valor da mão de obra, teremos uma novidade dentro do lulismo que questiona o próprio modelo.
A segunda coisa que menciono: a base principal do lulismo não é a classe trabalhadora organizada, embora ela seja indiretamente favorecida por tais medidas. É o sub-proletariado. Acredito que, se a recessão for muito profunda, afetará esse setor também, que até agora está protegido, porque as medidas mais diretamente dirigidas a ele, como o Bolsa família, continuam. Mas repare, por exemplo, que o Financiamento Estudantil (FIES – não diretamente dirigido a esse setor, mas uma das políticas de caráter importante desenhadas no período) está sendo cortado. Claro, porque o tamanho do contingenciamento de recursos do ajuste obriga tais cortes.
Assim, elementos importantes do lulismo estão sendo ameaçados. Talvez a diferença na minha análise em relação a certos colegas é que não digo que o processo chegou ao fim. O jogo está sendo jogado, e nesse sentido temos de considerar a potencialidade do lulismo e a liderança, especificamente, do ex-presidente Lula, que já parece mais disposto a disputar em 2018. Portanto, dentro do jogo. Para estar no jogo, ele precisa conter essas medidas, senão não estará dentro. Há uma razão política, portanto, pela qual digo: não vamos decretar o fim do lulismo antes que ele acabe, mas vamos reconhecer que existem problemas muito sérios em jogo.
O que tenho dito repetidamente, e ainda vejo motivos pra sustentar, é que há margens de manobras para o lulismo e o ex-presidente. Por isso não adotei a ideia de sub-parlamentarismo. A presidente está acuada, mas tem margens que pode utilizar, a depender de como a situação evoluir. Volto a dizer: há setores de indeterminação, ninguém sabe.
Eu diria: ameaçado o lulismo está. A eleição de 2014 já abateu setores lulistas, que decidiram votar no PSDB e se converteram a este lado. Há, assim, realmente, grandes perigos, mas não decretaria o fim do lulismo.
Quanto ao PT, partido há 12 anos no comando do país, Chico de Oliveira, em entrevista ao Correio, narrou não o enxergar hoje mais como um partido, mas como uma liderança personificada, como uma expressão das forças que o lulismo agrega. O que você tem a dizer sobre o partido e o seu futuro?
Eu vi essas observações do professor Chico de Oliveira, a quem respeito muito. Discordaria dele no seguinte: mesmo que sejam um conjunto de forças lulistas, que giram em torno do ex-presidente Lula, ainda é um partido. Com essas características. É, digamos, uma marca não só do atual PT, mas da história dos partidos populares brasileiros. E este não é um tipo de experiência que não se veja em outros lugares do mundo, isto é, lideranças destacadas de alguma maneira se tornarem dominantes no partido.
Na época da primeira guerra, o Weber dizia algo semelhante sobre a Alemanha. Que o presidencialismo gera esse tipo de situação, porque os candidatos a presidente com muita capacidade eleitoral subordinam o partido. Num certo sentido, é até bom, dizia ele, porque tais lideranças têm capacidade de dar orientação, enquanto, em partidos dominados por uma burocracia, não se sabe por onde se orientar.
Quero dizer apenas o seguinte: eu concordo que hoje o PT gira em torno do lulismo. Foi o que tentei dizer no meu livro Os Sentidos do Lulismo, no capítulo 2, intitulado A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Essa segunda alma é lulista. Não é mais o PT com a alma do Sion. Portanto, mudaria um pouco mais a formulação: não é mais aquele partido. Não é mesmo, e não é de hoje, não se trata de um fenômeno atual. Mas ainda é um partido.
O que é atual é o seguinte: a Operação Lava Jato, na sequência do Mensalão, é um golpe terrível e o PT tem de se haver com isso de algum jeito, porque a autoridade moral do partido está sendo minada. E não há partido que possa passar ligeiramente por algo do tipo. Terá de enfrentar o problema. E agora surgem os primeiros sinais de que o fará. Como exatamente, não sei, mas terá de enfrentar a questão.
Por outro lado, o partido está comprometido, pois decidiu fazer a política da oposição no campo econômico, o que gera um desgaste enorme. O partido está tendo de pagar, porque é o partido do governo, ele está amarrado a este governo e, em certa medida, o governo não o consultou – segundo declarações que li de figuras como o ex-governador Tarso Genro. Portanto, acho que essas duas circunstâncias combinadas caracterizam um momento extremamente difícil para o PT, o que é diferente das questões que se aplicam ao lulismo, embora estejam relacionadas.
