quarta-feira, 30 de abril de 2014

UMA CARTA SOBRE A PETROBRAS

Recebi esta matéria por e-mail,da autoria do engenheiro Pedro Celestino Pereira, após ela transitar por Ildo Sauer e Edson Gomes. Fábio Barbosa, admirado por seguidores de Marina Silva (é um empresário "sustentável"), é hoje presidente do grupo Abril. Vale a pena ler:


Em defesa da Petrobras

Pedro Celestino Pereira

A Petrobras é a maior expressão da capacidade criadora do povo brasileiro. Símbolo da afirmação da vontade nacional, gestada a partir de ampla mobilização popular, endossada por expressivas lideranças militares, a sua criação foi, na década de 50 do século passado, a principal responsável pela crise política que levou Getúlio Vargas ao suicídio. Ousara ele desafiar o capital internacional que então dominava completamente a nossa economia, ao propor a criação de empresas estatais que alavancassem o nosso desenvolvimento industrial.

Por décadas enfrentando, desde o ceticismo de geólogos estrangeiros que, através da grande imprensa, viviam a apregoar que no Brasil não havia petróleo, até a oposição sistemática de forças políticas que sempre se pronunciaram e se pronunciam abertamente a favor da entrega do negócio do petróleo ao capital estrangeiro sob a alegação de que, aqui, não há capacidade técnica nem capital para desenvolvê-lo, a Petrobras arrostou todos os obstáculos e firmou-se como uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.

Claro está que, em empresas do porte da Petrobras, públicas ou privadas, sempre houve e haverá irregularidades e malfeitos. O que cabe discutir hoje é o processo que levou a Petrobras à incômoda situação em que se encontra, de modo que possamos defendê-la, no momento em que se pretende fragilizá-la para permitir o assalto estrangeiro às maiores reservas de petróleo descobertas nos últimos 30 anos, as do Pré-Sal.

Até 1973 quando, aproveitando-se da guerra Israel-Egito, a Arábia Saudita nacionalizou a exploração e produção de petróleo no seu território, era usual o imperialismo ir à guerra ou derrubar governos que contestassem seu domínio sobre o negócio do petróleo. Diante da impossibilidade de derrubar a monarquia saudita, foi obrigado a conviver com empresas estatais, e a buscar novas formas para assegurar seu domínio. Data de então o início do processo de cooptação e de corrupção de dirigentes de estatais na área de petróleo.

Aqui, esse processo teve início de forma sistemática no primeiro mandato de FHC quando, com Joel Rennó, tecnocrata vindo da Vale do Rio Doce, na presidência da Petrobras, decidiu-se estabelecer uma parceria para desenvolver o campo de Marlim, então a maior reserva da empresa, sob a alegação de não havia recursos financeiros suficientes para fazê-lo sozinha. Constituiu-se então uma empresa, a Companhia Petrolífera Marlim, liderada pelo ABN-AMRO Bank, presidido pelo senhor Fabio Barbosa, em seguida nomeado membro do Conselho de Administração da Petrobras, ao mesmo tempo em que outro funcionário do mesmo Banco, Ronnie Vaz Moreira, assumia a diretoria financeira da Petrobras. A Companhia captou 1,5 bilhão de dólares no mercado internacional, dando em garantia o petróleo a ser produzido e a garantia corporativa da Petrobras. Por que, então, a parceria? Mais ainda, assegurava-se ao ABN AMRO Bank e ao J P Morgan, também sócio da empresa, remuneração mínima para o capital que proventura viessem a aportar, eliminando qualquer risco financeiro deles. É o que se convencionou chamar de cláusula Marlim, à baila hoje no noticiário sobre a compra da refinaria de Pasadena.

Rennó também sustou a realização de concursos para a reposição do quadro técnico da empresa e deu início a vigoroso processo de terceirização de atividades, com empresas nacionais e estrangeiras. Visava-se com isto fragilizar a empresa e prepará-la para a privatização.

No segundo mandato de FHC, Rennó foi substituído por Henri Phillipe Reichstul. Este contratou a A.D.Little (ADL), consultora norte-americana, para reestruturar a empresa. A ADL aboletou-se em um andar contíguo ao da diretoria no edifício-sede da Petrobras, e passou a ter acesso indiscriminado às informações confidenciais da empresa. Note-se que esse processo se deu ao tempo em que era rompido o monopólio estatal do petróleo e em que, criada a Agência Nacional de Petróleo - ANP, sob a batuta do então genro de FHC, David Zylberstajn, tinha início o leilão das reservas de petróleo brasileiras, em modelo que não se aplica no mundo desde o primeiro choque do petróleo, permitindo à concessionária apossar-se do petróleo produzido, remunerando o Governo com royalties, ao invés de receber por prestação de serviços. 

A ADL recomendou fatiar a Petrobras em Unidades de Negócio, para permitir a sua privatização por etapas (a Refinaria Alberto Pasqualini chegou a ter 30% do seu capital vendido à YPF argentina, então controlada pela Repsol espanhola), dissolver o Serviço de Engenharia (Segen) da Petrobras, o cerne da acumulação de conhecimentos técnicos da empresa, e criar uma gratificação de desempenho para o escalão dirigente da empresa, para  quebrar a unidade do corpo técnico e facilitar a sua cooptação para as propostas privatizantes. Reichstul propôs a venda ao mercado do excedente ao mínimo que assegurasse à União o controle acionário da empresa. Assim, 40% do capital da Petrobras passaram a controle estrangeiro.

