sexta-feira, 30 de junho de 2023

GUERRA EUA - CHINA? POR WOLFGANG STREECK

 Obrigado pela dica, Rogério!

👓
Mundo caminha para economia de guerra entre EUA e China, diz sociólogo

ANDRÉ SINGER
HUGO FANTON
FSP 24.06.2023


[RESUMO] Um dos principais sociólogos em atividade, o alemão Wolfgang Streeck mostra-se pessimista em relação ao futuro imediato da "desordem mundial" que vivemos. Em entrevista, ele comenta que passamos por momento de transição, acarretado por crise do capitalismo democrático nas últimas décadas, para uma possível nova ordem bipolar liderada por EUA e China, o que, a seu ver, pode reacender o risco de uma grande guerra. Ele diz ainda que forças de esquerda devem apoiar a paz entre Ucrânia e Rússia, sem se aliarem a nenhum dos dois países, e que esperar uma vitória unilateral, com Vladimir Putin sendo julgado em Haia, é "suicida".

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O sociólogo alemão Wolfgang Streeck, professor emérito do Instituto Max Planck, tornou-se conhecido fora dos círculos acadêmicos dez anos atrás quando publicou o livro "Tempo Comprado: A Crise Adiada do Capitalismo Democrático", traduzido para o português em 2018.

De lá para cá, virou um dos principais intérpretes da desordem mundial. Nesta entrevista — concedida em 12 de junho, via Zoom, de Colônia, na Alemanha—, mostrou-se pessimista em relação ao futuro imediato.

Segundo ele, em meados dos anos 1970 o capitalismo democrático começou a se desfazer, dando início a um período entrópico. Nele, predominaria a ideia anotada pelo dirigente comunista Antonio Gramsci no "Caderno do Cárcere" volume 3 (1930): "A crise consiste […] no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados".

Quanto tempo levará a transição para a nova ordem? Ninguém sabe, afirma Streeck. O fim do Império Romano é o caso paradigmático, e até hoje é difícil determinar a duração do seu desmoronamento.

Por ora, Streeck acha possível o estabelecimento de uma ordem econômica global bipolar, em que Estados Unidos e China liderariam blocos com funcionamento próprio. Teme, entretanto, que um dos polos, no caso o norte-americano, por ser militarmente mais forte, decida usar a vantagem antes que a perca. "Meu medo é que Biden planeje atacar a China, com a ajuda da Otan", disse.

"Os Estados Unidos têm uma vantagem maravilhosa, não é possível vencer uma guerra contra eles. São como uma ilha enorme, um continente, e têm apenas dois vizinhos: o Canadá, quase um estado americano, e o México, onde suas tropas já estão presentes, presumivelmente para combater o tráfico de drogas", afirma Streeck.

Para acabar com a Guerra da Ucrânia, bastaria os americanos se disporem a uma saída negociada com os chineses, pensa Streeck. Já a ideia de uma vitória unilateral, com Vladimir Putin sendo julgado em Haia, é "suicida", acredita.

"Há alguns dias, o governo alemão prometeu a Biden enviar dois grandes navios de guerra para as águas do sul da Ásia, perto da costa chinesa. Imagine, a marinha alemã na costa da China?! Vocês me perguntam o que espero? Só posso dizer que não estou mais esperando nada, exceto surpresas bizarras."

Leia a seguir os principais trechos da conversa, cuja íntegra sairá em livro publicado pela editora da Unicamp no primeiro semestre de 2024.

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— A ideia gramsciana de interregno está associada em sua obra a períodos diferentes: o desmantelamento da ordem pós-guerra pela revolução neoliberal, de 1975 em diante; o fim da possibilidade de o capitalismo comprar tempo, por volta de 2008 em diante; o atual "cabo de guerra" entre as elites da coalizão neoliberal e novos populismos, em torno de 2016 em diante; e um período prolongado de desordem que viria após o fim do capitalismo, um futuro incerto que ainda não começou. Poderia comentar os diferentes significados de interregno?

— Gramsci usa o termo para indicar uma situação de muita incerteza, causada pelo rompimento das estruturas que criavam algo como ordem ou previsibilidade, e não se sabe o que vem depois. Daí surgem todos os tipos de distúrbios patológicos. Portanto, é um conceito geral que descreve a situação em que a velha ordem está morrendo, e a nova ainda não pode se materializar.

A meu ver, o período de interregno começa quando a ordem relativamente estável do pós-guerra principia a desmoronar no final da década de 1970. Mas é preciso ter uma visão de longo prazo quando se pensa em mudanças de época, pois nem tudo desmorona de uma vez. Certas coisas continuam; outras se tornam disfuncionais.

O fim do Império Romano é o caso paradigmático de mudança social fundamental. Quanto tempo isso levou? Não se sabe ao certo. Quando o último imperador estava em Roma, havia outro em Bizâncio. Depois, vários tentaram restaurá-lo, como os carolíngios. Há, portanto, uma mistura de estabilidade e colapso.

O mérito de Gramsci é apontar para o fato de que as estruturas sociais produzem algo como continuidade e previsibilidade, mas há situações em que uma ordem existente está tão profundamente danificada que não se sabe o que virá a seguir.