Há uma diversidade de vozes críticas que trabalham com a noção do efeito perverso que o PT, com sua trajetória posterior aos anos de maior combatividade, teve para o campo progressista de esquerda. O que diria quanto ao que significou e significa o PT para a esquerda e para sua eventual reconstrução?
O PT se deslocou da posição de um partido, outrora, nitidamente de esquerda, o que foi algo extraordinário para o Brasil, pois, com a ilegalidade do Partido Comunista, nunca tínhamos tido a experiência de um partido de classe legal. E durante 20 anos, entre 1980 e 2002, o PT foi um projeto bem sucedido de um partido de classe no Brasil. Isso marcou a política brasileira do período. Com o deslocamento para o lulismo, o PT continua sendo um partido do campo da esquerda, é extremamente sólido, muito enraizado e capilarizado no Brasil. E com o lulismo, tornou-se um partido popular.
Isso deu uma chance à esquerda que não foi aproveitada: houve um momento em que setores que sempre votaram com os conservadores, e estiveram sempre sob sua sombra, estavam, digamos, acessíveis para uma visão mais à esquerda. O que não foi aproveitado, não houve a politização que poderia ter havido, razão pela qual chegamos hoje a uma situação complicada. Porque não há dúvida de que o PT é o principal partido do campo da esquerda, no entanto, como se deslocou, não é mais um partido de classe. Portanto, não tem mais o trabalho de politização que fez durante seus primeiros 20 anos e que foi muito útil pra classe trabalhadora brasileira.
Agora, como a esquerda brasileira vai se reorganizar? Uma parte dela continua no PT, outra não está mais e há outros partidos que sempre existiram fora do PT. Eu acho que o momento indicaria a formação de uma frente de esquerda, que pudesse dar uma orientação para o conjunto das forças progressistas numa hora tão delicada como essa. Porém, tal frente passa por diversas questões, os interesses particulares de cada partido, as diferenças dentro dos movimentos… Também existe a tradicional e permanente tendência de a esquerda se dividir…
Sempre penso, mas talvez seja um pensamento desejoso, que a esquerda talvez conseguisse repetir neste momento justamente o que foi o PT nos anos 80: o grande guarda-chuva sob o qual inúmeros setores de esquerda, que tinham muitas diferenças, conseguiram se aglutinar e manter unidos. Seria preciso repetir uma operação desse grau de inteligência política. Se será possível ou não, só o tempo dirá.
O que pensa da “divisão” do país, com manifestações sendo convocadas contra e a favor do governo, de modo a se aproximarem muitas vezes a uma briga de facções? Como você enxerga tais manifestações, as mais marcantes nos dias 13 e 15 de março?
Por um certo ponto de vista, são normais. Desde 2013, nas manifestações de junho, vivemos um processo de agudização da luta de classes no país, de conflitos distributivos e acirramento político. Portanto, é normal que num momento político como esse as forças entrem nas ruas e façam manifestações públicas. Mas uma novidade importante foi a potência das manifestações convocadas pela oposição, ou por setores de oposição, em 15 de março e 12 de abril. Foram muito grandes, sendo a primeira bem maior, mas a segunda ainda foi grande, principalmente em São Paulo.
Elas expressam, a meu ver, uma novidade. Não é só a direita que foi para a rua. É um fenômeno importante, no caso, o espraiamento do antipetismo, um fenômeno social de relevo, que pegou a chamada classe média tradicional em cheio. Com certas conotações de ódio que são muito deletérias. Uma coisa é ter divergência política, disputar a orientação do país; outra coisa é querer eliminar o adversário. E vejo uma conotação antipopular nessa reação. Chego a qualificá-la quase como uma reação contra o povo brasileiro, porque é uma reação contra a melhora das condições de vida dos setores populares. Isso é muito ruim.
Porém, acho que também há muita gente de centro nas manifestações. Tais pessoas, de centro, estão insatisfeitas com a situação do país, por razões compreensíveis, e estão procurando uma saída, de tal modo que, justamente pra voltar a falar de hegemonia e direção, é preciso disputá-las e dar-lhes uma orientação. Minha expectativa seria que se formasse uma frente de esquerda ampla o suficiente pra poder oferecer uma alternativa ao que está sendo feito, em relação à saída recessiva que vemos, e ver se construímos uma maioria em torno dessa opção, que considero muito boa para o Brasil.
