quarta-feira, 27 de setembro de 2017

POR ENQUANTO, UM CAMINHO

Leia este artigo do Aldo Fornazieri, e, no fim, pegue o link para a entrevista mais recente do Lula.

O agravamento da crise e Lula como saída
Por Aldo Fornazieri


Duas pesquisas publicadas nos últimos dias confirmaram a tese que defendemos no artigo publicado na semana passada: a de que houve um efeito saturação com as denuncias e ataques a Lula. A pesquisa CNT mostra que Lula venceria as eleições de 2018 em todos os cenários. E a pesquisa Ipsos mostra que a rejeição de Lula cai e que aumenta a rejeição do juiz Moro, de Dória, Bolsonaro e vários outros políticos. A falta de materialidade de provas contra Lula reforça a ideia de que ele é alvo de um ataque persecutório por parte de Moro. Dória vem se evaporando no ar por diversos motivos. Já, Bolsonaro, começa a assustar os eleitores na medida em que, de sua boca, saem investidas de cavalaria.

A crise política e institucional, contudo, parece não ter chegado ao apogeu e a complexidade e incertezas que ela suscita tendem a aumentar. O fato é que o golpe desorganizou o funcionamento institucional e já não há governo, não há Congresso e não há Judiciário funcionando nos parâmetros da normalidade democrática e institucional. Nem o Judiciário e nem o Congresso mostram-se capazes de solucionar a crise. A questão central é essa: há um governo ilegítimo, sem nenhum apoio social, cujo presidente da República é chefe de uma organização criminosa, nas conclusões da Procuradoria Geral da República. O presidente e as instituições estão desmoralizados e sem legitimidade.

O povo brasileiro está posto de joelhos em face da incapacidade da oposição de produzir um movimento de massas para tirar o presidente. O presidente, por força da Constituição, é comandante-em-chefe das Forças Armadas. Não é normal que as Forças Armadas de um país, com os seus padrões de disciplina, hierarquia, ordem, sensos de honra e moralidade, sejam comandadas por um chefe que, ao mesmo tempo, é chefe de uma organização criminosa, conforme conclusão de investigações. É neste contexto que deve ser compreendido o pronunciamento de militares, agora da ativa.

O pronunciamento dos militares faz crescer o impasse da crise. Se, por um lado, é correto que eles não podem aceitar como comandante alguém que chefia uma organização criminosa, por outro, há um claro limite constitucional para a sua ação política. Eles não podem agir como poder interventor acima da Constituição. Mas ao mesmo tempo, o Judiciário e o Congresso mostram-se incapazes de solucionar a crise, ao menos parcialmente, com a remoção do presidente ilegítimo.

Ao impasse militar e ao impasse do Congresso e do Judiciário, soma-se um terceiro impasse: A investida de vários setores na sanha quase cruenta para impedir a candidatura de Lula à presidência. Esses setores são legionários do caos, estimuladores da desobediência civil, engendradores de rebeliões. Se o Brasil, a República, as instituições e o sistema político estão destroçados e carentes de legitimidade, como tirar do processo eleitoral o líder com maior legitimidade? E como tirá-lo a golpes arbitrários, sem provas cabais de ter cometido os delitos de que é acusado? Como tirar do jogo eleitoral justamente o líder que pode reconfigurar a legitimidade institucional? Na verdade, esses setores, estão armando um ciclone de grandes  proporções no horizonte da política brasileira.

A hora do confronto


A crise brasileira só poderá ter um início de solução pacífica se o processo eleitoral for marcado pela legalidade e legitimidade, o que implica permitir que Lula dispute as eleições. Se este é o requisito condicional de uma eleição democrática, as forças progressistas e de esquerda precisam se organizar e organizar linhas de defesa desde já para salvaguardar a democracia. Os líderes progressistas atuais terão seus nomes inscritos na ignominiosa histórica da covardia se agirem como agiram na derrubada de Dilma, na aceitação de fato de Temer e na falta de reação na votação da reforma trabalhista.

Alguns analistas, inclusive de esquerda, afirmam que Lula é passado, que faz parte do arranjo que emergiu da Constituição de 1988 e que este arranjo desmoronou porque expressava a conciliação e esta não tem mais lugar a partir do golpe. Nisso tudo, apenas a última afirmação é verdadeira. Na verdade, há uma enorme incompreensão na avaliação de que Lula é passado. Ocorre que o movimento positivo do país que nasceu com a nova Constituição e que teve nos governos Lula seu ponto mais alto, teve sua trajetória interrompida e o Brasil está passado por um grave retrocesso nos direitos, na cidadania, na democracia, na ciência e tecnologia, na soberania, na pluralidade, na convivência, na cultura etc..

Lula é o único líder, neste momento, capaz de interromper este retrocesso, pois as forças democráticas e progressistas estão desorganizadas e desorientadas. O país não vive nenhuma situação revolucionária. Pelo contrário, o momento é de resistência para impedir uma destruição maior. Este momento requer unidade das forças progressistas e capacidade de liderança e comando. O conteúdo que o movimento em defesa da candidatura Lula e de sua possível candidatura vierem a assumir dependerá do grau de unidade e de engajamento das esquerdas, dos democratas e progressistas nesses esforços. Trata-se de um conteúdo em disputa, que dependerá da força política o organizacional que os setores progressistas dispuserem para barganhar no programa  ser construído e nas políticas públicas que poderiam vir a ser implementadas. 

A fragmentação das forças progressistas as despotencializará, reduzindo o número de deputados, senadores e governadores eleitos. Dividir e fragmentar significa ser a esquerda que a direita quer. A unidade tem que ser com Lula ou sem Lula, se ele for impedido. Se o momento é de resistência e de recuperação terreno tomado pelo inimigo, trata-se de ser prudente, econômico nas expectativas e severo nas advertências, pois os riscos de novas derrotas são significativos. Lula terá que ter a  sabedoria e a humildade para conduzir essa unidade e o PT terá que deixar de lado o seu costumeiro exclusivismo, fazendo concessões justas ao seus aliados.

