quarta-feira, 9 de novembro de 2011

SOBRE A ENCRENCA NA USP

Estamos, na USP, novamente em clima de confronto. Um incidente menor, de prisão de três estudantes com maconha desencadeou episódios com muito mais antagonismos. No momento, parece (ao menos pelo que se vê na mídia oficial e na mídia de esquerda) que há duas posições inconciliáveis, em que os campos opostos se acusam mutuamente. Como em uma guerra ou num conflito sectário, duas verdades, boas para as partes ,as não para um todo, como a universidade em qeustão, alimentam a disputa. O reitor, nomeado pelo ex candidato à presidência José Serra (que ignorou a preferência da comunidade acadêmica na lista tríplice) no fim de 2009, tinha um passado polêmico como diretor da faculdade de direito da USP, que incluiu uma tendência ao confronto contra protestos estudantis, usando a tropa de choque da polícia militar, e foi considerado pela congregação daquela faculdade, por unanimidade, persona non grata, em 2010. Era de se esperar que ele reagisse como reagiu, usando a lei ao seu estilo. Os estudantes que se insurgiram contra a prisão dos colegas consideraram que se tratava de algo maior. Da presença da polícia militar no campus e da necessidade de enfrentar um reitor de direita e agressivo. E parte deles partiu para a ocupação da reitoria. Ora, quem lembrou das ocupações anteriores, do grau de vandalismo e da violência usados não para afrontar algo maior, mas para conduzir uma luta local, não gostou. Eu não gostei.Eu fui contra a ditadura, fiz coisas ilegais (que hoje seriam legais), mas sempre me voltei contra a violência inútil, a destruição inútil. Os movimentos de indignados e de Occupy Wall Street sao não-violentos. Entende-se que pessoas em situação de privação, desemprego, falta de perspectivas, recorram à violência. A violência pode gerar violência contrária e fazer perder uma das conquistas do fim da ditadura, o de se recorrer antes de tudo à palavra, ainda que ela não nos traga resultados imediatos. Por trás da encrenca, há questões substanciais.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A VIOLÊNCIA ESTÁ EM DECLÍNIO?

A percepção comum a muita gente, a partir do acompanhamento das notícias locais e internacionais, é de que a violência está em ascensão. Crimes ligados ao narcotráfico, agressões e guerras americanas e israelenses no Oriente Médio e no norte da África, guerras regionais e civis entre tribus ou nações na disputa por terra e água, repressão violenta contra protestos em toda a parte, indicam que aqui e lá a situação parece estar ficando cada vez mais violenta. Na cidade de São Paulo, onde nasci e vivo, nas cidades do interior do estado, as pessoas procuram se cercar de cuidados crescentes contra roubos e agressões, e comentam que antes as ruas eram mais seguras há dez, vinte ou mais anos atrás. Skinheads e outros grupos de jovens atacam homossexuais, negros, moradores de rua. Esta visão de piora, entre nós, já foi contrastada por historiadores e sociólogos que apontam para nosso passado violento, com os massacres dos indígenas, a escravidão (muitos relatos indicam que a violência contra os escravos e escravas no Brasil foi pior aqui que em outras partes da América). E globalmente? Um alentado (832 páginas) estudo pelo sociólogo Steve Pinker, da Universidade Harvard, - The Better Angels of our Nature: Why Violence Has Declined, indica que a tendência a longo prazo seria bem diferente. Em dois aspectos - o número de homicídios por 100 mil pessoas, e a mortandade em guerras, também em relação ao conjunto das populações, tem havido um consistente declínio da violência entre humanos ao longo dos séculos. Uma resenha deste livro, mais comentários, pode ser encontrada na coluna de Michael Schermer no Scientific American, edição de outubro de 2011. Uma pequena menção pode ser encontrada na chamada para uma conferência de Pinker, no link http://www.skeptic.com/past-lectures/.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

MEIO AMBIENTE E CAPITALISMO

MEIO AMBIENTE E CAPITALISMO

A editora do Monthly Review, uma tradicional revista de esquerda americana independente, acaba de publicar um livro assinado por seu editor, John Bellamy Foster, e por Fred Magdoff, um pequeno livro com o título What every environmentalist needs to know about capitalism. Em linguagem extremamente clara e convincente, aborda as questões básicas da crise ambiental do planeta Terra. Ao contrário da maior parte da produção jornalística e acadêmica, os dois, não limitam a crítica à situação ou a necessidade de mudanças para salvar (o que for possível) dos ecosssistemas remanescentes e da capacidade da Terra de suportar a vida, inclusive humana, ao que se pode fazer dentro do quadro do capitalismo. Em menos de 200 páginas, os autores sintetizam os principais aspectos da crise ambiental, fazendo uma ligação lógica com a desigualdade agravada nas últimas décadas, e mostram porque a dinâmica imposta pelo capitalismo inviabiliza qualquer mudança sensível de direção na marcha para o abismo. Recomendo a leitura. Neste link está a indicação feita pela editora

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

AS CIDADES COMO FOCO DA MITIGAÇÃO E DA MELHORIA AMBIENTAL

Parece estar havendo um interesse renovado focado nas cidades pelos grupos preocupados com o meio ambiente. Posso citar o número especial da revista Scientific American de setembro de 2011 (provavelmente a ser publicado em outubro na edição brasileira), uma conferência internacional convocada no Cairo, Egito, para dezembro de 2011 – Green Cities, a Path to Sustainability, e aqui em São Paulo, um Seminário no Instituto de Estudos Avançados da USP sobre São Paulo e Cidade do México, e uma Conferência realizada em agosto sobre as pegadas ambientais da cidade. Pela abrangência (e pela disponibilidade), decidi tecer alguns comentários sobre o conteúdo da revista. O tom das matérias é otimista: Cidades – mais inteligentes, mais verdes, melhores; “nós vimos um futuro mais brilhante, e ele é urbano”. As idéias centrais: O mundo todo tem se urbanizado, a parcela urbana da população está passando os 50 por cento globalmente. Quando em 2050 a população da Terra tiver ultrapassado os nove bilhões, mais de seis bilhões estarão nas cidades. As cidades, e dentre as cidades, as grandes metrópoles, é que têm possibilitado a melhoria de condições de vida das populações, inclusive as mais pobres, que quase sempre melhoram ao trocar o meio rural pelo urbano. As cidades maiores gastam menos recursos naturais e têm pegadas ambientais menores do que as das cidades menores, e isso se deve à concentração física das pessoas, que possibilita mais contatos pessoais, e a poderosos efeitos de escala nos serviços públicos. Por isso mesmo, têm grande potencial de contribuição para a diminuição das pegadas ambientais tanto locais como globais, incluindo mitigação e adaptação dos efeitos da mudança de clima. Mais contatos presenciais entre pessoas propiciam ambientes mais criativos e promovem o aperfeiçoamento das cidades. Essas e outras idéias são mais ou menos bem discutidas, às vezes contaminadas por um viés de excessivo otimismo tecnológico que é uma característica tradicional do Scientific American. Uma idéia geral particularmente estimulante vem do fato que cidades podem tomar iniciativas mais eficazes do que governos regionais ou nacionais, principalmente relativas às medidas para enfrentar o aquecimento global e seu s efeitos. Vale a pena dar uma olhada.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SOBRE A IDEIA DO COMUNISMO