Quando olhamos para o momento presente, é possível argumentar que estamos vendo uma próxima fase que eu chamaria, de forma provisória, de economia bipolar global: uma economia de guerra, dividida em duas metades, China e Estados Unidos. Teríamos sido capazes de imaginar algo assim há cinco anos? Impossível.

— Nos últimos dez anos, o senhor tem destacado os aspectos desestabilizadores do período pós fim da compra de tempo pelo capitalismo. Mas como devemos analisar as contratendências de estabilização sistêmica, como o sistema transnacional de Bancos Centrais, atuando para absorver os choques causados pela especulação financeira, a reação permanente do que Tariq Ali chama de "extremo centro" e as ideologias de consumismo e meritocracia?

— No que diz respeito à cultura cotidiana, meritocracia e consumismo, se a esquerda não puder oferecer um modo de vida às pessoas mais satisfatório do que o consumo, o trabalho árduo e duro para aumentar o capital dos proprietários privados e assim por diante, se não tiver algo a oferecer, então perdemos.

No nível institucional, acho que podemos diagnosticar que o sistema financeiro global não é, como vocês sugerem, um pilar de estabilidade, mas está cada vez mais fora de controle internamente. Então teríamos uma situação gramsciana, em que a estrutura institucional entra em colapso, talvez em nova crise financeira global.

As pessoas não estão preparadas para pensar em um modo de vida que seja mais sustentável do que um capitalismo global ingovernável. Essas questões estão muito distantes da experiência cotidiana. A maioria das pessoas tem de lutar muito para sobreviver e colocar comida no prato. Elas não têm tempo para estudar economia política. Não entendem o que significa uma pirâmide financeira que pode se romper a qualquer momento, a criação de dinheiro do nada para manter as coisas funcionando, que tipo de consequências futuras pode ter.

Essa sociedade, em algum momento, será incapaz de fornecer até mesmo pequenas satisfações. Mas esse é um processo de longo prazo, e estou totalmente de acordo, precisamos conhecer esses estabilizadores socioculturais e pensar no que pode substituí-los.

— Poderia falar sobre as reações "desde baixo" às elites da coalizão neoliberal, presentes em seu último livro, "Zwischen Globalismus und Demokratie" [entre o globalismo e a democracia], publicado na Alemanha em 2021?

— A democracia não é ameaçada apenas por movimentos autoritários de direita. Ela vem sendo esvaziada há décadas com a destruição dos sindicatos, da negociação coletiva, da social-democracia, e com o vácuo dos partidos políticos, que se transformaram em organizações não representativas e, portanto, mais ou menos impotentes, especialmente na esquerda.

Max Weber dizia que a sociologia é uma ciência que se baseia na compreensão dos significados que as pessoas atribuem às ações. Se quisermos entender o que as pessoas [ligadas a movimentos autoritários de direita] estão fazendo, acho justo dizer que estão buscando proteção nacionalista autoritária contra as incertezas globais, na ausência de opções de proteção internacionalista democrática.

A razão pela qual esses grupos se tornaram tão visíveis e poderosos é simplesmente porque a esquerda não foi capaz de oferecer a eles o tipo de proteção contra as incertezas das rápidas mudanças sociais e econômicas que agora dominam a vida de muitas pessoas, especialmente nas classes mais baixas.

Certamente isso tem a ver com a globalização. A partir de 1990, sob o feitiço da nova ordem mundial propagada pelos Estados Unidos, até mesmo os partidos sociais-democratas começaram a se entusiasmar com o mundo único e os mercados livres.

O que deveríamos fazer era nos ajustar às restrições dos mercados. Nas primeiras décadas do século 21, houve uma grande decepção e essa decepção, ressentida e não esclarecida, foi captada pelos partidos nacionalistas e agressivos de direita.

— No artigo "Return of the King" (publicado no blog Sidecar, da New Left Review, em abril de 2022), o senhor antecipou que a guerra ucraniana poderia estar caminhando para um conflito longo. Como a esquerda pode enfrentar o desafio de apoiar a resistência ucraniana, que está defendendo pessoas inocentes agredidas pelo estado russo, e ao mesmo tempo ser contra a guerra em si?

— Como qualquer país, a Ucrânia é uma sociedade diversificada, a resistência inclui grupos com ideias diferentes sobre os objetivos da guerra. A esquerda não é forçada a concordar com os objetivos da guerra. Aparentemente, o governo ucraniano está seguindo a ala de extrema direita do movimento nacionalista ucraniano.

Até alguns anos atrás, uma versão diferente do nacionalismo ucraniano estava no poder, disposta a falar de neutralidade, de autonomia para as partes da Ucrânia cuja língua é o russo, de garantias de que o porto militar russo de Sebastopol, no Mar Negro, permaneceria nas mãos da Rússia em vez da Otan. Nos últimos dez anos, os objetivos do movimento nacionalista ucraniano se tornaram mais radicais.

Não é nosso dever estar do lado de um país específico. Acho que o principal objetivo da esquerda deve ser evitar a guerra. Acabar com a guerra. Somente se não houver guerra não haverá morte de pessoas inocentes.