Mas tudo isto é possível? A resposta a esta pergunta é mais de dúvida do que de certeza. A esquerda é madrasta de sua própria desgraça. Lutar para afastar Temer, mobilizar para garantir a candidatura Lula e construir a unidade democrática e progressista são as três principais tarefas da conjuntura. Mas o que se vê nos partidos, movimentos e organizações sociais e de esquerda é mais confusão, dispersão, falta de unidade e de rumos.

A fragmentação que está se armando caso Lula não possa concorrer poderá produzir uma nova derrota devastadora: nenhum candidato progressista no segundo turno das eleições presidenciais. Este seria o preço a ser pago pela ausência de responsabilidade histórica e pela ambição inconsequente dos partidos e de potenciais candidatos do campo progressista.  A incapacidade de perceber o momento histórico-político do país faz com que partidos e grupos mirem os seus egoísmos particulares ao invés de olharem para o sofrimento do povo e suas necessidades.


Aldo Fornazieri é Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A MÃO DO GRANDE IRMÃO DO NORTE

São cada vez maiores as evidências de que o declinante império americano esteve e está puxando as cordas do golpe no Brasil. A propósito, ler o recém lançado livro do historiador Alfred McCoy:  In the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of US Global Power, para uma visão mais geral do processo que (também) nos afeta.

A estranha mudança de Janot após voltar de viagem aos EUA

Escrito por , Postado em Redação

Sempre encasquetei com o argumento que Janot usou, diante de um Eugênio Aragão perplexo com os desdobramentos autodestrutivos da Lava Jato.
Para justificar a estratégia de apocalipse e caos adotada pela Procuradoria Geral da República, disposta a destruir as maiores empresas nacionais em nome de um suspeitíssimo e partidário “combate à corrupção”, Janot explicou a Aragão (segundo relato deste) que “a Lava Jato é muito maior que nós”.
O que pode ser maior que a Procuradoria Geral da República, que, no Brasil, é certamente o órgão mais poderoso do país?
O procurador-geral, na terra do sabiá, é um ser virtualmente inatingível. Não há, constitucionalmente, ninguém que possa acusá-lo, investigá-lo, puni-lo.
O que pode, então, inspirar medo num procurador-geral da república?
Depois que Janot passou, há poucas semanas, pelo Wilson Center, think tank da CIA, onde deitou falação sobre processos em curso e detonou a classe política nacional, não tenho mais dúvida de que a frase de Janot para Aragão significava o que já estava à vista de todos, desde que ele, Janot, tinha passado a frequentar reuniões a portas fechadas com autoridades do Departamento de Estado e Departamento de Justiça do governo dos Estados Unidos: que a Lava Jato vinha sendo, cada vez mais, controlada pelo governo americano.
Em seu último artigo, Aragão volta a comentar sobre a mudança de comportamento de Janot: após voltar de uma viagem aos EUA, o procurador-geral desistiu de defender as indústrias brasileiras e aceitou entrar no jogo de destruição da Lava Jato.
“A Lava Jato é muito maior que nós”, disse Janot a Aragão.
Janot é muito pior do que um corrupto.
Um corrupto, a gente prende, pega seu dinheiro e acabou.
Um entreguista, um traidor, se estiver em posição chave na república, causa um prejuízo muito maior do que um corrupto: ele entrega todas as riquezas do nosso país a uma potência estrangeira.
E assim fez Janot.
Depois de fazer o jogo do golpe, Janot correu para os EUA para fazer o jogo do império.
É um traidor e um entreguista.
E essa história das delações dos irmãos Batista, também não me engana.
Os Batista eram a cabeça do maior império de carne do mundo. Um império de capital nacional.
Com a sua queda, e o subsequente desmantelamento da indústria brasileira de carne, a Lava Jato deu sequência a uma série de ataques ao empresariado nacional.
Um coxinha poderia rebater: não! a culpa é da corrupção.
Ninguém vai me convencer, porém, que Halliburton, Koch Industries, Shell, Chevron, Marathon, fundos como Black Rock, ou qualquer indústria norte-americana ou europeia, são um átimo mais honestas ou éticas do que as brasileiras.
Não são. A vantagem delas é que os seus respectivos governos e órgãos estatais são nacionalistas e prezam a soberania de seus países.
Aqui, por conta da intoxicação jogada na atmosfera pela Globo, as nossas instituições mais poderosas, mais bem pagas, mais estruturadas e organizadas, como são o Judiciário e o Ministério Público, cederam facilmente aos interesses imperialistas e jogaram o Brasil no caos.
A Lava Jato produziu um lucro extraordinário para o grande capital internacional, que agora está comprando o Brasil a preço de banana, sem contar a substituição da produção nacional de derivados de petróleo pela importação dos mesmos de refinarias norte-americanas, num processo de antidesenvolvimento só comparável ao assassinato de Delmiro Gouveia.

domingo, 17 de setembro de 2017

COMO É QUE OS COXINHAS DESCOBRIRAM QUE O FILHO DO LULA É DONO DO PRÉDIO DA ESALQ

E que é dono do triplex no Guarujá, um sítio em Atibaia, um terreno que "seria" para o Instituto Lula.