Para o Conselho de Administração em dado instante foram indicados Andrea Calabi (hoje secretário de Fazenda de Alckmin em São Paulo) e Gerald Heiss (ilustre desconhecido) que tinham em comum o fato de serem sócios da empresa Consemp, o que lhes dava uma influência desmedida naquele colegiado. Ainda na gestão de Reichstul Delcídio Amaral, indicado pelo PFL (fora diretor da Eletrosul no governo Collor e secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia no governo Itamar), assumiu a diretoria de Gás e Energia. Sua gestão caracterizou-se por entregar, sem licitação, participação acionária em 14 das 22 distribuidoras de gás estaduais das quais a Petrobras era sócia, a empresas controladas por Carlos Suarez, do grupo OAS, de notórias ligações com o senador Antonio Carlos Magalhães, maior liderança do PFL, e à Enron e à El Paso, e por contratar a construção de 3 termelétricas a gás com a MPX de Eike Batista e, mais uma vez, com a Enron e com a El Paso, quando se sabia que não haveria oferta de gás suficiente, supostamente para resolver a crise de demanda de energia que levou ao apagão de 2001.

Quando Lula assumiu em 2003, esperava-se que o esvaziamento da Petrobras fosse sustado. Infelizmente, tal não ocorreu. Afora a indicação de Guilherme Estrella, técnico de reconhecida competência e probidade, para a diretoria de Exploração e Produção e de Ildo Sauer, especialista em energia vindo da USP, as demais diretorias técnicas foram ocupadas por profissionais de notório comprometimento com práticas lesivas ao interesse público, como se verá a seguir.

Delcídio Amaral, ao vislumbrar a ascensão de Lula, abandonou o PFL e migrou para o PT, vindo a eleger-se senador por Mato Grosso do Sul, seu Estado natal. Pleiteou então ser ministro de Minas e Energia. Lula, entretanto, já se comprometera com a nomeação de Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ. Diante do impasse, Lula optou por convidar Dilma Roussef, então secretária de Energia do Rio Grande do Sul, para ser a ministra. Delcídio, então, pleiteou a diretoria de Gás e Energia da Petrobras para seu indicado, Nestor Cerveró, que com ele trabalhara na negociação dos contratos das termelétricas. Como Ildo Sauer já havia sido convidado para o cargo, Cerveró passou a ocupar a diretoria Internacional da Petrobras. Já a diretoria de Abastecimento foi oferecida ao PP, cabendo ao então líder na Câmara dos Deputados, José Janene, indicar o seu conterrâneo paranaense Paulo Roberto Costa para o cargo. Paulo Roberto era na ocasião superintendente da TBG, empresa constituída pela Petrobras e pela Enron, grupo americano que quebrou espetacularmente no final dos anos 90 para construir o gasoduto Brasil - Bolívia.

Na TBG a Petrobras entrou com o dinheiro e as garantias em financiamentos bancários, e a Enron, com 50% dos resultados, prática usual nas parcerias feitas pela empresa a partir da gestão de Rennó. Janene em 2005 foi envolvido no escândalo do chamado mensalão. Paulo Roberto ficou, assim, sem sustentação política. Foi salvo por Jader Barbalho, e passou a ser bancado pelo PMDB. Paulo Roberto teve sob sua responsabilidade 2 grandes investimentos da Petrobras: o pólo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Ambos tiveram seus orçamentos inflacionados em escala jamais vista em empreendimentos da mesma natureza. Completa a lista de indicações políticas de Lula a presidência da Transpetro, a empresa de navegação e de dutos da Petrobras, entregue a Sergio Machado, ex-senador, líder do governo FHC, apadrinhado por Renan Calheiros.

Vê-se, assim, o progressivo desprestígio do corpo técnico da empresa, mais e mais limitado à função de carimbador de faturas, porta aberta para a deterioração dos padrões de comportamento funcional.

No primeiro mandato de Lula, Ildo Sauer solicitou a Eros Grau, maior autoridade brasileira em direito administrativo (não fora ainda nomeado ministro do STF), parecer sobre os contratos das termelétricas assinados por Delcídio. Neles, os sócios privados (a MPX de Eike Batista na termelétrica de Fortaleza – CE, a Enron na de Seropédica – RJ e a El Paso na de Macaé - RJ) tinham lucro garantido (a sempre presente cláusula Marlim), pois se não houvesse gás para acionar as térmicas a Petrobras se obrigava a remunerá-los com elas paradas. O parecer de Grau foi taxativo: ensejavam enriquecimento sem causa. Os contratos foram, então, rescindidos pela Petrobras. Se mais não fizesse, bastaria essa ação para consagrar a gestão de Sauer como diretor da empresa. Sauer, entretanto, não sobreviveu como diretor. No segundo mandato de Lula foi substituído por Graça Foster, especialista em gás e energia oriunda do Cenpes, o Centro de Pesquisas da Petrobras. Cerveró deixou a diretoria Internacional da empresa em 2008, entregando-a a Jorge Zelada, indicado por Jader Barbalho e Renan Calheiros. Manteve-se portanto na Petrobras nas gestões de Dutra e Gabrielli  a estrutura de poder estabelecida na gestão Rennó até a ascensão de Graça Foster à presidência da empresa, já no governo Dilma.