Também há pessoas inocentes sendo mortas do lado russo. Por causa dessa loucura absoluta de uma guerra em que todos, até o outono de 2021, antes do início da guerra, sabiam basicamente o resultado provável: a Crimeia permaneceria nas mãos da Rússia, talvez por dez anos, e depois haveria um plebiscito; haveria algum tipo de autogoverno para as partes da Ucrânia que falam russo; a Ucrânia permaneceria fora da Otan e receberia garantias de segurança internacional que deveriam protegê-la de novas agressões russas.

A esquerda deve apoiar a paz, não um país específico e não um governo específico do país. Em meu último trabalho sobre macrossociologia, tornei-me forte defensor do estado-nação.

O estado-nação soberano, especialmente para populações pequenas, é uma ferramenta muito importante para a democracia. Portanto, a Ucrânia deve ter seu próprio estado. Como esse estado deve se encaixar na arena internacional é uma questão diferente.

Há dois grandes romances russos: "Guerra e Paz" e "Crime e Castigo". Uma guerra é sobre "Guerra e Paz", não sobre "Crime e Castigo". A ideia de que essa guerra deve terminar com Putin julgado em Haia é suicida. Isso poderia matar não apenas os ucranianos, mas muitos russos e outras pessoas. Se essa é a paz que queremos, eu certamente discordaria disso.

O relacionamento entre países fortemente armados, quer queiramos ou não, não é pessoal, não é algo que possa ser discutido em termos de vilão e mocinho. Ao longo dos séculos, os países desenvolveram técnicas para estabelecer a paz. Parte disso são acordos sobre quem tem permissão para posicionar tropas, sobre inspeção mútua de forças armadas e controle de armamentos.

A pré-história da guerra ucraniana foi uma época em que todas as instituições poderosamente calibradas do período da Guerra Fria foram desmanteladas e negligenciadas.

— No artigo "Uma Ordem Bipolar?", publicado no Sidecar em 1º de maio passado, o senhor lembra que o capitalismo "se transformou e se reformulou de forma mais fundamental e eficaz do que nunca na esteira das duas grandes guerras do século 20". Será que os EUA colocaram em movimento uma estratégia de guerra tendo isso em mente?

— Em nenhum país há mais pessoas pensando em como usar as Forças Armadas: 40% dos gastos militares globais são feitos nos Estados Unidos. Em 2010, os gastos militares anuais americanos foram 19 vezes maiores do que os russos. Existem essas enormes burocracias militares, com pessoas pensando, livremente, sobre como usar isso.

Livremente por quê? Porque os Estados Unidos têm uma vantagem maravilhosa, não é possível vencer uma guerra contra eles. São como uma ilha enorme, um continente, e têm apenas dois vizinhos: o Canadá, quase um estado americano, e o México, onde suas tropas já estão presentes, presumivelmente para combater o tráfico de drogas.

Ao contrário, a China tem cerca de 20 países vizinhos. Por sua doutrina militar oficial, os Estados Unidos querem ser capazes de realizar duas guerras ao mesmo tempo, nas partes Oriental e Ocidental do globo.

No caso do Afeganistão, eles puderam ir a um lugar, gastar quantias inacreditáveis em 20 anos e depois, simplesmente, voltar para casa. Alguém pode esperar que o Talibã vá aos Estados Unidos se vingar? Absolutamente impossível. Imagina-se o exército iraquiano marchando até Washington e exigindo que George W. Bush seja entregue ao Tribunal de Haia?

Deve haver pessoas pensando em atacar a China agora, quando os EUA ainda estarão em uma situação com chance muito boa de vencer. Quando vencerem, poderão cancelar toda a dívida com a China e criar uma nova ordem monetária global. Teríamos de volta 1990, quando a Rússia e a China votavam com os Estados Unidos na ONU. Deve haver uma tentação de pensar sobre isso, o que é muito perigoso.

— Joe Biden, com apoio de Bernie Sanders, deve enfrentar Donald Trump novamente nas urnas em 2024. Como analisa o governo Biden até agora?

— Quando Biden assumiu, tornou-se linha-dura no que diz respeito à Ucrânia de uma forma que ninguém esperava, depois de ter saído do Afeganistão sem avisar os aliados. Os militares alemães que estavam no Afeganistão ficaram atônitos ao saber que os americanos sairiam no dia seguinte. Eles simplesmente fazem o que querem.

Portanto, o que Biden fará depende muito de saber se os Estados Unidos estão seriamente dispostos a entrar em guerra com a China. Caso contrário, eles podem permitir que os chineses ajudem a estabelecer algum tipo de cessar-fogo na Ucrânia, ou seja, incluir a China no sistema euroasiático.

Os russos não podem mais tomar nenhuma decisão sem o apoio dos chineses. A China continua dizendo ao mundo que se opõe totalmente ao uso de armas nucleares, e que não está vendendo armas a nenhum país envolvido em operação militar. Isso significa que eles tiraram, na opinião dos russos, a última ferramenta para se defenderem contra um exército ucraniano que entre na Rússia: as armas nucleares táticas.

Os russos precisam urgentemente de armas melhores, mas não as obtêm dos chineses. Então, os chineses poderiam ser mediadores entre a Ucrânia e a Rússia ou entre os Estados Unidos e a Rússia. Se Biden quisesse isso, acho que poderia conseguir, mas ao preço de não poder mais atacar a China. Seria um pacificador. Em outras palavras, não sei o que Biden vai fazer.

