sexta-feira, 26 de março de 2021

OLHAÍ, NO BRASIL A ORDEM DE INTENÇÕES DEVE SER PARECIDA

Do Jeffrey St. Clair, do CP.

 

Intenção de ser vacinado por afiliação religiosa nos EUA:  

Ateus: 90% 

Agnósticos: 80%  

Católicos: 77%  

Protestantes negros: 64%  

Protestantes brancos: 54%  

Evangélicos brancos: 45%

 

E mais:

+ Um estudo relatado no Academic Times conclui que as taxas de mortalidade de COVID são cerca de 1,8 vezes maiores em estados com governadores republicanos ... 

 + Evidências bastante sólidas de que as vacinas estão funcionando: com mais de 70% dos idosos com pelo menos uma injeção de vacina, as visitas a prontos atendimentos para COVID caíram 80%. 

quarta-feira, 24 de março de 2021

A longa agonia de Fachin. Por Leandro Fortes

Uma importante figura da bandidagem jurídica, o processo que transformou Fachin em traidor ainda está por ser esclarecido. Peguei no Diário do Centro do Mundo.

Por Leandro Fortes
Fachin

De toda a sucessão de eventos transmitida pela internet para o Brasil e o mundo, relativa ao julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, nada foi tão simbólico da degradação resultante da Operação Lava Jato, na estrutura orgânica do Poder Judiciário, do que o surto final do ministro Edson Fachin.

Como naquela cena de “Zoolander”, na qual o personagem de Ben Stiler, incapaz de assimilar a derrota, sobe ao púlpito de um concurso de beleza para receber um prêmio outorgado a seu principal inimigo, o inconsciente de Fachin o obrigou a entabular um discurso de vitória sem fazê-lo perceber que, naquele momento, não havia ninguém naquela histórica transmissão mais derrotado do que ele.

Com uma aparência fantasmagórica, impulsionado por uma força ainda misteriosa centrada na origem de sua conversão de frenético apoio ao lavajatismo, Edson Fachin danou-se a falar, imerso em uma ilusão ultradimensional, transportado, por um desespero quase sólido, de tão visível, para a areia movediça do rídículo, do bizarro – esse campo da infâmia onde os traidores e os covardes encerram carreiras que lhes pareciam tão promissoras.

A presidenta Dilma Rousseff cometeu alguns erros, é fato, mas a indicação de Edson Fachin para o Supremo Tribunal Federal não foi um deles. Dilma, nessa caso, foi vítima de uma traição vil. O nome de Fachin foi chancelado por diversos setores da esquerda do Paraná, dada sua atuação histórica, como advogado, na defesa da reforma agrária e dos direitos humanos. Teve apoio do MST e de boa parte do PT, partido para o qual posou, em depoimento gravado, prestando apoio público à candidatura de Dilma, em 2010.

A indicação de Fachin ao STF, em 2015, foi tão tumultuada, que Dilma pensou em desistir dela, dada a possibilidade de o Senado Federal rejeitar a presença de um esquerdista tão radical na conservadora Suprema Corte brasileira.

Fachin tomou posse como ministro do STF em 16 de junho de 2015. Em 13 de julho do mesmo ano, portanto, 27 dias depois, o procurador federal Deltan Dalagnol, chefe da força tarefa da Lava Jato, em Curitiba, enviou a seguinte mensagem a seus capangas, em uma conta do Telegram: “Aha, uhu, o Fachin é nosso”.

As razões dessa súbita cooptação e a conversão de Fachin a escudeiro da Lava Jato no STF ainda são um mistério, mas não é delírio deduzir que há alguma coisa muito grave nessa relação do ministro com a quadrilha comandada por Sérgio Moro e Dalagnol. Desde sempre, ficou evidente a submissão do ministro a uma gangue montada, com dinheiro público, para prender Lula e destruir as indústrias naval, de construção civil e de petróleo do País, sob comando de autoridades dos Estados Unidos e da Suíça.

A cena final do julgamento da suspeição de Moro, na qual Fachin aparece balbuciando frases desconexas, dando satisfação a interlocutores ocultos, apenas reforça essa suspeita.

Ainda irá se passar muito tempo até a História do Brasil registrar cena, ao mesmo tempo, tão humilhante e sinistra como essa protagonizada por Fachin, uma performance que, de tão triste, pareceu a agonia de um animal mortalmente ferido.

 

terça-feira, 23 de março de 2021

Zizek vê a Comuna de Paris, aos 150 anos

 

 Do Outras Palavras. Um abraço, Antonio Martins!

Zizek vê a Comuna de Paris, aos 150 anos

Pela primeira vez, os oprimidos desejaram não a volta a um passado “ideal”, mas um mundo nunca antes existente, diz o filósofo. E explica por que, em sua opinião, voltou a ser possível imaginar uma sociedade livre do capitalismo

Entrevista a Nuno Ramos de Almeida, em Abril Abril, parceiro editorial  de Outras Palavras em Portugal

Em 2009, o pensador esloveno organizou, com o seu camarada de pensamento Alain Badiou, um encontro no qual participaram 15 nomes da Filosofia contemporânea sobre «A Ideia do Comunismo». O conceito do evento baseava-se no nome de comunismo que continuava a ser o mais indicado para, usando a expressão do Marx sobre a experiência da Comuna de Paris, tomar os céus de assalto. Esta conversa tem como pretexto a primeira tentativa de os explorados tomarem o poder, mas não fica no passado. A discussão é sobre os combates do presente e as suas ligações a esta corrente da História e das lutas.

O aniversário da Comuna de Paris é uma recordação de uma outra época perdida ou é uma data que ainda ecoa nos dias de hoje?