Qual a sua opinião sobre tantas movimentações, greves e protestos sociais que têm acontecido país afora, e que correm por fora daquelas que ocorrem com dia marcado? Indicam a possibilidade de incremento de massividade, quiçá um novo junho de 2013?
Não. Junho de 2013 não vai se repetir. Foi um processo confuso e muito misturado, de tendências políticas antagônicas. E elas não têm por que estar juntas novamente. Aquele tipo de conformação não se repetirá. Não estou vendo nenhuma saída desse tipo no curto prazo. Acho que viveremos um período longo de disputa, o qual exigirá muita paciência e inteligência. Paciência no sentido de que democracia é assim mesmo, quando a situação fica mais difícil e disputada, os conflitos se acirram.
Acho importante dizer, e vale pra direita, esquerda e centro, que é preciso apostar em saídas democráticas. Vamos disputar, mas democraticamente. Isso faz bastante diferença. E inteligência, do ângulo da esquerda, porque não será possível construir uma saída econômica para o Brasil sem conformar uma grande maioria. Porque as saídas que a esquerda gostaria envolvem confrontos com o capital internacional. Não se faz esse confronto com chance de vitória se não houver uma ampla maioria por trás. O problema todo é a construção dessa maioria. Por isso insisto na questão de se construir a frente.
Mas olhando tantas greves e protestos, sem muita conexão em nível nacional, mas em número crescente nos últimos anos (a exemplo dos garis do Rio ou dos professores em São Paulo e Paraná),  acredita que possa surgir alguma força alternativa organizada para além dos setores pró ou contra o governo, uma espécie de “terceira via”?
Esses movimentos mencionados, de fato, existem, e são expressão da luta que está posta. Do mesmo modo que temos setores de direita e centro indo para a rua em torno de um projeto que considero regressivo, temos setores que começam a se mobilizar em torno de seus interesses específicos, mas apontando a um projeto mais progressista. A questão, novamente, é juntar tudo em torno de uma opção que aponte para o conjunto.
Não falamos muito disso aqui, porque analisamos o ajuste recessivo, mas, numa próxima oportunidade, talvez devamos falar das alternativas. Não podemos só criticar. Não se trata apenas de resistir ao ajuste recessivo, mas também de oferecer uma alternativa de direção. Assim, o problema está em como conformar, ao mesmo tempo, uma grande frente que envolva tais movimentos em voga, muito importantes, e também a construção de um projeto factível de desenvolvimento do país.
Os problemas reais estão colocados. E não são simples de resolver. Digamos que seria a combinação das duas coisas que permitiria pensar em uma alternativa. Não falaria em terceira via, mas na elaboração de uma alternativa progressista para esta crise.
Finalmente, como uma das raras vozes com espaço na grande imprensa a trazer a visão de um campo mais progressista, como tem visto a postura dessa mídia, tão criticada por espectros políticos de esquerda, e chamada de golpista por representantes do governo?
Temos de ter uma posição de princípio a favor da pluralidade dos meios de comunicação e sua absoluta liberdade. E precisamos reconhecer que, com todos os problemas que têm os meios de comunicação, eles são decisivos na fiscalização do poder dentro das democracias. Podemos dizer que só se dá atenção a algumas denúncias, e não a outras, o que deve ser considerado. Porém, não podemos deixar de dizer que uma parte das denúncias tem revelado casos reais, não são fatos inventadas. Portanto, é preciso partir do reconhecimento do papel fiscalizador que os meios de comunicação exercem.
Posto isso, é verdade também que os meios de comunicação maiores tendem a ter uma posição política, social e econômica conservadora. Alguns deles preservam certa pluralidade dentro da qual é possível abrigar pensamentos opostos. Mas, se olharmos a média, a tendência é uma posição conservadora nos aspectos mencionados.
Portanto, cria-se um desequilíbrio no debate democrático, que pode gerar uma distorção. Porque, se os pontos de vista principais não têm um peso mais ou menos equivalente, de alguma maneira está se falseando a realidade. E, num momento de crise, isso é o mais preocupante.
Porém, acho que as principais saídas estão naquilo que vocês fazem: construir veículos que consigam se firmar e apresentar livremente pontos de vista alternativos, também se apresentando ao debate. Não podemos deixar que a bandeira da liberdade de imprensa e do respeito absoluto à liberdade de expressão fique na mão dos liberais. Essa também é uma bandeira socialista.
Colaborou Raphael Sanz