Meu medo é que ele realmente planeje atacar a China, com a ajuda da Otan. Há alguns dias, o governo alemão prometeu a Biden enviar dois grandes navios de guerra para as águas do sul da Ásia, perto da costa chinesa.

Imagine, a marinha alemã na costa da China?! Vocês me perguntam o que espero? Só posso dizer que não estou mais esperando nada, exceto surpresas bizarras.

Os Estados Unidos acabam de destruir um grande império

 Do Counterpunch

30 de junho de 2023


Por: Michael Hudson

 

Fonte da fotografia: Templo de Delfos – CC BY-SA 3.0

Heródoto (História, Livro 1.53) conta a história de Creso, rei da Lídia c. 585-546 a.C. no que hoje é a Turquia Ocidental e a costa jônica do Mediterrâneo. Creso conquistou Éfeso, Mileto e reinos vizinhos de língua grega, obtendo tributos e espólio que o tornaram um dos governantes mais ricos de seu tempo. Mas essas vitórias e riquezas levaram à arrogância e à arrogância. Creso voltou os olhos para o leste, ambicionando conquistar a Pérsia, governada por Ciro, o Grande.

Tendo dotado o cosmopolita Templo de Delfos da região com prata e ouro substanciais, Creso perguntou ao seu Oráculo se ele seria bem-sucedido na conquista que havia planejado. A sacerdotisa pítia respondeu: "Se você for para a guerra contra a Pérsia, você destruirá um grande império".

Creso, então, partiu para atacar a Pérsia por volta de 547 a.C. Marchando para o leste, ele atacou a Frígia, estado vassalo da Pérsia. Ciro montou uma Operação Militar Especial para expulsar Creso, derrotando o exército de Creso, capturando-o e aproveitando a oportunidade para tomar o ouro de Lídia para introduzir sua própria moeda persa com o ouro. Então Creso realmente destruiu um grande império, mas era o seu.’

Avançamos rapidamente para o esforço de hoje do governo Biden para estender o poder militar americano contra a Rússia e, depois dela, a China. O presidente pediu conselhos do análogo de hoje ao oráculo Delfos da antiguidade: a CIA e seus think tanks aliados. Em vez de alertar contra a arrogância, eles incentivaram o sonho neoconservador de que atacar a Rússia e a China consolidaria o controle dos EUA sobre a economia mundial, alcançando o fim da história.

Tendo organizado um golpe de Estado na Ucrânia em 2014, os Estados Unidos enviaram seu exército por procuração da Otan para o leste, dando armas à Ucrânia para lutar uma guerra étnica contra sua população de língua russa e transformar a base naval russa da Crimeia em uma fortaleza da Otan. Essa ambição a la Croesus visava atrair a Rússia para o combate e esgotar sua capacidade de se defender, destruindo sua economia no processo e destruindo sua capacidade de fornecer apoio militar à China e a outros países visados por buscar a autodependência como alternativa à hegemonia dos EUA.

Após oito anos de provocação, um novo ataque militar contra ucranianos de língua russa estava visivelmente preparado, pronto para seguir em direção à fronteira russa em fevereiro de 2022. A Rússia protegeu seus compenheiros falantes de russo de mais violência étnica montando sua própria Operação Militar Especial. Os Estados Unidos e seus aliados da Otan imediatamente confiscaram as reservas cambiais da Rússia mantidas na Europa e na América do Norte e exigiram que todos os países impusessem sanções contra a importação de energia e grãos russos, esperando que isso derrubasse a taxa de câmbio do rublo. O Departamento de Estado de Delfos esperava que isso fizesse com que os consumidores russos se revoltassem e derrubassem o governo de Vladimir Putin, dando espaço a manobras dos EUA para instalar uma oligarquia clientelista como a que nutriu na década de 1990 sob o presidente Yeltsin.

Um subproduto desse confronto com a Rússia foi manter o controle dos Estados Unidos sobre seus satélites da Europa Ocidental. O objectivo desta disputa intra-NATO era impedir o sonho da Europa de lucrar com relações comerciais e de investimento mais estreitas com a Rússia, trocando os seus produtos industriais por matérias-primas russas. Os Estados Unidos descarrilaram essa perspectiva ao explodir os gasodutos Nord Stream, cortando a Alemanha e outros países do acesso ao gás russo de baixo preço. Isso deixou a principal economia da Europa dependente do Gás Natural Liquefeito (GNL) dos EUA, de custo mais alto.

Além de ter que subsidiar o gás doméstico europeu para evitar a insolvência generalizada, uma grande proporção de tanques alemães Leopard, mísseis Patriot dos EUA e outras "armas maravilha" da OTAN estão sendo destruídas em combates contra o exército russo. Ficou claro que a estratégia dos EUA não é simplesmente "lutar até o último ucraniano", mas lutar até o último tanque, míssil e outras armas que estão sendo excluídas dos estoques da Otan.