No período Lula, porém, graças à pertinácia de Estrella, que prestigiou o corpo técnico que recebera, desmotivado, das gestões Reichstul e Gros do segundo mandato de FHC, a Petrobras fez a maior descoberta mundial de petróleo dos últimos 30 anos: o chamado Pré-Sal. Lula, então, decidiu enfrentar a pressão internacional para entregar o petróleo nos moldes propostos pela ANP. Optou por atribuir à Petrobras a exclusividade das operações no Pré-Sal e por remunerar os eventuais parceiros da empresa por prestação de serviços, e não em petróleo. O Congresso Nacional, em 2010, aprovou o modelo proposto pelo Governo Lula. A partir daí, teve início campanha sistemática de descrédito da Petrobras, culminando com a ofensiva atual, na imprensa e no Congresso, destinada a incutir na opinião pública que a Petrobras é um caso perdido, típico da má gestão do Estado.

Viu-se aqui que vem de longe o descaminho da Petrobras, noticiado apenas quando convém aos grupos interessados em destruí-la.
A Petrobras pode e deve ser defendida, o que não implica negar a necessidade de mudanças na sua gestão, de forma a permitir maior controle e transparência das suas ações. Não pode a empresa continuar refém de interesses, seja corporativos, seja privados, nacionais e estrangeiros, que se apropriaram dos seus principais postos de direção, afastando-a dos objetivos para os quais foi criada.

Não há o que temer na apuração dos crimes cometidos. Impõe-se resgatar o papel do corpo técnico da empresa,  restabelecer a competência da engenharia, que levou a Petrobras a conquistar inúmeros Prêmios Internacionais de Excelência, e desfazer a ruinosa reestruturação empreendida por Reichstul, de modo a devolver a Petrobras à condição de empresa símbolo do orgulho nacional brasileiro.

Pedro Celestino Pereira é engenheiro

FHC PEDIU A LULA QUE ESQUECESSE O "MENSALÃO"

Eu acho que um processo tão escandalosamente viciado, dirigido pela mídia e operado por ministros que atuaram com independência sim, mas em relação à Constituição, deve ser criticado, até que se restaure a justiça. Ótimo artigo de Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo:

Quem desmoralizou o STF foi o próprio STF



Postado em 29 abr 2014
barbosa_holofote
Você pode discordar da porcentagem utilizada por Lula para definir o que foi o julgamento do Mensalão.
Lula falou em 80% de critérios políticos e 20% de critérios jurídicos.
O que não dá, a não ser que você seja um fanático antipetista, um caçador de petralhas, é discordar de que os juízes se pautaram muito mais pela política do que pela justiça em si.
O julgamento foi político do início ao fim. Você começa pelo empenho em juntar quarenta réus com um único propósito. Fornecer à mídia – visceralmente envolvida na politização do julgamento – a oportunidade de usar a expressão “Ali Babá e os quarenta ladrões”.
Outras coisas foram igualmente absurdas. Por que, em situações juridicamente semelhantes, Eduardo Azeredo do PSDB percorreu o caminho jurídico normal e os réus do Mensalão foram direto ao Supremo, sem chance, portanto, de outras instâncias?
E depois, como classificar a Teoria do Domínio do Fato, que dispensou provas para condenar?
E a dosimetria, pela qual, numa matemática jurídica abstrusa, condenados tiveram penas maiores do que o assassino serial da Noruega?
Num gesto cínico bizarro, o ministro Marco Aurélio de Mello disse que o STF é “apartidário” para rebater as afirmações de Lula.
Quem acredita nisso acredita em tudo, como disse Wellington. Um simples olhar para Gilmar Mendes – que até a jornalista Eliane Cantanhede num perfil classificou como tucano demais destrói o “apartidarismo”.
O STF se desmoralizou não porque Lula falou nos 80%, mas pelo comportamento de seus juízes.
Ou eles estavam zelando por sua honra e prestígio ao posar festivos ao lado de jornalistas “apartidários” como Merval Pereira e Reinaldo Azevedo, como se entre mídia e justiça não houvesse um problema de conflito de interesses?
E quando emergiram as condições em que Fux conquistou seu lugar no STF com o famoso “mato no peito” depois de uma louca cavalgada na qual se ajoelhou perante Dirceu?
A completa falta de neutralidade do STF se estenderia para além do julgamento. Como classificar a perseguição de Joaquim Barbosa a Dirceu e a Genoino?
E a tentativa de negar o direito aos chamados recursos infringentes fingindo que a Constituição não previa isso? Apartidarismo?
Um argumento falacioso que se usa a favor do STF é o seguinte: mas foi o PT quem tinha indicado a maioria dos juízes.
Ora, então indicou mal, a começar por Barbosa, nomeado por Lula. Eles foram antipetistas estridentes a despeito de terem sido nomeados pelo PT.
Seria horrível se agissem como petistas, é claro. Mas foi igualmente horrível terem se comportado como antipetistas.
O que a sociedade queria, ali, era uma coisa chamada neutralidade, uma palavra muito usada hoje por conta do Marco Civil da internet.
Outro argumento desonesto é o que estica os dedos acusatórios para Lewandowski. Ora, Lewandowski não emplacou uma. Foi voto vencido sempre que se contrapôs à manada.
Entre os juízes da primeira leva, foi o único que se salvou, e isto provavelmente vai ficar claro quando a posteridade estudar o Mensalão.
Se pareceu petista foi porque o ar estava viciadamente antipetista. Era como no passado da ditadura: num ambiente tão anticomunista, todo mundo era comunista.
O STF é hoje um arremedo de corte suprema, mas por culpa sua, e apenas sua.
O Mensalão deixou claro, ao jogar luzes sobre o STF, que uma reforma na Justiça é urgente para que o Brasil possa avançar.

terça-feira, 29 de abril de 2014

POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS

A política externa dos EUA  tem o objetivo de extrair riqueza dos quatro cantos do mundo. Simples assim. Para convencer os povos de outros países existe a força militar,  e o exército de autoridades e empresários desses países adquiridos mediante compra ou suborno pelas corporações e governo dos EUA.