Do DCM


12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil, diz pesquisa

Postado em 17 de setembro de 2017 às 6:15 am

Do Estadão:
Pesquisadores das diversas áreas ligadas ao assunto, como Ciência da Computação, Ciência Política, Comunicação e Direito, são unânimes em afirmar que as notícias falsas podem ganhar bastante protagonismo na próxima disputa presidencial brasileira, com potencial de alcance maior do que as informações de fontes reconhecidas como confiáveis. “No atual momento, a polarização ideológica coincidiu com o consumo de notícias sobre política por meio das redes sociais. Quanto mais manchetes se prestam a essa informação de combate, maior é a performance delas, o que acaba por corroer o sistema como um todo, poluindo o debate político”, avaliou o cientista político Pablo Ortellado, um dos coordenadores do Gpopai.
O prognóstico é reforçado por exemplos quase que diários na rede. No dia 19 do último mês, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de uma fake news que dizia que o petista havia sido expulso de um restaurante em Natal. Naquele dia, Lula estava em Pernambuco na caravana pelo Nordeste. A notícia falsa teve quase 15 milhões de compartilhamentos, comentários e outras interações no Twitter.
(…)
Para o professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Eugênio Bucci, o que impulsiona alguém a compartilhar fake news é a lógica do entretenimento. “A notícia falsa, quando corresponde a um preconceito profundamente enraizado, é fonte de grande prazer. O sujeito vê aquilo e fala ‘eu sabia’.”
Segundo a advogada da área do direito digital, Juliana Abrusio há dois principais perfis desse perpetuador de inverdades nos momentos prévios de decisões políticas: o idealista na faixa entre 20 e 50 anos, que faz de tudo por seu candidato, e o contratado, que faz tudo por dinheiro. “Normalmente, prevalece o contratado”, disse.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

RECAPITULANDO, O SENTIDO A A DESTRUIÇÃO DA NAÇÃO PELO GOLPE

Do Blog do Miro

A "Justiça" usa óculos escuros

Por Fernando Rosa, em seu blog:

A foto de Rodrigo Janot de óculos escuros, num canto de um bar em Brasília, em meio a engradados de cerveja, em íntimo convescote com o advogado de Joesley Batista é a imagem da falência da Procuradoria Geral da República. A decisão do ministro Edson Fachin de mandar prender apenas os empresários da JBS e deixar livre o procurador Marcelo Miller completa o cenário da absoluta decadência do judiciário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal (STF), desde sua anuência ao golpe de Estado, tornou-se um jazigo habitado por togados insepultos, enquanto a Procuradoria Geral da República (PGR) virou um balcão de traição aos interesses nacionais e, suspeita-se, de negócios milionários.

Em 10 de junho, Giovanni Vincenzo di San Felice V, Conde de Bagnolo, colaborador do blog Senhor X, afirmou que “a recente delação bombástica do empresário Joesley Batista, da JBF, produziu um abalo de sísmicas proporções no cenário nacional, aprofundando a crise que já não era pequena”. “Novos personagens foram introduzidos no cenário e, no calor dos embates sobre o destino do governo Temer; alguns permanecem como atores menores, outros no anonimato, sem a devida atenção que merecem”, escreveu. Segundo ele, “a maioria dos atores políticos procura desempenhar seus papéis em torno das revelações, enquanto o governo Temer estertora, produzindo um enredo de autêntica ópera bufa”.

A ópera bufa, então, está finalmente revelando o papel da PGR e de seu chefe Rodrigo Janot, assim como do juiz Sérgio Moro, em resumo, da Operação Lava Jato, na deliberada ação contra o Estado brasileiro. Não é de hoje que pesa sobre a Lava Jato a suspeição de ter sido encomendada a partir das escutas telefônicas pelas agências norte-americanas de inteligência, que espionaram autoridades e empresas nacionais. “Desde 2015, juízes do STF, além de Sergio Moro, não saem do Instituto Wilson, conhecido think tank da CIA, e uma das instituições que, através desses seminários, dentre outras atividades, deu importante apoio ao golpe no Brasil”, escreveu Miguel do Rosário, em seu blog O Cafezinho.

Assim como Rodrigo Janot e Sérgio Moro em oportunidades anteriores, confirmando a regra, na semana passada foi a vez do juiz Luís Roberto Barroso cumprir o ritual da cooptação a que o judiciário nacional tem sido alvo desde algum tempo. “Para onde quer que se olhe no Brasil, onde há dinheiro público, há algo de errado. Petrobras, Eletrobras, BNDES, Caixa Econômica, fundos de pensão. Não é algo localizado”, declarou o ministro em palestra no Instituto Wilson, segundo registrou o portal da BBC online. O “surpreso” e cândido ministro do STF, evidentemente, também cumpriu com a “obrigação contratual” de citar a condenação recente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo crime de corrupção.

Em artigo neste final de semana, o jornalista Ricardo Amaral alerta que “não podemos perder o foco da indignação: o mal da Lava Jato não está nos delatores, sejam eles cínicos, oportunistas ou desesperados”. Diz ele que “o mal está em uma exceção aberta no sistema judicial brasileiro, com o patrocínio da Globo e a conivência dos tribunais superiores, que suspende o estado direito para perpetrar a caçada contra Lula e o campo político que ele representa”. “O preço é a revogação da soberania nacional e de tudo o que o povo brasileiro conquistou desde 2003”, conclui ele, apontando para o centro da luta neste próximo período.

Exceto as Forças Armadas, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e as entidades populares e associativas, nem todas, as instituições brasileiras estão falidas, perderam o sentido de sua existência para atender à sociedade e ao país. Qual país no mundo conviveria com uma PGR “independente” e acima do Estado Nacional, um STF acovardado e, ao mesmo tempo inútil, e uma Polícia Federal seletiva e persecutória? É hora, portanto, de aprofundar a denúncia da ação criminosa e antinacional desses setores, impedir o exercício despótico de seu poder e “refundar” uma nova ordem institucional no país.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

DO FASCISMO "DEMOCRÁTICO" A UM NOVO COMUNISMO

Peguei no Outras Palavras. Sintetiza de forma muito eficaz o que vai no mundo. O que acontece no Brasil atual encaixa-se perfeitamente na fala do Alain Badiou nesta palestra. E repete uma ideia que vem tomando corpo em setores da esquerda.