ACORDO COM A CHINA

Narrativa deles lá, no China Daily.

SAUDADES DE FHC

Do Viomundo

Inês Nassif: Sem anestesia, FHC tirou dinheiro da área social e aumentou desemprego. Que moral tem para falar de ‘estelionato eleitoral’?

publicado em 20 de maio de 2015 às 13:04
desemprego FHC
A autoridade moral de Fernando Henrique Cardoso – II
Sem anestesia, FHC tirou dinheiro da área social e aumentou o desemprego com o pacote fiscal de 1998. E ainda assim quer falar de ‘estelionato eleitoral’?
Por razões que qualquer pedaço amarelado de jornal da época indicam, é difícil entender a lógica do PSDB e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo a qual o pesadíssimo ajuste fiscal feito nos primeiros dias após as eleições de outubro de 1998 foi um ato louvável, e as medidas anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff no ano passado, nas mesmas condições, são estelionato eleitoral.
Em 1998, o mundo tinha acabado de enfrentar a crise russa, com grande repercussão sobre o Brasil, que empurrou seus sérios problemas cambiais com a barriga até que FHC vencesse a disputa pela reeleição, apesar das fragilidades externas do país, e jogou o país na recessão.
No ano passado, Dilma, logo após o pleito que a reconduziu ao cargo, anunciou um corte drástico de despesas e investimentos do governo e reduziu gastos com alguns programas sociais – e, ao que tudo indica, paralisou também o país – sob o argumento de que a crise internacional, que o Brasil dribla desde 2008, havia, enfim, atingido a economia brasileira com intensidade.
A semelhança entre ambos é que os dois ajustes foram feitos seguindo o be-a-bá da ortodoxia e jogaram ainda mais para baixo uma atividade econômica já deprimida.
A diferença entre ambos é que o Brasil de FHC não tinha gordura, estava à beira da bancarrota e sequer teve escolha: seguiu à risca o receituário do FMI porque precisava desesperadamente da ajuda de U$ 41 bilhões que o FMI, outros organismos internacionais e países desenvolvidos condicionavam à aplicação dos famosos remédios amargos que, segundo o receituário neoliberal tão caro ao então presidente e sua equipe econômica, eram necessários, um preço a ser pago para entrar no clube do mundo globalizado.
Em 1998, sequer houve escolha: ou era isso, ou o Brasil quebrava. O clima beirava ao pânico. Tanto que, em 29 de janeiro de 1999, uma sexta-feira negra, boatos sobre a situação econômica do país provocaram uma corrida aos bancos. O governo teve que decretar feriado bancário na segunda-feira para evitar o pior. (“Agora, sob nova direção: FMI assume política econômica e impõe pesada recessão para conter a inflação e a queda do Real”, Isto É, 10/2/1999).
No caso de Dilma, embora haja uma justa discussão se o pacote fiscal foi amargo demais para o tamanho da doença, existe o fato inegável de que o Brasil não vai quebrar – e vai precisar de muito ataque especulativo ao país, como os que já ocorreram, para tornar o Brasil próximo ao que era na crise de 1998. Naquele ano, as reservas internacionais brasileiras eram de US$ 34 bilhões e cairiam para US$ 23,9 bilhões no ano seguinte. O Brasil fechou o ano passado com US$ 374,1 bilhões de reservas.
O que não é crível, no caso atual, é que o ex-presidente FHC, que considerou como remédio necessário o arrocho fiscal de 1998, venha dizer do pacote de Dilma que “estão operando sem anestesia” para uma plateia de empresários, em 29 de maio passado. Provavelmente, o mesmo público que, 17 anos atrás, pagava pelos danos do pacote de FHC. No final de agosto de 1998, um grupo de empresários e o então sindicalista Paulinho da Força foram ao vice-presidente Marco Maciel para alertá-lo dos efeitos colaterais do pacote (“Principal temor é o desemprego”, O Estado de S. Paulo, 8/10/1998). Não haviam conseguido chegar em FHC ou no seu ministro da Economia para apresentarem as queixas.
