quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

CRÔNICA DA VENEZUELA, POR ORA

Gilberto Maringoni, na Carta Maior

A vitória de Maduro foi espetacular

Guaidó não tem apoios internos. EUA cometem erro crasso de avaliação

 
27/02/2019 12:57
 
 
É preciso dizer com todas as letras: Nicolás Maduro obteve uma vitória incontestável e espetacular contra a tentativa de derrubá-lo através da entrada forçada de uma torta "ajuda humanitária", articulada pelo Departamento de Estado, com auxílio da Colômbia e do Brasil. Inquestionável e espetacular, não menos que isso.

Os Estados Unidos demoraram a encontrar uma tática para retirar Maduro do poder que fosse palatável à opinião pública global. Quando Donald Trump declarou, na ONU em 26 de setembro do ano passado, que "Todas as opções estão na mesa, todas. As mais e menos fortes. E já sabem o que quero dizer com forte", estava se referindo a uma intervenção militar direta. Mariners e boinas verdes marchariam sobre Caracas.

NÃO É FÁCIL, MESMO PARA UM IMPÉRIO, materializar uma ação desse tipo. É preciso um mínimo de consenso internacional, do suporte da maioria da opinião pública de seu país e de legitimidade dentro do país invadido. Os Estados Unidos já realizaram intervenções diretas na América Central, no Oriente Médio e na Ásia. Mas nunca na América do Sul.

Aqui valeu sempre a terceirização de ações. Ou seja, alianças com o empresariado, as forças armadas, os meios de comunicação, a Igreja católica e parcelas da opinião pública. Foi o que se viu no Brasil (1964), no Chile (1973) e na Argentina (1976).

Trump se animou ao ver a correlação de forças regional mudar em 2018, com a vitória dos direitistas Ivan Duque, na Colômbia (junho) e Jair Bolsonaro, no Brasil (outubro). Não se sabia como uma iniciativa "forte" seria recebida na sociedade venezuelana. Havia - e há - forte crise econômica e dificuldades materiais pesadas para a população pobre.

AS INCERTEZAS QUANTO A APOIOS INTERNOS na Venezuela seriam assim compensados por uma sólida frente externa, que envolveria Sebastian Piñera (Chile) e Maurício Macri (Argentina). Havia dúvidas sobre a unanimidade na União Europeia, pela posição ainda equidistante de Portugal e Espanha, nos últimos meses do ano. Mas França, Inglaterra, Itália e Alemanha se somariam à articulação da Casa Branca, o que logo arrastou todo o Velho Mundo.

As articulações dentro da Venezuela se voltaram para o poder unilateralmente anulado pela Constituinte convocada por Maduro, em junho de 2017. Trata-se da Assembleia Nacional (AN), que seria o ponto de apoio de todas as movimentações sediciosas.

Em 11 de janeiro deste ano, dia seguinte à posse de Maduro, Juán Guaidó, até então um obscuro parlamentar em primeiro mandato que assumira a presidência do Legislativo, se dirigiu a um protesto em Caracas e chamou o sucessor de Chávez de "usurpador". Ato contínuo, convocou o Exército, o povo e a comunidade internacional a apoiar os esforços da AN para tirá-lo do poder. E se colocou à disposição para assumir interinamente a presidência do país.

IMEDIATAMENTE, A MÍDIA INTERNACIONAL traçou perfis para lá de favoráveis de Guaidó, que seria um líder moderno, carismático e democrático. O troféu babaovo ficou para um colunista da Folha de S. Paulo, que atentou para suas semelhanças gestuais com Barack Obama.

Foi o que bastou para cerca de 50 países - a começar por Estados Unidos e Brasil - reconhecerem Guaidó como líder de um governo de facto. Construiu-se um empate catastrófico, uma dualidade de poderes que levou a Venezuela a um impasse aparentemente insolúvel. Guaidó chegou a designar embaixadores, receber verbas internacionais e passou a ser saudado como chefe de Estado.

MADURO RECEBEU APOIOS quando China e Rússia - além de México, Uruguai, Bolívia e outros - literalmente trancaram a rota de uma unanimidade internacional (e no Conselho de Segurança da ONU, para onde a questão ameaçou ser levada). No início de fevereiro, o secretário-geral da Organização, António Guterres, afirmou ser Maduro o presidente legítimo do país.

O DEPARTAMENTO DE ESTADO deve ter percebido que o desenho de uma intervenção direta seria extremamente arriscado diante do quadro internacional. E projetou uma solução híbrida: reforçaria os dutos de dinheiro a Guaidó, convocaria as forças armadas do Brasil e da Colômbia a participarem do show midiático marcado para 23 de janeiro, quando toneladas e toneladas de "ajuda humanitária" entrariam por bem ou por mal na Venezuela, e açulou seus mais fiéis cães de guarda, Iván Duque e Jair Bolsonaro.

Deu errado.

O que falhou e como Maduro obteve sua vitória espetacular?

Algumas hipóteses:

1. JUAN GUAIDÓ MOSTROU-SE UMA FARSA. Nem mesmo o bulldozer midiático montado interna e externamente, destinado a projetá-lo como líder inconteste, conseguiu encobrir um fato. O jovem deputado representa quase ninguém. Nem nas grandes cidades e nem na fronteira houve manifestações de massa em apoio à "ajuda humanitária" ou ao suposto presidente. Guaidó falou sozinho;

2. O ERRO DE CÁLCULO DOS ESTADOS UNIDOS - e de seus serviços de espionagem e inteligência - desmoraliza toda a oposição venezuelana e leva os governos de Duque e Bolsonaro a passarem um carão de dimensões planetárias. Ambos tornam-se atores nulos em qualquer mediação de gente grande no plano internacional.

3. NO CASO BRASILEIRO, o bom senso do setor militar puxou o freio de mão nos delírios napoleônicos de Jair Bolsonaro - que definitivamente jamais soube o que é sombra de estratégia militar -, David Alcolumbre, Dias Tófolli e Ernesto Araújo. Esses, em reunião sábado relatada pelo Painel da FSP, defenderam quase uma nova invasão da Normandia. Hamilton Mourão, Augusto Heleno e Rodrigo Maia se colocaram contra até mesmo da presença de militares estadunidenses em solo brasileiro. Uma ação mais decidida teria de ser feita por terra, em meio a selva, e o risco de fiasco militar era enorme.