Esperava-se que este esgotamento das armas da OTAN criasse um vasto mercado de substituição para enriquecer o complexo militar-industrial dos Estados Unidos. Seus clientes da Otan estão sendo instruídos a aumentar seus gastos militares para 3% ou até 4% do PIB. Mas o fraco desempenho das armas americanas e alemãs no campo de batalha ucraniano pode ter derrubado esse sonho, enquanto as economias da Europa estão afundando na depressão. E com a economia industrial da Alemanha perturbada pelo corte de seu comércio com a Rússia, o ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, disse ao jornal Die Welt em 16 de junho de 2023 que seu país não pode se dar ao luxo de pagar mais dinheiro ao orçamento da União Europeia, para o qual tem sido o maior contribuinte.

Sem as exportações alemãs apoiando a taxa de câmbio do euro, a moeda ficará sob pressão em relação ao dólar, à medida que a Europa compra GNL e a Otan reabastece seus estoques de armamento esgotados comprando novas armas dos EUA. Uma taxa de câmbio mais baixa pressionará o poder de compra da mão de obra europeia, enquanto a redução dos gastos sociais para pagar o rearmamento e fornecer subsídios ao gás está mergulhando o continente em uma depressão.

Uma reação nacionalista contra o domínio dos EUA está crescendo em toda a política europeia e, em vez de os Estados Unidos ficarem presos em seu controle sobre a política europeia, os Estados Unidos podem acabar perdendo – não apenas na Europa, mas principalmente em todo o Sul Global. Em vez de transformar o "rublo em escombros" da Rússia, como prometeu o presidente Biden, a balança comercial da Rússia disparou e sua oferta de ouro aumentou. Assim como as reservas de ouro de outros países cujos governos agora visam desdolarizar suas economias.

É a diplomacia americana que está tirando a Eurásia e o Sul Global da órbita dos EUA. O impulso arrogante dos Estados Unidos pelo domínio mundial unipolar só poderia ter sido desmantelado tão rapidamente a partir de dentro. O governo Biden-Blinken-Nuland fez o que nem Vladimir Putin nem o presidente chinês Xi poderiam esperar em tão pouco tempo. Nenhum dos dois estava preparado para jogar a manopla e criar uma alternativa à ordem mundial centrada nos EUA. Mas as sanções dos EUA contra Rússia, Irã, Venezuela e China tiveram o efeito de barreiras tarifárias protetoras para forçar a autossuficiência no que o diplomata da UE Josep Borrell chama de "selva" do mundo fora do "jardim" dos EUA e da Otan.

Embora o Sul Global e outros países se queixem do domínio dos EUA desde a Conferência de Nações Não-Alinhadas de Bandung, em 1955, eles não têm massa crítica para criar uma alternativa viável. Mas sua atenção agora foi focada pelo confisco dos EUA das reservas oficiais de dólares da Rússia nos países da Otan. Isso dissipou o pensamento do dólar como um veículo seguro para manter a poupança internacional. A apreensão anterior pelo Banco da Inglaterra das reservas de ouro da Venezuela mantidas em Londres – prometendo doá-las a qualquer oponente não eleito de seu regime socialista que os diplomatas dos EUA designem – mostra como a libra esterlina e o euro, bem como o dólar, foram armados. E a propósito, o que aconteceu com as reservas de ouro da Líbia?

Diplomatas americanos evitam pensar nesse cenário. Eles contam com a única vantagem que os Estados Unidos têm a oferecer. Pode abster-se de bombardeá-los, de encenar uma revolução colorida para "Pinochetá-los" pelo National Endowment for Democracy, ou instalar um novo "Yeltsin" entregando a economia a uma oligarquia clientelista.

Mas abster-se de tal comportamento é tudo o que a América pode oferecer. Desindustrializou sua própria economia, e sua ideia de investimento estrangeiro é criar oportunidades de busca de monopólio concentrando monopólios tecnológicos e controle do comércio de petróleo e grãos nas mãos dos EUA, como se isso fosse eficiência econômica, não rent-seeking.

O que ocorreu foi uma mudança de consciência. Estamos vendo a Maioria Global tentando criar uma escolha independente e pacificamente negociada sobre que tipo de ordem internacional eles querem. Seu objetivo não é apenas criar alternativas ao uso de dólares, mas todo um novo conjunto de alternativas institucionais ao FMI e ao Banco Mundial, ao sistema de compensação bancária SWIFT, ao Tribunal Penal Internacional e a toda a gama de instituições que os diplomatas americanos sequestraram das Nações Unidas.

O resultado será civilizacional. Estamos vendo não o fim da história, mas uma nova alternativa ao capitalismo financeiro neoliberal centrado nos EUA e sua economia lixo de privatização, guerra de classes contra o trabalho e a ideia de que o dinheiro e o crédito devem ser privatizados nas mãos de uma classe financeira estreita em vez de ser uma utilidade pública para financiar as necessidades econômicas e o aumento do padrão de vida.

A ironia é que o papel histórico dos EUA foi que, embora eles próprios não tenham sido capazes de liderar o mundo nesse sentido, suas tentativas de trancar o mundo em um sistema imperial antitético, conquistando a Rússia nas planícies da Ucrânia e tentando isolar a tecnologia da China de quebrar a tentativa dos EUA de monopólio de TI, foram os grandes catalisadores que empurraram a maioria global nesse sentido.