Naquele ano, o IEDI (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial), em documento, diagnosticava que “as políticas de juros, cambial e tributária condenam as empresas ao desaparecimento”.
O governo FHC chegou a anunciar um “mutirão anticrise”, a disponibilização de linhas de crédito para empresas em dificuldade, segundo a Folha de S. Paulo para “compensar os efeitos das altas taxas de juros na economia e atenuar a recessão”. Mas, segundo o jornal, sem grandes chances de concretização, pois “falta dinheiro nas principais instituições oficiais de crédito”. “O BNDES deverá reduzir em 1999 seu orçamento de investimentos”, informa o jornal. (“Falta dinheiro para o mutirão anticrise”, Folha de S. Paulo, 27/01/1999).
Da parte de FHC, não teve anestesia nem remédio para dor. Depois dos cortes de outubro de 1998, em fevereiro seguinte o governo anunciou um corte adicional (“Governo decide cortar mais R$ 1 bilhão só no 1º bimestre”, FSP, 20/2/1999). Sem Novalgina, FHC resolve reduzir “Outras despesas de custeio, que incluem os gastos em projetos sociais do governo federal”. O anúncio foi feito no mesmo dia em que era divulgado o resultado do PIB de 1998 pelo IBGE, de 0,15%, perdendo apenas para o posterior ao Plano Collor, em 1992, que provocou um crescimento negativo do PIB de 0,54% (“PIB tem o pior resultado em seis anos”, FSP, 20/2/1999).
O jornal Folha de S. Paulo, em 21 de fevereiro de 1999, deu na manchete que “País tem 5% do desemprego mundial”. Na página de dentro (a 7 do Caderno Dinheiro) informava que não apenas o ajuste fiscal do governo, mas o próprio modelo econômico do modelo FHC, havia levado o Brasil a um quarto lugar mundial em número de desempregados. “O crescimento recente da participação brasileira no desemprego mundial começou quatro anos atrás, em 1995. Não por acaso, o desemprego acompanha o aumento da abertura do país aos produtos importados”. Era a âncora cambial do governo FHC produzindo os seus efeitos. Sem anestesia.
Também sem nenhum conforto para a dor, os preços dos produtos básicos chegaram à estratosfera. “Cesta básica sobe e bate recorde no real”, anunciou a Folha de S. Paulo, em sua edição de 23/02/1999. Onze dias depois, era a vez de mais más notícias: “Desemprego bate recorde em SP” (FSP, 3/3/1999). Segundo o IBGE, a Região Metropolitana de São Paulo atingia a maior taxa de desemprego desde 1983, de 9,18% da população economicamente ativa.
Dois dias depois, os jornais anunciavam que o novo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, no dia de sua posse, promoveu um aumento de juros para 45% ao ano, a unificação das taxas em uma única, a Selic, e o início do regime de metas de inflação – herança imposta aos sucessores de FHC. No mesmo dia, sem anestesia, o governo aumentou os derivados de petróleo em 11,5%. Esperou a campanha eleitoral passar. (“Juros sobem para conter a inflação; combustível terá aumento de 11,5%”, FSP, 05/03/1999).
Ainda no mês de março, e já como resultado das medidas fiscais restritivas, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) anunciou a redução de 0,71% no nível de emprego industrial do Estado (“Indústrias fecham 11,6 mil vagas em fevereiro em SP”, FSP, 11/03/1999). Na edição do dia 14, a FSP informa que “o PIB vai cair de 3,5% a 4% em 1999” segundo o FMI, previsão que “embute o recuo de 8% na produção industrial” (“Indústria tem pior queda com o FMI”, FSP, 14/3/1999).
Esses são apenas exemplos da autoridade moral de FHC para se tornar o porta-voz das críticas a Dilma. Quem quiser mais, basta ler jornais velhos.

terça-feira, 19 de maio de 2015

A DEFESA DA PETROBRAS, POR FHC

Paulo Henrique Amorim, no Conversa Afiada

FHC Quebra Barraco. “Quase”
todos os crimes contra a Petrobras

Como o Richa, ele botou tropas do Exército contra os petroleiros em greve

PERIGO AMARELO

Sobre o acordo com os chineses, de Fernando Brito, no Tijolaço.