POR 


– ON 02/09/2017CATEGORIAS: ALTERNATIVASCAPAMUNDOPOLÍTICAS


Ocidente parece dividido entre a aristocracia financeira e os gangsters. É preciso reconstruir a ideia de alternativa, ou não haverá mais Política. Mas quais os caminhos?
Por Alain Badiou | Tradução: Revista Punkto |
 1.
Começo como uma visão geral, não da situação atual dos Estados Unidos, mas do mundo de hoje. Penso que o ponto mais importante por onde devemos começar é a vitória histórica do capitalismo globalizado. Devemo-nos confrontar com esse fato. De alguma maneira, desde os anos 80 do século passado até hoje, temos a vitória histórica do capitalismo globalizado. E isso por muitas razões. Primeiro, naturalmente, o fracasso completo dos Estados socialistas – Rússia, China – e da visão coletiva da economia e das leis sociais. E este não é um ponto desprezável.  Porque essa é uma mudança que acontece não apenas ao nível da situação objetiva do mundo atual, mas também, ao nível da subjetividade. Durante mais de dois séculos (até à década de oitenta do século passado) existiram na opinião pública dois modos de conceber o destino histórico dos homens (a um nível geral e a um nível subjetivo). Primeiro, o liberalismo, no seu sentido clássico. Aqui, liberal tem muitos significados, mas eu tomo-o no seu sentido original, isto é, a propriedade privada como chave da organização social, à custa de enormes desigualdades. E, por outro lado, temos a hipótese socialista, a hipótese comunista (no seu sentido abstrato), isto é, o fim das desigualdades deve ser constituir o fim fundamental da atividade política humana. O fim das desigualdades, mesmo à custa de revoluções violentas. Portanto, de um lado, a visão pacífica da história como a continuação de algo que é muito antigo: a propriedade privada como chave da organização social. E, por outro lado, qualquer coisa de novo, que começa provavelmente na revolução francesa, e que é tanto a afirmação que a existência histórica dos homens deve aceitar uma ruptura nessa longa sequência onde as desigualdades e a propriedade privada eram a lei da existência coletiva, como a afirmação de uma outra visão daquilo que é o destino dos homens, que coloca em primeiro plano a questão da igualdade e da desigualdade. E esse conflito entre liberalismo e essa nova ideia que surge debaixo de tantos nomes (anarquia, comunismo, socialismo) é, provavelmente, o acontecimento mais significativo do século XIX e XX.
Assim, durante aproximadamente dois séculos, tivemos algo como uma escolha estratégica, que dizia respeito não apenas aos eventos locais da política (as obrigações nacionais, as guerras), mas ao destino histórico dos homens, ao destino histórico da construção da humanidade enquanto tal. Em certo sentido, o nosso tempo (dos anos oitenta até hoje) é o tempo do aparente fim dessa escolha. Temos hoje a visão dominante de que não existe uma outra alternativa, de que não há outra solução. Essas eram as palavras de Thatcher: não há nenhuma alternativa. Nenhuma alternativa exceto, naturalmente, o liberalismo (ou na formulação atual: o neoliberalismo). E este é um ponto importante, porque a própria Thatcher não dizia que esta era uma boa solução. Esse não era um problema dela. O problema é que é a única solução. E, por isso, a questão não está em dizer que o capitalismo globalizado é excelente, porque claramente não é. Todo mundo sabe isso. Todo mundo sabe que as desigualdades monstruosas não podem ser uma solução para o destino histórico dos homens. Mas o argumento é “Ok, não é bom, mas essa é a única possibilidade real”. E, por isso, penso que o que define o nosso tempo é a tentativa de impor à humanidade (e isso à escala do próprio mundo) a convicção de que só há um caminho para a história dos seres humanos. E tudo isso sem nunca se afirmar que esse é um caminho excelente, mas apenas dizendo que não há outra solução, não há outro caminho.
Então, poderíamos definir o momento atual como o momento de convicção no domínio do liberalismo, no sentido em que a propriedade privada e o mercado livre compõem o único destino possível dos homens. E isso é simultaneamente a definição de um sujeito humano. O que é um sujeito humano? É um negociante, um consumidor, um proprietário, ou não é nada. Esta é a definição estrita daquilo que é hoje um ser humano. Essa é a visão geral, o problema geral e a lei geral do mundo contemporâneo.