O novo livro de Michael Hudson, The Destiny of Civilization, será publicado pela CounterPunch Books no próximo mês.

 

quarta-feira, 28 de junho de 2023

PUTIN VENCEU - EM TODAS AS CATEGORIAS

 

Quando o relâmpago da História cai, o melhor é ir direto ao ponto logo de partida

"Após os acontecimentos que tiveram lugar na Rússia no decorrer de seu Dia Mais Longo, Putin saiu vitorioso em todas as frentes", diz Pepe Escoba

Tradução do Brasil 247, de artigo publicado antes no Strategic Culture

Presidente da Rússia, Vladimir Putin
Presidente da Rússia, Vladimir Putin (Foto: Sputnik/Gavriil Grigorov)


Quando o relâmpago da História cai, o melhor é ir direto ao ponto logo de partida. 

Lá vamos nós.

Após os extraordinários acontecimentos que tiveram lugar na Rússia no decorrer de seu Dia Mais Longo, o Presidente Putin saiu vitorioso em todas as frentes.

Entre outras façanhas, ele expôs a um ridículo absoluto e intergaláctico toda a mídia convencional do Coletivo Ocidental – mais uma vez.

Ele convocou virtualmente todos os russos a porem fim mais rapidamente à Operação Militar Especial (OME) – ou a "quase guerra" (segundo alguns círculos empresariais).

Ele – e a FSB – coletaram uma formidável lista de traidores e de 5ª e 6ª colunistas, que receberão o tratamento devido.

E ele agora conta com liberdade ilimitada para usar poderes de Lei Marcial em uma Operação Antiterrorismo (OAT).  

Tanto quanto Putin ajudou o perene Lukashenko em agosto de 2020, evitando uma mudança de regime em Belarus, o bom e velho Luka evitou que a Rússia descambasse para uma guerra civil em junho de 2023.

Uma complexa e ampla operação de antiterrorismo está agora em vigor e Moscou e mais além, enquanto espécimes subzoológicos ocidentais se veem atordoados, ofuscados e confusos: não era para Putin ter ido encontrar o Czar Nicolau II? 

Uma primeira olhada no tabuleiro nos mostra que todas as peças parecem estar se posicionando nos seus lugares corretos.

Prigozhin conseguiu um paraquedas dourado em Belarus. Shoigu talvez esteja em vias de ser despedido, e talvez Gerasimov também (sim, há camadas profundamente disfuncionais no interior do Ministério da Defesa). Os músicos da Wagner serão incorporados como um corpo regular do Exército russo. Talvez eles continuem a atuar na África: a demanda é enorme. 

Então, o que realmente aconteceu após o Dia Mais Longo? Gigantescas verbas da CIA talvez tenham mudado de mãos. Mas, no final das contas, o "golpe" pode acabar sendo a Maior Trolagem do Ocidente pelos Russos de todos os tempos.

A Mãe de Todas as Maskirovkas - Mais uma vez, os fatos no terreno provam que Putin é o incontestável paladino da Rússia. Após manter-se em um silêncio estratégico por algumas horas, sua intervenção reuniu o pleno apoio da população civil, da FSB, dos chechenos, do Exército, dos comunistas, de todo mundo. 

Os termos exatos do acordo entre  Luka e Prigozhin, com o auxílio do governador da região de Tula,  Alexey Dyumin, ainda não estão claros.

Prigozhin disse que os termos o satisfaziam. Peskov confirmou oficialmente que o processo penal contra Prigozhin será suspenso. Uma exigência importante de Prigozhin era a dupla renúncia do Ministro da Defesa Shoigu e do Comandante do Estado-Maior Gerasimov. O que talvez venha – ou não – acontecer no futuro imediato.

O que nos leva à ainda fascinante possibilidade de essa ter sido a Mãe de todas as Maskirovkas. Prigozhin monta todo esse circo só para conseguir um encontro com Shoigu e Gerasimov em Moscou.

Pensem em alguém armando-se até os dentes só para ir a um encontro. 

O cenário da Mãe de Todas as Maskirovkas implica também uma jogada digna de xadrez 5D.

No sábado, o Wagner estava a 200 quilômetros de Moscou.  

Mas, no domingo, o Wagner estava a 100 quilômetros de Kiev. 

Alguém topa subir de nível no jogo da Arte da Guerra de Sun Tzu?

Entre a soberania e a traição - Alexander Dugin está certo ao apontar que esse foi também um exercício de Soberania: "Apenas o Lukashenko soberano, juntamente ao próprio Putin soberano confrontaram-se com [Prigozhin]…Vimos que muitos podem tramar contra o Presidente e o povo, agindo nas sombras e aparentemente em seu nome, mas salvar a Pátria em uma situação crítica não é especialidade dessas pessoas". 

O corolário é que a Rússia precisa de "uma elite soberana, do contrário tudo irá se repetir".  

Quanto ao atordoado e confuso Coletivo Ocidental, em especial a junta OTAN-Kiev, que de uma hora para a outra deixaram de taxar o Wagner de "terroristas" para vê-los como "combatentes pela liberdade", atolar-se em seu próprio charco é uma arte que eles dominam à perfeição. 