Depois da queda dos regimes comunistas da União Soviética e da mudança da China para um capitalismo de estado, o neoliberalismo estabeleceu-se como a ideologia dominante no planeta, até agora. Essa ideologia arrastou consigo a queda da noção do Estado como protagonista ativo de políticas econômicas e de distribuição de renda, com o que os agrupamentos políticos de coloração social democrata abandonaram ou perderam a capacidade de formular propostas alternativas para a sociedade. Os partidos comunistas têm sofrido um processo de desagregação há muito tempo. Dirigentes dos PCs escreviam, e os militantes discutiam e aprovavam, ou (nas ditaduras comunistas), apenas tratavam de cumprir, A morte de Stalin, e a denúncia parcial de seu período por Kruchev, terminou a era dos diktats, dos dirigentes, parcialmente prorrogada com a proeminência de Mao Tse-Tung nas duas décadas seguintes. O Eurocomunismo rompeu com alguns conceitos marxistas e colocou-se objetivamente como uma força social-democrata, gerando dissidências à esquerda. Durante o período da ditadura militar no Brasil, textos, muitos na forma de teses foram produzidos por militantes e intelectuais ligados ao antigo PCB e aos vários partidos ou agrupamentos comunistas como PC do B, POLOP, Convergência Socialista, VAR-Palmares, e muitos outros. Mas os comunistas leram muito mais – Jean Paul Sartre, Louis Althusser, Herbert Marcuse, Antonio Gramsci. Alguns militantes transformaram-se em escritores, acadêmicos. Muitos atuam até hoje, independentes de partidos, depois de uma temporada no PT, que nunca foi um partido comunista, mas abrigou muitos comunistas históricos no seu início. No Hemisfério Norte a atuação dos intelectuais comunistas tem sido bastante intensa nos últimos tempos. O avanço do neoliberalismo, expressão econômica do capitalismo sem limites e monopolista, tem retirado grandes parcelas de renda dos não-ricos, ao mesmo tempo em que vem buscando diminuir os serviços públicos, causando aumento das desigualdades sociais. A crise de 2008 desnudou tanto a falácia de que os mercados podem se auto-regular como a incapacidade do Estado de intervir de maneira efetiva sobre os mercados financeiros. Isto tem gerado revoltas, concentradas nos grupos mais excluídos, como imigrantes legais ou ilegais, pessoas “de cor” ou muçulmanos, mas também em massas de classe média tradicional em alguns países. Embora nunca tenha cessado, a atuação desses intelectuais tem sido mais notada, e por vezes mesmo seus artigos e resenhas de seus livros atingem a grande mídia. Podemos citar Antonio Negri, Michael Hardt, Alain Badiou, Bruno Bosteels, Jacques Rancière, David Harvey, Terry Eagleton, Slavoj Zizek, entre muitos outros. Artigos deles fazem parte do livro The Idea of Communism, editado por Zizek e Costas Douzinas. Uma boa parte dos autores (se não todos) é de acadêmicos. O livro traz análises do conceito filosófico de comunismo – suas origens na História e na Filosofia. O que permanece (ou pode germinar) depois do desmonte das organizações comunistas em todo o mundo, sejam eles governos ou partidos. Para mim, reforçou ou fez repensar alguns conceitos, que exponho a seguir. A essência da idéia do comunismo poderia vir de comuns ou de comunidade. Comuns são os espaços e as coisas de acesso mais ou menos livre. Comunidades, os grupos humanos que exploravam esses comuns para viver, cujo acesso não era vedado, ou dificultado e nenhum. Comunistas seriam os que se voltam contra os efeitos das tomadas de terras, ou que buscam novas formas de organização da sociedade em que novas formas de comuns poderiam ser acessadas em condições de maior igualdade. Os comunistas atuam contrariando as formas vigentes de organização da sociedade. Em outras palavras, são subversivos. Eles admitem inclusive usar a violência contra o Estado, este entendido como o conjunto das estruturas que garantem a dominação de classes. Distinguem-se dos socialistas ou socialdemocratas pela crítica radical ao Estado, em que está embutida a rejeição a uma simples tomada de poder sem uma revolução na estrutura de classes. Estas revoluções ocorreram no passado, na Rússia e na China. Fracassaram totalmente, ao dar origem a tiranias sangrentas e ao desembocar em uma volta (ao menos em parte) às formas capitalistas de organização da produção, invalidando qualquer pretensão futura de transformação da sociedade em algo mais igualitário e justo? A dominação global do capitalismo não seria a marca do “fim da história”, como proclamou o historiador americano Francis Fukuyama? À luz da grande crise financeira iniciada em 2008 e da inoperância dos governos centrais em pelo menos mitigar a crise, o consenso capitalista não é mais tão forte. A grande crise ambiental global, cuja ponta mais letal é a mudança do clima, uma ameaça muito mais poderosa, põe a nu a incapacidade do Estado de prover freios à destruição crescente do meio ambiente e da base de recursos para a vida na Terra. Estes pequenos problemas abalam as certezas em que vinha se apoiando o capitalismo globalizado dos últimos anos. Os autores das matérias do livro tratam de vários aspectos da subjetividade e da objetividade em relação à idéia de comunismo. Passam por escritos filosóficos e políticos de Hegel, Marx, Lênin, examinam transformações estruturais do capitalismo contemporâneo, revisam as idéias sobre a revolução cultural e outros eventos marcantes do comunismo, fazem buscas sobre os espaços existentes e possíveis para a ação. Em vários dos autores, encontram-se discussões e conceitos por eles já desenvolvidos anteriormente, mas todos em torno da Idéia do Comunismo. Esta Idéia, embora não esteja assombrando a Terra como na famosa introdução ao Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, de 1948, está presente, e para muitos, continua a ser a questão mais importante da filosofia e da política. Quem desconfia que o mundo não ande nada bem, que não melhora apenas com correções secundárias de rumo e que faz falta um ou mais eventos de caráter social para tentar mudar, pode ter bom proveito com a leitura deste livro.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

DISPONIBILIDADE DE ÁGUA NO BRASIL

A percepção popular sobre a disponibilidade de recursos hídricos tem mudado pouco desde a época de presunção de abundância quase ilimitada de água tanto para uso direto na agricultura, indústria e consumo humano direto como para geração de eletricidade. Apenas o Nordeste apresentava escassez de água, problema que se tornava agudo durante as secas mais graves, acarretando emigrações em massa das populações mais pobres e levando fazendeiros e governos a empreenderem “obras contra as secas”.