Ah, existem as pataquadas sobre defender a democracia e a liberdade. A América Latina conhece isso. E os peles vermelhas. Os negros. Os "latinos".

UMA HISTÓRIA SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA ELETRICIDADE EM SÃO PAULO

Em 1994, no intervalo entre o primeiro e segundo turnos da eleição para governador, Mário Covas enfrentava Paulo Maluf, e procurava o apoio do PT e da CUT. Como membro da equipe de plano de governo de Lula, candidato que não conseguiu passar para o segundo turno, participei de uma reunião de sindicalistas com a equipe de Covas, que incluía David Zylbesztajn, que também era professor do IEE, onde eu colaborava como professor sem vínculos formais com a USP. 

Participaram dessa reunião Ildo Sauer, também professor do IEE, e Rogério da Silva, que era do PT e colega da CESP, além de componentes do Sindicato dos Eletricitários de Campinas, como o presidente Artur Henrique, e Wilson Marques. Representávamos os sindicatos da CUT e o PT. Fernando Henrique Cardoso havia sido eleito em primeiro turno, e já começava a antecipar seus propósitos de acelerar a privatização de serviços públicos que havia sido iniciada por Collor e tinha tido um intervalo durante o interregno de Itamar Franco, seu vice que assumiu depois do impeachment. 

Algum tempo antes, Ildo havia visto um fax recebido por David, da campanha de Covas, em que alguém da coordenação falava sobre privatização como uma das diretivas do FMI, e adotava esse processo justamente pelas instruções do FMI. O documento era potencialmente explosivo, porque mostrava uma equipe de governo comprometida com um órgão estrangeiro que representava (como ainda o faz, um pouco menos) o interesse dos EUA e outras potências econômicas a eles aliadas.

Ildo mostrou-me o fax. Tinha a intenção de usá-lo para denunciar a subserviência da campanha do PSDB frente a interesses estrangeiros, mas eu fui contra, considerando que se tratava de uma bisbilhotagem contra um colega, uma ação indigna de nossa parte. Por esse motivo ou por outro qualquer, Ildo não foi adiante em sua intenção de expor o fax. Depois do que os tucanos fizeram, hoje, em circunstâncias similares, eu tenderia a ser menos cavalheiresco. Pensaria talvez em vazar o documento para algum jornalista honesto e de prestígio (não confio em partidos, entidades muito cheias de compromissos).

Mas lá estávamos nós, em uma casa do Jardim Guedala em São Paulo, sede da campanha de Covas, em uma reunião com o David. Covas precisava, queria nosso apoio, Maluf estava forte. Os representantes da esquerda lá reunidos queriam um compromisso de que se eleito Mário Covas não privatizaria as empresas de energia pertencentes ao estado de São Paulo: CESP, CPFL e Eletropaulo. Depois de alguma hesitação, David retirou-se para telefonar a seu chefe Mário Covas. Voltou alegando que o candidato havia concordado, e a reunião selou o apoio que acabou sendo dado, que certamente foi indispensável para a sua vitória no segundo turno.

O resto é história. Nossos companheiros de jornada entre o primeiro e o segundo turnos traíram-nos sem cerimônia e sem aviso e começaram a privatização das empresas de energia desde o primeiro dia de governo. O vice de Covas, Geraldo Alckmin, tornou-se o coordenador do programa de desestatização do estado de São Paulo. O diabo é que não dava para apoiar o Maluf, não o PT da época, não eu jamais, e os tucanos sabiam disso. Para a privatização contaram, como contam até hoje, com o apoio incondicional do PIG e do poder financeiro internacional e doméstico.


segunda-feira, 28 de abril de 2014

UMA MARCHA DO BEM

Superar a idade das proibições de drogas, em direção a uma era de controle, em que as drogas mais perigosas seriam consumidas sob supervisão, com advertências e ações positivas contra abuso no seu uso, é um processo necessário. A proibição não inibe o uso abusivo (que causa danos à saúde dos usuários), mas gera um setor comercial violento, corrupção na polícia e nos três ramos de poder do Estado: judiciário, legislativo e executivo.  

Pessoalmente, sou extremamente careta. Sempre evitei as drogas ilegais por medo de me viciar e com isso perder liberdade. Meus filhos, sempre procurei orientar para nem experimentar, e se eles experimentaram, nunca se habituaram, portanto nunca se tornaram usuários.