A mídia convencional urdiu a narrativa de que as proverbiais "autoridades ocidentais" haviam sido "tomadas de surpresa" pelo motim. Isso depende da quantia do dinheiro que mudou de mãos, e em qual direção, durante os preparativos.

A OME, agora OAT, continua de vento em popa. O Exército Russo prossegue lutando, imperturbável. A "contraofensiva"  ainda tropeça à beira do abismo, pronta para ir beijar a escuridão do vazio. 

Putin vencendo em todas as frentes implica a totalidade da população civil – e os militares – engajados em preservar a ele e às instituições russas, bem como no aperfeiçoamento dessas instituições. Em absolutamente nenhuma nação de todo o Coletivo Ocidental é possível encontrar esse nível de apoio dos cidadãos.

A política russa é um tipo especial de animal. Ela funciona no nível mais alto e também na base – diferentemente do Ocidente, onde a norma é um profundo ódio entre as elites e o povo.

É claro que deve ser ressaltado que são sempre os menos patrióticos dos oligarcas russos que fogem quando algo parecido com o Dia Mais Longo acontece.

Por algumas horas, o Ocidente apostou pesadamente no desmembramento da Rússia. Isso não vai acontecer agora. Nem em um futuro previsível. 

A sucessão já vem sendo preparada pela Equipe Putin e por alguns oligarcas patrióticos escolhidos a dedo. Entre os candidatos, há um nome secreto que deixará a todos estarrecidos quando for revelado. Ele ainda é invisível em termos de opinião pública, e trabalha nas sombras. Seu nome deve permanecer em segredo por enquanto. 

Nas atuais circunstâncias, o importante é que a Rússia emergiu ainda mais forte do Dia Mais Longo. O homem e a mulher do povo, mais uma vez, mostraram ser verdadeiros patriotas, prontos para defender a Pátria custe o que custar.

Não houve confronto entre aqueles que são a favor das instituições russas e aqueles que são a favor do Wagner. A verdade é que as pessoas apoiam a ambos. Elas viam o Wagner como os "bem-educados homens verdes" que ajudaram a retomar pacificamente a Crimeia em 2014. Nenhum policial ou militar os enfrentou. 

Putin, portanto, está mais forte do que nunca. Mas as pessoas devem sempre ter em mente que há uma coisa que ele não consegue perdoar: a traição.

Tradução de Patricia Zimbres

Nota do Claudio:  Segundo a Wikipedia, Maskirovka  (em russo: маскировка, lit. mascaramento), é uma doutrina militar soviética desenvolvida a partir do início do século XX, que abrange uma ampla gama de medidas de desinformação militar.  Clique na palavra para ver todo o texto da Wikipedia sobre o assunto.

terça-feira, 20 de junho de 2023

CONTRA OS ASSASSINOS ECONÔMICOS

Nas Filipinas como no Brasil. Do Counterpunch

Hora de buscar justiça – e não conferir Prêmio Nobel – por crimes econômicos

 

 

Por: Walden Bello

Foto tirada por Clay Banks

A Anistia Internacional Filipinas nomeou o comentarista da FPIF Walden Bello como "Defensor Mais Distinto dos Direitos Humanos" para 2023. Este é o seu discurso de aceitação.

Gostaria de agradecer à Anistia Internacional por esta honra de me nomear o Defensor de Direitos Humanos Mais Distinto para 2023. Permitam-me que diga que, embora eu tenha estado muito ativo na proteção do direito à vida, do direito a ser livre de perseguição e do direito ao devido processo legal, gostaria de acreditar que o painel de juízes também está fazendo uma afirmação sobre meu compromisso de longa data com os direitos económicos.

A maior parte do trabalho da minha vida foi dedicada a demolir intelectual e politicamente a ideologia e as políticas do neoliberalismo que causaram tantos estragos não apenas entre nosso povo, mas em países de todo o mundo. A destruição da nossa indústria e a devastação da nossa agricultura levaram a tanta pobreza, desigualdade e miséria, deixando muitos dos nossos jovens sem outra escolha senão abandonar o nosso país arruinado.

Tomando emprestada a distinção feita pelo filósofo Isaiah Berlin, existem os direitos negativos, como o direito de não ser torturado, e os direitos positivos, ou aqueles que contribuem para o nosso pleno desenvolvimento como seres humanos. As campanhas de direitos humanos concentram-se tradicionalmente nos direitos negativos, ou seja, na proteção das pessoas contra a repressão e a perseguição. Penso que é tempo de também fazermos campanha contra indivíduos e instituições que violam os direitos positivos das pessoas. Políticas neoliberais como as que Têm sido impostas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, institucionalizadas na economia política filipina e racionalizadas por uma sucessão de gestores econômicos e economistas, criaram pobreza e desigualdade maciças que impediram milhões de nossos compatriotas filipinos nas últimas cinco décadas de seu pleno desenvolvimento como seres humanos porque destruíram, desarticularam e desintegraram a base de sobrevivência física do país, ou seja, a economia. Isso é crime.