Porque não temos de temer os investimentos chineses como “imperialistas”

18 de maio de 2015 | 22:08 Autor: Fernando Brito
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Quando fiz comentários, outro dia, aqui, sobre o interesse dos chineses em investir no Brasil, surgiram algumas pessoas preocupadas com o que seria o “imperialismo chinês no Brasil”.
Respondi meio na base da brincadeira (politicamente incorreta, aliás) de que deveríamos, quem sabe, procurar nas pastelarias os agentes de Pequim.
Mas acho que isso vale um reflexão mais profunda sobre o que é diferente no estabelecimento de relações de negócio com a China do que foram, no passado, as com a Inglaterra e ainda são as com o EUA.
A primeira, obvia, é que somos praticamente antípodas. Estamos fora do conceito de espaço vital (o Lebensraun da Alemanha nazista é um conceito do século 19, fortemente inspirado nas ideias do “Destino Manifesto” que empolgou os EUA, ao ponto do presidente James Buchanan, em meados do século ter dito que “a expansão dos Estados Unidos sobre o continente americano, desde o Ártico até a América do Sul, é o destino de nossa raça (…) e nada pode detê-la”.
O que foi repetido, 150 anos depois, pelo General Colin Powell: “O nosso objetivo com a Alca é garantir para as empresas norte-americanas o controle de um território que vai do Pólo Ártico até a Antártida“.
Muito menos parece que os chineses pretendam criar, como arrogavam-se os ingleses, um império “onde o sol nunca se põe”.
A segunda é que, ao que conste, não existe de parte dos chineses nenhuma iniciativa de controlar jazidas e terras por aqui. No primeiro caso, a modéstia (20%) com que participaram do leilão de Libra e – aqui revelo algo que me contaram – com um chinês vigiando o envelope do lance, para que não se desse um tostão acima do lance mínimo. Positivamente, não é atitude de quem quer, a qualquer preço, abocanhar um grande naco do nosso petróleo. Também não se registra qualquer interesse por minas de ferro ou de outros minérios, que eu saiba.
Também não causa preocupação aqui o apetite chinês por áreas agricultáveis – que eles têm, sim, na Austrália e na África  – porque depois de muita conversa, no início da década, que que os chineses queriam comprar terras por aqui o assunto sumiu e deu lugar a interesse de acordos entre produtores brasileiros – ou empresários do agronegócio – com o poderoso mercado chinês, aliás no qual a liberação das importações de carne do Brasil é um dos maiores interesses do setor.
O foco deles é, sim, a logística, porque são importadores e serão ainda mais, com o crescimento de sua economia e, sobretudo, de seu consumo interno, onde inclusão, mesmo pequena, representa agregação de dezenas de milhões ao mercado.
No “front” tecnológico, embora estejam muito mais avançados que nós, também não tem a China a possibilidade de pretender ser “dona” do pedaço, ao menos no horizonte visível. Pode partilhar algumas pesquisas de ponta, mas não pretender domínio – o que aliás nem tenta – de nossa indústria, onde o prejuízo que traz é no setor têxtil e de vestuário, que está longe de ser indústria high-tech ou de base, embora seja importante.
Mas temos muito a partilhar em áreas onde os chineses são fortes: transmissão de energia elétrica (natural, porque também têm dimensões continentais), construção naval, ferrovias, siderurgia (são o maior produtor de aço do mundo), tecnologia agrícola (da qual eles dependem fortemente) e muitas outras áreas.
Igualmente na área militar, não consta que os chineses estejam tentando espalhar sua doutrina. Ao contrário, dos grandes países, são mesmo o que menos detém tecnologia própria, que se desenvolveu, como todos sabem, com “cópias adaptadas” de armamentos de outros países e só agora – e muito modestamente – cuidam de criar vetores bélicos (porta-aviões, aviões furtivos e mísseis de longo alcance- áreas em que são assumidamente muito inferiores aos EUA) com poder de projeção a longas distâncias.
O melhor exemplo é que só agora estão fazendo seu segundo porta-aviões.
No que eles se esmeram, seja em armas, convencionais ou nucleares  ou em meios eletrônicos – é, isto sim, em criar um poder bélico dissuasório.
Bem, some o leitor e a leitora todas as brutais diferenças culturais, econômicas e sociais que há entre os dois países e veja se estamos sujeitos a uma hipotética “dominação chinesa”.
Claro que os chineses não são “santinhos” e querem, como sempre foi a regra das grandes potências econômicas mundiais, ganhar dinheiro e poder, ou vice-versa. E que com eles, ou com os norte-americanos, os alemães ou os franceses devemos fazer negócios que sejam bons para o Brasil. A única diferença é que eles estão oferecendo estas oportunidades e os outros, não ou, ao menos, nem tanto ou muito menos.
E estão oferecendo porque, como você pode ver no mapa acima (mesmo não sendo tão atual, ajuda a ter uma ideia) que mostra o investimento chinês através do mundo e revela  o quanto a participação do Brasil nestas inversões de capital é pequena em relação ao tamanho da sétima economia do mundo.
Mesmo que tenhamos, nesta década, nos tornado o quinto ou sexto destino de capitais chineses, ainda atraímos muito menos que Austrália, EUA e Canadá ( será que alguém acha que estão controlados pelos chineses?) e, sobretudo, que acumulamos um atraso imenso nessa captação, comparada ás nossas potencialidades.
É isso, e não outra coisa, que explica o volume dos acordos que estamos assinando com aquele país.
O resto é conversa de quem, em relação ao capital internacional, fez séculos de maus negócios, embora para os estrangeiros o Brasil tenha sido, sim, um negócio da China.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