Penso que é uma data muito importante, mas ambígua nos dias de hoje. Em primeiro lugar, não nos podemos esquecer, se somos comunistas, que apesar de haver a propensão para apresentar a Comuna de Paris como um desenvolvimento das ideias de Marx em relação às revoluções, nos communards havia muitas tendências: anarquistas, federalistas, blanquistas e dentro deles os membros da primeira Internacional, fundada por Marx e Engels. Os marxistas estavam em minoria. No entanto, o significado especial da Comuna de Paris é ser a primeira vez que as classes trabalhadoras tentam conquistar o poder e criam uma verdadeira zona libertada.

Apesar da sua duração efémera, não podemos subestimar o que significou como referência para revoluções posteriores.

Não sei se as pessoas conhecem este episódio real passado com Lênin, depois da Revolução de Outubro, quando os bolcheviques conseguiram manter-se no poder mais de 73 dias, ultrapassando o número de dias que a Comuna de Paris sobreviveu. Lênin, isto está provado, ficou tão feliz que começou a dançar no meio da neve. Era algo completamente incrível. Lênin tinha dois modelos – os jacobinos e a Comuna de Paris.

Temos de celebrar estes 150 anos, claro. O problema é como pode ser lido o que aconteceu e quais as implicações nos dias de hoje.

O que caracteriza agora a situação nos países ditos desenvolvidos é uma insatisfação crescente das pessoas com os sistemas de representação democrática que temos, que não conseguem captar a vontade das pessoas. Ambicionam mais democracia, mas assistimos a uma espécie de revolta, dessas mesmas pessoas, contra a forma como funciona o sistema democrático.

Veja-se o caso das manifestações do «coletes amarelos» na França, onde no início não havia nenhuma comunicação entre os representantes eleitos do povo e os manifestantes. Isto mostra a crise da democracia parlamentar. É claro que ela já não funciona no capitalismo.

Precisa de ser suplementada pelos dois lados: pela base, com a auto-organização das pessoas, mas também pelo topo. Necessitamos de governos com projetos a longo prazo.

Não sou simpatizante da forma como a China é governada hoje. Mas falei há pouco tempo com um chinês que me disse algo muito interessante: que o problema no Ocidente é que os governos apenas pensam como podem sobreviver nas próximas eleições. Na China não há esse problema, já se sabe quem estará no governo. A questão põe-se como é que a China se vai tornar na primeira potência mundial em 2050, ou até antes. Eles conseguem pensar a longo prazo.

A Comuna tinha essa outra forma de pensar como mudar o poder e as suas preocupações?

É por isso que a Comuna de Paris é atual. Houve uma revolta daquilo que era precário, dos pequenos artesãos, dos elementos mais frágeis da pequena burguesia, mobilizaram-se as classes trabalhadoras, que ainda não eram aquilo a que chamaríamos de classe operária clássica.

Isso é muito atual, todo o descontentamento que vemos hoje não fica esgotado na tradicional classe operária. Existem precários, mulheres com trabalhos não remunerados, empregados e até pessoas que são exploradas mesmo sem terem trabalho.

Veja-se o caso de um país da América Latina como o Equador. Até se pode não ser explorado por multinacionais que operam lá, mas essas empresas arruínam o ambiente. Não se é explorado na forma clássica, mas se é «explorado» em termos da própria vida, porque o ambiente e a existência são destruídas por essas empresas. Isso acontece na Índia, na América Latina, na África e em muitas partes do planeta.

A Comuna de Paris pode dar-nos ensinamentos sobre o campo de luta. O problema é que hoje, na situação atual, o modelo da democracia local – pessoas auto-organizarem-se em conselhos – tem certos limites. Temos de ter capacidade de construir redes mais globais.

Hoje, se quisermos lidar não só com a pandemia mas até com as catástrofes ecológicas tem de haver uma forte cooperação internacional. A democracia local não chega para resolver os problemas do presente. Temos que reinventar outras formas mais globais. Não acredito num governo mundial, mas é preciso chegar a outro nível.

Vejamos o caso da energia e no que temos de fazer para conseguir eletricidade e energia suficientes. Isto não é possível a nível local, muitas vezes nem a nível nacional, precisamos de uma espécie de larga cooperação internacional. Por isso, o meu pessimismo.

A Comuna de Paris falhou, por que é que se mantém no nosso imaginário?

Penso que a Comuna de Paris estava destinada a falhar. Estou convencido que mesmo a maioria dos franceses, por manipulação e preconceitos ideológicos, se opunha à Comuna. Foi um acontecimento muito circunscrito, mas algo de extraordinário se passou, algo que transcendeu rebeliões anteriores, como a dos escravos espartaquistas, em que pretendia-se um regresso a alguma situação imaginada de um passado, como um regresso à comunidade de origem.

Na Comuna, pela primeira vez, desejou-se um mundo novo, algo não existente. Olhar para a Comuna de Paris permite-nos repensar algumas ideias do marxismo. Temos de conseguir incorporar no «proletariado» de hoje, não apenas os trabalhadores clássicos, mas muitas pessoas e camadas em luta, como as populações indígenas, os trabalhadores precários, e muitos outros dos atuais explorados.

A Comuna de Paris não é passado, é um momento da História em que, pela primeira vez, se pensou em mudar tudo.

Você citou várias vezes, nos seus livros, uma passagem de Fredric Jameson na qual dizia que o maior problema é que as pessoas imaginam como mais possível uma invasão de extraterrestres do que o fim do capitalismo. Este não é o problema de teses que se limitam a pedir maior democracia sem pôr na ordem do dia o fim do capitalismo?

Sim, tem sido difícil imaginar sociedades para além do capitalismo mas, ao mesmo tempo, o próprio capitalismo está mudando, está entrando numa nova fase em que há possibilidades de luta contra ele, emancipatórias.

Veja-se como, no meio desta crise, o que até políticos conservadores são obrigados a fazer. Biden está “dando” 1,9 biliões de dólares, sobretudo às empresas mas também às pessoas para a enfrentarem. Isto é quase uma espécie de rendimento básico incondicional para quem trabalha. Quando olhamos para a pandemia e a crise ecológica percebe-se que o mercado global capitalista não consegue responder a estas questões. É necessária uma economia cada vez mais socializada. Os mercados podem ser competitivos localmente para motivarem as pessoas pela concorrência, mas globalmente a economia de mercado capitalista não funciona.

