quarta-feira, 31 de agosto de 2022

LADISLAU DOWBOR EM NOVO LIVRO

Peguei no Outras Palavras

Dowbor vê o ocaso do capitalismo (1)

Em livro no prelo, economista sustenta: exploração já não se dá como descrita por Marx. Um tecno-rentismo captura a riqueza dos 99% sem investir ou gerar trabalho. Mas é destrutivo, multiplica crises e abre brecha para novo projeto emancipatório

Resenha de:
Resgatar a função social da economia
, de Ladislau Dowbor
Publicado conjuntamente pela Editora Elefante e por Outras Palavras
Em impressão | Disponível a partir de 15/9

Evite a Amazon! Resgatar a função social da economia está disponível em pré-venda no site da Elefante, com desconto

Em seus últimos anos de vida, o sociólogo Immanuel Wallerstein, que morreu em 2019, anteviu o colapso do capitalismo. Autor da teoria dos sistemas-mundo, ele percebeu que a ordem eurocêntrica estava submetida a tensões às quais não resistiria – e julgou que, ao desabar, ela tornaria insustentáveis as lógicas do capital. Numa série de ensaios curtos, porém muito provocadores, Wallerstein, contudo, advertiu: não comemorem cedo demais. O sistema que se instalará sobre os escombros do atual, considerou, pode ser muito mais explorador, hierárquico e devastador da natureza que o atual. O contrário também é possível… As lutas sociais e políticas é que decidirão o desfecho.

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O livro mais recente do economista Ladislau Dowbor, que começa a circular nos próximos dias, vislumbra esta mesma transição incerta, mas a aborda a partir de outro ponto de vista: o das relações econômicas e políticas. Suas hipóteses centrais são igualmente instigantes. O capitalismo está morrendo, diz o autor, porque seu modo de expropriar a riqueza social deixa de ser hegemônico. A indústria já não é o centro da criação de valor. Por isso, a exploração não pode ter como mecanismo principal a mais-valia extraída dos trabalhadores. E à medida em que este processo declinou, emergiu um outro: o rentismo contemporâneo. Por meio de uma série de mecanismos, uma elite cada vez mais reduzida captura a riqueza social sem investir, empregar ou produzir.

As consequências são devastadoras. Em todo o Ocidente, a desigualdade disparou a ponto de 26 bilionários concentrarem mais riqueza que metade da humanidade. Parcelas cada vez mais vastas da população estão desempregadas, precarizadas ou desalentadas. A fome está de volta. As patentes bloqueiam o acesso das populações até mesmo às vacinas. Corporações sem rosto devastam a natureza e zombam do colapso climático sem sofrer danos. O novo sistema, mostra Ladislau, pode de fato despertar saudades do “velho” capitalismo.

Mas as engrenagens do novo horror são frágeis e vulneráveis. Apesar dos imensos avanços da tecnologia, as economias não crescem. Mesmo empanturrados de riquezas, os mercados financeiros permanecem sujeitos a crises prolongadas e potencialmente devastadoras. A instabilidade espraia-se para a política: as maiorias já não se sentem representadas pelos velhos sistemas partidários, que haviam garantido por décadas a coesão social e a legitimidade do sistema. Avançam tanto o rancor fascista quanto alternativas que propõem a superação do capitalismo.

O tempo delas pode ter chegado, sugere o livro de Ladislau Dowbor – intitulado Resgatar a função social da Economia. O fator principal para produção de riquezas não é mais a fábrica, mas o conhecimento. Trata-se de um bem não-rival – que pode ser reproduzido e compartilhado ao infinito, sem que seus detentores percam nada com isso. O último capítulo da obra propõe elementos para um projeto que permita distribuir a riqueza social, estabelecer nova relação com a natureza e transformar a política, nas condições do século XXI. Implica transformar a moeda e as finanças. Estabelecer a Renda Básica. Desprivatizar. Lançar um vastíssimo programa de investimentos públicos, suficiente para desmercantilizar Saúde, Educação e Habitação, além de renovar a infraestrutura e iniciar a conversão energética. Assegurar trabalho com direitos aos que desejem engajar-se nestas tarefas. Estabelecer a democracia participativa como mecanismo essencial de governo.