Hoje a disponibilidade de água, antes abundante, começa a escassear em vastas regiões do Sudeste (figura 1). As retiradas de água crescem, principalmente para a agricultura, e os aqüíferos subterrâneos já são explorados de modo a exigir um controle para a proteção de sua qualidade e do estoque (para evitar seu esgotamento).

Uma parcela importante da água usada na a agricultura brasileira alimenta produtos agrícolas que são exportados para países cuja escassez hídrica já limita suas colheitas. Essas exportações, portanto, incluem água, que no caso passa a ser chamada de virtual.



Figura 1. Autoria e Fontes na própria.

Uma boa síntese dos problemas relacionados à disponibilidade de água pode ser encontrada em http://www.ecodebate.com.br/2010/09/09/recursos-hidricos-no-futuro-problemas-e-solucoes-artigo-de-jose-galizia-tundisi/ .



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O PROCESSO DE PERDA



Na década de 70, Brasília ainda estava na adolescência, não existiam os Para Lamas do Sucesso nem a Legião Urbana. Nessa época, o senador Mem de Sá, que foi ministro do primeiro ditador militar, Castelo Branco, aposentou-se no começo do governo Geisel, voltou ao Rio e escreveu as etapas do relacionamento dos expatriados pela mudança da capital do Brasil com a cidade, descritas em jornais da época, todas começando pela letra D:

• Deslumbramento, nos primeiros tempos depois de mudar-se para lá, ao admirar a concepção e a arquitetura da cidade
• Decepção, ao fim de algumas semanas
• Desespero, ao constatar que é muito pior do que parecia, e não tem como melhorar
• Divórcio, quando a mulher também passou pelas etapas anteriores e decide ir embora para o Rio de Janeiro
• Demência, quando o indivíduo começa a falar bem de Brasília, e em muitos casos é sincero.


Não sei se tinha relação, mas nessa época , como descrito a seguir no verbete da Wikipédia sobre o assunto, já tinha sido lançado o livro de Elisabeth Kübler-Ross em que se descrevem as etapas do processo de perda para as pessoas que as sofrem:
O Modelo de Kübler-Ross propõe uma descrição de cinco estágios discretos pelo qual as pessoas passam ao lidar com a perda, o luto e a tragédia. Segundo esse modelo, pacientes com doenças terminais passam por esses estágios.
O modelo foi proposto por Elisabeth Kübler-Ross em seu livro On Death and Dying, publicado em 1969. Os estágios se popularizaram e são conhecidos como Os Cinco Estágios do Luto (ou da Dor da Morte, ou da Perspectiva da Morte).

Enumeração dos estágios
Os estágios são:
1. Negação e Isolamento: "Isso não pode estar acontecendo."
2. Cólera (Raiva): "Por que eu? Não é justo."
3. Negociação: "Me deixe viver apenas até meus filhos crescerem."
4. Depressão: "Estou tão triste. Por que se preocupar com qualquer coisa?"
5. Aceitação: "Tudo vai acabar bem."
Aplicabilidade
Kübler-Ross originalmente aplicou estes estágios para qualquer forma de perda pessoal catastrófica, desde a morte de um ente querido e até o divórcio. Também alega que estes estágios nem sempre ocorrem nesta ordem, nem são todos experimentados por todos os pacientes, mas afirmou que uma pessoa sempre apresentará pelo menos dois.
Outros notaram que qualquer mudança pessoal significativa pode levar a estes estágios. Por exemplo, advogados criminalistas de defesa experientes estão cientes de que réus que estão enfrentando a possibilidade de punições severas com pouca possibilidade de evitá-las freqüentemente experimentam estes estágios, sendo desejável que atinjam o estágio de aceitação antes de se declararem culpados.
Uma outra descrição disponível na internet:
FONTE: Pat Tollefson, ALPHA-1 NEWS
O impacto psicológico em caso de ser diagnosticado com uma doença pulmonar crônica pode “e o mais provável é que seja assim” calar ou permear toda a nossa vida. A experiência demonstrou-me que os assuntos psicológicos têm que ser atendidos antes de que se possa seguir adiante vivendo o melhor possível com uma doença pulmonar. Aparentemente muitas pessoas entram em negócio ou não entendem que o processo de perda (aflição, pena) é um aspecto normal em ser diagnosticado, tanto com uma doença crônica, como com uma genética.
A maioria das pessoas pensa no processo de perda quando se enfrentam á morte, mas as etapas de perda Kubler Ross também são experimentadas em muitos aspectos da vida; cada vez que nos enfrentamos a uma perda desde um divórcio até uma doença. Reconhecer que é necessário passar por este processo permitir-nos-á experimentar as diferentes etapas que incluem:
• Negação. Tratar de provar que em nós nada anda mal (ignorar os sintomas, esforçar-se mais além das capacidades físicas, seguir fumando).
• Coragem e culpa. Para nós mesmo ou outras pessoas como a parelha, os filhos ou os que cuidam de nós.
• Negociação. Fazemos promessas com a esperança de que tudo vai a estar bem ou ser igual como antes.
• Depressão. Sentimentos de desesperança e impotência.
• Aceitação. Aprender a viver com a doença ou a perda.
É normal experimentar todas estas etapas quando se é diagnosticado com uma doença crônica e não sempre acontecem as etapas na ordem mencionada. Poder-se-ia experimentar um ciclo de adianto e retraso nas diferentes etapas antes de chegar á aceitação. Conheci pessoas que estiveram estancadas numa etapa em particular, com a raiva, vivendo amargadas durante anos. Creio que reconhecendo as diferentes etapas da perda, pode ajudar a uma pessoa a mover-se até chegar á etapa da aceitação.
Ademais das etapas de perda, existe a necessidade de sentir tristeza pelo diagnóstico ou da perda. O ter alguém com quem falar acerca dos nossos sentimentos pode ajudar. As pessoas que cuidam doentes devem ser cuidadosas de não tratar de “ajeitar as coisas” para eles (porque simplesmente não se pode), senão é preferível estar á escuta e estar aí quando nos necessitem. Também existe a necessidade de deixar ir o passado e tomar controle do presente. Pode ser necessário mudar a direção das nossas vidas e alterar nossas metas.
Todos compartimos as seguintes necessidades psicológicas:
• Sentido de pertencer
• Ser necessitados
• Ser reconhecidos
• Poder contribuir
• Sentir-nos seguros
• Ter uma estima própria saudável
• Êxito
• Aceitação de como somos
• Ser elogiados
Pergunte-se a si mesmo que pode fazer para cumprir com estas necessidades. Estabeleça metas realistas e deixe a um lado as que não o são. Trate de identificar o problema, que contribui ao problema, que verdadeiramente deseja que seja o resultado final, e que alternativas estão disponíveis para ajudar-lhe a alcançar o resultado final. Conserve os roles que teve; ser mãe, pai, irmão ou irmã. Normalize a sua doença; a vida não termina por uma doença. Busque um médico com quem se sinta cômodo e confiado e siga as suas indicações sobre o tratamento. Utilize os recursos da comunidade (grupos de apoio) e eduque-se dobre a sua doença. O conhecimento ajuda a diminuir o medo. Pratique técnicas de redução de estresse. Exercite-se. Se fosse necessário, busque ajuda profissional para a depressão, a coragem e a ansiedade.