2.
Mas quais são os efeitos de tudo isso ao nível da vida política? Quais são as consequências dessa visão dominante de um mundo onde se põe apenas uma única hipótese? Todos os governos devem aceitar esse fato consumado: no mundo atual não se pode estar à frente de um Estado sem aceitar essa visão única. Não temos nenhum governo no mundo que esteja dizendo algo diferente. E por que é todos dizem o mesmo, isto é, que o capitalismo globalizado é a única hipótese possível para a existência dos homens? Penso que todas as decisões políticas ao nível do Estado, hoje, dependem estritamente daquilo que eu chamo um “monstro”: o capitalismo globalizado e as suas desigualdades. Em certo sentido, não é verdade que um governo hoje seja livre. Não é livre de maneira nenhuma. Situa-se dentro dessa determinação global e deve afirmar que aquilo que faz depende da interioridade dessa determinação global. E o monstro é mais e mais um monstro. Devemos conhecer a situação real das desigualdades. A concentração do capital é algo extraordinário. Hoje em dia, 264 pessoas têm nas suas mãos o equivalente ao de 3 bilhões de pessoas. É muito mais do que no período inicial da monarquia. Nunca como hoje, na história dos seres humanos, foi a desigualdade um fato com tanta relevância e importância. E esse monstro histórico, que é também a única possibilidade de existência da humanidade, continua a produzir uma dinâmica de mais e mais desigualdade e não de mais e mais liberdade.
Assim, e essa é uma consequência importante da eleição de Trump, toda a oligarquia política, toda a classe política, tem-se progressivamente tornado parte do mesmo grupo, à escala do próprio mundo. Um grupo de pessoas que só abstratamente aparecem divididas: Republicanos e Democratas, Socialistas e Liberais, Esquerda e Direita…. Todo esse conjunto de divisões é puramente abstrato e não é real, porque tudo isso se baseia no mesmo horizonte político e econômico. No Ocidente, essa oligarquia política está hoje em risco de perder o controle dessa maquinaria capitalista – essa é a realidade. Por entre crises e falsas soluções todos os governos políticos clássicos, em escala mundial, criam frustrações, mal-entendidos, raiva e revolta. E tudo isso são reações contra esse caminho único ditado por todos os membros da classe política. O exercício da politica atual é um exercício de ínfimas diferenças dentro da mesma hipótese global. Mas tudo isso tem consequências nas pessoas: efeitos de desorientação, incapacidade de orientar a vida, nenhuma visão estratégica do futuro da humanidade. E, por isso, uma grande parte das pessoas procura, no lado das falsas novidades, visões irracionais e retorno a tradições mortas. Assim, à frente da oligarquia política, temos hoje uma nova espécie de atores, novos adeptos da violência e da demagogia vulgar, pessoas essas que estão muito mais próximas dos gangsters e da máfia do que de políticos educados. A escolha tem sido entre esse tipo de pessoas e o politico educado. E o resultado tem sido a escolha legal de uma nova forma de vulgaridade política e algo subjetivamente violento nas propostas políticas.
Em certo sentido, esta nova figura política – Trump, mas muitos outros hoje – está próxima da figura do fascista dos anos trinta. Há algo similar, embora sem esse grande inimigo que era o Partido Comunista. É uma espécie de fascismo democrático, o que é um paradoxo: funciona dentro do plano democrático, dentro do dispositivo democrático, mas onde se joga algo de muito diferente. Donald Trump é racista, machista, violento, e sobretudo não tem nenhuma consideração pela lógica e pela racionalidade – o que é uma característica fascista. Porque o discurso, o modo de falar dessa espécie de fascismo democrático é precisamente uma certa deslocação da linguagem, a possibilidade de dizer tudo e o seu contrário. Com Donald Trump não há problema, a linguagem não é a linguagem da explicação, mas é uma linguagem que procura criar efeitos e afetos, é uma linguagem afetiva que cria uma falsa unidade, mas uma unidade prática. Temos isso em Trump, mas já tivemos isso com Berlusconi em Itália. Berlusconi é talvez a primeira figura desta espécie de novo fascismo democrático, com exatamente as mesmas características. É algo que acontece em escala mundial: o aparecimento de uma nova figura de determinação politica que está dentro da constituição democrática, mas em certo sentido está também fora. E a isso podemos chamar fascismo – porque era o que se passava nos anos trinta, afinal de contas Hitler também ganhou eleições. Assim, eu chamo fascista a esse tipo de pessoa que está dentro do jogo democrático, mas de certa maneira também está fora: dentro e fora. E dentro para, finalmente, poder estar fora. É, de faeto, uma novidade, mas uma novidade que está inscrita dentro da figura geral do mundo de hoje, porque para a grande maioria isso não é uma solução, mas uma nova maneira de estar no jogo democrático onde, do lado da oligarquia clássica, não há qualquer diferença. Em certo sentido, o principio do efeito Trump é o efeito de algo novo. De fato, em detalhe, não há nada de novo, porque é impossível pensar que é novo ser-se racista, machista, etc. Mas no contexto da oligarquia clássica atual, estas coisas velhas parecem ser qualquer coisa de novo. E, por isso, Trump está na posição de dizer que a novidade é “Trump” quando diz coisas que são absolutamente primitivas e absolutamente velhas e ultrapassadas. E, por isso, estamos também no tempo onde algo como um retorno à velha existência aparece subitamente como novo. E essa conversão do novo no velho é também uma característica desse tipo de novo fascismo.
3.
Tudo isto descreve a nossa situação atual ao nível da política. Devemos considerar que estamos numa dialética fatal que envolve quatro aspectos.
Primeiro: a brutalidade e a violência do capitalismo, hoje. Podemos não ver completamente essa violência no Ocidente, mas vemo-la, sem dúvida, na África ou no Médio Oriente. E este é um aspecto fundamental do nosso mundo atual. O retorno àquilo que é a essência do capitalismo: a conquista selvagem, a luta selvagem de todos contra todos pela dominação.
Segundo: a decomposição da oligarquia clássica política, dos partidos clássicos (Democratas, Republicanos, Socialistas, etc.), e o surgimento de uma espécie de novo fascismo. Não sabemos a forma futura dessa espécie de surgimento: qual é o futuro de Trump? Em certo sentido, não sabemos e talvez nem o próprio Trump o saiba. Temos o Trump antes do poder e o Trump depois do poder, que está de certo modo com medo, não completamente satisfeito, porque ele sabe que não pode falar tão livremente como antes. E falar livremente era exatamente a potência de Trump, mas agora com o governo, a administração, o exército, os economistas, banqueiros, é uma história completamente diferente. E, por isso, vimos Trump a passar de uma representação para outra, de um teatro para outro teatro. Em qualquer dos casos, temos um símbolo da decomposição da oligarquia política clássica e o nascimento de uma nova figura de um novo fascismo, com um futuro que não conhecemos, mas que não parece ser um futuro muito brilhante.
Terceiro: temos a frustração popular, o sentimento de uma desordem obscura na opinião pública de muita gente e, principalmente, dos mais pobres, as pessoas do interior, os camponeses e os desempregados, enfim, toda a população que está sendo reduzida, pela brutalidade do capitalismo contemporâneo, a pouco mais que nada e que não tem existência possível, que permanece sem emprego, sem dinheiro, sem orientação. E este é o terceiro aspecto da situação global atual. A falta de orientação, de estabilidade, de sentimento de destruição do seu mundo, sem a construção de um outro mundo; uma espécie de vazio destrutivo.