Aqui, a obra torna-se particularmente necessária ao Brasil contemporâneo. Ela mostra que a tendência ao fascismo pode ser revertida, desde a esquerda não ceda à tentação de salvar uma ordem em social em declínio. Ela precisa, ao contrário, se dar conta do enorme trabalho – político e teórico – que tem pela frente. Tornou-se possível, arrisca Ladislau, pensar uma sociedade fundada não mais sobre a competição e a exploração, mas em dinâmicas cooperativas. Mas as propostas para tanto diferem dos projetos socialistas do passado. A base material da produção de riquezas mudou radicalmente. Por isso, a ideia de superar as lógicas do capital tornou-se mais válida que nunca – mas os programas para realizá-la precisam ser totalmente repensados.

Crise da antiga forma de capturar a riqueza social. Emergência do rentismo contemporâneo. Devastação social e ambiental resultantes. Tendência a crises econômicas e políticas constantes. A alternativa da Colaboração. O livro de Ladislau é um guia para enxergar e começar de estudar o declínio do capitalismo, os riscos já visíveis de emergir um sistema ainda pior e as bases para construir, por meio da política, outra saída para a crise civilizatória. A seguir, uma breve antecipação de suas hipóteses principais.

I.
A tecnologia e as políticas que
produzem o rentismo contemporâneo

As teorias que marcaram o pensamento humano persistem por longo período, mesmo depois de se alterarem as realidades objetivas que elas descreviam. Desenvolvida por Marx, a ideia de que a mais-valia é extraída no processo de produção dos bens materiais — em especial na indústria — formou a esquerda por um século e meio. A partir dela, definiram-se projetos (como a estatização dos meios de produção), estratégias, visões sobre o “sujeito revolucionário” crucial (a classe operária), estruturas organizativas. Ladislau argumenta que esta forma de exploração do trabalho já não é a principal. Não significa que tenha desaparecido – mas, sim, que as classes dominantes encontraram outros mecanismos, no momento mais efetivos, de capturar a riqueza social.

A mudança relaciona-se a outra descoberta de Marx, já no campo da filosofia política: a dialética entre as forças produtivas da sociedade e as relações de produção que os seres humanos estabelecem entre si. Estas últimas formam, na teoria marxista, “a estrutura econômica da sociedade”. Perduram por longas épocas. Estabeleceram, ao longo da História, distintas dinâmicas de opressão de uma pequena classe dominante sobre as maiorias. São, por exemplo, o escravismo, o feudalismo, o capitalismo. Já as forças produtivas – trabalho, tecnologia, fábricas, ferramentas, matérias-primas etc – estão em incessante transformação. Em determinados momentos, seu desenvolvimento avança tanto que as velhas relações de produção não são capazes de contê-las. Neste ponto, a estrutura econômica entra em xeque e, segundo Marx, “abre-se uma época de revolução social1

Como estas ideias realizam-se nas condições concretas de nosso tempo? A revolução tecnológica das últimas décadas sacudiu e transformou as forças produtivas em todos os setores da atividade humana – e não cessa de fazê-lo. Ladislau aponta, em outro livro recente2, suas marcas principais. É possível resumi-las assim, empregando essencialmente as palavras do autor.

A base produtiva da humanidade está se deslocando de maneira radical e muito acelerada. (…) O conhecimento transformou-se no principal fator de produção. (…) A máquina continua importante, mas hoje o ser humano programa a sua operação. O que ele gera, fundamentalmente, são tecnologias, design, o chamado “imaterial”. Não é apenas a robótica, que penetra de forma acelerada em inúmeros setores. Surgem aplicações científicas inovadoras em praticamente todas as áreas: energia, transportes, medicina, educação, cultura, geração de novos materiais (…) Além disso, pela primeira vez todas as unidades de informação – letras, números, sons, imagens – podem ser digitalizadas. É possível receber, armazenar, tratar e articular volumes praticamente ilimitados de conhecimento. E a conectividade planetária permite tornar esse fator de produção disponível instantaneamente, em qualquer ponto do planeta.

Há algo muito especial nesta transformação. A centralidade do conhecimento e do imaterial abre, em teoria, espaço para uma socialização inédita da riqueza. Ladislau prossegue: “O principal fator de produção na economia contemporânea não é escasso. Não tem seu estoque reduzido pelo uso – pelo contrário, pode ser multiplicado indefinidamente”. Esta característica abala os alicerces da ideia de propriedade privada e, em especial, a lógica de competição e exploração onipresente no capitalismo.