O que é fascinante com esta situação de pandemia – não acredito que nos leve ao comunismo – é que se alguém tivesse proposto há dois anos políticas que hoje os conservadores são obrigados a fazer, como dar dinheiro a pessoas comuns, dizer que é preciso serviços nacionais de saúde universais, admitir que o aquecimento global é um problema, ninguém acreditaria possível que tudo isso aparecesse na agenda política da atualidade. São problemas que não podem ser resolvidos no campo do capitalismo.

O paradoxo é que a sucessão de crises compelem-nos a pensar fora do quadro do capitalismo. Voltando a Biden, que é tudo menos socialista, ele entregou 1,9 biliões de dólares. É uma ação completamente louca dentro do capitalismo de mercado.

Muitos amigos meus dizem que o capitalismo faz sempre isso quando há uma guerra ou uma crise generalizada e que depois tudo voltará ao «normal». Eu acho que simplesmente não haverá nenhum retorno possível ao normal.

Com a pandemia, a crise vai agravar-se e vai haver novas e grandes explosões sociais. O irônico é que apesar de a maioria das pessoas ainda não ser capaz de imaginar um mundo sem capitalismo, mesmo os que estão no poder são obrigados a fazer políticas fora do quadro do capitalismo.

É um ponto de não retorno?

Estamos num momento incrível. O capitalismo, como o conhecíamos, está sob fogo. Por isso tentam inventar um novo capitalismo. Temos Trump, Bolsonaro e o momento bárbaro, deixem as pessoas morrer e os lucros e os mercados funcionarão por si; temos, por outro lado, o capitalismo tecnocrático de Bill Gates, Zuckerberg e companhia – um capitalismo digital de vigilância.

Até os capitalistas sabem que tudo está mudando e que não se vai regressar ao velho capitalismo. Não subestimem o que está a provocar a pandemia. Vejo potencialidades emancipatórias para depois da pandemia. São apenas possibilidades, pode até acontecer que tudo piore e caminhemos para sociedades ainda mais autoritárias.

Não estamos apenas numa crise sanitária, em que se tem de esquecer a política e tratar de sobreviver, as sociedades estão mudando radicalmente.

Estou de acordo com aqueles que dizem que esta classe de capitalistas muito ricos, como Bill Gates, Jeff Besos, Zuckerberg e outros, fazem o capitalismo tornar-se semifeudal.

A exploração mudou. Não só existe apropriação do trabalho que produz mercadorias, como a nossa própria comunicação com os outros e até o tempo da nossa vida é privatizada. Se queremos comunicar temos de lhes pagar uma renta. É esta a alteração radical do capitalismo. Em vez de filosofar e dizer que não temos um modelo do que pode ser a sociedade para além do capitalismo, eu, como bom marxista, diria: vejam o que ocorrendo com o próprio capitalismo.

O capitalismo sobreviveu a várias crises, as crises são muitas vezes a forma de funcionar do próprio capitalismo. Voltando à Comuna de Paris, não é preciso inventar instituições diferentes das capitalistas? Para além das explosões de manifestações cíclicas, não se tem de inventar outras formas novas de poder?

Concordo, mas penso que a pandemia e a crise abrem uma brecha no capitalismo. Mesmo quando pensamos nos momentos simpáticos, como o Occupy Wall Street nos EUA, onde milhares de manifestantes, na maioria jovens de classe média, tinham reivindicações muito limitadas; se virmos os «coletes amarelos», na França, que simplesmente não tinham a capacidade de traduzir o seu descontentamento numa nova forma social de organização. O mesmo se passou com os Indignados e a formação do Podemos na Espanha, que hoje não passam de uma parte pequena da social-democracia.

Mas concordo que o preço que estamos a pagar por isso é a erupção de um novo populismo de extrema-direita. Quando se diz que não há alternativa ao capitalismo, eu afirmo que o capitalismo está numa crise profunda e a prova é o aparecimento do populismo de extrema-direita.

Como dizia Walter Benjamin, «cada fascismo é um sinal de uma revolução fracaassada». Hoje, o emergir do populismo de extrema-direita é um sinal de insatisfação que a esquerda não conseguiu canalizar. Por isso sou otimista a longo prazo.

Bernie Sanders disse uma coisa extraordinária. Afirmou que o Partido Democrata não se devia preocupar com a classe média alta, e que os seus votantes são muitos daqueles que votaram no Donald Trump, que estão insatisfeitos com a liberalização econômica e que ficarão insatisfeitos com as soluções de mais neoliberalismo de Trump.

Devemos apresentar-lhes outras soluções. Não dou como certo que o capitalismo não se consiga reinventar. É possível. Mas vejamos no que o capitalismo se está se ornando. Os países capitalistas com mais sucesso são os modelos autoritários de capitalismo que juntam modelos de crescimento dos lucros com o nacionalismo ditatorial.

O problema, regressando a Benjamin, é que existe uma crise do capitalismo e o aparecimento da extrema-direita, mas, ao contrário dos anos 1930, não existe um forte movimento operário, comunista, revolucionário mundial, nem a União Soviética, para se oporem ao ascenso do nazismo.

O grande desafio é como reinventar a esquerda. Podemos ser eficientes na luta contra a covid-19 e no controle das alterações climáticas sem cair num modelo autoritário chinês de controle social. Muita gente elogia a forma como a China conseguiu controlar a covid-19. Mas esse não pode ser o único critério.

Em Taiwan, que nada tem a ver com o comunismo, conseguiram controlar, de maneira autoritária, ainda melhor do que na China continental.