E ainda, por Luís César Ebraico, na UOL:

Elisabeth Kübler-Ross é um nome para não ser esquecido. Formou-se em medicina na Universidade de Zurique em 1957. Transferiu-se para os Estados Unidos no ano seguinte. Especializou-se em Psiquiatria. No hospital em que passou a trabalhar em Nova Iorque, ficou chocada com o tratamento que era dado aos pacientes terminais. Pouco mais do que dez anos depois escreveu um livro - On Death and Dying ( = Sobre a Morte e sobre o Morrer ). E o que dizia ali?

Por primeiro, dizia que os pacientes terminais eram ABANDONADOS pelos médicos. Sua interpretação de por que isso ocorria? A de que médicos odeiam perceber a própria impotência e que, por isso, fugiam dos pacientes que não podiam salvar.

Por segundo? Dizia que os pacientes que iam certamente morrer AINDA ESTAVAM VIVOS e era totalmente incabível abandoná-los.

Por terceiro? Sentou-se com eles, para ouvi-los. O que ela ouviu e relatou tornou-se um clássico para quem se importa com isso. Um clássico para se entender o luto.

Luto implica perda. Haverá maior perda do que a da própria vida? E o que vão perder, senão a vida, os pacientes terminais? E o que Kübler-Ross aprendeu e ensinou? Que, frente a iminência de perder a vida, passamos por *cinco etapas, das quais quatro, que me parecem as mais relevantes, discutirei aqui: a primeira, negação; a segunda, ódio; a terceira, depressão; a quarta, conciliação.

Segundo a autora - e minha experiência como terapeuta faz-me acordar por completo com ela - defrontados com a possibilidade de perder nossa vida - recebendo, por exemplo, o diagnóstico de sermos portadores do HIV - a maneira menos dolorosa de encarar o terrível impacto produzido por isso implica atravessarmos as seguintes etapas:

Na primeira, negamos, dizendo: "Não, não é verdade! O próximo exame mostrará que houve algum engano!"

Na segunda, nos enfurecemos, dizendo: "Mas por que eu? Aquele canalha do meu vizinho que trai a mulher, rouba o condomínio e não trabalha não pega HIV e eu sim!"

Na terceira, após esbravejar muito, nos deprimimos, dizendo: "Meu deus, não vou mais poder fazer aquele doutorado em Cambridge que era meu sonho! Nem etc., etc., etc.."

Na última, após negar, odiar e deprimir, nos conciliamos. Como é isso? É como nos ensinou Kübler-Ross. Pensamos: "Bem, já que estou aqui e ainda não morri, por que não leio aquele livro que sempre quis ler?" E passamos a aproveitar todos os prazeres que ainda podemos aproveitar.

Imagino que pouquíssimos de meus leitores sejam pacientes terminais. Então por que Kübler-Ross? Porque a clínica psicoterápica demonstra que o padrão que ela descobriu trabalhando com esses pacientes se aplica a TODA E QUALQUER PERDA. Você perdeu uma caneta? Então, provavelmente, primeiro vai não acreditar que perdeu, depois vai ficar enfurecido com isso, depois ficar triste, depois... Bem, se tiver atravessado todo esse processo, acho que vai comprar outra.

Agora se você impedir que tal processo ocorra, em vez de comprar outra caneta, vai ficar chorando o resto da vida pela que perdeu. Ou, então, fazer o papel idiota de dizer que sempre odiou canetas...

* A quinta etapa chama-se 'negociação'

Slavoj Zizek, em seu recente livro Living in the End Times, descreve as questões filosóficas pertinentes à época atual em termos das etapas de Kubler Ross, sem citar a própria. Seus capítulos principais têm os títulos:

Negação: A Utopia Liberal
Raiva: A Atualidade do Teológico-Político
Negociação: O Retorno da Crítica da Economia Política
Depressão: O Trauma Neuronal, ou, A Ascensão do Cogito Proletário
Aceitação: A Causa Recuperada.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Desastre eficiente 7 - O que é possível


A esta altura, poucos são os que acompanham a evolução do clima da Terra e das alterações na capacidade de suporte à vida em geral e dos seres humanos em particular, que duvidam da iminência de catástrofes de proporções inéditas na história, já nas próximas décadas.

As propostas de aumento de eficiência, em vez de retardar, na realidade aceleraram o aumento de consumo de energia e de emissões dos gases de efeito estufa. Limitações de uso de energia, inclusive por meio de taxas sobre o carbono dos combustíveis fósseis, foram derrotadas principalmente pela oposição das empresas de energia em todo o mundo, e pela incapacidade do Estado de propor um projeto de futuro frente às pressões de mercado. A entrada de formas mais “limpas” de energia se faz limitada por essas mesmas pressões dos detentores do status quo, e pelas limitações econômicas e inclusive ambientais dessas alternativas. O resultado, exposto nos relatórios mais recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC na sigla inglesa, é que as previsões mais pessimistas sobre a evolução da composição de gases de efeito estufa, e do mais confiável marcador de aquecimento - a elevação do nível dos oceanos, têm sido superadas pela realidade observada.