Ocorre, porém, que esta mudança de época transcorreu, até o momento, em meio a condições políticas singulares. As forças que desejam superar o capitalismo foram batidas pela esclerose e posterior derrocada do “socialismo real”. A potência libertadora da produção baseada no conhecimento e no imaterial foi sequestrada pelas velhas lógicas. As classes dominantes já não podem extrair o mais-valor do trabalho como antes – porque a fábrica e as máquinas perderam protagonismo. Mas, em meio à emergência da ordem neoliberal, fazem-no ressuscitando e atualizando o velho rentismo – ou seja, a extração improdutiva da riqueza social, por meio de mecanismos de intermediação. Por isso, autores como Cédric Durand e Ellen Brown a veem como uma espécie de tecnofeudalismo.

Ladislau aponta com precisão cirúrgica o caráter predatório das relações sociais que derivam deste paradoxo.

Na fase anterior, o capitalista, para enriquecer, precisava pelo menos produzir e gerar empregos, e inclusive pagar impostos, o que enriquecia a sociedade. Na fase que se inaugura no final dos anos 1970, o capitalista descobre que os mecanismos financeiros podem garantir enriquecimento com muito menos esforço, e sem tantos constrangimentos. (…)

Em seu livo anterior, O capitalismo se desloca, ele já havia chamado atenção para a irracionalidade do processo:

Em vez de produzir mais para ganhar mais, o capitalismo passa a buscar formas artificiais de gerar escassez para ganhar dinheiro e combater os processos descentralizados e colaborativos de multiplicação da riqueza. O sistema inverte os valores. Proibir o livre acesso ao livro ou ao filme que poderiam ser acessados online tornou-se fundamental.

Mas quais as formas concretas por meio dos quais esta criação artificial de escassez se realiza — e permite concentrar tantas riquezas? É o que veremos a seguir.

(continua)

1Ler, a este respeito o prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política

2O Capitalismo se Desloca, Edições Sesc, 2021, Capítulo I

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terça-feira, 23 de agosto de 2022

ENORME GARGALO NA "TRANSIÇÃO" PARA A "ENERGIA RENOVÁVEL"

 

 

23 de agosto de 2022

Publicado no Counterpunch. Veja abaixo a justificativa para as aspas de ironia na chamada acima.

Existe metal suficiente para fazer a substituição do petróleo?

por Robert Hunziker

 

Imagem de Dan Cristian Pădureț.

 

A resposta curta: Não, nem chega perto!

 

As nações do mundo estão muito conscientes de que os combustíveis fósseis precisam ser eliminados por duas razões. Primeiro, o petróleo é uma mercadoria finita. Vai acabar com o tempo. Em segundo lugar, as emissões de combustíveis fósseis, como o CO2, estão destruindo o sistema climático do planeta.

 

No entanto, um estudo recente coloca um freio nas perspectivas de eliminação progressiva dos combustíveis fósseis em favor das energias renováveis. Mais precisamente, uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis em meados do século parece ser uma tarefa de Sísifo quase impossível. É tudo sobre as quantidades de minerais/metais contidos na Mãe Terra. Não há o suficiente.

 

Simon Michaux, PhD, da Geological Survey da Finlândia fez um estudo detalhado do que é necessário para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis em favor das renováveis, a saber:

 

“A quantidade de metal necessária para fazer apenas uma geração de unidades de tecnologia renovável para substituir os combustíveis fósseis é muito maior do que se pensava inicialmente. A atual produção de mineração desses metais não está nem perto de atender a demanda. As atuais reservas minerais relatadas também não são suficientes em tamanho. O mais preocupante é o cobre como um dos déficits sinalizados. A exploração de mais volumes nos volumes necessários será difícil, com este seminário abordando essas questões.” (Fonte: Simon P. Michaux, Professor de Pesquisa Associado da Unidade de Geometalurgia Processamento de Minerais e Pesquisa de Materiais, Geological Survey of Finland, 18 de agosto de 2022 – Seminário: O que seria necessário para substituir o sistema de combustível fóssil existente?)

https://youtu.be/MBVmnKuBocc

Metais/minerais necessários para fornecer gigafábricas que produzem energias renováveis ​​para alimentar as economias do mundo quando os combustíveis fósseis forem eliminados parece ser um dos maiores dilemas de todos os tempos. Não há metal suficiente.