E, o último aspecto, é a ausência de qualquer estratégia alternativa. Existem muitas experiências políticas – não digo que não se passa nada a esse nível. Conhecemos novos protestos, novas ocupações, novas mobilizações, novas determinações ecológicas… Nesse sentido, não se trata da ausência de formas de resistência ou de protesto, mas da ausência de um outro caminho estratégico, isto é, de algo que esteja ao mesmo nível da convicção contemporânea do capitalismo como única hipótese possível. É a falta de força na afirmação de uma outra hipótese e a ausência daquilo que eu chamo uma Ideia, uma grande Ideia. Uma grande Ideia que é a possibilidade de unificação, unificação global, unificação estratégica de todas as formas de resistência e invenção. Uma Ideia é uma espécie de mediação entre o sujeito individual e a tarefa coletiva histórica e política, é a possibilidade de ação com subjetividades muito diferentes, mas sob uma mesma Ideia.
Estes quatro aspectos – a dominação geral do capitalismo globalizado, a decomposição da oligarquia política clássica, a desorientação e frustração popular e a falta de uma outra hipótese estratégica – compõe em minha opinião o quadro da crise de hoje. Podemos definir o mundo contemporâneo no termo de uma crise global que não é reduzível à crise econômica dos últimos anos, mas que vai muito para além disso, é uma crise de subjetividade, porque o destino dos homens torna-se cada vez menos claro para eles.
4.
Depois disso, o que fazer? A pergunta de Lênin. Eu penso que uma das razões que levou ao sucesso eleitoral de Trump é que a verdadeira contradição de hoje, a real contradição de hoje, não pode ser entre duas formas do mesmo mundo. Eu sei que Hillary Clinton e Donald Trump são muito diferentes, mas essa diferença (que é importante e que é a diferença entre a oligarquia política e o novo fascismo – e toda a oligarquia política é menos terrível que o novo fascismo) pertence ao mesmo mundo. Isto é, não é a expressão de duas visões estratégias do mundo. O sucesso de Trump é possível, apenas, porque a verdadeira contradição do mundo não pode ser expressa nem simbolizada pela oposição entre Hillary e Trump, porque ambos pertencem ao mesmo mundo – de forma diferente, mas de forma diferente no mesmo mundo. E, por isso, durante todo o processo eleitoral a verdadeira contradição foi entre Trump e Bernie Sanders. Porque temos na proposta de Sanders aspectos que estão para além do mundo tal como ele está, algo que não existe em Hillary Clinton. É uma lição de dialética, uma teoria das contradições. A contradição entre Hillary Clinton e Trump era uma contradição relativa e não absoluta; isto é, uma contradição nos mesmos parâmetros, na mesma construção do mundo. Mas a contradição entre Sanders e Trump era de fato o início da possibilidade de uma verdadeira contradição; isto é, uma contradição com o mundo e com algo que estava para além do mundo.
O resultado das eleições é, nesse sentido, de natureza conservadora porque é o resultado de uma falsa contradição, a continuação da crise atual. Contra Trump, não podemos desejar Clinton ou alguém do mesmo gênero. Devemos, sim, criar um retorno, se possível, à verdadeira contradição. Esta é a lição deste terrível evento. Isto é, devemos propor uma orientação política que vá para além do mundo tal como está, mesmo se esta é ainda pouco clara. Quando começamos algo não vemos o seu desenvolvimento, mas devemos começar. Essa é a questão. Depois de Trump, devemos começar. Mas não apenas resistindo ou negando. Devemos começar algo, de fato. E a questão do início é o início do retorno à verdadeira contradição, a uma escolha real, a uma escolha estratégica real que diz respeito à orientação dos seres humanos. Devemos reconstruir a ideia que é possível criar novamente um campo politico com duas orientações estratégicas (contra as desigualdades monstruosas do capitalismo atual e contra os novos gangsters da política como Trump). O retorno a algo que foi ainda a possibilidade do maior movimento político do século XX e do inicio do século passado. Filosoficamente falando, devemos ir para além do Um em direção ao Dois. Não uma orientação, mas duas orientações. A criação de um novo retorno a uma nova escolha fundamental como a própria essência da política. Se temos apenas uma hipótese, a política progressivamente desaparece e, em certo sentido, Trump é o símbolo dessa espécie de desaparecimento. O que é a política de Trump? Ninguém sabe. É algo como uma figura e não uma política. Portanto, o retorno à política é por necessidade o retorno à existência de uma escolha real. Assim, finalmente, ao nível das generalidades filosóficas, é o retorno dialético ao real. Dois mais que Um. E podemos propor alguns nomes para esse retorno.
5.
Como devem saber a minha visão passa por propor essa palavra tão corrompida que é “Comunismo” — corrompida sabemos nós por todas essas experiências sangrentas. O nome é apenas um nome, por isso estamos livres para propor outros nomes, não é um problema. Mas temos algo interessante que está no sentido original dessa palavra. E esse sentido é composto por quatro princípios, que podem ser o suporte para a criação de um novo campo político com duas orientações estratégicas.
Primeiro: não é uma necessidade que a chave da organização social tenha que estar na propriedade privada e nas suas desigualdades monstruosas. Não é uma necessidade. Devemos afirmar isso. E podemos organizar experiências limitadas que demonstrem que isso não é uma necessidade, que não é verdade que a propriedade privada e as desigualdades monstruosas tenham que ser para sempre a lei de devir da humanidade.
Segundo: não é uma necessidade que os trabalhadores sejam permanentemente separados entre trabalho nobre (criação intelectual, direção, governo) e trabalho manual e existência material comum. Assim, a especialização do trabalho não é uma lei eterna e, sobretudo, a oposição entre trabalho intelectual e trabalho manual deve ser suprimida a longo prazo.
Terceiro: não é uma necessidade para o ser humano estar separado por fronteiras nacionais, raciais, religiosas ou sexuais. A igualdade deve existir para além das diferenças e, por isso, a diferença não é um obstáculo à igualdade. A igualdade deve ser uma dialética da diferença em si mesma e devemos recusar que, em nome das diferenças, a igualdade seja impossível. Assim, fronteiras, recusa do Outro em qualquer forma, tudo isso deve desaparecer. Não é uma lei natural.
Por último, não é uma necessidade que tenha que existir um Estado, na forma de um poder separado e armado.
Resumindo: coletivismo contra a propriedade privada, trabalhador polimorfo contra a especialização, universalidade concreta contra identidades encerradas e livre associação contra o Estado. É apenas um conjunto de princípios, não é um programa. Mas a partir destes princípios podemos julgar todos os programas políticos, decisões, partidos, ideias. Os princípios são o protocolo de julgamento relativamente a todas as decisões, ideias, propostas políticas. Temos assim um principio de julgamento tanto ao nível do campo politico como na construção de um novo projeto estratégico. Isso significa ter uma verdadeira visão do que pode ser essa nova direção, essa nova direção estratégica da humanidade enquanto tal.
Podemos fazer alguma coisa. E devemos fazer, porque se não fizermos nada permanecemos apenas fascinados, estupidamente fascinados, pelo sucesso deprimente de Trump. “A Nossa Revolução”, porque não? Contra a reação deles, a nossa revolução. É uma boa ideia. De qualquer modo, eu estou deste lado.
Notas da edição