A última linha de atuação proposta pelos cientistas – a mitigação dos efeitos da mudança de clima, como perda de terras da agricultura, redução drástica da biodiversidade em todo o mundo, particularmente onde ela é ainda a mais rica, como florestas tropicais e recifes de corais, prevalência de secas e inundações mais e mais catastróficas, e as migrações de grandes massas de refugiados ambientais resultantes desses flagelos, também vem sendo virtualmente ignorada por governos e pelas mídias de comunicação.

A perda de esperança por uma saída aceitável para a vida na Terra não pode ser mais reprimida. Não abre, em si, novos caminhos, mas é um pressuposto para poder começar a conhecer o inevitável novo futuro.

As mudanças ocorrerão não gradualmente, mas, como apontado acima, através de uma série de eventos catastróficos, ou seja, de maneira imprevisível e incontrolável. Os recursos de que as sociedades hoje dispõem serão em grande parte enfraquecidos, ou mesmo destruídos no processo. Que novos instrumentos as sociedades poderão criar?
Ao colonizar os afetos humanos, com as indústrias culturais e a indução da compulsão de compra e de consumo, o sistema de produção capitalista passa a ocupar e a intensificar a ocupação, para além dos espaços naturais e urbanos, daquela parcela das mentes das pessoas comuns, que poderia estar exercendo as funções de percepção e de preparação para o futuro complexo e adverso. È certo que os pobres serão os mais afetados pelos efeitos da mudança de clima, surpreendidos enquanto perdem, pelo avanço do sistema econômico sobre seu acesso à terra, e sobre sua cultura, a capacidade de conseguir enfrentar por si mesmos os problemas que já estão aumentando.

Os ricos vêm se preparando já há algum tempo. Erguendo muros, criando ilhas de conforto e segurança nas cidades e entre nações, recolonizando, para assegurar seu abastecimento no futuro, países da África, América Latina e Ásia mais fracos economicamente e menos conscientes sobre as ameaças vindouras, mas com terras agricultáveis.

O Stockholm Environment Institute publicou, anos atrás, um estudo de cenários para a crise ambiental global que está a caminho . Os caminhos previstos no estudo permanecem válidos até hoje. Diferente da maior parte dos estudos prospectivos, incluindo os do IPCC, os cenários do S.E.I. delineiam profundas rupturas, assim como prevê a emergência de novos atores sociais, em escala planetária, que acabariam por articular-se para a transição em direção a uma forma de vida humana coerente com o mundo finito em que ela habita. Faltou nesse exercício de imaginação a admissão de que as opções disponíveis para a humanidade estarão extremamente reduzidas depois que se efetivarem todos os desdobramentos da mudança climática, e explorar as condições remanescentes. Os dois mais recentes livros de James Lovelock procuram alertar para as verdadeiras dimensões das perdas ambientais esperadas e sua conseqüências sobre a humanidade e sobre a civilização.






Desastre eficiente 6 - Dinâmicas contrastantes


Uma onda: Inovação, substituição, criação (na realidade, tomada) de novos espaços, produção, consumo, que inclui como parte essencial um movimento de aumento de eficiências na produção e no consumo de bens e serviços, mas que é sempre compensada pelo aumento da escala. A defesa da Terra: um arquipélago de organizações ambientalistas de variadas naturezas, incluindo organizações criadas pelos governos e empresas que têm interesse na continuação das ações destruidoras.

O que poderia mudar primeiro: o Estado, compreendendo as indústrias culturais e as de bens e de outros serviços, e os aparelhos estatais, ou os indivíduos e famílias? Nenhum dos dois lados está mudando significativamente na direção desejada.
Conferências internacionais para tratar de diminuir as emissões de gases de efeito estufa têm fracassado nas metas que vêm sendo propostas, tornando claro, a partir da reunião de Copenhagen, que para os líderes empresariais e os políticos dos países da Terra o que importa é a manutenção da lógica do crescimento econômico, e que o aquecimento de mais de 2 graus Celsius da atmosfera é inevitável, com todas as suas conseqüências.

Na realidade, as medidas mais defendidas para lidar com a mudança de clima são as que apresentam oportunidades de negócios. São todas relacionadas com alguma forma de melhoria de “eficiência”. Mas esta eficiência, quando se refere a processos determinados, é basicamente definida em função de valores econômicos. Quando se trata de substituir combustíveis fósseis por fontes de energia como hidroeletricidade e combustíveis de origem biológicos, a tendência tem sido a de subestimar as repercussões ambientais e sociais.

Quando se obtém uma melhora de eficiência do consumo de energia, na indústria, transporte, ou no consumo final, ela é aplicada a produtos e consumos individuais. Seu efeito é um barateamento, que aumenta o consumo no total. É o que se chama efeito bumerangue, rebound effect em inglês.

Mudança, inovação sempre foram respostas a algo que não é satisfatório, inclusive a crises ambientais. Sempre foram necessárias para assegurar a sobrevivência das sociedades humanas. Inovações destroem as previsões de evolução da economia, ao criar novas demandas e diminuir ou suprimir outras. Por outro lado, expectativas de evolução tecnológica e de viabilização de novas propostas são freqüentemente frustradas, e não podem ser levadas em conta na elaboração de cenários do futuro.
A imaginação coletiva, uma das bases para formar as decisões de compra de produtos e serviços por pessoas, empresas e governos, tende a ignorar a influência de mudanças e inovações. Em particular, tem revelado uma total incapacidade de captar a importância das perdas ambientais, de sua aceleração e da previsão científica de rupturas catastróficas na capacidade da Terra de suporte da vida. Contamos com o crescimento econômico e sua base física, mesmo quando é evidente a qualquer observador atento que esse crescimento é uma impossibilidade absoluta em médio prazo e leva a crises de todo tipo já na atualidade.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Desastre eficiente 5 - Incapacidade das sociedades e das pessoas de pensar com limites e agir de acordo.


Propomos um modelo de visão e comportamento para descrever a situação de um ser humano na atualidade. Este modelo foi herdado das sociedades de caçadores e coletores, dos quais descendemos todos. Estas, por sua vez, mantiveram os padrões de comportamento de seus antepassados primatas, aos quais adicionaram a capacidade de revolucionar as formas de relacionar-se com o meio ambiente, e de migrar, tudo isso em frações de tempo muito menores do que seus ancestrais.

Nesse modelo, existe a toca (ou casa), e o mundo em torno da toca.
Fora da casa, mais perto ou mais longe, existem fontes de alimentos, e há sempre lugar suficientemente longe para lançar o lixo. A fumaça e as contaminações nos corpos de água se dissolvem. Quando as formas de exploração do meio ambiente passam do limite, há colapso do ajuntamento e ou sua emigração, parcial ou total.