Precisamos de novas formas de solidariedade e de sociedade. Mas, a este respeito, não sou otimista a curto prazo. O meu otimismo alimenta-se do meu pessimismo. Esta crise vai aprofundar-se e obrigar mais gente a bater-se por socializar as coisas e colocar cada vez mais a economia em comum. Terá de haver um controle social de combate às pandemias, de produção das energias e de como combatemos a degradação ecológica. Nesse sentido, sim, sou otimista. Não acho que esta crise seja resolvida com as vacinas. As pandemias vão-se suceder e para as combater é preciso novas formas de resposta social fora do capitalismo.

 

domingo, 21 de março de 2021

NOVO TEXTO GEOPOLÍTICO DO PEPE ESCOBAR

 Do Brasil 247


Para o Leviatã, é tão frio no Alasca

Wang Yi e Yang Jiechi tentarão fazer sopa de barbatana de tubarão de Antony Blinken e Jake Sullivan na cúpula de Anchorage

Autoridades de EUA e China durante reunião em Anchorage, no Alasca
Autoridades de EUA e China durante reunião em Anchorage, no Alasca (Foto: Reuters)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

Leviatã parece estar se posicionando para uma matança geopolítica tipo Kill Bill - embora brandindo uma enferrujada espada de samurai de aço de alto carbono.

 
 

Como seria de se prever, os senhores do Deep State dos Estados Unidos não contaram com a possibilidade de virem a ser neutralizados por uma Técnica de Cinco Pontos que Explode o Coração geopolítica.

Em um ensaio cáustico e conciso, Alastair Crooke apontou para o cerne da questão. Aqui vão os dois principais insights - incluindo uma elegante alusão orwelliana:

  1. "Assim que o controle sobre o mito justificador da América foi perdido, a máscara caiu". 
  2. "Os Estados Unidos pensam em liderar as potências marítimas e costeiras na imposição de uma amarga derrota psicológica e tecnológica à aliança Rússia-China-Irã. No passado, o resultado teria sido previsível. Desta vez, é perfeitamente possível que a Eurásia se coloque solidamente contra uma Oceania enfraquecida (e uma Europa acovardada)". 

O que nos leva a duas cúpulas interligadas: o Quad e a China-EUA 2+2 no Alasca.

 
 

O Quad virtual, ocorrido na sexta-feira passada, veio e se foi como nuvem passageira. Quando o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, disse que o Quad "era uma força para o bem global", não é de admirar que muitas sobrancelhas tenham-se arqueado por todo o Sul Global.

O Ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Yi, observou, no ano passado, que o Quad era parte de uma iniciativa de criar uma "OTAN asiática".

E é. Mas o hegêmona, reinando sobre a Índia, o Japão e a Austrália, não  pode afirmá-lo com todas as letras. Daí a retórica vaga sobre um "Indo-Pacífico livre e aberto", "valores democráticos", "integridade territorial" - linguagem-código para caracterizar a contenção da China, em especial no Mar do Sul da China.

O sonho molhado excepcionalista - rotineiramente expresso na Think-tanklândia americana - é posicionar uma bateria de mísseis na primeira cadeia de ilhas, apontando para a China como um porco-espinho armamentista. Pequim tem perfeito conhecimento disso tudo.

Fora uma mansa declaração conjunta, o Quad prometeu entregar um bilhão de doses de vacinas contra a covid-19 a toda a região do Indo-Pacífico até o fim de... 2022.

A vacina seria produzida na Índia, financiada pelos Estados Unidos e o Japão, e a logística de distribuição viria da Austrália.

Tudo isso, como seria previsível, foi rotulado de "contrapor-se à influência chinesa na região". Pouco demais, tarde demais. O cerne da questão é: o hegêmona está furioso porque a diplomacia da vacina chinesa vem tendo um estrondoso sucesso - não apenas na Ásia, mas por todo o Sul Global.

Isso não é "diálogo estratégico"

Tony Blinken, secretário de estado dos Estados Unidos, não passa de um mero apparatchick e ardoroso chefe da torcida do Choque e Terror usado contra o Iraque há dezoito anos, em 2003. Naquela época, ele era chefe de gabinete para os democratas na Comissão de Relações Exteriores do Senado, então presidida pelo Senador Joe Biden.

Agora, Blinken está na direção da política externa dos Estados Unidos para uma entidade de papelão senil  que balbucia, ao vivo, em frente às câmeras: "Eu faço tudo que você quiser que eu faça, Nance" falando a Nancy Pelosi; e que descreve o presidente russo como "um matador", "desalmado", "que irá pagar um preço".

Parafraseando Pulp Fiction: "A diplomacia morreu, baby. A diplomacia morreu".

Tendo isso em mente, não há muita dúvida de que o formidável Yang Jiechi, diretor do gabinete da Comissão de Relações Exteriores do Comitê Central do Partido Comunista da China, lado a lado com o ministro das relações exteriores Wang Yi, irão fazer sopa de barbatana de tubarão de seus interlocutores Blinken e do Consultor de segurança nacional Jake Sullivan na cúpula 2 + 2 em Anchorage, no Alasca.

Apenas dois dias antes do início das Duas Sessões de Pequim, Blinken proclamou que a China é a "maior ameaça geopolítica do século XXI".

Segundo Blinken, a China é o "único país com poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para ameaçar seriamente o sistema internacional estável e aberto - todas as regras, valores e relações que fazem com que o mundo funcione como queremos, porque, em última análise, esse sistema serve aos interesses e reflete os valores do povo americano".

Blinken, portanto, admite que o realmente importante é "que o mundo funcione como queremos"  - "nós", aí, se referindo ao Hegêmona que, antes de mais nada,  foi quem estabeleceu essas regras. E essas regras  "servem aos interesses e refletem os valores do povo americano". Ou, melhor dizendo, tem que ser do jeito que nós queremos e ponto final.

Blinken poderia até ser  desculpado, por ser um novato deslumbrado no palco internacional. Mas fica ainda muito mais vergonhoso.

Aqui vai um breve resumo de sua política externa ("sua" porque o holograma que ocupa a Casa Branca precisa receber em seu fone de ouvido instruções  24/7 até para saber que horas são).