A proibição de maconha, cocaína e outras drogas é similar à proibição de bebidas alcoólicas durante um período da história dos Estados Unidos. Propiciaram o florescimento da corrupção e das máfias, e não fizeram bem algum. Assim, é bonito que uma parcela da população se manifeste por uma mudança que abriria ajudar a inibir a violência e a corrupção, desde que ações positivas sejam tomadas para esclarecer as pessoas e inibir o abuso. Da Carta Capital:

Cachimbo da paz

Marcha da Maconha: música, bom-humor, consciência, poucos policiais e nenhum incidente. Milhares foram às ruas de SP pedir a liberação da erva. Por Laura Capriglione
por Laura Caprigilone — publicado 27/04/2014 09:35, última modificação 27/04/2014 16:18
Yghor Boy
marcha prinipal.jpg
Sou maconheiroooo, com muito orgulhoooooo, com muito amoooor....”A avenida Paulista vibrou com a adaptação do hino da torcida brasileira em competições esportivas internacionais, ontem cantada por militantes contrários à proibição do consumo de maconha no Brasil.
Segundo os organizadores da 7ª edição da Marcha da Maconha, reuniram-se na manifestação 15.000 pessoas. A Polícia Militar calculou em 3.000 o número de presentes.
Para efeito de comparação, mesmo a estimativa mais conservadora dá conta de uma presença de público três vezes maior do que os últimos protestos contra a Copa do Mundo. Ou seis vezes maior do que a Marcha da Família com Deus e a Liberdade, realizada em 22 de março.
Maconheiros e simpatizantes, entretanto, deram show de organização (desmentindo, aliás, a má-fama ditada pelo preconceito).
Lição de maconheiro para outros movimentos sociais: cada pessoa que chegava ao vão livre do Masp recebia um folheto da comissão organizadora da Marcha com orientações de segurança.
“A Marcha da Maconha é Pacífica (...). Chega de guerra: a gente quer paz, liberdade”, conclamava o texto que também orientava os manifestantes para que não provocassem nem aceitassem “provocação da polícia”. Ah, também tinha dicas sobre como se portar em caso de prisão.
Nem foi necessário porque, ao contrário de tantas outras, a manifestação da Maconha não resultou em uma única detenção até o seu encerramento.
“Ei polícia! A maconha é uma delícia”. Em vez da pancadaria entre polícia e black-blocs, que já se tornou habitual, o que se viu foi uma coluna humana colorida, dançante, musical, divertida.
Desfilaram juntos anarco-punks, skatistas em seus skates, cicloativistas, estudantes secundaristas, lésbicas, gays, negros, alunos da USP, médicos, psicólogos, artistas, o deputado estadual pelo PT, Adriano Diogo, doentes e familiares de doentes que seriam beneficiados caso fosse liberado pelo menos o uso medicinal da maconha.
Jornalistas que compareceram ao ato munidos de capacetes e coletes de identificação fornecidos pela PM enfiaram esses equipamentos nos carros de reportagem, para não parecer que torciam pelo pior.
“Maconha é natural, coxinha é que faz mal!”, gritou a marcha, brincando com os poucos policiais que a acompanhavam --120 contra 1.500 do último ato anti-Copa. Pejorativamente, soldados da PM são chamados de “coxinhas” pelo hábito das viaturas de parar em padarias para degustar o salgado “na faixa”.
Corolário da excelência da organização, registre-se, foi a pontualidade britânica dos maconheiros. Exatamente às 4h20 da tarde, hora marcada, a Marcha pôs-se em movimento, homenageando a tradição canábica que vem dos anos 1970, quando um grupo de secundaristas da Califórnia (EUA) fixou essa hora como a de encontro para fumar maconha.
Às 16h20, estouraram no céu da avenida Paulista os rojões que anunciavam a saída da passeata.
A comissão de frente da manifestação, desta vez, era composta por um grupo de pessoas sofridas, que lutam pela legalização da maconha para fins medicinais.
Nada a ver com a imagem do “maluco maconheiro”, estava lá o comerciante da Vila Formosa (zona leste de São Paulo) Fábio Carvalho, 47 anos, marido de uma bancária e pai de Claria, uma menina de dez anos, portadora da Síndrome de Dravet, encefalopatia epilética de origem genética, que apareceu quando a menininha tinha apenas cinco meses e meio de vida.
Desde então, convulsões e febres, entre outros sintomas, são rotina na vida dessa família.
Ela já teve três paradas respiratórias, dois colapsos de segmentos do pulmão [atelectasia], onze pneumonias, 17 internações (sete na UTI, entubada, comendo por intermédio de sonda).
Só nos últimos dez dias, a menina teve seis crises, mesmo tomando todos os medicamentos legais à disposição: “Gardenal, Topiramato, Urbanil ou Keppra [importado]. “Eu não posso levar minha filha ao parque porque ela tem convulsão. Em locais com aglomeração, ela tem convulsão. E isso levando uma vida dopada à base de remédios, que causam irritabilidade, mal-estar, moleza, torpor”.
“Ei, policial! Maconha é medicinal!”, gritou a Marcha. Acontece que a internet tornou acessível, ao alcance de um clique, as descobertas sobre tudo –não haveria de ser diferente quanto à maconha. Nos Estados Unidos, já se usa maconha medicinal para controlar as convulsões decorrentes de quadros epiléticos. Também para reduzir os enjôos em quimioterapias, os sintomas de glaucoma etc. etc.
Em dezembro último, o FDA (Food and Drug Administration), a agência de regulamentação do uso de remédios nos Estados Unidos, aprovou os estudos visando ao desenvolvimento de uma forma medicinal de maconha para o tratamento de epilepsias graves em crianças.
A neurologista de Claria, no ano passado, compareceu a um congresso nos Estados Unidos sobre a Síndrome de Dravet. Ela viu lá o caso da Charlote, do Colorado, que estava sem andar, sem comer, de cama. Hoje, com o canabidiol, óleo derivado da maconha, ela brinca, anda de bicicleta e leva uma vida normal.
Difícil controlar a angústia de um pai que vê a filha sofrendo. “Eu acho uma ignorância, uma hipocrisia eu não poder tratar a minha filha”, disse Carvalho.
Mas também havia a bancada dos que fumam a maconha como arma anti-stress. É o caso da turma do skate e dos ciclo-ativistas, como Vanessa Bike, 34, promotora de vendas do frigorífico Aurora. Segundo Vanessa, a maconha (ao contrário do álcool) a deixa “conectada”. “Eu não fico aérea, como ficaria se tivesse bebido. Ao mesmo tempo, não me estresso no trânsito, como vejo acontecer com um monte de gente. Se alguém me xinga, fico numa boa. Não me dá vontade de matar o meu agressor”, diz.
A turma do skate, como a dos adolescentes Isabela, Anderson e Yago, da (zona leste de São Paulo), que usa a maconha diariamente para andar “melhor”, testemunha sobre a droga: “A maconha é uma substância útil para nos conectarmos de maneira mais harmônica com outras pessoas e com o meio-ambiente. É por isso que ela está tão ligada à cultura do surf e do skate. São esportes radicais em que um simples descuido pode custar caro demais. É preciso o máximo de atenção, desdobramento da consciência. Por isso a maconha”, dizem os amigos.
“Que contradição! A maconha é crime e a homofobia, não!” foi outro grito de guerra dos manifestantes em um momento em que já vários cigarros de maconha legítima marcavam presença, sendo dichavados, enrolados e fumados a céu aberto.
A entrada da Marcha na rua Augusta foi apoteótica. Meninos e meninas saíam dos bares para se juntar à passeata. Nos prédios, moradores surgiram nas varandas, acendendo seus baseados, em sinal de apoio à Marcha. Um idoso acenava com uma revista, na capa da qual se via, imensa, a foto característica da folha de maconha.
Quase chegando à Praça Roosevelt, às 18h a jornalista e organizadora da Marcha, Gabriela Moncau, 24, pediu para todos os participantes sentarem-se no chão da avenida Consolação e guardarem um minutos de silêncio em homenagem aos mortos na “guerra às drogas”.
Então, um imenso baseado (fake, cenográfico), carregado por 420 (sempre os números 4, 2 e zero) balões verdes, foram soltos.
No céu, o helicóptero Águia, da PM, apressou-se em cercar os balões e o baseado. Durou um segundo e o baseado seguiu e em sua “viagem”. Até a próxima Marcha --porque esta foi boa demais!