As sociedades humanas assemelham-se a sistemas ecológicos, ou a organismos vivos. Nascem, nutrem-se, eventualmente dão origem a novas formas de sociedade, e morrem. Sua duração e seus efeitos dependem de sua forma de interação com o meio físico e biológico. Há uma importante particularidade que marca sua diferença em relação aos organismos vivos. Num ambiente de contínua revolução das formas de produção, as civilizações não possuem mecanismos de auto-regulação eficazes no limitar seu crescimento e o crescimento de ações que destruam o seu habitat: esses mecanismos teriam que ser aprendidos pelas sociedades e pelos seres que as compõem. Na realidade, tais mecanismos nascem, mas não crescem em alcance e poder de modo a ter possibilidade de influenciar de maneira notável essas ações.

Um exemplo pode ser encontrado na mídia. Quando uma revista como Carta Capital, que aceita dar alguma atenção para as questões ambientais, encara a indústria automobilística crescente como um componente normal da economia, não como um dos vários tumores que empurram a Terra para o abismo. Toda a imprensa, de fato, dá algum espaço para poluição, aquecimento global, destruição das florestas e da biodiversidade em geral, mas quando trata da produção agrícola e industrial, omite a dimensão de perdas ambientais. São dois mundos que não se tocam. Um deles é uma máquina em crescimento permanente, o outro um conjunto de linhas de defesa em permanente recuo.

Do mesmo modo, um político que se candidate a um cargo do executivo deve se mostrar amigável com o crescimento econômico, que é o único instrumento que dentro das estruturas de poder vigentes permite conciliar minimamente as tendências de concentração de renda com o apoio de uma parte considerável da população – todo governo de país com mau desempenho em termos de crescimento econômico deve esperar ser derrotado nas próximas eleições. Inversamente, mesmo com desemprego alto, serviços públicos e infra-estruturas deficientes, se o governo puder exibir um crescimento econômico razoavelmente alto, ele deverá conseguir eleger seu sucessor.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Desastre eficiente 4 - Difíceis negociações


Para os defensores do meio ambiente que propõem conciliar economia e a base de recursos que sustenta a vida na Terra, o termo mais usado tem sido sustentabilidade. As atividades econômicas atuais, ainda crescendo entre as eventuais crises, como é defendido pelo estado e pelo público, para tornarem-se sustentáveis deveriam ser transformadas profundamente e passar a ser limitadas. A meta seria uma sociedade que atingiria um equilíbrio, em os processos e as quantidades de produção estariam de acordo com as restrições exigidas. A mudança pressupõe um cenário a ser alcançado e a definição de caminhos, em que mentes, instituições e aparatos produtivos seriam radicalmente renovados.

Se você pensa como eu, e quer ver, eventualmente influir para que as mudanças necessárias sejam feitas, o que podemos fazer, ou pedir? Quanto às mentes, e aparatos produtivos em geral, fora alguns convertidos, a massa a ser afetada é enorme, e não parece minimamente preparada para qualquer desvio para fora do “business as usual”.

Parte das instituições – as culturais e as políticas poderiam ser mais dinâmicas. Entretanto, eis algumas dificuldades, quase não levadas em conta na proposição de políticas públicas:

Estrutura corporativa das grandes empresas, em que o ganho econômico é prioridade absoluta, e em que a responsabilidade sobre os malefícios sociais (eliminação de direitos trabalhistas) e ambientais é atribuída pelos dirigentes das empresas aos acionistas, responsáveis ocultos e diluídos, que não dirigem diretamente as empresas.

Violência empreendedora, incluindo hoje ataques à ciência e aos cientistas independentes nos meios de comunicação, dominados pelos interesses conservadores com o objetivo de semear a dúvida e justificar a inação.

O processo em curso desde o desencadeamento da ofensiva neoliberal, há mais de trinta anos, cujos principais componentes são: o crescimento da parcela da riqueza das nações em poder do setor financeiro; a desregulamentação e controle de governos e agências reguladoras tanto do setor financeiro como dos serviços públicos, transformados agora em meras mercadorias; a Guerra de Classes em que os contratos de trabalho são tornados precários, os sindicatos são hostilizados pelas empresas, os salários são rebaixados e de benefícios de aposentadoria, e os serviços públicos, inclusive os de saúde, são tornados mais inacessíveis aos mais pobres.

Surgimento e crescimento de vertentes de fascismo moderno, cujos componentes são: Romantismo, no sentido do anti-racionalismo, muitas vezes associado ao surgimento de fundamentalismos religiosos; mobilização de grupos através de táticas violentas para impedir a manifestação de pontos de vista contrários; uso da imprensa para desqualificação, intimidação dos adversários.

Estas práticas foram tradicionalmente usadas para assegurar a hegemonia capitalista sobre os trabalhadores, e contra socialistas e comunistas, e hoje são empregadas também contra ambientalistas de todos os matizes.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Desastre eficiente 3 - Lógica e consequencia do crescimento ilimitado


A finalidade do sistema econômico capitalista não é a satisfação das necessidades e desejos ou assegurar o bem estar das pessoas, mas produzir excedentes para se reproduzir. Seu mecanismo básico é a produção e distribuição de mercadorias, cuja demanda tem um forte componente que é induzido culturalmente.

O sistema estimula as pessoas a consumirem mercadorias e serviços cuja natureza e quantidades não têm uma conexão direta com suas necessidades e desejos. Ignora, e produz a ignorância, dos efeitos destrutivos do consumismo. Através dos produtos alimentares o mercado induz à obesidade, e no geral, transforma pessoas em consumidores cuja consciência dos efeitos de seus atos sobre a sociedade e sobre os recursos naturais é inexistente, para todos os efeitos práticos.

Na história, descompassos entre produção e consumo foram resolvidos, para o bem ou para o mal das comunidades e seu meio ambiente local, de maneiras muito diversas. Como mostrou Jarred Diamond em seu livro Colapso, algumas das comunidades que atingiram o limite de sua capacidade de reprodução mudaram suas formas de produção na direção de um equilíbrio que perdurou até a atualidade, enquanto outras não foram capazes de reagir e tempo e com a intensidade necessária às suas crises ambientais. As primeiras mudaram suas formas de lidar com o meio ambiente para aplicar uma eficiência que abrangia as fontes naturais de seus recursos. As outras se limitaram ao imediato, no máximo buscando eficiências para indivíduos ou grupos, que não impediram a decadência e a queda final de suas comunidades.

A dinâmica claramente destrutiva dos sistemas de produção avança contra todos os limites seguros de manutenção da disponibilidade de solo, das águas doces e do mar, e da atmosfera, incluindo as profundas mudanças nos climas propícios à civilização humana, com apoio do senso comum dominante, que favorece o crescimento econômico sobre tudo.