Sanções, sanções por toda a parte, Guerra Fria 2.0 contra a Rússia e o "matador" Putin; a China culpada de "genocídio" em Xinjiang; um estado notoriamente apartheid ganhando passe livre para fazer o que bem entender; o Irã tem que piscar primeiro ou não haverá retorno ao acordo nuclear; Guaidó Aleatório reconhecido como Presidente da Venezuela, e a mudança de regime continuando como a grande prioridade.

Aqui, está em jogo um curioso kabuki. Seguindo a lógica da proverbial porta giratória típica do Distrito de Colúmbia, Blinken foi um dos sócios fundadores da WestExec Advisors, cuja principal linha de ação é oferecer "conhecimentos políticos e geopolíticos" a multinacionais americanas, cuja esmagadora maioria tem interesse - em que mais seria? - na China.

O Alasca, então, talvez, em certa medida, aponte para um trade-off na área do comércio exterior. Mas o problema parece insuperável. Pequim não quer abrir mão do lucrativo mercado americano e, para Washington, a expansão da tecnologia chinesa no Ocidente é anátema.

O próprio Blinken esvaziou o Alasca dizendo que não se trata  de "diálogo estratégico". Então, estamos de volta ao apoio à fraude do Indo-Pacífico; a recriminações sobre a "perda de liberdade" em Hong Kong - cujo papel de quinta-coluna para os Estados Unidos/Reino Unido agora acabou definitivamente; ao Tibé; e à "invasão" de Taiwan, agora a todo vapor, com o Pentágono afirmando que ela provavelmente ocorrerá antes de 2027.

Não é "diálogo estratégico" coisa nenhuma.

Um drogado em uma viagem ruim

Wang Yi, em uma entrevista coletiva tratando do 13º Congresso Popular Nacional e do anúncio do próximo Plano Quinquenal afirmou que "daremos o exemplo de confiança mútua estratégica, ao nos apoiarmos mutuamente de forma firme na defesa dos grandes interesses essenciais, na oposição à "revoluções coloridas" e à desinformação, e na salvaguarda da soberania nacional e da segurança política".

Essa posição contrasta nitidamente com a escola "altamente provável" de pós-verdade e mentiras privilegiada por mascates do Russiagate e por uma variedade de sinófobos.

O renomado acadêmico chinês Wang Jisi - que era próximo ao falecido Ezra Vogel, autor da que pode ser considerada a melhor biografia de Deng Xiao Ping em inglês - trouxe uma medida adicional de sanidade ao relembrar a ênfase dada por Vogel à necessidade de os Estados Unidos e o Leste Asiático compreenderem a cultura um do outro.

Segundo Wang Jisi, "na minha própria experiência, vejo como altamente esclarecedora uma diferença entre os dois países. Nós, na China, gostamos da ideia de encontrar terreno comum e, ao mesmo tempo, mantermos nossas diferenças". Afirmamos que os interesses em comum entre nossos dois países superam em muito nossas diferenças. Definimos terreno em comum com base em um conjunto de princípios como respeito mútuo e cooperação. Os americanos, ao contrário, tendem a focar questões difíceis, como Taiwan e o Mar do Sul da China. Parece que os chineses querem estabelecer princípios antes de tentar resolver problemas específicos, mas os americanos estão sempre ansiosos para tratar dos problemas antes de estarem prontos a melhorar a relação".

O problema real é que o Hegêmona parece ser congenitamente incapaz de tentar entender O Outro. Ele sempre retoma a notória formulação de Zbigniew Brzezinski, com a arrogância imperial que lhe era característica, em seu magnum opus de 1997, O Grande Tabuleiro de Xadrez.

"Para usar uma terminologia que remete à idade mais brutal dos impérios da Antiguidade, os três grandes imperativos da geoestratégia imperial são evitar o conluio entre os vassalos e mantê-los dependentes em termos de segurança, manter os tributários dóceis e protegidos e evitar que os bárbaros se unam".

O Dr. Zbig se referia, é claro, à Eurásia.  A "dependência em termos de segurança"  entre os vassalos se referia principalmente à Alemanha e ao Japão, centros de importância-chave nas Terras Costeiras. Os "tributários dóceis e protegidos" se aplicava acima de tudo ao Oriente Médio.

E, o que é o mais importante, "evitar que os bárbaros se unam" se aplicava à Rússia, China e Irã.

Essa, resumidamente, era a Pax Americana. E é isso que agora está se desfazendo.

Daí a lógica Kill Bill. Ela tem uma longa história. Menos de dois meses antes do colapso da URSS, as Diretrizes de Planejamento de Defesa de 1997 pregavam o domínio global total e, seguindo o Dr. Zbig, o imperativo absoluto de evitar o surgimento de qualquer futuro concorrente de igual nível.

Em especial a Rússia, definida como "a única potência do mundo com capacidade para destruir os Estados Unidos".

Então, em 2002, no começo da era do "eixo do mal", veio o Domínio de Espectro Total como a pedra de toque da Estratégia de Segurança Nacional. Domínio, domínio por toda a parte: terrestre, aéreo, marítimo, subterrâneo, cósmico, psicológico, biológico, cibertecno.

E, não por acidente, a Estratégia Indo-Pacífico - que orienta o Quad - centra-se em "como manter a primazia estratégica dos Estados Unidos".

Essa mentalidade é o que permite que a Think-tanklândia americana formule "análises"  ridículas, onde a única possibilidade de "ganho" para os Estados Unidos exige imperativamente o fracasso do "regime" chinês.

Afinal, o Leviatã é congenitamente incapaz de aceitar "ganhos para todos". Ele só funciona com base no "soma-zero" baseado no Dividir e Dominar.

E é isso que vem levando a parceria estratégica a progressivamente estabelecer um ambiente de segurança amplo e abrangente, cobrindo tudo desde armamentos high-tech a setores bancários e financeiros, fornecimento de energia e fluxo de informação.