MAIS SOBRE PADILHA E A MÍDIA

Porque a questão é fundamental, e é tratada com mestria pelo Rodrigo Vianna, no Escrevinhador:

Padilha e o “diálogo” com a imprensa: até onde vão as ilusões petistas?

publicada sábado, 26/04/2014 às 19:33 e atualizada sábado, 26/04/2014 às 19:33
Esse é o diálogo que a velha mídia gosta de estabelecer com dirigentes do PT: eles entram com a cabeça
por Rodrigo Vianna
O PT deveria ter aprendido – com Lula – que esses almoços com representantes da velha mídia não servem pra nada. O então candidato petista foi à sede da “Folha”, em 2002. Lá pelas tantas, o herdeiro do jornal, Otavinho Frias, fez uma insinuação de que Lula não estaria preparado para ser presidente porque não sabia falar inglês. Lula levantou-se e foi embora. O velho Frias (que emprestava carros para torturadores durante a ditadura, mas não era tolo a ponto de confrontar um futuro presidente) saiu andando atrás do candidato, tentando se desculpar pela arrogância do filho.

Lula jamais se vingou dos Frias. Olhou pra frente. Errou? Teve a chance, também, de enterrar a Globo – endividada em 2003. Não avançou nisso. Aliás, presidente eleito, foi para a bancada do “JN” ao lado de Bonner. Alguém imaginaria Brizola, eleito, na bancada do “JN”? Alguns dirão: por isso que Brizola jamais foi presidente. Talvez, tenham razão…

Mas o PT seguiu apanhando e confraternizando-se com a velha mídia. Dilma foi fazer omelete com Ana Maria Braga em 2011. E disse que a questão da Comunicação no Brasil se resolvia com controle remoto.

Haddad, eleito depois de uma campanha em que meios digitais tiveram papel decisivo na capital paulista, mandou dizer pouco antes da posse que Comunicação era um assunto em que não cabia debate sobre políticas públicas. Pôs no cargo de Secretário um jornalista que imagina resolver todos problemas com telefonemas para as redações da “Folha” e “Estadão”. Haddad chegou a dizer que esperava uma “normalização” das relações com a mídia. Foi cozido e fritado por ela.

Padilha começou sua campanha a governador de São Paulo com caravanas pelo interior – transmitidas pela internet. Boa novidade. Mas também adotou a “tática” (!) dos almoços em jornais, pensando em criar (quem sabe) um clima de camaradagem com personagens do quilate dos Mesquita e dos Frias. Recentemente, ouvi de um alto dirigente do PT (foi conversa em off, não posso por isso revelar detalhes) que o partido não abre mão de “dialogar com todos os setores da imprensa” na campanha para o governo de São Paulo.