Estas duas crises – a de escassez de petróleo e a ambiental, são relacionadas em vários aspectos, e o exame das tentativas de governança sobre a matriz energética da primeira pode ajudar a compreender os impasses que têm impedido uma ação verdadeiramente eficaz em atenuar as catástrofes vindouras, ou mesmo as tentativas de preparar a necessária adaptação ao uma terra muito mais pobre de recursos.
Entre os fatores a alimentar esses impasses, avultam os argumentos que alimentam o corrosivo otimismo ambiental dos empreendedores capitalistas, que permanece a ideologia hegemônica das principais correntes políticas de direita e esquerda.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Desastre Eficiente 2 - Meio ambiente e crescimento: pequeno retrospecto


Durante a ditadura militar, a oposição foi de certo modo liderada pela esquerda, na luta contra a censura, pela liberdade de greve e pelo direito de eleger representantes e chefes de executivos. Alguns intelectuais de esquerda nessa mesma época começaram a debruçar-se também sobre os problemas de degradação ambiental. O problema de maior repercussão foi o crescimento rápido da poluição atmosférica na região metropolitana de São Paulo, e na Serra do Mar próximo a Cubatão. Enquanto algumas autoridades, principalmente do Governo Federal, celebravam a transferência da poluição vinda dos países ricos, tida como conseqüência inevitável do progresso, populações e governos locais começaram a mobilizar-se para pressionar governos locais a estabelecer regulações para limitar efluentes das indústrias. O Governo Militar imediatamente impôs a proibição à introdução de regulações locais.

Nessa mesma época eclodiram os dois choques do petróleo, em 1973 e em 1979. As reações a esses acontecimentos, que foram as primeiras grandes manifestações dos limites ao crescimento econômico ilimitado , iniciaram uma nova era no trato com as fontes de energia. Daí para frente, e até o advento do neoliberalismo, que no Brasil iniciou-se de fato com o primeiro governo Collor, governo, empresas e indivíduos passaram a perseguir a eficiência no uso dos derivados de petróleo, no uso de energia em geral, e na substituição dos derivados de petróleo por fontes nacionais, o que incluía o carvão mineral do sul do país e etanol de plantações.

Como no caso da crise econômica de 2008, as crises do petróleo da década de setenta deslocaram para plano secundário as preocupações ambientais. Depois de uma fase aguda de racionamentos, governos em todo o mundo lançaram-se em planos mais ou menos abrangentes de substituição de fontes e de conservação de energia. As conotações destes dois termos iriam mudar radicalmente ao longo dos anos, a partir do momento em que foram lançados, logo após a fase aguda da crise. No começo, tratou-se de planos de governos, para os quais setores do empresariado foram convocados e alvos de ofertas de subsídios.

No caso de conservação de energia, termo hoje em desuso, a conotação e a intenção iniciais, consistentes com o período precedente de racionamento, era realmente de contenção do consumo de energia em suas diferentes formas: combustíveis e energia elétrica, por indivíduos e empresas, e no total consumido pela sociedade. Para sua consecução o caminho indicado pelos estudiosos em geral foi o de aumento da eficiência energética nos processos de produção e nos consumos finais de energia.

Para empresas e indivíduos, as propostas para aumentar a eficiência energética foram divididas entre: a) alterações de gestão, que não exigem gastos com dinheiro: revisão de processos de produção, mudança de hábitos de consumo; b) alterações nos equipamentos e nos processos que exigem gastos moderados, dentro da escala relativa a ações de manutenção; c) alterações que exigem grandes (e caras) mudanças em processos e em equipamentos, incluindo a troca destes últimos. Entre os vários programas enquadráveis nessas três categorias, as prioridades do ponto de vista social, ou seja, que assegurariam as mais importantes reduções no consumo total de energia, seriam aplicadas para ordenar as políticas públicas de conservação de energia.

Todas estas categorias de mudanças foram propostas desde o início, indistintamente, na suposição (ao menos para uma boa arte dos especialistas e dos gestores de políticas públicas) de que os aumentos individuais de eficiência levariam a uma diminuição nos consumos totais de energia. Esta suposição veio a se revelar simplesmente errada. O consumo de todas as formas de energia, na realidade, só fez manter a trajetória geral de crescimento. Analisar as dinâmicas que determinaram essa aparente falha do sistema de governo da energia é importante para permitir que a sociedade enfrente as questões ainda mais graves, da mudança de clima na Terra causada basicamente pela queima de combustíveis fósseis.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Uma lista dos movimentos sociais

Esta lista consta de um manifesto dos mesmos, publicado no Centro de estudos de mídia alternativa Barão de Itararé e repercutido no Viomundo, de Luiz Carlo Azenha:

Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS):

CUT – MST – CMP – UNE – UBES – ABI – CNBB/ PS – Grito dos Excluídos – Marcha Mundial das Mulheres – UBM – CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras – UNEGRO – MTD – Movimento dos Trabalhadores Desempregados – MTST – CONTEE – CNTE – CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores – UNMP – Ação Cidadania – Cebrapaz – ABRAÇO – CGTB – INTERVOZES – CNQ – FUP – SINTAPI –ANPG – CTB – CMB – MNLM.


Eles são a parte da sociedade que não faz parte do Estado, este constituído pelas as grandes empresas capitalistas e a grande mídia impressa, online e de rádio e tv, pelos políticos dos grandes partidos, governos, maioria dos legislativos e sistema judiciário, .

Desastre Eficiente 1 - crescimento econômico e domínio econômico


A sabedoria convencional vê o crescimento como condição essencial para a saúde econômica das nações. Embora se discuta cada vez mais os efeitos das atividades industriais e agrícolas, e da produção e consumo de energia sobre a base em que repousa a vida na Terra, incluindo a vida humana, não há um questionamento de sua permanência e crescimento, como se os limites não parecessem estar a manifestar-se. Há vozes dissidentes, de organizações não governamentais, de cientistas e de alguns economistas, mas tudo se passa como se elas não existissem no Mundo Real.

Chamamos aqui de Mundo Real aquele no qual as decisões dos empresários, consumidores e governos são efetivamente tomadas, as ações de proteção ambiental são determinadas exclusivamente por pressões externas a eles. Governos poderiam tratar das outras dimensões, como a prevenção de grandes desastres ambientais e a tarefa de deixar um legado suficiente em terra e recursos naturais para as próximas gerações. Entretanto, hoje em dia nenhum órgão de Estado trata dessas questões a sério, ou seja, com providências que efetivamente mudem o curso das coisas. O Mundo Real atua sobre a Terra Real. Esta, constituída de terras, águas, biosferas herdados e sociedades humanas.