Para evocar uma outra pérola da cultura pop, o Leviatã atarantado agora se parece a Caroline, a drogada retratada no disco Berlin, de Lou Reed: But she's not afraid to die / All of her friends call her Alaska / When she takes speed / They laugh and ask her / What is in your mind / What is in your mind / She put her fist through the window pane / It was such a / funny feeling / It’s so cold / in Alaska (Mas ela não tem medo de morrer / Todos os seus amigos chamam ela de Alasca / Quando ela toma speed / Eles riem e perguntam a ela / O que você tem na cabeça / O que você tem na cabeça / Ela enfiou o punho pela vidraça / Foi uma sensação esquisita / É tão frio / no Alasca.

terça-feira, 16 de março de 2021

A NECESSIDADE DE DESMANTELAR OS EUA

O título desta entrevista é chocante? Desmantelar os EUA? Mas como é a questão da preparação permanente para a guerra com armas cada vez mais destruidoras, a manutenção de uma rede de espiões e agentes e de bases em todo o mundo? A realidade é que a atividade colonialista e neo colonialista é parte essencial do capitalismo cujo centro é o império.

A NECESSIDADE DE DESMANTELAR OS EUA—UMA CONVERSA COM AJAMU BARAKA

por

Fotografia de Nathaniel St. Clair

 Em 26 de fevereiro entrevistei Ajamu Baraka para meu podcast. Baraka é um organizador de base veterano cujas raízes estão no Movimento de Libertação Negra e nas lutas de solidariedade contra o apartheid e na América Central. Ele é um líder internacionalmente reconhecido do movimento emergente de direitos humanos nos EUA e tem estado na vanguarda dos esforços para aplicar a estrutura internacional de direitos humanos à defesa da justiça social nos EUA por mais de 25 anos. Ele é um Organizador Nacional da Aliança Negra pela Paz, cujas atividades discutimos.

Baraka ensinou ciência política em várias universidades e foi palestrante convidado em instituições acadêmicas nos Estados Unidos e no exterior. Ele apareceu em uma ampla variedade de meios de comunicação, incluindo CNN, BBC, Telemundo, ABC, RT, The Black Commentator, o Washington Post e o New York Times. Atualmente é editor e colunista colaborador do Black Agenda Report e redator da Counterpunch.

O que se segue são trechos de nossa conversa, editados para maior clareza. Você pode ouvir a entrevista completa aqui.

 Kollibri terre Sonnenblume: [Em termos de política externa], parece que esta última eleição foi apenas Trump ou não-Trump e, portanto, não houve discussão sobre como um governo Biden poderia ser diferente.

Ajamu Baraka: Realmente não havia. No contexto da imprensa burguesa, durante os chamados debates, o número de minutos dedicados à política externa era inferior a uma hora, no total. Mas, ainda assim, você vê que, uma vez que o governo Biden assume o poder, algumas das primeiras iniciativas em que eles se envolvem têm implicações de política externa. Portanto, é realmente incrível que, devido ao peso da responsabilidade que o executivo tem, tenha havido tão pouca conversa sobre política externa ...

O resultado foi que basicamente Biden foi aprovado e não houve uma discussão real na campanha e até mesmo entre a sociedade civil. Havia uma suposição de que você apenas tinha que se livrar de Trump e tudo ficaria bem. Seria um retorno ao normal. Ninguém falou sobre o que parecia normal e se o que era chamado de normal realmente atendia aos melhores interesses não apenas do povo dos Estados Unidos, mas do povo do sul global, que se encontra constantemente na mira da agressividade Políticas dos EUA.

Sonnenblume: Parece que um tema intocável hoje em dia, tanto na política quanto na sociedade civil, é o orçamento militar dos Estados Unidos, que, como sabemos, consome mais de 50% dos gastos discricionários. É obsceno. É dez vezes mais que a Rússia. É mais do que os próximos dez países combinados. Quando surge a conversa: “Como pagamos o Medicare for All?” essa é a oportunidade perfeita para dizer, "Vamos cortar esse orçamento militar", mas ele nunca mais aparece ...

Baraka: Uma das razões pelas quais as pessoas não falam sobre isso é porque, novamente, parece haver um consenso bipartidário de que os militares conseguiriam não apenas o que desejam, mas ainda mais. Quando Donald Trump assumiu o cargo, o primeiro orçamento que ele apresentou ao Congresso incluía um aumento de US $ 54 bilhões nos gastos militares. É muito interessante porque Donald Trump simplesmente não sabia como se filtrar, então de vez em quando ele dizia algo que era brutalmente honesto, então deixei claro que ele pensava que $ 54 bilhões eram na verdade loucura. No início, até mesmo os democratas estavam levantando questões sobre o aumento, até que alguns meses depois, acho que eles receberam o memorando e, de repente, tudo ficou quieto. E não apenas deram a Donald Trump um aumento de US $ 54 bilhões, mas também aumentaram em quase outros US $ 30 bilhões naquele primeiro ano. Então, esse tem sido um consenso bipartidário ...

O problema que temos, como povo, é tornar isso um problema. De fato, exigir que nossos recursos sejam redistribuídos para atender às necessidades objetivas de direitos humanos das pessoas. Porque quem está se beneficiando com esses 750 bilhões, ou na verdade, mais de um trilhão de dólares gastos em defesa? São os gatos gordos que ganham dinheiro. Esses executivos do complexo militar industrial. Todo mundo está ganhando dinheiro com isso, menos as pessoas. Quem está sofrendo é o povo, então temos que exigir que eles reduzam os gastos, que fechem essas mais de 800 bases militares pelo mundo, repassem esses recursos para o povo. Voltar para fornecer habitação. Voltar a fornecer alguns cuidados de saúde decentes. Limpando o meio ambiente. Criando uma experiência educacional de primeira classe para nossos jovens.

Mas enquanto os interesses dos governantes prevalecerem, você terá esse comportamento obsceno, esse orçamento obsceno ...