Sei… Gostaria de saber o que esse petista graúdo acha do “diálogo” estabelecido entre os jornais e Padilha na última semana. Diálogo bastante interessante.

O ex-ministro foi submetido a uma operação de guerra. A tentativa é de abatê-lo em pleno vôo, antes mesmo da campanha começar. Os aliados midiáticos dos tucanos perceberam a fragilidade de Alckmin num momento em que São Paulo está na iminência de ficar sem água por falta de planejamento dos governos do PSDB. No dia em que Padilha iria pra TV falar da seca, os jornais vieram com o ataque coordenado contra o petista.

As manchetes seriam a sobremesa do almoço recente de Padilha com representantes da família Mesquita?

A “Folha”, em sua edição digital, dava grande destaque neste sábado (26/04) para uma certa “opinião de leitor”, que afirmava: “Descoberta da PF é um tiro mortal na candidatura de Padilha”.Vejam, não se trata de análise. Não há informação. É a opinião de um leitor qualquer – que gera manchete no alto da home. Logo abaixo, outra manchete em que PT “nega que possa trocar de candidato”.

Qual diálogo possível? Pra que almoçar ou conversar com essa gente?

O PT segue a legitimar o inimigo. Sim, é disso que se trata. Jornais como “Folha”/”Estadão”/”O Globo” e revistas como a “Veja” são inimigos. São parte do aparato inimigo. Mas, dia sim, dia não, lá estão corajosos ministros petistas a ocupar páginas amarelas, e a se fartar com espaços concedidos pelo inimigo.

Qual nome dar a isso? Oportunismo? Cegueira? Pragmatismo?

Essa prática serve apenas para legitimar aqueles que são hoje a principal ferramenta do campo adversário. Não há meio termo. Ou não deveria haver. Não há ilusão. Ou não deveria haver.

Padilha reagiu até bem na coletiva da última sexta-feira. Mas o PT segue iludido (ou a palavra seria “rendido”) à lógica do “diálogo” com Globos, Folhas e Vejas.

Na verdade, trata-se – talvez – de um sintoma mais grave de rendição…
O partido tem uma base imensa de militantes, setores organizados e movimentos sociais dispostos a um combate aberto. Mas a direção segue na trajetória idêntica à do PS francês ou do PSOE espanhol. É caminho certo para o desastre.

Lula, com a entrevista aos blogueiros, deu a senha de que há outro caminho. Mas a direção petista (com parcas exceções) parece amortecida, rendida.

O que pode salvar o projeto petista e lulista – que apesar de suas limitações (até porque o PT governa em coalizão, e sempre em minoria no Congresso) significou avanços significativos para o país – são essas bases imensas e dispostas ao combate. Gente que nem é filiada ao PT muitas vezes. Mas sabe de que lado está. Essa gente pode pressionar uma direção que parece cada vez menos disposta ao combate.

Andre Vargas, meus caros, foi secretário de Comunicação do PT. Vejam que tipo de prioridade a direção petista dava ao tema. Vargas tentou enganar os incautos com aquele gesto provocativo à frente de Joaquim Barbosa: punho cerrado. Provocação tola, posto que sem correspondência com ações concretas de enfrentamento. Só enganou quem não conhecia os bastidores em que essa geração de “profissionais” petistas se criou.
O social-doleirismo de Vargas é parte desse mesmo quadro de rendição em que se inscrevem as tentativas de “dialogar” com a velha mídia brasileira.

A eleição de 2014 é uma guerra em que não se pode ter ilusões. O outro lado não quer diálogo. Há uma chance (pequena?) de o PT derrotar os tucanos em Minas e São Paulo, e ainda manter o governo federal com Dilma. Por isso, a guerra é tão feia.

Se adotar a tática do “diálogo” com a mídia e os piores inimigos, o PT – em vez de um passo à frente, com vitórias em Estados importantes – pode colher uma derrota definitiva. Os números a apontar liderança folgada de Dilma podem trazer ilusão de uma eleição fácil. Não! Até porque se trava no Brasil apenas parte da guerra – muito maior – pelo futuro do ciclo de governos progressistas na América do Sul.

A velha mídia é sócia dos tucanos num projeto político conservador. O PT – apesar de suas fragilidades e inconsistências crescentes – é a ferramenta disponível para os que lutam por barrar a direita e por aprofundar as reformas sociais no Brasil.

A guerra será aberta e total. Sem ilusões. Sem “diálogo”. Se insistir nos “almoços”, o PT pode virar a sobremesa. Com as cabeças de Dilma/Lula/Padilha/Dirceu e de toda a esquerda servidas na bandeja, e expostas nas manchetes dos jornais e telejornais inimigos nos dias e meses seguintes à eleição.  