Este artigo é a transcrição adaptada da conferência que Alain Badiou proferiu no dia seguinte às eleições americanas, na Universidade da Califórnia em Los Angeles, e publicado no site Mariborchan. Tradução para português realizada por Jornal Punkto, a partir da versão inglesa.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

O MAIOR DANO DO GOLPE

É sobre a democracia, atual e futura.

Democracia como mecanismo de construção de mínimos consensos.

O que é um processo civilizatório em si. As pessoas vêm com  diferentes pretensões e aspirações , expõem com a maior racionalidade disponível na ocasião, confrontam essas coisas e isso se chama processo de discussão. Depois de discussões longas, pacientes, com disposição para a composição, decide-se e todos concordam ou ao menos consentem, acreditando que a solução é aceitável. 

O problema maior não é a retirada de direitos dos trabalhadores, é que esse processo não foi, não é negociado de verdade (compra de deputados e senadores não é negociação no sentido que entendo aqui). O processo é do tipo assalto.

O mesmo com a privatização e desnacionalização. Nunca, desde que a ideologia neoliberal começou a ser adotada pelos políticos, primeiro de direita, depois pelos socialdemocratas, se possibilitou uma discussão na sociedade sobre o que seriam os efeitos da entrega de serviços públicos aos critérios "de mercado". Os critérios de mercado são um: maximizar o lucro do controlador da empresa privatizada, e de seus acionistas.

Em artigo recém publicado no Tijolaço, Samuel Pinheiro Guimarães quantifica o "mercado" no Brasil: duzentas mil pessoas, ou 0,2 % da população, que ganham para mais de 80 mil reais por mês. A racionalidade econômica defendida pela mídia e pela maior parte da Academia é a racionalidade desses 0,2 %.

Eles, coordenados com os EUA e suas corporações, são os donos do golpe de 2016. Que começou no momento em que a esquerda deixou de lado o combate de classes e ideológico. Que fraquejou em controlar os monopólios de mídia. Que não viu o monstro do judiciário - esses procuradores e juízes que ganham para estar entre os 1 e os 0,2  % mais ricos da população se tornar um agrupamento do Estado mais efetivo que os militares em apoiar a rapina sobre a riqueza pública e sobre os mais pobres.

E aqui estamos, sem instrumentos políticos para apoiar nossas aspirações de uma sociedade capaz de apoiar seus cidadãos e construir uma nação equilibrada e civilizada. Mas, como ouvi outro dia em uma reunião destinada ao lançamento de uma nova revista sob a direção do Raimundo Rodrigues Pereira: estamos vivos. 

Tenho certeza que temos que continuar procurando e fazendo. Nós, a esquerda.





















terça-feira, 29 de agosto de 2017

UM ARTIGO IMPORTANTE DE GILBERTO BERCOVICI

Do Conversa Afiada. Ainda existe vida decente no mundo jurídico. 

Bercovici: quanto privatizarem, tanto reestatizaremos

Quem comprar dos golpistas comete crime de receptação!
publicado 28/08/2017
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Conversa Afiada tem o prazer de publicar artigo de Gilberto Bercovici, Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP​, sobre o que aguarda os que participarem da privatifaria:​
Se o governo, em qualquer dos seus níveis (federal, estadual ou municipal), resolver desapropriar a propriedade de algum particular para realizar um empreendimento público qualquer, como uma estrada ou uma obra viária, o cidadão que sofre a desapropriação tem uma série de direitos e garantias. Afinal, no Estado de Direito o ordenamento jurídico tutela o proprietário privado no seu enfrentamento contra o Poder Público com garantias e exigências que devem ser cumpridas inexoravelmente em um processo de desapropriação. A própria indenização ao desapropriado é uma dessas garantias, expressa desde as primeiras declarações de direitos das revoluções liberais dos séculos XVII (Inglaterra) e XVIII (Estados Unidos e França). 

Não há, no entanto, nenhuma garantia ou proteção jurídica aos cidadãos quando o governo decide transferir ao setor privado determinados bens da coletividade, como uma empresa estatal, a prestação de um serviço público ou a exploração de um bem público. Pelo contrário, a privatização é considerada uma opção absolutamente livre e legítima para os governos adotarem, sem qualquer tipo de contestação. A expropriação dos bens privados, por sua vez, é considerada quase um tabu. A grande mídia exalta os privatizadores e condena veementemente aqueles que ousam estatizar, nacionalizar ou recuperar bens públicos transferidos inadequadamente aos privados. Para aqueles, o paraíso da boa governança e o aplauso do “mercado”. Para estes, o inferno do populismo (ou bolivarianismo, a depender do caso) e da reprovação unânime dos meios de comunicação de massa. 