 

Michaux pesquisou e analisou a situação atual da frota de motores de combustão interna de carros, caminhões, ferrovia, transporte marítimo e aviação para os EUA, Europa e China, acessando bancos de dados para coletar informações como ponto de partida para o estudo.

 

Os cálculos de Michaux para o que é necessário para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis usam um ponto de partida de 2018 com 84,5% da energia primária ainda baseada em combustíveis fósseis e menos de 1% da frota mundial de veículos elétricos. Portanto, a primeira geração de energia renovável só agora está entrando em operação, o que significa que não haverá disponibilidade de reciclagem de materiais de produção por algum tempo. A produção terá que ser proveniente da mineração.

 

Quando Michaux apresentou informações básicas aos analistas da UE, foi um choque para eles. Para sua consternação, eles não haviam reunido os vários requisitos de dados minerais/metais para eliminar os combustíveis fósseis e substituí-los por renováveis. Eles assumiram, usando estimativas, que os metais estariam disponíveis.

 

Uma questão-chave para a realização das energias renováveis ​​é o armazenamento de energia devido ao impacto da intermitência eólica e solar, ambas altamente intermitentes. A maioria dos estudos assume que o gás será o amortecedor da intermitência. Além de usar combustível fóssil, como o gás, como amortecedor, um sistema de armazenamento de energia adequado para lidar com a intermitência exigirá 30 vezes mais material do que os veículos elétricos exigem com os planos atuais, o que significa que o escopo é muito maior do que o paradigma atual permite.

 

Um fator que influenciará quais materiais e sistemas são usados ​​para construir energias renováveis ​​é o fato de que os VEs requerem uma bateria com 3,2 vezes a massa do equivalente a um tanque de combustível de hidrogênio. Portanto, uma análise de VEs versus células de combustível de hidrogênio indica que será necessário construir a frota global com EVs para tráfego urbano e células de combustível de hidrogênio para todos os veículos de longo alcance, como semirreboques, trilhos e transporte marítimo.

 

Toda a construção renovável requer 36.000 terawatts-hora para operar, o que significa 586.000 novas usinas de combustível não fóssil de tamanho médio. A frota atual de centrais elétricas é de apenas 46.000, o que significa que levará 10 vezes o número atual de usinas, ainda a serem construídas.

 

A nova capacidade anual de energia de 36.007,9 terawatts-hora fornecerá (1) 29 milhões de ônibus EV (2) 601,3 milhões de vans EV comerciais (3) 695,2 milhões de carros de passageiros EV (4) 28,9 milhões de caminhões H2-Cell (5) 62 milhões de motocicletas EV (6). A hidrelétrica também precisará ser expandida em 115% até 2050 e a nuclear precisará dobrar. A biomassa permanecerá a mesma. Já está no limite. A geotérmica triplica.

 

Além disso, os sistemas de armazenamento de energia são cruciais para lidar com a intermitência. Por exemplo, Hornsdale Power Reserve na Austrália, que é um projeto de Elon Musk com capacidade de 100 megawatts. A UE está usando Hornsdale como o sistema de armazenamento padrão. Globalmente, 15.635.478 estações do tipo Hornsdale precisarão ser construídas em todo o planeta e conectadas ao sistema de rede elétrica apenas para atender a um sistema de armazenamento de 4 semanas. Isso é 30 vezes a capacidade em comparação com toda a frota global de veículos. Portanto, o mercado de baterias é substancialmente maior do que o atualmente entendido e considerado no planejamento de uma economia renovável.

 

A Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou um relatório sobre quanto metal é necessário por unidade para construir uma economia renovável. Além de um estudo de como seria a participação de mercado em 2040 para baterias para veículos leves e pesados ​​e armazenamento de energia no nível da frota global para painéis solares em 2040 e células de combustível de hidrogênio, caminhões, locomotivas de carga, transporte marítimo, turbinas eólicas e armazenamento de energia.

 

O total de metais necessários para uma geração de tecnologia para eliminar os combustíveis fósseis é listado por Produção Necessária seguido por Reservas Conhecidas para todos os metais com base em toneladas, como segue:

 

Cobre 4.575.523.674 contra 880.000.000 – um déficit sério – as reservas cobrem apenas 20% das necessidades.

 

Zinco 35.704.918 vs. 250.000.000 – reservas adequadas.

 

Manganês 227.889.504 vs 1.500.000.000 – reservas adequadas

 

Níquel 940.578.114 vs. 95.000.000 – enorme déficit – reserva 10% das necessidades.

 

Lítio 944.150.293 vs. 95.000.000 = enorme déficit – reserva 10% das necessidades.

 

Cobalto 218.396.990 vs. 7.600.000 – enorme déficit – reserva 3,48% das necessidades.

 

Grafite 8.973.640.257 vs. 320.000.000 = enorme déficit – 3,57% de reservas de necessidades.

 

Silício (metalúrgico) 49.571.460 – reservas adequadas

 

Prata 145.579 vs. 530.000 – reservas adequadas

 

Vanádio 681.865.986 vs. 24.000.000 = enorme déficit -3,52% das reservas necessárias

 

Zircônio 2.614.126 vs. 70.000.000 – reservas adequadas.

 

Antes de 2020 o sistema global extraiu 700 milhões de toneladas de cobre ao longo de toda a história. Olhando para o futuro, as mesmas 700 milhões de toneladas precisarão ser extraídas nos próximos 22 anos, com base nas taxas atuais de crescimento econômico sem levar em consideração o que é necessário para uma geração de energias renováveis.

 

As reservas atuais de cobre são de 880 milhões de toneladas. Mas são necessários 4,5 bilhões de toneladas de cobre apenas para fabricar uma geração de tecnologia renovável. Hum.

 

Além disso, cada tecnologia renovável tem um ciclo de vida de 8 a 25 anos. Depois disso, eles precisam ser descomissionados e substituídos. Além disso, se as energias renováveis ​​são fortes o suficiente e sustentáveis ​​o suficiente para alimentar a próxima era industrial é uma questão que paira no ar.

 

O PASSADO – “Um ecossistema industrial de tamanho e complexidade sem precedentes, que levou mais de um século para ser construído com o apoio da fonte de energia barata de maior densidade calorífica que o mundo já conheceu (petróleo) em quantidades abundantes, com crédito facilmente disponível, e recursos minerais ilimitados. ” (Michaux)

 

O PRESENTE – “Buscamos agora construir um sistema ainda mais complexo com energia muito cara, um sistema financeiro frágil saturado de dívidas, minerais insuficientes, com um número sem precedentes da população humana, inserida em um ambiente em deterioração. ” (Michaux)

 

As reservas minerais atuais não são adequadas para a produção de metais de recursos para fabricar a geração de tecnologia de energia renovável, pois a mineração atual não está nem perto de atender à demanda esperada por uma geração de tecnologia renovável.

 

Robert Hunziker mora em Los Angeles e pode ser contatado em rlhunziker@gmail.com.

domingo, 21 de agosto de 2022

POLÍTICAS DE ENERGIA A PARTIR DA EXPLORAÇÃO DO LÍTIO

Petróleo na Venezuela (Irã, Iraque, Líbia, Brasil...) tem sido o estopim de guerras híbridas lançadas pelo império. Interessante repassar a questão do Lítio, importante devido à moda de veículos elétricos lançada pelos donos do mundo (por hora). 

No IEE, lembro-me que houve alguma discussão trazendo os planos do governo da Bolívia no tempo de Evo Morales. Este artigo tirei do Counterpunch, mas a primeira publicação foi em outro local, indicado e linkado no fim desta tradução.

 

19 de agosto de 2022

Por que as políticas de energia de lítio estão se desenrolando de maneira muito diferente no Chile e na Bolívia

por Vijay Prashad – Taroa Zúñiga Silva

 

Fonte da fotografia: Francesco Mocellin – CC BY-SA 3.0

 