4. POR MAIS INSUFICIÊNCIAS QUE NICOLÁS MADURO APRESENTE como liderança, ele conseguiu provar que a oposição é muito pior. Seu discurso sábado em praça pública, diante de dezenas de milhares de pessoas, foi realista e sem bravatas. Evitou atacar o Brasil e centrou fogo na Colômbia e nos EUA. Quer ajuda humanitária, mas de organismos multilaterais. O restante, pagará pelo que vier, em operações comerciais normais. E deu concretude ao que Chávez e ele próprio bradam há duas décadas: o Império quer mesmo invadir a Venezuela.

5. O PRESIDENTE VENEZUELANO obteve algo raro: união nacional contra o inimigo externo. Destravou o impasse que já durava um mês. É bem provável que se convocar agora um referendo revogatório de seu mandato, será vitorioso com boa margem.

6. A CRISE ECONÔMICA NÃO FOI VENCIDA. Há uma situação emergencial, em meio ao embargo econômico que rouba recursos legítimos do país. Mas as prateleiras dos mercados estão cheias de produtos iranianos, turcos e russos. A perspectiva de superação mostra-se difícil, mas - pelos relatos de quem está em Caracas - não há um clima de desespero geral na capital, como alardeado até semanas atrás. O principal sinal é que cessaram as coberturas da mídia corporativa sobre busca insanas da população por mercadorias, a começar por papel higiênico.

7. COMO DIRIA HUGO CHÁVEZ, há uma vitória a ser comemorada, "por enquanto".

Um ponto a mais deve ser levantado. Tirando a vitória de Manuel López Obrador, no México em julho passado, a esquerda latinoamericana não tinha boa notícia assim há anos.

Não é pouca coisa, gente...


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

BRUTALIZAÇÃO DA VENEZUELA

Segue o padrão geral do império - mercado. 

No momento, há uma agente que foi previamente treinado e preparado para a ação em seu país de origem na sede do império, ou seja, nos Estados Unidos da América, o Juan Guaidó, igualzinho foram os agentes no Brasil Sérgio Moro e Delton Dallagnol.

Neste caso a coordenação política entre a central e o agente é mais aberta e escancarada. A postura do governo Trump é ao mesmo tempo mais agressiva e mais errática do que a estadunidenses tradicional, em que predominam ações escondidas junto a manifestações hipócritas pela democracia.

Vamos lembrar, falando apenas da década de 1950 para cá: Guatemala, República Dominicana, invasão da Baia dos Porcos em Cuba, invasões do Panamá, Granada, golpes em Honduras, no Paraguai, no Brasil, lawfare contra Cristina Kirschner na Argentina. No momento, entretanto, o império sofreu um contratempo. Vale conferir o post de Jefferson Miola em seu blog:

Fracasso de Trump na batalha de Cúcuta e contrarrevolução permanente na Venezuela


Batalha de cucuta
Jeferson Miola                             
Washington concebeu a batalha de Cúcuta, na Colômbia [23/2], para ser o momento apoteótico da derrubada do presidente constitucional da Venezuela, Nicolás Maduro.
A maior reserva de petróleo do mundo existente no país caribenho é o motivo para os EUA se auto-conceder o direito de provocar, agredir, invadir e tentar mudar o regime de uma nação livre, independente e soberana, em notória ofensa à Carta de Princípios da ONU [aqui].
De Cúcuta, cidade colombiana fronteiriça com a Venezuela, o autodeclarado“presidente encarregado” [sic] Juan Guaidó, num gesto épico, atravessaria a ponte que liga os 2 países com caminhões carregados de alimentos e remédios – e, suspeita-se, carregado também de armas para serem distribuídas a sicários e contrarrevolucionários – doados pelos EUA como “ajuda humanitária”.
Segundo planejado por Washington, Guaidó então ingressaria triunfalmente em território venezuelano na outra cabeceira da ponte, por San Antonio de Táchira. Lá, no retorno à Pátria, seria recepcionado como herói redentor por multidões e comandos militares que desertariam da Força Armada Nacional Bolivariana [FANB].
Esse teatro burlesco, coordenado em campo diretamente por agentes da Casa Branca, do Pentágono, da CIA, do Congresso e do Depto. de Estado norte-americano, foi reforçado por autoridades e governantes capachos dos EUA.
No circo armado em Cúcuta, sábado, perfilaram-se ao comando estadunidense os presidentes da Colômbia, Chile e Paraguai; o chanceler brasileiro e o secretário-geral da OEA Luís Almagro, que usurpou o mandato da OEA, pois aquele organismo, apesar da forte pressão dos EUA, não reconhece legalidade na patética autodeclaração de Guaidó.
O plano traçado por Trump, contudo, deu errado. O cavalo de tróia disfarçado de “ajuda humanitária” foi impedido de entrar na Venezuela, a FANB manteve-se coesa e fiel ao governo legítimo e à Constituição do país, e as multidões continuam ao lado de Maduro.
Trump e os governos títeres dos EUA fracassaram também no intento de provocar eventos traumáticos para comover a opinião pública mundial e, assim, servir de álibi ao apelo de intervenção militar internacional na Venezuela.
Ante o fracasso definitivo em Cúcuta, o último recurso dos agressores foi atear fogo num caminhão supostamente carregado de alimentos e remédios ainda em território colombiano e sob controle dos próprios agressores; porém este episódio forjado não foi repercutido mais além da histeria do presidente colombiano Ivan Duque.
O insucesso da aventura criou uma armadilha para Guaidó. O autodeclaradoencontra-se agora diante de 2 opções: ou [i] regressa ao país e é preso devido às violações penais e à associação conspirativa com países e sicários estrangeiros, ou [ii] parte para o exílio.
Para a extrema-direita fascista, isso acarreta um importante revés. Guaidó integra o Vontade Popular, mesmo partido de Leopoldo Lopez. É um partido teleguiado por Washington e que empreende a oposição mais extremista, mais violenta e mais sanguinária no país.
Em 2018, o Vontade Popular liderou o boicote ao acordo mediado internacionalmente na República Dominicana entre o governo Maduro e setores da oposição. Atendendo às ordens de Trump, esses setores detonaram os entendimentos estabelecidos e decidiram não participar da eleição de maio do ano passado que elegeu Maduro, porque apostavam no caos absoluto.
Deve-se ter em mente, entretanto, que esse revés circunstancial não encerra a espiral conspirativa para forçar a mudança de regime na Venezuela. Em breve surgirão novas investidas contrarrevolucionárias auspiciadas pelos EUA e encabeçadas pelo autodeclarado.
O chavismo, por outro lado, teve uma importante vitória na batalha de Cúcuta, em que pese o assombroso condicionamento da mídia hegemônica, que inundou o noticiário internacional com notícias falsas e uma cobertura enviesada, pró-EUA, a favor da guerra e da agressão.
Derrotar a estratégia imperialista na batalha de Cúcuta foi um importante teste de resistência e uma importante demonstração da coesão cívico-militar bolivariana. Além disso, evidenciou a unidade política e social da revolução bolivariana, que aparenta grande solidez.
Essa vitória adquire maior relevância em vista do atual contexto geopolítico, de debilidade da esquerda latino-americana e de ofensiva da extrema-direita continental e mundial.
A batalha de Cúcuta, entretanto, não significa o fim da guerra contrarrevolucionária permanente que os EUA promove há 20 anos para derrubar o regime bolivariano da Venezuela.
Desde que o Presidente Hugo Chavez assumiu o poder [1999] e passou a direcionar a renda petroleira antes canalizada para contas bancárias nos EUA para um projeto nacional e popular de desenvolvimento, o governo da Venezuela não teve um único momento de paz, e é alvo de terrorismo econômico criminoso que causa escassez e impede a organização da economia.
Dessa vez não deverá ser diferente. O fracasso de Trump e de seus títeres na batalha de Cúcuta está longe de encerrar a contrarrevolução permanente na Venezuela – Cuba, que há mais de 60 anos é alvo de bloqueio ilegal liderado pelos EUA, é testemunho dessa realidade.
A solidariedade com o povo venezuelano, a defesa dos princípios da não-ingerência e da soberania e do direito à autodeterminação da Venezuela e o reconhecimento do Maduro como presidente legítimo é a tarefa urgente da esquerda, dos democratas e dos progressistas do mundo inteiro.
Esse compromisso é vital, porque em lugar do exercício pleno da soberania pela Venezuela, sobrevirá uma Síria na América Latina.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

AS ESTRIPULIAS DO IMPÉRIO, SÉCULO XXI, SÃO BOM NEGÓCIO

Como sabemos, depois de um rosário de intervenções militares diretas ou (não tanto) indiretas na América Central ao longo de décadas - derrubada do governo da Guatemala na década de 50, invasão da baia dos Porcos em Cuba, e derrubada do governo da República Dominicana na década de 60, apoio aos anti-sandinistas na Nicarágua na década de 80, sem contar a articulação dos golpes de Honduras, Paraguai e Brasil, da campanha anti-Kirschner na Argentina que resultou na ascensão da direita extrema por lá, a atenção dos EUA volta-se hoje para a derrubada do governo da Venezuela. Isso para coroar um cerco econômico e político daquele país, um golpe que acabou superado na década anterior e tentativas de assassinato do presidente Maduro.

Daí, não é impossível prever que possa haver interesse em montar outras intervenções militares, diretas ou por procuração, em toda a América do Sul, enquanto eles tratam de erradicar governos de esquerda ou de centro esquerda em toda a parte, o que vem junto com a supressão dos (poucos, fracos) mecanismos democráticos de justiça e de decisão política.

As pessoas (as não lobotomizadas pela imprensa e mídia dominantes, que acreditam que é "pela democracia") indicam como móvel principal o petróleo, de que aquela país tem atualmente as maiores reservas do mundo.  Estão certas, mas não é só isso. No Oriente Médio, onde eles estão fazendo guerra há mais de dezoito anos - desde a invasão do Afeganistão em 2001 seguido da do Iraque em 2003, num processo que inclui a Líbia e a Síria, mantêm-se condições que é preciso levar em conta para poder entender melhor o que acontece. Trata-se dos interesses da máquina de guerra estadunidense: das suas forças armadas diretas e indiretas (estas, as forças mercenárias), indústrias de armamentos e de vigilância, sistema planetário de espionagem, e a burocracia de Washington dedicada, de que o Pentágono constitui apenas parte, minoritária.

Esse complexo militar-industrial , que foi levado ao grande público primeiro por um ex comandante da Segunda Guerra que estava terminando seu mandato como presidente dos EUA em 1961, constitui um agrupamento de interesses cujas dimensões convém conhecer. Algumas considerações sobre isso são feitas pelo especialista estadunidense Mattew Hoh, que em 2009 renunciou ao seu posto no Departamento do Estado no Afeganistão em protesto pela política de guerra permanente dos EUA lá e nos arredores, em artigo no Counterpunch, lincado aqui. Alguns excertos traduzidos (o original é em inglês):

Quase uma década depois da minha demissão, há relatos de um possível acordo de paz para o Afeganistão. O que eu reconheço, tão clara e repugnantemente, assim como minha mente, e minha alma, podem lembrar o vermelho brilhante de sangue arterial fresco que entorpece em contato com poeira e tecido, ou a mandíbula congelada de um jovem morto se ele foi chamado de afegão, americano ou iraquiano, são as mesmas mentiras da guerra que foram tão habilmente e efetivamente utilizadas por políticos, generais e a mídia para escalar a guerra em 2009, agora sendo recirculada para derrotar qualquer tentativa atual de paz. (...)

Mesmo uma guerra perdida ganha dinheiro

Os custos financeiros totais para os EUA em gastos diretos com a guerra no Afeganistão estão se aproximando de um trilhão de dólares. O pico de gastos da guerra chegou a mais de US $ 100 bilhões por ano e atualmente movimenta entre US $ 40 e US $ 50 bilhões por ano. Os custos totais de todas as guerras que os EUA enviaram a seus jovens homens e mulheres para matar e serem mortos desde 2001 são de US $ 6 trilhões, e isso é apenas para as guerras, esse número de US $ 6 trilhões não inclui as regulares ou usuais. os custos da administração militar, que agora é superior a US $ 600 bilhões por ano, ou as centenas de bilhões de dólares gastos em veteranos, agências de inteligência, armas nucleares, Departamento de Estado ou Segurança Interna. Essa quantia impressionante talvez seja melhor entendida sabendo que somente nos pagamentos de juros e dívidas os EUA gastaram mais de US $ 700 bilhões nas guerras em 17 anos (com relação aos gastos gerais com segurança nacional este ano os EUA gastarão centenas de bilhões de dólares, faz a cada ano, em pagamentos de dívida devido a gastos passados ​​em guerras, os militares, inteligência, veteranos, etc).

Se você comparar Washington, DC e seus subúrbios com a forma como eles existiam psiquicamente antes do 11 de setembro, você certamente observará o impacto físico que as guerras e o complexo industrial militar beneficiado tiveram na cidade e em seus subúrbios. O Pentágono não está confinado a esse prédio de cinco lados ao longo da Interestadual 395, mas estende-se por quilômetros ao longo do rio Potomac; da Key Bridge em Rosslyn, ao sul, passando por Arlington, e passando pelo Aeroporto Nacional Ronald Reagan, em Alexandria, em prédio de escritórios após o prédio de escritórios, são dezenas e dezenas de milhares de homens e mulheres trabalhando para a guerra. Da mesma forma, nos subúrbios, particularmente a oeste ao longo da Interestadual 66 ou ao norte ao longo da Rodovia Baltimore-Washington, existem centenas de edifícios para servir a máquina de guerra. Não é apenas a indústria de defesa ou as empresas contratantes, mas também os bancos, hotéis, restaurantes, complexos de apartamentos, condomínios altos e McMansions de milhões de dólares que surgiram para servir e apoiar o Pentágono e suas guerras.

Dentro desses prédios, há centenas de milhares de homens e mulheres, a maioria não usa uniforme, mas trabalha para uma firma contratante ou de defesa, que costuma receber salários de cinco ou seis dígitos. Quando eu fiz esse trabalho em 2008, como um solteiro de 35 anos que aparentemente só se qualificava como capitão nos fuzileiros navais, meu salário e benefícios chegaram perto de US $ 120.000 (quando entrei para o Departamento de Estado em 2009, não ter um corte salarial), enquanto uma posição de nível de entrada com a mesma empresa contratada do DOD, cujos requisitos eram simplesmente possuir uma autorização de segurança de nível secreto e conhecer o Microsoft Office, era de mais de US $ 80.000. Como você pode ver, é muito fácil escorregar nessas algemas de ouro…


O que isso calcula e lembra, além da segurança nacional e nacional, que o governo federal diminuiu os gastos discricionários em termos reais, desde 2001, é que a área metropolitana de Washington, DC é a parte mais rica do país, e tem sido por um número de anos, começando depois que essas guerras intermináveis ​​e seus lucros em massa começaram. Embora você possa argumentar que a correlação não é causalidade, a natureza simbiótica não pode ser negada entre a natureza interminável das guerras e o aumento massivo de riqueza para Washington, DC e seus povos e órgãos. Observe o forte protesto do Senado dos EUA em relação à ideia de que as guerras dos EUA no Afeganistão e na Síria terminem para ter um vislumbre do medo que existe em Washington e dentro da máquina de guerra em direção apenas à ideia ou conceito de paz. Se você quer entender por que essas guerras continuam e por que essas mentiras persistem, então você deve entender o dinheiro que sustenta e sustenta tanto a guerra quanto suas mentiras.


Como dá para ver nesses trechos, há muito interesse em manter a guerra, sem vencer e sem perder, com a esmagadoramente maior parte das perdas humanas e materiais caindo sobre os países palcos dessas intervenções, mas com um prejuízo palpável também do centro do império, que vê sua infraestrutura e gastos em saúde e educação caírem, arrastando para baixo também o nível de vida dos estadunidenses em seu país. 




sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

TOLICE ECONÔMICA NOS EUA

É interessante acompanhar as bobagens dos economistas que mandam lá no centro do império, porque nos ajuda a enxergas as dos daqui. Artigo de Paul Krugman no New York Times. Tradução minha.


Donald e os Deflacionistas
  Por que Trump continua contratando hacks adeptos de dinheiro duro?

Paul Krugman
14 de fevereiro de 2019

Para liderar o Banco Mundial, o presidente Trump escolheu David Malpass, cuja filosofia econômica passada, curiosamente, estava em desacordo com as políticas do presidente.

 A discussão política nos EUA tem sido dominada pela questão do muro de Donald Trump - uma questão sobre a qual a irracionalidade de Trump continua surpreendendo até mesmo seus críticos. Por isso, não imagino que muitas pessoas tenham ouvido falar da nomeação de Trump para David Malpass, atualmente sub-secretário do Departamento do Tesouro, para liderar o Banco Mundial. Mas é uma história que vale a pena seguir.

Por um lado, enquanto os EUA tradicionalmente escolhem o presidente do Banco Mundial (a Europa recebe o Fundo Monetário Internacional), haverá muita oposição a Malpass, que tem uma história de ser hostil às instituições internacionais. Além disso, a nomeação do Malpass destaca um caráter notável das nomeações econômicas de Trump.

Notável de que maneira? Bem, notavelmente ruim. Todo economista, este seu atenciosamente incluído, erra às vezes. Mas Trump parece apenas escolher homens que estão errados sobre tudo.

Além disso, no entanto, o que é notável é a medida em que esse presidente escolhe consistentemente economistas cuja ideologia está em desacordo com suas opiniões professadas sobre política.

Hoje em dia, pelo menos, Trump é um cara de dinheiro fácil que quer que o Fed mantenha as taxas de juros baixas. Mas ele continua apontando deflacionistas - homens que se opunham a qualquer tentativa de resgatar a economia da crise financeira, que atacaram amargamente o Fed por manter as taxas baixas e exigiu dinheiro apertado mesmo quando tínhamos um desemprego muito alto.

Porque ele faz isto? Eu vou chegar lá em um minuto. Primeiro, vamos falar sobre quem está no time Trump.

No topo da lista está Larry Kudlow, diretor do Conselho Econômico Nacional. Ele tem um bom histórico; como colocou um comentarista, ele “elevou o erro extravagante a uma forma de performance art”.

Kudlow pode ser mais conhecido por sua fé inabalável, mesmo nos dentes das evidências, na magia dos cortes de impostos, bem como por seu desprezo proclamado por “cabeças de bolhas” que previam um crash habitacional. Menos conhecido é o elogio de 2008 aos funcionários de Bush por terem tido a coragem de não resgatar o Lehman Brothers. Apenas algumas horas depois de seus elogios, a queda do Lehman mergulhou o mundo inteiro no colapso financeiro.

Kevin Hassett, presidente do Conselho de Consultores Econômicos, é outro negador da bolha, embora sua previsão mais famosa tenha sido em seu livro de 1999 "Dow 36,000" (que, ajustado pela inflação, significaria aproximadamente Dow 55.000 hoje) (em 14 de fevereiro de 2019, o índice dow Jones fechou em 25400, N.T.). Mais relevante para a política atual, Hassett estava entre os que continuaram prevendo, erroneamente, que os esforços de Ben Bernanke para combater o desemprego causariam uma inflação descontrolada.

E depois há David Malpass, também um negador da bolha e um detrator de Bernanke. Muitos comentários na imprensa notaram sua insistência em 2007, como economista-chefe do Bear Stearns, de que não havia motivo para se preocupar com o sistema financeiro. Alguns meses depois, sua própria empresa implodiu.

Mas eu acho que o seu comentário mais revelador foi um discurso de 2011 contra baixas taxas de juros e o que ele considerou uma política de “dólar fraco”. Uma política de baixa taxa, declarou ele, prejudica a economia porque "desencoraja a poupança", enquanto o dólar fraco é ruim para a confiança, ou algo assim.

Isso foi realmente muito ruim como economia. Na época, os EUA tinham 9% de desemprego, inteiramente por causa de gastos privados inadequados; na medida em que baixas taxas de juros estavam desestimulando a economia e fazendo as pessoas gastarem em vez de poupar, isso teria sido uma coisa boa, não um problema. E o argumento de Malpass sobre o dólar era simplesmente incoerente.

O que é realmente impressionante, no entanto, é que as políticas que  Malpass atacou eram precisamente as políticas que Donald Trump agora exige: taxas baixas e um dólar mais fraco. Então, por que Trump quer promovê-lo, e as pessoas gostam dele?

Veja como eu entendo: a primeira coisa que Trump procura em um nomeado é alguém que compartilhe seus valores - acima de tudo, sua absoluta falta de compaixão por aqueles menos afortunados do que ele. E se você quiser uma autoridade econômica que não se importe com os pobres ou com os azarados, você deve se esforçar para ser um direitista.

Mas Trump também tem outro critério: ele quer pessoas que serão pessoalmente dependentes dele, que não têm nenhum tipo de reputação profissional para defender e, portanto, não se posicionarão em princípio. Ou seja, ele só quer hacks.

E aqui está a coisa: os economistas de direita são, com quase todas as exceções, tipos que defendem dinheiro valorizado, e que a hiperinflação está sempre à espreita. Então Trump acaba com funcionários cujas visões passadas são diametralmente opostas ao que ele diz agora.

Isso significa que os homens que ele escolheu ficarão no caminho de suas políticas? Não, não mesmo. Eles são hacks, afinal de contas, e dirão a Trump o que ele quiser ouvir.

Mas isso significa que a política econômica Trumpiana está sendo feita por homens que, quase por definição, não sabem o que estão fazendo. Para ter conseguido o emprego, eles não só tinham que ter registros de conversas sem sentido, mas de repente começaram a falar bobagens completamente diferentes - revertendo suas posições de longa data para agradar ao Gênio Muito Estável (Very Stable Genius, auto apelido de Trump, N.T.).

Então, o que acontecerá se e quando essa equipe econômica tiver que lidar com problemas reais, como uma recessão global? De alguma forma, não sou otimista.

SOBRE O FASCISMO

Do Outras Palavras

Notas sobre o fascismo

Muito se debate se há ou não ameaça de fascismo no Brasil. As considerações de Gramsci, Brecht, Debord e outros autores sobre o conceito podem dar diretrizes ao debate
Por Iná Camargo Costa
I. Contribuições de Gramsci, Nelson Werneck Sodré e Umberto Eco (apud Espaço Literário Marcel Prousthttp://proust.net.br/blog/?p=1451)
Segundo Gramsci, o fascismo se caracteriza pela leviandade, irresponsabilidade, desonestidade, ganância e vileza política.
A primeira liberdade que o fascismo combate é a liberdade de organização e dos movimentos dos trabalhadores urbanos e rurais, dos pobres; em seguida, ou concomitantemente, a liberdade de expressão.
O fascismo arrasta atrás de si um bando de inconscientes, aventureiros e delinquentes.
Para Nelson Werneck Sodré, eles são adeptos do capitalismo mais agressivo, que se define pelo desprezo absoluto pelas leis escritas, leis morais, pela pessoa humana e pelas conquistas da civilização e da cultura.
Para Umberto Eco, o fascismo sempre odeia a cultura. A suspeita em relação ao mundo cultural sempre foi um sintoma do fascismo.
Integram a essência do fascismo a xenofobia, a misoginia, a homofobia e as piores demonstrações de racismo.
II. BRECHT e a luta contra o fascismo. Excertos e sugestões (in KUHN, Tom & GILES, Steve, eds. Brecht on Art & Politics. London: Bloomsbury Methuen Drama, 2015)
1) Quando se fala o tempo todo que alguém sem conhecimento nem educação é melhor que alguém bem informado, é preciso perguntar: melhor para quem?
2) É preciso coragem para dizer que os bons foram derrotados porque eram fracos e não porque eram bons.
3) A ambiguidade caracteriza o falso. A verdade que se opõe à mentira tem que ser prática, factual, inegável e ir ao coração da matéria. A verdade tem que tornar as pessoas capazes de influir sobre os acontecimentos.
4) O fascismo é forma mais crua, mais descarada, mais opressiva e fraudulenta do capitalismo. Não se pode levar a sério quem denuncia as brutalidades do fascismo mas não combate o capitalismo. Estes não são são contra as relações de produção que produzem a barbárie, apenas são contra a barbárie.
5) Fascismo não é uma catástrofe natural. É preciso tratar de verdades práticas, produzir conhecimento sobre como evitar uma catástrofe (inclusive a natural) e mostrar que se pode resistir mesmo nas condições mais terríveis.
6) É preciso escrever a verdade e dirigi-la a quem é capaz de fazer uso dela. A verdade é guerreira. Ela não luta só contra a falsidade, mas também contra as pessoas que disseminam a falsidade.
7) É preciso saber usar as palavras. Seguir o exemplo de Confúcio, que em lugar de escrever “fulano foi morto”, escreveu “fulano foi assassinado” e, em lugar de escrever “o tirano foi morto”, escreveu “o tirano foi executado”. Outros mestres da tática de Confúcio: Thomas More, Jonathan Swift, Voltaire, Lenin e Lucrécio.
É preciso retirar o misticismo preguiçoso das palavras. Chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome.
8) A propaganda a favor do pensamento é sempre útil para a causa dos oprimidos. O pensamento é desqualificado em regimes que servem à exploração. Tudo o que é útil aos oprimidos é desqualificado. Sob governos fascistas, pensar é desqualificado como ordinário.
9) Um modo de pensar que dá ênfase ao transitório é um bom meio de encorajar os oprimidos. O pensamento deve dar destaque às contradições e ao modo como elas se desenvolvem.
10) Governos que não querem ver exposto o seu papel na produção da miséria falam muito em destino.
11) Sem identificar a verdade básica do nosso tempo, nenhuma verdade importante pode ser encontrada. A grande verdade do nosso tempo é que estamos mergulhados na barbárie porque as relações de produção só podem se manter pela violência.
Temos que dizer quais as medidas a tomar para acabar com as condições de produção da barbárie. E dizê-lo aos que têm interesse em mudar as relações de produção: os trabalhadores e os que podem se aliar a eles porque também não são proprietários dos meios de produção, mesmo que se beneficiem dos lucros.
A verdade há de ser uma arma nas mãos certas e tem que ser divulgada com astúcia para não cair em mãos inimigas.
Fascismo é a ditadura terrorista e aberta dos elementos mais reacionários, nacionalistas e imperialistas do capital financeiro.
12) Aos que dizem que o fascismo emergiu como falha da educação, é preciso lembrar que os fascistas também acham que a educação foi negligenciada. E eles acreditam em sua capacidade de influenciar corações e mentes. Combinam a brutalidade das suas câmaras de tortura com a brutalidade das escolas, jornais e demais espaços de propaganda.
13) O fascismo primeiro atacou os trabalhadores e suas organizações. Só depois começou o ataque à cultura.
14) É impossível combater o fascismo e preservar o capitalismo. Isto significaria reconduzir o capitalismo a uma posição mais frágil que ele já abandonou por considerá-la insustentável. Abandonou a forma liberal-nervosa sujeita às “chantagens” do proletariado e tenta enfrentar a sua crise na mais descarada e brutal forma de Estado. Rapidamente toda a burguesia vai entender que o fascismo é a melhor forma de Estado para o capitalismo da nossa época, assim como o liberalismo foi na anterior.
15) O mais perigoso, o único inimigo real do fascismo, como ele mesmo sabe e declara aos quatro ventos, é o comunismo. Agora a questão não é saber se o comunismo tem força para enfrentar o fascismo, mas sim fortalecê-lo.
16) A classe dominante é tão racional que só usa a razão em escala estritamente necessária e liberta as bestas do irracionalismo de modo racional e metódico.
17) Para o capital, guerra é um negócio como outro qualquer, mesmo quando é perdida.
18) A socialdemocracia sacrifica a nação para salvar os negócios, mesmo quando todo mundo sabe que, quando a nação é sacrificada, os negócios também são. A socialdemocracia não tem visão de futuro nas questões internas nem nas externas. Ela não divulga os ideais socialistas e não implementa o programa socialista. Depois não entende por que a pequena burguesia e o proletariado aderem ao fascismo!
19) Socialismo não é distribuição de mercadorias, mas distribuição da produção. A produção tem que se expandir, ser planejada, liberta da necessidade de extorquir mais-valia e produzir lucro. O único adversário do programa fascista é o socialista. Mas a socialdemocracia propaga o medo do comunismo e, com ele, o medo do socialismo. Para combater o fascismo, os socialdemocratas precisam fazer o exato oposto do que fazem.
20) Nós, artistas de teatro, temos que convir que nos tempos que correm continuar vivo já é uma arte. O teatro pode contribuir para a arte de continuar vivo aprendendo com o inimigo: assim como o inimigo usa técnicas teatrais com objetivos não artísticos, nós também não teremos objetivos artísticos.
O teatro pode apresentar aos espectadores a chave para examinar os problemas sociais.
III. Contribuição de Guy Débord (A sociedade do espetáculo)
Por mais que seja adepto da mais conservadora ideologia burguesa, em si mesmo o fascismo não é fundamentalmente ideológico. Ele é arcaizante em seu recurso ao mito para organizar a comunidade definida por pseudo-valores arcaicos. O fascismo é arcaísmo tecnicamente equipado e constitui um dos fatores do espetáculo moderno, a começar pelo papel essencial que desempenha na destruição do movimento operário.
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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

ALÉM DO PODER CORPORATIVO

Tradução minha, usando o tradutor do Google. O original foi publicado no Counterpunch e no site befreedom.co. No Counterpunch pode ser aberto aqui. Os links ao longo do texto vão para matérias em inglês, que valem a pena explorar.


por RICHARD MOSER
Richard Moser tem mais de 40 anos de experiência como organizador e ativista nos movimentos trabalhistas, estudantis, de paz e comunitários. Moser é autor de "New Winter Soldiers: GI e Veteran Dissent During the Vietnam Era" e co-editor com Van Gosse de "O mundo dos anos sessenta: política e cultura na América recente". Moser mora no Colorado.

O problema não é que as corporações estejam “fora de controle”, o problema é que as corporações estão “no controle”. Ao ver o neoliberalismo como Fundamentalismo de Mercado Livre (FML) em vez de Poder Corporativo, nós subestimamos os desafios à frente. O conceito de FML não nos ajuda a saber que táticas e estratégias são melhores porque não é capaz de nos contar sobre o inimigo que enfrentamos: o poder corporativo.

Se as corporações se fundiram com o estado, então o estado liberal-regulador está acabado e nossa fé em sua capacidade de nos proteger é um substituto pobre para o autoconhecimento e a autodeterminação. Em vez disso, deveríamos perceber que finalmente estamos sozinhos. Movimentos de massa que fazem demandas revolucionárias e organizam projetos destinados a construir o poder de pessoas independentes terão a melhor chance de derrubar o poder corporativo.

A tensão entre ver o problema como FML ou como poder corporativo só será resolvida pela aposta mais alta que se possa imaginar. Podemos desmantelar o poder corporativo e parar a mudança climática através de meios eleitorais normais ou revoluções revolucionárias fornecerão as respostas de que precisamos?

Tempos desesperadores requerem medidas desesperadoras

As receitas de ação sugeridas pelos escritores que enfatizam o FML dão peso demasiado às eleições e mudanças incrementais. Tome-se  Out of the Wreckage de Monbiot por exemplo. Por um lado, a Monbiot apoia projetos comunitários. De acorod. Abordagens comunais são muito importantes e se beneficiam pelo fato de estarem enraizadas em instituições e relacionamentos existentes.

Monbiot também pede o retorno ao estado “protetor”, liberal, incluindo um intrigante chamado por uma convenção constitucional por parte dos cidadãos e importantes reformas eleitorais. Mas suas propostas para recapturar o Estado são apenas uma versão mais enérgica da campanha eleitoral. Os levantes de massa e a organização profunda que criaram o estado liberal em primeiro lugar estão amplamente ausentes. Precisamos tanto da comuna como da revolução.

O Não Não é Suficiente, de Naomi Klein, embora cheio de bons conselhos e insights, mostra também como é difícil ver uma passagem para além da ordem corporativa. O ponto de vista da autora alterna entre a FMF e o poder corporativo e seu conselho estratégico reflete isso.

O relato de Klein sobre Standing Rock é emocionante e verdadeiro. Standing Rock nos convoca a agir através da construção de movimentos sociais transformadores contra o que Klein corretamente chama de “capitalismo ecocida”. Ela reconhece que as comunidades nativas têm a experiência e o conhecimento para liderar o novo movimento ambientalista. Por enquanto, tudo bem.

O outro grande exemplo de Klein é o Manifesto LEAP. É outro bom começo, assim como a construção de coalizões que espera promover: mas para que fim? As visões utópicas são importantes, como Klein argumenta, mas o futuro que o LEAP exige não é nem perto de utópico o suficiente. O LEAP pede regulamentações corporativas mais rigorosas, acabando com a austeridade e expandindo a inclusão social. Tudo bem, mas como isso é diferente de retornar a um novo estado liberal-regulador melhorado?

Klein elogia os movimentos sociais, mas tende a destilá-los em seus programas, plataformas e manifestos, que podem então ser implantados na arena eleitoral. Embora Klein lide com as deficiências do processo eleitoral, ela escreve: "Mas o verdadeiro truque será conseguir esses sonhos nas urnas com uma estratégia vitoriosa o mais rápido possível".

Programas e manifestos são metade da história. A outra metade é a capacidade dos movimentos sociais para a ruptura. A visão de Martin Luther King sobre a questão é clássica:

"O objetivo do nosso programa de ação direta é criar uma situação tão cheia de crise que inevitavelmente abrirá as portas à negociação."

Sim, os movimentos sociais são os verdadeiros criadores de ideais e visões, mas também são a fonte do tipo de ações que pressionam o sistema a partir do exterior.

Para Klein, as recentes “quase vitórias esquerdistas” nas eleições nos EUA ou na França nos levaram próximo “ao alcance do poder”. Embora a vitória de Sander pudesse ter sido, e talvez venha a ser, um grande passo à frente, sua agenda teria sido paralisada pelo estado corporativo e pela máquina de guerra. O fato de que os democratas corporativos fecharam fileiras para trapacear Sanders na nomeação de 2016 foi uma indicação muito clara do que Sanders teria enfrentado se eleito - mesmo de seu próprio partido profundamente corporativo e pró-guerra.

Se quisermos algum dia chegar mais perto do que “o alcance de um braço” do poder, precisaremos de milhões de pessoas agindo de maneiras que ameacem o poder e o lucro da elite. A busca por poder e lucro ilimitados é a nova regra subjacente ao estado corporativo e o principal responsável pelo desastre climático. Precisamos derrubar essa regra, sabendo muito bem quão profundo é o poder corporativo. Não há vitórias fáceis.
Então, ao invés de revolução - uma palavra quase não mencionada - ou a camisa de força do sistema de dois partidos no governo - um problema não analisado - ou fraude eleitoral por ambas as partes - um obstáculo não considerado - o compreensível desejo de Klein de incutir esperança, mais o foco em FML, nos volta às eleições como a principal estratégia.

Se ao menos o neoliberalismo fosse simplesmente uma forma extrema de capitalismo, poderíamos nos desligar como uma mudança - em vez do resultado final do desenvolvimento histórico do capitalismo - ou apenas má ideologia e más políticas - em vez de um sistema corporativo exercido pelo Estado - então talvez as pessoas pudessem tomar o poder usando meios eleitorais normais.

As soluções precisam estar de acordo com a escala dos problemas

Entre os escritores populares sobre o neoliberalismo, Chris Hedges, é o que mais persistentemente aponta para a necessidade de uma desobediência civil massiva e não violenta como o caminho a seguir. Talvez tenham sido seus 20 anos como correspondente de guerra que lhe permitiram ver as profundezas em que caímos e as alturas para as quais devemos subir - se quisermos ganhar. Não é coincidência que Hedges use o conceito de poder corporativo mais do que qualquer outro grande divulgador da crítica neoliberal.

“O problema não é Trump. É um sistema político, dominado pelo poder corporativo e os mandarins dos dois principais partidos políticos ... Nós vamos recuperar o controle político desmantelando o Estado corporativo, e isso significa desobediência civil maciça e sustentada como aquela demonstrada por professores em todo o país. ano ... ”[5]

O poder corporativo produziu múltiplas crises interligadas que não podem ser resolvidas dentro do sistema existente. Considere a montanha de evidências sobre a desigualdade de riqueza - uma crise responsável por grande parte da disfunção social que enfrentamos precisamente porque combina e intensifica as desigualdades de raça, gênero e classe, ameaça nosso ambiente e democracia e amplia as desigualdades globais produzidas pelo império e pelo colonialismo.

Pesquisadores de quatorze universidades estudaram a desigualdade de riqueza ao longo de milhares de anos, constatando que os EUA são um dos países mais desiguais de toda a história. Em The Great Leveler, Walter Scheidel, das Universidades de Stanford, concluiu que, uma vez que a desigualdade tendo crescido até os níveis atuais, a história não nos dá exemplos de como ela foi resolvida usando meios normais. Scheidel afirma que a guerra em massa, a peste, o colapso do Estado ou a revolução transformadora são os resultados mais prováveis.

Todos os meios à nossa disposição

É difícil ver que qualquer movimento contra o poder corporativo poderia ter sucesso sem usar todos os meios não-violentos à sua disposição: sindicalismo de movimentos sociais, sindicatos de inquilinos, desobediência civil não-violenta em massa, greves, comunas, cooperativas de todos os tipos, ocupações e grupos de arquivos, movimento social de pleno direito para a paz e justiça e todas as formas de atividades de protesto disruptivas que eles podem produzir. As eleições são importantes, mas sem essas lutas e interrupções, os esforços eleitorais não serão capazes de trazer resultados.

Ninguém vai nos salvar. Como nos salvamos? É impossível saber de antemão, com alguma certeza, qual tática ou estratégia é a melhor. A experimentação selvagem com a estratégia combinada com a prática disciplinada e dedicada resolverá o que o debate sozinho não pode.

Devemos também usar todos os meios visionários à nossa disposição.

Deveríamos fazer exigências revolucionárias que levariam ao desmantelamento do poder corporativo: abolir o regime de combustíveis fósseis, acabar com o império e a guerra, converter grandes corporações - os bancos em primeiro lugar - em serviços públicos colocados sob controle democrático, expropriando bilionários, cancelando dívidas, abolindo o sistema penal militarizado, devolvendo grandes extensões de terra aos nativos, pagando reparações às populações outrora escravizadas e acabar com a tributação sem representação. Precisamos de muitas formas de experimentação na democracia econômica e no local de trabalho, incluindo a apropriação de empresas e moradias pelos trabalhadores, a promoção pública das economias locais e a transferência de autoridade política significativa para as assembleias locais.

As demandas revolucionárias assumem seu poder supremo quando vinculadas a valores universais - pois é com valores universais que podemos nos comunicar com milhões. Quando tais demandas são realizadas por movimentos de massa em nome de valores como liberdade e democracia, então o clima político muda e novos horizontes ficam visíveis. Seja qual for o nome que você deseje usar, isso seria uma revolução transformadora.

Um novo clima político baseado em expectativas revolucionárias serão as condições sob as quais as demandas por padrões mínimos e reformas mínimas podem ser melhor obtidas - em vez de depender de uma lenta construção de reformas. Padrões mínimos, como atendimento universal de saúde, eleições livres e justas, salários dignos, moradia decente, fim do trabalho prisional - esses tipos de reformas só são alcançáveis ​​quando temos objetivos muito mais altos.

Reformas Revolucionárias

Poderíamos fazer a ponte entre a reforma e a revolução, desenvolvendo melhor sinergia e coordenação entre as diferentes alas do movimento, buscando “reformas revolucionárias”. Que questões moverão milhões pela retidão e racionalidade auto-evidentes da causa, mas também será algo que o poder corporativo não pode concordar sem prejudicar sua própria hegemonia?

Precisamos de um tipo especial de programa intermediário, às vezes descrito como um programa de transição ou reformas revolucionárias. Que tipos de lutas permitiriam que milhões de pessoas fizessem a passagem entre o que é e o que deveria ser?

Talvez a melhor aposta seja a crise ambiental, porque é tão universal e tão catastrófica. O Green New Deal do Green Party chama a atenção para os períodos passados ​​de reforma, mas, como deve incluir um apelo sem compromissos pelo fim da guerra e o desmantelamento do império - se for para valer -, então temos uma reforma com potencial revolucionário.

Naomi Klein nos inicia sobre a crise climática com foco em ideologia e mercados, quando ela escreve,

“Admitir que a crise climática é real é admitir o fim do projeto neoliberal ... [Para evitar o caos climático, precisamos desafiar as ideologias capitalistas que conquistaram o mundo desde os anos 80 ... [A] classe oligárquica não pode continuar a promover tumultos sem regras. ”

Mas, as elites da Exxon, de Davos, o FMI, os líderes corporativos do Partido Democrata e as Forças Armadas dos EUA “admitem que a crise climática é real”. Isso não parou suas práticas predatórias.

Obama provou, com produção recorde de petróleo, que é preciso mais do que admitir problemas – é necessária ação ampla e decisiva - e rápido. Movimentos maciços para uma Terra inteira e saudável finalmente revelarão se o neoliberalismo é mais do que apenas uma “ideologia” e se ele “explora ou não as regras” ou criou um novo conjunto de regras impostas pelo Estado.

Ao reconhecer o poder corporativo, Chris Hedges oferece um contraponto estratégico:

“Assumir que Obama ou o Partido Democrata, simplesmente porque eles reconhecem a realidade da mudança climática enquanto a ala lunática do Partido Republicano não, está melhor equipado para lidar com a crise é incorreto. [Ambas] as partes têm e não farão nada para deter a devastação do planeta. Se Sheldon Wolin está certo - e eu acredito que ele está - então quando começarmos a construir nossos movimentos de massa - e ... atos de desobediência civil ... Temos que entender que o Estado corporativo, incluindo a elite democrata, reagirá da maneira como todos os estados calcificados reagem. Eles usarão o aparato de segurança e vigilância ... Se a resposta do Estado corporativo for repressão em vez de reforma, então nossa estratégia e nossas táticas devem ser diferentes ... Teremos que ver o Estado, incluindo o establishment democrata, como antagônico em relação a uma reforma genuína, e teremos que falar na linguagem da deposição e da revolução ”.

O estado corporativo não é apenas uma ideologia ruim. É um sistema de estruturas duras e rápidas que comandam a violência, a vigilância e a propaganda para atingir seus objetivos. Quando “a linguagem da derrota e da revolução” é falada, será dada voz pelos movimentos de massa para defender o planeta e realizar a promessa de valores universais.

Encontrando Passagem

Embora diferentes interpretações do neoliberalismo levem a diferentes estratégias, o ponto objetivo é traçar um caminho que permita uma melhor sinergia entre  reforma e revolução - um curso que permitirá que milhões de pessoas comuns transitem para além da ordem existente. Se as pessoas querem parar a lógica de oleodutos das grandes empresas de petróleo, a regulamentação é a resposta - não há nada de errado com isso. Vamos testar isso. Projetos como o New Deal Verde podem atrair apoio de reformadores e também de revolucionários. Vamos testar isso também.

Vamos ser bons organizadores e começar onde as pessoas estão, não onde queremos que elas estejam. Se fizermos isso, poderemos acabar com um povo inteiro lutando por uma Terra inteira. E isso seria suficiente para derrubar o império corporativo ao qual nos temos curvado por demasiado tempo.


Richard Moser escreve em befreedom.co onde este artigo apareceu pela primeira vez.