domingo, 27 de abril de 2014

SENSACIONAIS DENÚNCIAS DO GLOBO SOBRE (CONTRA) A PETROBRAS

Do Tijolaço

Nassif e a denúncia vazia contra a Petrobrás

27 de abril de 2014 | 08:53 Autor: Miguel do Rosário
denuncismo
Houve um tempo em que se discutia, na literatura, o valor da “arte pela arte”. O poeta francês Mallarmé havia inaugurado um estilo onde a forma tinha a primazia absoluta. O conteúdo era secundário. A revista Época parece ter aderido a essa tendência, adaptando-o ao jornalismo, e criou a “denúncia pela denúncia”. Diego Escoteguy, enfant terrible do Instituto Millenium, assina matéria com denúncias contra a Petrobrás onde, curiosamente, não há nenhuma denúncia. Há apenas a forma de denúncia, o tom de denúncia, a linguagem de denúncia.
Trecho de post do Nassif abordando este intrigante fenômeno:
“Esta semana a matéria de denúncia da Época fala em “Os lobistas e os negócios da Petrobras na África” (clique aqui).
O tom é de denúncia, o texto tem o estilo roteirizado das denúncias, cada episódio é tratado como se fosse uma denúncia. Quando se completa a leitura, não existe uma só denúncia na história.”
*
Novas denúncias de Época: os superlobistas trapalhões
sab, 26/04/2014 – 13:46 – Atualizado em 26/04/2014 – 20:14
Luis Nassif, em seu blog.
Não dá para entender o novo modelo de denúncias da revista Época. Fica-se sem saber se a revista está com problema de falta de equipe de reportagem, ou a direção de redação padece da falta de conhecimento de negócios, para filtrar as matérias.
Denúncias envolvendo negócios têm sua complexidade. O repórter precisa saber a diferença entre operações habituais e as extravagantes, entender a lógica financeira para separar onde há suspeitas de negociata, onde há operações normais de mercado. Não basta obter um relatório da Polícia Federal se não houver discernimento para entender o tema e identificar o negócio.
Esta semana a matéria de denúncia da Época fala em “Os lobistas e os negócios da Petrobras na África” (clique aqui).
O tom é de denúncia, o texto tem o estilo roteirizado das denúncias, cada episódio é tratado como se fosse uma denúncia. Quando se completa a leitura, não existe uma só denúncia na história.
Poderia ser matéria de negócios, mas não é, dado o tom de denúncia. Poderia ser matéria de denúncia, mas não é, por ter apenas o tom, sem apresentar uma denúncia.
Faz um check-list de tentativas infundadas de lobby, mostrando um superlobista que não consegue um resultado sequer.
Finalmente, joga no papel um conjunto de informações genéricas de negócios – como, por exemplo, o fato público da associação entre Petrobras e BTG na África. E informa, judiciosamente, que consultou os personagens mencionados mas eles não quiseram se manifestar. Manifestar sobre o quê? “Pactual, o que você tem a dizer sobre sua associação com a Petrobras na África?”. “Petrobras, o que você tem a dizer sobre sua associação com o Pactual na África?”
Provavelmente o RP de ambas as empresas sugeriu ao repórter consultar os comunicados ao mercado. E com isso não deu as declarações entre aspas que poderiam ser utilizadas no texto. Extrair informações de textos técnicos é bem mais complexo.
A matéria toda tem 12.723 caracteres.
epoca2
Trecho 1 – Viagem de Lula à África.
22% do texto. Todo o texto servindo apenas para informar que dois representantes de empresas estavam na comitiva, José Carlos Bumlai e Fábio Pavan. Legal! Viagens de negócios costumam ser feitas com representantes das empresas interessadas. Mas qual a relevância dos dois?
Restam 77%.
Trecho 2 – Perfil de Bumlai
Nos 10% seguintes, descobre-se que a razão de Bumlai estar na matéria é o fato de ser amigo de Lula. Menciona-se sua influência para indicar diretores para a Petrobras. E apresenta uma prova irrefutável: o fato de João Augusto Henriques – também chamado de “lobista” (na reportagem todos são lobistas) – ter procurado o apoio de Bumlai para o influente cargo de diretor internacional da Petrobras. E não ter conseguido a indicação. 0 x 1 para o lobista.
Restam 67%.
Trecho 3 – os negócios do lobista em Acra.
27% da reportagem para narrar as aventuras empresariais de Pavan e da Constran em Acra – que não deram certo. E relata o fato do superlobista ter ido atrás do apoio da Petrobras. E nada ter conseguido. 0 x 2 para ele.
Restam 41%.
Trecho 4 – negócios com o grupo Charlot.
18% para informar que os lobistas tentaram vender um poço do grupo Charlot para a Petrobras por US$ 150 milhões, antes de saber se o poço tinha petróleo. Mas sabendo que o Conselho de Administração não aceitaria, propuseram um sinal de US$ 8 milhões e o pagamento dos US$ 150 milhões só se saísse petróleo. Que não saiu. 0 x 3.
Restam 23%
Trecho 5 – o acordo do BTGB e da Petrobras na África
11% para informar que a Petrobras juntou seus ativos africanos e vendeu parte para o BTG Pactual por US$ 1,5 bi. E que os dois lados lucraram com a operação. Informa também que “procurado pela reportagem”, o BTG não se pronunciou. Mas se pronunciar sobre o quê, se não há um dado sequer a ser checado.
Restam 12%.
Trecho 6 – relacionamento Lula-Bumlai
12% finais para mostrar que Bumlai e Pavan assistiram à inauguração do escritório da Embrapa na África, na qual Lula estava presente. E também a relevante informação de que, procurado para falar do relacionamento com Bumlai, o Instituto Lula não quis se pronunciar. E também a relevante informação de que o superlobista Pavan procurou de todas as maneiras um contato com a Petrobras e nada conseguiu. 0 x 4
Não resta mais nada.