PARA LEITORES DO PIG, E PARA QUEM TEM ESPÍRITO CRÍTICO

Por Luis Nassif, no jornal GGN

Na guerra santa atual, a maior vítima é o jornalismo

A indicação do jurista Luiz Edson Fachin para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), pela presidente Dilma Rousseff, foi recebida com uma aprovação unânime do meio jurídico.
Juristas de todas as linhas políticas, ex-Ministros de Fernando Henrique Cardoso e de Lula, praticamente todos os Ministros do STF, de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, aplaudiram a indicação.
Menos a velha mídia. Seguiu-se uma campanha infame, em que jornais permitiram que esgoto puro escorressem de suas páginas na tentativa de sujar uma biografia impecável. De defensor da poligamia a militante de invasões de terra, até a tentativa de macular sua carreira expondo versões falsas sobre sua dupla militância de procurador estadual e advogado.
***
Na sabatina da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado, compareceu em peso o mundo político do Paraná, do governador Beto Richa (PSDB) à senadora Gleize Hoffmann (PT), toda a bancada de deputados e inúmeros juristas paranaenses.
O que se viu foi o amuo desqualificado de alguns vikings da oposição, que encontraram pela frente a reação indignada de um de seus pares mais carbonários: o senador Álvaro Dias (PSDB-PR): “Na arena desse debate, há espaço para a irracionalidade, para a ignorância, para a vaidade, para o ódio, para a esquizofrenia política, distante do bom senso, do discernimento e da ponderação”, admitiu ele, em defesa de Fachin.
***
No mesmo dia em que Fachin submeteu-se à sabatina no Senado, as redes sociais divulgaram dois fatos.
O primeiro, um desabafo do músico Marcelo Nova, do conjunto Camisa de Vênus Oficial, a respeito de uma entrevista com ele veiculada pela revista Veja.
Desabafou ele: “Algumas das perguntas que lá estão nem sequer me foram feitas e as respostas ficaram a cargo de vai se saber quem. Como se não bastasse essa abordagem amadora, há uma suposta frase minha sobre Raul Seixas: 'Ele bebia muito e não aparecia para as apresentações.' Eu e Raul fizemos juntos 50 shows e ele compareceu em absolutamente todos. Foi muito mais profissional do que quem publicou este absurdo. Deixo uma pergunta: A quem interessa esse tipo de mentira barata?"
***
Não era uma entrevista política, inserida na guerra santa atual. Era uma mera entrevista para a seção de Entretenimentos. Mas recorreu-se à ficção da mesma maneira, mostrando que a deterioração do jornalismo não poupa mais sequer temas culturais.
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A segunda denúncia, através das redes sociais, foi de Amanda de Oliveira, bolsista do Ciência Sem Fronteira:
“Na manhã de ontem passou na Globo uma reportagem sobre o Ciência sem Fronteiras onde eu apareço. Gostaria de dizer que tudo o que foi dito a meu respeito naquela reportagem é MENTIRA! Primeiramente, eu NÃO voltei para o Brasil pela insegurança gerada pela falta do dinheiro. Até porque essa foi a ÚNICA parcela da bolsa que não caiu durante todo o meu intercâmbio. Eu voltei pelo simples motivo que minhas aulas na UFT começariam agora e eu julguei não valer a pena perder outro semestre (e isso foi dito INÚMERAS VEZES na minha entrevista. Mas a Globo achou mais interessante omitir isso e inventar um motivo mais atraente)”.
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Na guerra santa atual, a maior vítima tem sido a notícia.