No final de julho, apareceu um grande sumidouro perto da cidade de Tierra Amarilla, na província chilena de Copiapó, no salar de Atacama. A cratera, com mais de 30 metros de diâmetro, surgiu em uma das regiões mais lucrativas para extração de cobre e lítio do Chile. O complexo de mineração Candelaria das proximidades – 80% da propriedade é de propriedade da canadense Lundin Mining Corporation e 20% é de propriedade da japonesa Sumitomo Metal Mining Co Ltd. e da Sumitomo Corporation – teve que interromper suas operações na área. Em 1º de agosto, o Serviço Nacional de Geologia e Mineração do Chile (Sernageomin) twittou que havia reunido uma equipe para investigar o sumidouro que apareceu a menos de 600 metros de distância de habitação humana. O prefeito de Tierra Amarilla, Cristóbal Zúñiga, questionou por que a terra cedeu perto da mina de Alcaparrosa e se o surgimento do buraco tem algo a ver com as operações de mineração. “Hoje aconteceu em uma propriedade agrícola”, disse o prefeito à rádio Ciudadano ADN, “mas nosso maior medo é que isso possa acontecer em um local povoado de rua, em uma escola, e proteger a integridade de nossos habitantes é nossa maior preocupação, no momento."

 

Funcionários do governo viajaram para Tierra Amarilla para investigar o sumidouro. Em 12 de agosto, Marcela Hernando, ministra de Minas, juntou-se a Cristóbal Zúñiga e outros para visitar a mina de Alcaparrosa. Antes da visita, Zúñiga pediu às autoridades que apliquem “sanções máximas” para punir os responsáveis ​​pelo sumidouro, que parece ter sido causado por atividades mineiras subterrâneas realizadas pelo complexo mineiro Candelaria. A agência governamental responsável pela investigação – Sernageomin – suspendeu todas as atividades de mineração na área e continua com sua avaliação forense para determinar as razões por trás do colapso da terra perto do complexo de mineração.

 

Moratória na Mineração

 

“Não deveríamos estar falando de nenhum tipo de extração no salar do Atacama”, disse-nos Ramón Morales Balcázar alguns dias após a descoberta do sumidouro. Morales Balcázar é o fundador da Fundación Tantí, uma organização não governamental de San Pedro de Atacama que se dedica à promoção da agroecologia e sustentabilidade socioambiental. “O salar do Atacama está esgotado, [e foi] profundamente impactado pela mineração de cobre e lítio e pelo turismo. Devemos estar trabalhando para restaurar o ecossistema lá”, disse Morales Balcázar. A palavra “esgotado” também é o título de um novo relatório de coautoria de Morales Balcázar, que oferece um retrato assustador do esgotamento das águas subterrâneas como resultado dos extratores globais de lítio. “A extração de lítio, a mais nova indústria da região [do salar do Atacama], é agora mais uma forma de esgotar os escassos recursos hídricos”, afirma o relatório.

 

Morales Balcázar faz parte de uma equipe de pesquisadores conhecida como Observatório Plurinacional de Salares Andinos (OPSAL). Esses estudiosos estão envolvidos em pesquisas refinadas sobre o que eles veem como o ecocídio do salar, que se estende por toda a Argentina, Bolívia e Chile. Um livro escrito por esses estudiosos em 2021 – Andean Salt Flats: An Ecology of Knowledge for the Protection of Our Salt Flats and Wetlands – oferece uma avaliação detalhada do que eles chamam de “extrativismo verde” e “crescimento verde”. O extrativismo refere-se à extração de recursos naturais da terra para obter lucros sem qualquer consideração pela terra que está sendo minerada ou pelas pessoas que vivem nas áreas que estão sendo mineradas. “Extração e extrativismo não são a mesma coisa”, disse Morales Balcázar. A primeira é a mera retirada de recursos naturais, que pode ser feita de forma sustentável sem prejudicar a terra, e é realizada para o bem-estar social das pessoas que vivem próximas às minas.

 

“Temos mantido conversações com instituições indígenas e sindicatos para imaginar diferentes regimes de extração”, disse Morales Balcázar. Quando os trabalhadores da Albemarle – uma mineradora dos EUA – entraram em greve em 2021, Morales Balcázar e outros colegas conversaram com eles sobre a possibilidade de pensar em novos tipos de técnicas de extração, embora “não seja realmente algo que possamos ver nos próximos futuro”, disse Morales Balcázar. Uma razão pela qual os mineiros de Albemarle e as instituições indígenas (como o Consejo de Pueblos Atacameños) não podem conceber qualquer alternativa é que, mesmo que obtenham umas bugigangas da riqueza da mineração, isso ainda é visto como uma opção melhor do que enfrentar o desemprego.