As políticas neoliberais estão agora desacreditadas. O Consenso de Washington está no lixo. Nenhum gestor econômico que se preze, exceto talvez nas Filipinas, invoca mais a "magia do mercado" ou os chamados benefícios do livre comércio. No entanto, em tantos países, e não apenas nas Filipinas, as políticas neoliberais continuam a ser o modo padrão, como a proverbial mão morta do engenheiro no acelerador de um trem em alta velocidade. Eles continuam a infligir danos severos às chances de vida de bilhões de pessoas porque foram institucionalizadas.

Não se pode permitir que aqueles que foram responsáveis pela destruição das economias simplesmente se afastem dos destroços, assim como esse monstro, o ex-presidente Rodrigo Duterte, não pode simplesmente se safar de ter derramaqdo o sangue de 27.000 filipinos. Os burocratas e tecnocratas do FMI e do Banco Mundial, seus cúmplices locais, particularmente no Departamento de Finanças e na Autoridade Nacional de Desenvolvimento Econômico, bem como os ideólogos do neoliberalismo que espalharam o falso evangelho de cima de seus poleiros em instituições como a Universidade de Chicago e a Escola de Economia da Universidade das Filipinas também devem ser levados ao Tribunal Penal Internacional (TPI).

As mãos de Duterte estão ensanguentadas, mas as mãos desses criminosos de colarinho branco também estão muito sujas. Como aquelas equipes de bombardeio que soltam suas cargas letais a 27.000 pés de altura ou o controlador remoto que a milhares de quilômetros de distância em Nevada, EUA direciona um drone para destruir uma festa de casamento no Paquistão, essas pessoas não estão isentas de culpa devido à sua distância dos locais de morte, destruição, pobreza angustiante e miséria.

É mais do que tempo de procurarmos justiça para os crimes económicos. É mais do que tempo de deixarmos de homenagear esses criminosos com Prémios Nobel da Economia, e de os levarmos ao TPI. Se a acusação de tais criminosos econômicos não pode ser feita imediatamente devido à necessidade de alterar o estatuto de Roma, então vamos pelo menos estabelecer um "Salão da Infâmia" onde possamos consagrar estrelas mortas e vivas do neoliberalismo como o Prêmio Nobel Milton Friedman, a alma gêmea ideológica do general Augusto Pinochet; Michel Camdessus e Christine Legarde, os rostos mais conhecidos da austeridade imposta pelo FMI; o ex-presidente do Banco Mundial Robert McNamara, que conspirou com o ditador Marcos para fazer das Filipinas uma das cobaias do ajuste estrutural; e Pascal Lamy e Mike Moore, que lideraram o esforço para aprisionar o Sul global na jaula de ferro do livre comércio, a Organização Mundial do Comércio.

Eu também pressionaria pela inclusão em tal Hall of Infamy de luminares filipinos do neoliberalismo tecnocrático, as pessoas que trabalharam com tecnocratas internacionais para nos condenar à escravidão por dívida permanente, destruir nossas manufaturas e levar nossa agricultura a um estado terminal. Aqui eu incluiria os gestores econômicos e economistas Jesus Estanislao, Gerry Sicat, Cesar Virata, Bernie Villegas e Carlos Dominguez.

E, claro, não se deve esquecer Cielito Habito, que como chefe da Autoridade Nacional de Desenvolvimento Econômico quase sozinho eliminou a manufatura filipina com seu esforço para reduzir as tarifas médias para 4-6% simplesmente para provar que os filipinos poderiam suportar a dor econômica melhor do que os Chicago Boys de Pinochet no Chile, que não permitiam que as tarifas ficassem abaixo de 11%. Também não podemos ignorar o mercenário da OMC-USAID, Ramon Clarete, que notoriamente tentou revestir o iminente assassinato do nosso sector agrícola ao afirmar que a adesão das Filipinas ao Acordo sobre a Agricultura da OMC resultaria em 500 000 novos postos de trabalho todos os anos no campo!

Mas algumas pessoas podem objetar: Habito e Clarete são indivíduos tão brandos para merecer ser rotulados como criminosos econômicos. Assim como o nazista Adolf Eichmann, que Hannah Arendt descreveu como representando "a banalidade do mal". Outros podem dizer, bem, eles estavam errados, mas eles não foram bem intencionados? Essa desculpa nem merece resposta, já que o ditador Ferdinand Marcos pai, e Duterte também se viam tão bem-intencionados quanto seus terríveis negócios. O caminho para o inferno, é preciso repetir uma e outra vez, está pavimentado de boas intenções.

Ser julgado no TPI ou homenageado como membro do Hall da Infâmia seria uma lição para todos de que ideias ruins e políticas ruins têm consequências, muitas vezes devastadoras – que você não pode jogar jogos acadêmicos e políticos com a vida de milhões de pessoas.

Permitam-me que termine exigindo a libertação da minha colega senadora Leila de Lima, levando Duterte para a prisão do TPI em Haia, o fim da impunidade e o desmantelamento de todas as políticas neoliberais que destruíram a nossa economia e trouxeram tanta miséria para nosso povo. E, mais uma vez, obrigado Anistia.

Walden Bello, colunista do Foreign Policy in Focus, é autor ou coautor de 19 livros, sendo o último deles Capitalism's Last Stand? (Londres: Zed, 2013) e Estado da Fragmentação: as Filipinas em Transição (Quezon City: Focus on the Global South e FES, 2014).