Estamos tentando conscientizar as pessoas de que temos esse sistema de base [militar global], essa estrutura de comando, e estamos fazendo uma pergunta muito simples: quais interesses estão sendo executados com esse enorme dispêndio de fundos públicos? Para ter essas tropas, para ter essas bases que estão sendo construídas em várias partes do mundo. Isso está ajudando sua família a ter uma educação melhor? Isso está ajudando você a ter alguns cuidados de saúde? Um centro de recreação em sua comunidade? Você tem acesso a mais capital se quiser abrir um negócio? Onde está a ênfase? E veja, essas questões - se os democratas estivessem levantando esse tipo de questão, ou perseguindo políticas que estivessem mais alinhadas com a classe trabalhadora e os elementos mais baixos da classe média (o que chamamos de pequena burguesia) - talvez as condições fossem não ter estado no lugar que teria permitido Trump ganhar a presidência.

Essas questões básicas de cujos interesses estão sendo atendidos por essas políticas são o tipo de questões que devem ser levantadas na parte liberal da equação. Porque eles estão sendo criados entre a direita radical e você vê ocorrendo uma radicalização que culminou em termos de comportamento no 6 de janeiro.

Portanto, há uma desvantagem real por parte dos liberais porque eles entregaram suas posições políticas à burguesia neoliberal e se desarmaram política e ideologicamente. Como consequência, eles cederam um espaço ideológico significativo à direita radical. Eles estão jogando um jogo muito perigoso. Não apenas eles estão perdendo, mas todos nós estamos perdendo em consequência.

 

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Sonnenblume: Você fez uma referência ao neoliberalismo como uma forma ou expressão do neofascismo. Ouvi você falar sobre isso recentemente, acredito que foi na Rádio Black Agenda, e foi novo para mim pensar dessa forma. [Veja Black Agenda Radio 25/1/21.]

Baraka: ... O que você vê é esta perigosa coalizão de forças, de forças da classe dominante - Vale do Silício, o complexo industrial militar, as empresas de mídia corporativa que controlam 90% das notícias e entretenimento e elementos do estado: as agências de inteligência - você veja a fundação ali. Já temos a ditadura do capital. Se quisermos pensar no processo liberal burguês, ele fornece uma casca para a ditadura do capital. A casca não está se tornando quase um empecilho para a burguesia neoliberal. Então, eles estão lentamente condicionando a população dos EUA a aceitar formas fascistas de governo . É por isso que eles ostentam a democracia. É por isso que Biden pode falar sobre como ele quer centralizar a democracia e os direitos humanos, mas depois virar e apoiar o fascismo no Haiti ou elementos de direita que estão tentando tomar o poder na Venezuela.

Portanto, não apenas falo sobre o neofascismo como tendo um caráter neoliberal, é importante entender que dentro do contexto do sistema global, por muitos anos, esse fascismo que temos nos EUA está disfarçado. Porque você pode ter formas de democracia, de prática democrática, no centro, enquanto as economias e sociedades conectadas às quais o império estava conectado, são basicamente fascismo.

Quando olhamos para essas relações do ponto de vista dos oprimidos, dos colonizados, dizemos: “Alguém nos explique como não tivemos fascismo”.

Então, para mim, espero que as pessoas sejam alertadas sobre esse fascismo amigável que está sendo desenvolvido porque, de muitas maneiras, é mais insidioso porque não está sendo reconhecido. Então, por quatro anos, eles nos fixaram na encenação de Donald Trump com seu comportamento incoerente e palhaço, enquanto sistematicamente restringiam o estado de segurança nacional, o condicionamento da população a aceitar um tipo de ambiente Orwelliano-Big-Brother-doublepeak-newspeak . É muito preocupante o que está acontecendo agora porque elementos que você acha que estariam na moda, e em oposição, eles têm ajudado a concordar com isso. Ainda ontem, o Nation saltou sobre toda essa coisa do Facebook e chamou Mark Zuckerberg de um perigo para a democracia. Porque? Porque eles querem ter ainda mais censura. Para mim, é meio louco.

Sonnenblume: Você já fez uma observação sobre esse tópico específico da mídia social antes, onde falou sobre como nosso espaço público foi privatizado.

Baraka: Exatamente. Foi privatizado. Foi colonizado. E, como consequência, está se tornando cada vez mais difícil para informações alternativas serem disseminadas. Veja, eles querem fazer isso há algum tempo. Desde então, eles viram as possibilidades e os perigos da internet e das redes sociais. Você deve se lembrar de que, a certa altura, eles estavam atacando o que as pessoas chamavam de “jornalistas cidadãos”. Que eles não eram autoritários. Que eles estavam apenas inventando coisas, blá, blá, blá. Sempre foi uma preocupação que informações não aprovadas pelas autoridades fossem disseminadas e fossem a fonte de uma verdadeira oposição política neste país e em todo o Ocidente. Mas eles nunca tiveram coragem de se envolver em censura aberta. Mas com o Russiagate, eles tiveram a oportunidade de começar a lançar a base ideológica e o fizeram e o fizeram com força total. Então agora, quatro anos depois, você pode ter a Nação pedindo censura e ninguém piscar.

 

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Sonnenblume: Neste contexto da descolonização, nós precisamos desmantelar os Estados Unidos?

Baraka: Bem, a resposta curta é sim.

Porque os Estados Unidos são um projeto colonial, um estado colonial. Teve uma continuidade desde 1791, uma vez que o novo processo constitucional foi finalizado, e esse processo resultou basicamente na consolidação do poder dos colonos que estavam nas terras desde 1619. Mesmo com a Guerra Civil, houve continuidade, porque a O estado nacional dos EUA venceu o conflito com a Confederação. O próprio fato de que a base material dos EUA foi a conquista desta terra e, em seguida, o confinamento dos povos nativos em campos de concentração a que nos referimos como "reservas", fornece não apenas uma crítica moral, mas fornece uma base moral de como um apenas a resolução tem que olhar.