 

A Alternativa da Bolívia

 

Ao norte do Chile, na Bolívia, o conceito de “nacionalismo de recursos” tem emoldurado o debate em torno da extração de lítio no país. Em 1992, o governo do então presidente boliviano Jaime Paz Zamora assinou um acordo com a empresa norte-americana Lithium Corporation of America, agora conhecida como FMC Corporation, que “permitia que a empresa tomasse todo o lítio que pudesse, dando à Bolívia apenas oito por cento dos lucros. Muitos bolivianos ficaram indignados com o acordo”, segundo um artigo de 2010 da New Yorker. Isso levou a protestos do Comitê Cívico de Potosí, que acabou rescindindo o contrato.

 

Quando Evo Morales assumiu a presidência da Bolívia em 2006, o resíduo dessa batalha moldou sua abordagem de “nacionalismo de recursos” em relação ao lítio e outros minerais. “Ele prometeu ‘industrializar com dignidade e soberania’, prometendo que o lítio bruto não seria explorado por corporações estrangeiras, mas sim processado por entidades controladas pelo Estado na Bolívia e transformado em baterias”, observou um artigo de 2018 na Bloomberg. Em 2007, a Bolívia desenvolveu uma política de industrialização do lítio. Ouvimos dos funcionários da época que a Corporação Mineira da Bolívia (Comibol) encorajou os cientistas bolivianos a desenvolver e patentear métodos tradicionais de extração por evaporação (embora esse método tenha dificuldades devido aos altos níveis de magnésio encontrados no lítio boliviano). O governo de Morales investiu pesadamente no esquema de industrialização do lítio, o que levou a Bolívia a poder desenvolver suas próprias baterias (incluindo a produção de cátodos) e desenvolver seu próprio carro elétrico através da estatal Quantum Motors. Para controlar e gerenciar a produção de lítio, foi criada pelo governo uma empresa chamada Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) em 2017.

 

“Estávamos fazendo um grande progresso”, disse Evo Morales, “até o golpe de 2019 e depois a pandemia”. O golpe acabou levando à sua expulsão. “Vamos golpear quem quisermos”, escreveu Elon Musk, cuja empresa Tesla depende do lítio para suas baterias e carros elétricos. Tal é a raiva contra as possibilidades de “nacionalismo de recursos”.

 

A evolução na Bolívia mostra que novas formas de extração, ainda que não sejam perfeitas, estão sendo exploradas. Os desafios ambientais no Salar de Uyuni, o maior salar do mundo, e os resmungos das pessoas que vivem lá continuam a definir a extração de lítio. No entanto, a política de industrialização do lítio e o grande cuidado do país com o que os bolivianos chamam de Pachamama – a Terra – durante o processo de extração apresentam algumas diferenças em relação ao trabalho de extração realizado pelas grandes mineradoras canadenses e norte-americanas. No Chile, Lester Calderón, líder sindical da cidade de Antofagasta, candidato a governador em 2021, escreveu um artigo em janeiro de 2022 no qual argumentava que as comunidades indígenas devem decidir sobre a forma como o lítio é usado e que os recursos (incluindo água) do Chile devem ser nacionalizados. Esses elementos estão em vigor na Bolívia, mas ainda há desafios à frente para as pessoas de lá.

 

O atual presidente da Bolívia, Luis Alberto Arce Catacora, espera renovar a política de industrialização do lítio liderada pelo Estado, mas não consegue encontrar os recursos internamente para fazê-lo. Essa é a razão pela qual seu governo iniciou um processo de captação de investimentos externos (atualmente, seis empresas da China, Rússia e Estados Unidos ainda estão competindo para garantir a oferta).

 

O centro da luta na Bolívia é Potosí, onde os espanhóis, que governavam a região, durante séculos escavaram a terra para extrair prata para exportar para a Europa. “Éramos o centro da exploração [da prata], mas permanecemos à margem da tomada de decisões do país”, disse à Reuters o funcionário do governo de Potosí, Juan Tellez. “É isso que estamos tentando evitar agora com o lítio. ” O povo de Potosí, como o povo de Tierra Amarilla no Chile, quer imaginar um tipo diferente de extração: uma que seja controlada por quem vive das fontes do metal e que não destrua a terra, criando sumidouros por toda parte.

 

Este artigo foi produzido por Globetrotter.