O que ninguém diz é que ao privatizar uma empresa estatal ou qualquer parcela do patrimônio público, o governo está expropriando a população de bens públicos que são de sua titularidade. Simples assim. Na privatização, o governo age do mesmo modo que na expropriação. Da mesma forma que desapropria uma propriedade privada, na privatização o governo aliena a propriedade pública. O problema é que o proprietário privado pode contestar e tem garantias, o povo não. 

Todo processo de privatização é uma expropriação de bens que deveriam integrar permanentemente o patrimônio público de todos os cidadãos, decidida por uma autoridade política que exerce o poder temporariamente (e, no Brasil pós-golpe de 2016, ilegitimamente). No processo de privatização, o governo não vende o que é dele (governo). Na privatização, o governo vende o que pertence a todos nós. E sem nos consultar sobre isso. 

Podemos ilustrar a situação com o exemplo utilizado pelo jurista italiano Ugo Mattei: autorizar que um governo venda livremente os bens de todos para fazer frente às suas necessidades contingentes e conjunturais de política econômica é tão irresponsável quanto consentir, no plano familiar, que o zelador venda os bens de maior valor da casa, como a prataria, o carro ou os eletrodomésticos, para suprir suas necessidades particulares, como viajar nas férias ou pagar uma dívida particular. 

O governo é um administrador fiduciário, ou seja, atua apenas sob mandato. Não pode dispor dos bens públicos ao seu bel-prazer. O governo não é proprietário das empresas estatais, ele é apenas seu gestor. O governo deve ser o servidor do povo soberano, não o contrário. 

Os bens públicos não são facilmente recuperáveis. Os investimentos de imensas quantias, aplicadas de forma planejada a longo prazo, o sacrifício de milhões de brasileiros não pode ser dissipado sem mais, nem menos, para cobrir um déficit conjuntural nas contas públicas gerado pela má gestão e incompetência do atual governo. 

O Brasil necessita de uma infraestrutura complexa, capaz de articular as várias regiões do país. A prestação dos serviços públicos de energia e comunicações precisa ser acompanhada de preços básicos, o mais uniformizados possível, e instalações interligadas, para que não se excluam regiões e setores inteiros e importantes da possibilidade de participar do mercado interno e do mercado internacional. Com a Eletrobrás e a Petrobrás, o Brasil possui empresas estatais globais pelo seu tamanho, capacidade técnica, financeira e organizacional para operar tanto no país como no exterior, que são dotadas de um sistema de planejamento estratégico e que se responsabilizaram por grande parte da infraestrutura e do desenvolvimento tecnológico do país. 

Ao invés de dotar estas empresas de maior capacidade operacional e reforçar o controle público e a transparência sobre seus recursos, o Governo golpista de Michel Temer, seguindo os passos dados durante a privataria tucana do Governo Fernando Henrique Cardoso, optou por desmontá-las, cortar seus investimentos e desestruturar suas finanças, a fim de justificar a sua privatização. 

A privatização dessas empresas estatais significa a desestruturação do sistema energético integrado, fundamental para a manutenção de um mercado interno de dimensões continentais, como o brasileiro, e uma inserção internacional competitiva, não subordinada. A fragmentação das empresas estatais de infraestrutura substitui, na maior parte dos casos, o monopólio estatal pelo monopólio ou oligopólio privados, além de romper com o planejamento estratégico e integrado da rede de serviços básicos e com um sistema interligado de tarifas cruzadas. 

O desmonte do setor elétrico brasileiro, com a anunciada privatização da Eletrobrás, compromete de forma definitiva nossa soberania energética. A soberania energética é um componente essencial da soberania econômica nacional, pois abrange um setor chave da economia do país. O Estado deve tomar decisões autônomas sobre a produção e destino dos seus recursos energéticos, planejando o seu desenvolvimento e evitando a dependência tecnológica e de fatores externos para a produção de energia. Deste modo, o controle estatal sobre as fontes de energia consiste em um eixo central de um projeto democrático em que a política macroeconômica esteja a serviço dos interesses nacionais, além de poder propiciar um planejamento energético de longo prazo. 

Como já havia escrito em um texto de maio deste ano, em coautoria com José Augusto Fontoura Costa, devemos deixar claro aos aproveitadores que desejam adquirir o patrimônio nacional brasileiro a preço vil, bem cientes da ilegitimidade absoluta do Governo Temer, que terão que devolver o que compraram sem qualquer direito a indenização assim que um governo legítimo, eleito diretamente pelo povo, e garantidor dos verdadeiros interesses nacionais, assumir o poder e restaurar a democracia no Brasil. 

Empresas e investidores, nacionais ou estrangeiros, que adquiriram, depois do golpe de 2016, recursos do povo brasileiro estão cometendo um crime. Os preços pagos são incompatíveis com o mercado e a situação institucional e política não é exatamente daquelas que inspiram confiança, muito menos certeza. O que está ocorrendo com ativos da Petrobrás e outros bens estatais estratégicos (fala-se, além da Eletrobrás, na privatização dos Correios, da Casa da Moeda, de satélites, concessões de lavra mineral em terras indígenas ou de fronteira, etc.) deve ser equiparado ao crime de receptação. Afinal, um bem público foi subtraído do patrimônio público de forma ilegal, muitas vezes até sem licitação, e vendido a preço vil. A empresa compradora obviamente sabe o que está adquirindo e a que preço. Não há nenhum terceiro de boa-fé envolvido neste tipo de negócio. 

Aos abutres, hienas, oportunistas e entreguistas de sempre está dado o alerta: quanto privatizarem, tanto reestatizaremos!