SOBRE ENTREGUISMO

Do Conversa Afiada


ATP: EUA furam
a bóia dos tucanos

Como diz o Amorim, os vira-latas estavam loucos para entregar o ouro !
No New York Times:

http://www.nytimes.com/2015/05/13/business/senate-vote-obama-fast-track-trade-deal.html


O Senado não concedeu ao Presidente Obama a prerrogativa de “aprovar rápido” – “fast track” – o maior acordo comercial da História americana, depois do NAFTA, que associou as economias dos Estados Unidos, Canadá e México.

A ATP, ou TPP , a Trans-Pacific Partnership seria a resposta americana à crescente expansão econômica da China.

A ATP reuniria num único bloco comercial os países do Pacifico não aliados à China, como o Japão e a Malásia, e , na América Latina, Chile, Colômbia, Peru e México.

Obama foi derrotado por 52 a 45, seis a menos do que precisaria para conseguir o “fast-track”, com seis votos de senadores de seu partido, o Democrata.

Para conseguir reconstruir a ATP, Obama terá que ceder em alguns pontos cruciais.

A Oposição exige que o acordo puna as tentativas de “manipulação cambial” – segurar ou afrouxar a oscilação  da moeda para aumentar as exportações.

Como o Japão é contra esse dispositivo do acordo – indispensável para o Senado -, surgiu um impasse que deve sepultar a proposta.

Navalha
Como se sabe, os tucanos não têm uma ideia original.
Não é privilégio do Cerra, que, em 60 anos de vida pública, jamais teve uma ideia.
No campo político, os tucanos não inovaram um milímetro além do moralismo farisaico da UDN.
Como diz o Lula: eles levantam dinheiro em quermesse.
No campo da Economia, jamais ultrapassaram o “Consenso de Washington”, e suas variações neolibeles: privataria, privataria e privataria !
Recentemente, o Farol de Alexandria – sempre ele ! – trouxe na bagagem a ATP.
Entregar o Brasil – e a Petrobrax ! – , a preço de Vale, a uma “aliança” Pacifica com os Estados Unidos.
“Aliança” com os Estados Unidos.
Poupe-me !
Seria a ALCA do professor Bacha , travestida de aliança “Pacifica”.
O espírito era o mesmo: entregar !
O que dizia o Farol, seguido pelos discípulos obedientes, o Aecím e o Padim Pade Cerra, e seus trombones no PiG, a começar pela Urubóloga do Paulo Nogueira.
“O Brasil precisa se ‘integrar’ às correntes comercias globais,” dizem os vira-latas.
“Globais”, no caso, significa USA.
Entregar a Economia brasileira à americana.
“Mexicanizar” o Brasil !
E sepultar o Mercosul, a Unasul, e detonar os BRICs e o Banco dos BRICS.
Tudo isso em troca de uma mesa de US$ 18 mil no Hotel Waldorf Astoria, para ouvir oPríncipe da Privataria falar mal do Brasil em inglês.
Como disse o grande chanceler Celso Amorim, os vira-latas estão famintos.
Só que o Senado americano furou a bóia dos tucanos.
Se não tinham muito o que dizer, agora não tem mais nada.
Seu futuro está nas mãos do Youssef.
Ou no bum-bum da amada amante !
Em tempo: Esse Bessinha…


Em tempo2: Em discurso na abertura do seminário “A integração das cadeias produtivas na América do Sul”, nesta quarta-feira (13), o Presidente Lula afirmou: “Ainda prevalece no Brasil um complexo de vira-lata que teima em dizer que não vale a pena a relação com o Mercosul. E que temos que ter uma aliança com os EUA”.

Leia no Instituto Lula ou ouça o discurso completo: