quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

VERDADE E O MÉTODO CIENTÍFICO

Para a luta pela democracia, é preciso lutar pela ciência e por seu método, ou seja a exigência de que afirmações possam ser comprovadas. Artigo editorial da revista Science.  Tradução minha, um tanto livre.


A DEMOCRACIA EM CRISE

Rush Holt

Rush Holt é o Diretor Geral da AAAS e Editor da família de periódicos Science

Cientistas trabalham com um profundo senso de que sua busca por conhecimento confiável leva a algum lugar – de que seguir as evidências e excluir um viés prévio ajuda a conferir sentido ao mundo. Pode ser um processo lento, e interações na comunidade científica não são isentas de atrito e de etapas falsas, mas mesmo assim os cientistas se dedicam à busca porque eles observam que isso funciona. Pode-se fazer sentido do mundo. Einstein disse em uma famosa frase: "o eterno mistério do mundo é a sua compreensibilidade”, e os cientistas entendem que o pensamento científico baseado em evidências leva a essa compreensão. Os cientistas poderiam fazer um melhor trabalho ao partilhar essa poderosa visão.

À medida que me preocupo com os recentes desafios à democracia, parece que uma cura para o que aflige a democracia pode vir, em parte, em ciência. Cidadãos vêm cada vez mais afirmando valores, esperanças e opiniões, aparentemente sem interesse em encontrar uma compreensão compartilhada do estado real das coisas. Sem tal compreensão compartilhada, aqueles valores e esperanças não podem racionalmente ser expressos e percebidos. Observadores falam de "decadência da verdade", desprezo pelo trabalho dos especialistas e menosprezo pelas evidências. No conjunto, estes são problemas de enorme importância porque eles ameaçam a própria democracia.

A democracia passa a estar em risco quando ela se torna simplesmente um concurso de opiniões fervorosas ou valores não baseados em evidências. Quando uma opinião é tão boa quanto qualquer outra – e cada uma é defendida com tanta força e até com tanta trapaça quanto possível, a democracia não pode sobreviver. A sociedade vai-se afogando em um mar de opiniões e valores sem bases.

Democracia exige uma cidadania que seja informada, bem como engajada. Temos que encontrar uma abertura para reforçar entre os cidadãos uma apreciação renovada pelas evidências.  Aproximar-se do entendimento do estado real de as coisas é o que a ciência faz bem.

Nos Estados Unidos, a aprovação e confiança do público na ciência são relativamente fortes em comparação com outras instituições, uma condição que tem sido observada em pesquisas há décadas. Aqui, então, pode haver uma abertura.

Os cientistas podem compartilhar os admirados sucessos da ciência de uma maneira que leve os cidadãos a abraçar por si mesmos a essência da ciência? Esta essência da ciência consiste em exigir provas em cada turno e descartar ideias quando se mostra que não se encaixam com as evidências.
Esse pensamento não é reservado apenas para os cientistas, e ninguém precisa ser especialista para exigir provas. Dado o respeito do público pela ciência e a reverência científica pelas evidências, o público pode ser levado a exigir e adotar as evidências por si mesmo? Essa conexão parece lógica – precisamos torná-la viável. Os cientistas podem alcançar o que a educação cívica normal não conseguiu? Não há tempo a perder em verificar isso.

Muito se sabe a partir das ciências sociais, estudos de comunicação e marketing sobre como as pessoas vêm a entender e aceitar conceitos científicos. A importância da comunicação efetiva atualmente também é incorporada à formação de muitos cientistas. A comunidade científica precisa empreender uma iniciativa importante - engajar negócios, indústria e líderes culturais e políticos - para comunicar que o pensamento baseado em evidências está disponível, não apenas para os cientistas.

Como o público considera a ciência como bem sucedida e benéfica, eles podem estar interessados ​​em por que e como ela funciona. Eles podem ver que essa maneira extremamente poderosa de pensar está disponível para todos em suas vidas diárias e seus papéis cívicos.

Uma visão muito avançada? Possivelmente. Mas é a única abertura que vejo para lidar com as dificuldades da democracia.

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