Ou seja, não podemos ficar apenas dizendo “me desculpe” e pronto, ou mesmo reparações seja o que for, mas na verdade tem que ser um desmantelamento desse poder, um desmantelamento do Estado de assentamentos-colonial .

E esse processo de desmantelamento do estado colonial colonizador e do sistema colonial requer uma descolonização da própria consciência. Essas coisas andam de mãos dadas. Esse processo de descolonizar a consciência de uma pessoa é um processo no qual você erradica os fundamentos ideológicos da supremacia branca. Nesta sociedade - nesta sociedade de supremacia branca e colonização - todos os que nasceram - não importa sua etnia, nacionalidade ou raça ou o que quer que seja - você está sujeito a ela e se torna, em essência, um supremacista branco. É parte integrante do DNA da experiência dos Estados Unidos. Você aprende a supremacia branca desde os primeiros momentos ... É tão difundido que nem mesmo é reconhecido. Torna-se simplesmente senso comum.

Então você tem que passar por um processo de purificação. De não ver a Europa como o ápice do desenvolvimento civilizacional, de entender que existem outras pessoas neste planeta que têm civilizações, que devem ser reconhecidas e respeitadas, que têm tanto valor quanto a vida dos europeus. Você tem que se livrar do eurocentrismo porque ele é tão difundido que você nem consegue ver. Portanto, o processo de descolonização estruturalmente requer um processo simultâneo - talvez até um processo anterior - de descolonizar a consciência, descolonizar o conhecimento, descolonizar a própria base do ser.

Esse é o processo simultâneo em que precisamos nos engajar, neste país e em todo o mundo ocidental, porque a própria noção de modernidade, do que é desenvolvimento humano, tem que ser repensada. Parte desse repensar faz parte do processo de descolonização. Descentrando a Europa. Descentrando todo o processo de modernidade.

 

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Sonnenblume: Isso me faz pensar: até que ponto o moderno estado tecnológico e industrial depende da supremacia branca? Porque a riqueza que faz isso acontecer vem dessas estruturas. Olhamos para nossos telefones e nossas outras tecnologias e é um processo colonial e da supremacia branca que extrai esses materiais. Sabemos do trabalho escravo infantil que está acontecendo na África. É mesmo possível ter uma vida moderna sem ele? Podemos fazer um telefone celular sem colonialismo, acho que estou perguntando?

Baraka: Essa é uma questão muito importante e profunda. As relações do colonialismo são tais que, quando se separam, tem que haver uma mudança no que consumimos, como consumimos, como nos relacionamos com a natureza. Isso faz parte do processo. Agora não podemos voltar no tempo. Temos esses processos industriais, mas agora esses processos industriais e as tecnologias em desenvolvimento são tais que são quase instrumentos contra a humanidade coletiva.

Portanto, parte do processo de descolonização é tomar posse dessas inovações tecnológicas e processos industriais e reorganizá-los de uma forma que faça mais sentido, que ajude a elevar a vida e a protegê-la. E isso significa muitas mudanças profundas. Por exemplo, o que isso pode significar para essas megacidades que temos? Podemos continuar a pagar essas megacidades? Quando tomarmos posse da base industrial, talvez consigamos reorganizar a agricultura de uma forma diferente que permita às pessoas sair dessas cidades e voltar para o campo e se dedicar à pequena lavoura, para o mercado local e nacional.

Toda a lógica e os fundamentos da sociedade capitalista devem ser vistos de uma nova maneira. Existem vários movimentos que estão de fato fazendo isso. Isso nos leva a um argumento de que temos que reorganizar completamente todos os aspectos da sociedade se quisermos sobreviver, porque uma das contradições e consequências óbvias dos processos industriais que temos é que estamos basicamente destruindo a capacidade de seres humanos para se sustentarem neste planeta. A Mãe Terra vai sobreviver. Ela pode ser alterada de várias maneiras, mas somos nós que vamos destruir nossa capacidade de viver neste planeta.

Assim até que possamos tomar o poder dessa minoria da população humana que está investida nos processos de produção e nas relações sociais que obrigam todos a trabalhar para eles, que colocam lucro no planeta e nas pessoas, então esse tipo de produção irracional continuará, em nosso detrimento. Portanto, temos interesse em um processo revolucionário global.

A principal contradição que Marx identificou foi entre os capitalistas e os trabalhadores. E isso é uma contradição contínua, mas neste estágio de monopólio do capital global e da irracionalidade desses processos, a maior contradição hoje, na minha opinião, é entre o capitalismo - a classe capitalista - e a humanidade coletiva. Temos que tirar o poder desses maníacos se quisermos sobreviver. Portanto, há uma necessidade material e objetiva de reconhecermos que temos interesse em retomar o poder da classe capitalista se quisermos sobreviver por nós e por nossos filhos.

Esses são os tipos de coisas que devemos observar. Quando assumimos o poder, que tipo de sociedades construímos? Essa é a outra parte da conversa, porque você tem algumas pessoas que irão argumentar que há alguns modelos sendo desenvolvidos que representam como uma sociedade pós-capitalista poderia ser. Bem, talvez. Mas há algumas coisas em alguns desses modelos que alguns de nós não querem seguir. Portanto, o que seria criado ainda está para ser visto.

Mas temos que encontrar um novo tipo de estrutura ética, uma estrutura que seja baseada na cooperação, baseada na igualdade, baseada na racionalidade e na decência. Acho que coletivamente seremos capazes de descobrir como reorganizar a sociedade de forma a garantir que possamos sobreviver e viver como seres humanos decentes em um novo tipo de mundo. Acho que podemos fazer isso.

 

Ouça a entrevista completa aqui.

 

Kollibri terre Sonnenblume é um escritor que vive na costa oeste dos Estados Unidos. Mais textos e fotos de Kollibri podem ser encontrados na Macska Moksha Press.