O conhecimento corrente sobre Terra e Mundo reais é muito extenso, mas também muito fraco no que se refere a instrumentos para proteger o planeta que os seres vivos de hoje herdaram das gerações anteriores. Fraco relativamente ao conhecimento que instrui e perpetua os processos de apropriação da terra, águas e ar dentro das lógicas privadas que dominam as sociedades humanas globalizadas. Essas lógicas simplesmente ignoram, e se opõem sistematicamente, às restrições que teriam que ser aplicadas para que as relações entre produção e consumo e o planeta se tornassem minimamente harmônicas.

Estas mesmas lógicas têm dominado as lutas de classes no capitalismo, com o efeito de aumentar ou diminuir a desigualdade seguindo as relações de poder relativas entre capital e trabalho. Na ofensiva neoliberal das últimas décadas, o capital conseguiu, usando a competição internacional, reduzir salários e direitos dos trabalhadores, e controlar mais direta e exclusivamente o Estado.
No Brasil, a imposição da Agenda Neoliberal, atenuada parcialmente a partir da eleição do presidente Lula, foi sobreposta ao processo de democratização do país após o fim do último governo militar. Este último processo, iniciado na metade dos anos 80, tinha diferentes atores, com objetivos diferentes, freqüentemente antagônicos. A ala mais conservadora procurava atualizar suas formas de acesso, sempre presentes, às decisões de Estado, enquanto sindicatos, movimentos sociais e políticos de esquerda buscavam estabelecer canais até então inexistentes ou quase, de comunicação com a população em geral (rompendo a censura), concretizando as liberdades formais recém- adquiridas e com essas mesmas instâncias do Estado.

Essa Agenda de início concentrou-se na privatização de empresas estatais, inicialmente industriais e depois de serviços públicos. Junto à privatização, um pouco deslocada no tempo, veio a desregulamentação, que teve múltiplas facetas, mais relevantes para estas considerações. Elas incluem o combate às leis de proteção ao trabalho e ao consumidor, e a expansão de direitos de sigilo das empresas privadas, inclusive das de serviços públicos que iam sendo privatizadas. Visam aumentar o poder das empresas de grande porte e do setor financeiro, em relação aos interesses difusos da população, representados estes de forma atomizada, ou indiretamente por sindicatos e movimentos populares, junto aos aparelhos de Estado. O poder das empresas privadas, e do setor financeiro sobre elas, só tem aumentado até hoje, inclusive depois da ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder.

Politicamente as mudanças imprimidas ao país pelo neoliberalismo - privatizações, desregulamentação, financeirização de empresas e empreendimentos, são justificadas basicamente como uma evolução para aumentar a “eficiência” na economia. Em princípio, o conceito de eficiência tem a ver com as escolhas que são feitas para executar uma tarefa. Aplicada a um processo de transformação, a eficiência seria uma medida das relações entre perdas e ganhos para pessoas, os recursos fabricados e os recursos naturais. Uma eficiência definida em função dos efeitos das ações humanas sobre o planeta, global e localmente, e sua aptidão para abrigar vida em geral e as atividades humanas em particular seria bem diferente da econômica, como pode ser facilmente mostrado, mas o discurso corrente, dominante, quase sempre omite essa distinção.

Série O Desastre Eficiente

Vai ser uma série de cometários sobre os caminhos do planeta, como vejo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Energia e Democracia

Sobre o desastre da Usina de Fukushima, muitas questões vêm sendo levantadas sobre a indústria nuclear e sobre as alternativas para geração de energia elétrica. Nota-se que está presente em todos os debates uma polarização nos debates, em que as posições se cristalizam em verdadeiros “partidos”, dotados de ideologias redutoras da complexidade do problema. Embora não esteja totalmente ausente nos diversos grupos envolvidos, geralmente não se encontra em seus argumentos e propostas visões abrangentes, estratégicas, que conciliem realidade, pretensões de empreendedores e interesses e aspirações das populações.

As declarações de tais “partidos”, além de serem naturalmente parciais, tendem a ignorar as posições uns dos outros, assim como sua força relativa. Nas disputas, essa ignorância tende a produzir decisões ineficientes e ineficazes, não só do ponto de vista da sociedade em geral como do ponto de vista dos próprios grupos em conflito.

Que partidos podemos enxergar no debate sobre a produção de energia elétrica no Brasil? Primeiramente o meu, que é perfeitamente informado, isento de preconceitos e de preferências baseadas em avaliações subjetivas, e de interesses não revelados. Só que você não aceitou esta minha qualificação (nem eu). Como não tenho poder de mando, não tenho como (nem estou tentando) formular um plano estratégico. Vamos, pois, aos outros partidos em ação.

De um lado os partidos dos conservadores, divididos entre reacionários, que se opõem a qualquer mudança, e mercadistas, que defendem apenas as mudanças consistentes com "desenvolvimento econômico", baseado no crescimento das atividades econômicas a partir da lógica de acumulação capitalista.

De outro lado encontram-se os grupos que admitem ou pedem intervenções extra-mercados, estes muito mais divididos. A maior divisão encontra-se entre os que se opõem a qualquer implantação que produza alterações ambientais negativas, em qualquer grau de intensidade, e os que aceitam a inevitabilidade dessas alterações, mas procuram negociar as mudanças visando algum tipo de equilíbrio abrangente.

É fundamental identificar quem constitui ou fomenta os diversos grupos envolvidos, não com a finalidade de cristalizar antagonismos, mas para permitir que o conhecimento mútuo das forças relativas, dos graus de rigidez ou flexibilidade esperadas dos diversos grupos possibilite a superação de impasses nas questões mais importantes. Conhecer esses grupos significa conhecer também seus modos e instrumentos de ação, em particular o uso que eles fazem dos aparelhos do estado.

Outra condição essencial é detectar a presença de manifestações de táticas de cunho fascista na condução da luta política e intelectual, um fenômeno atualmente em ascenção em todo o mundo. Essas táticas são praticadas muitas vezes por iniciativa dos empreendedores interessados em manter suas práticas. Exemplos de táticas fascistas são as manifestações do Tea Party nos EE.UU., e as táticas eleitorais da candidatura José Serra nas recentes eleições brasileiras. Elas são diferentes das formas repressivas baseadas na ação do estado, como as aplicadas sobre populações afetadas pela construção de barragens durante a ditadura militar, mas são igualmente destrutivas dos caminhos da negociação democrática.

Uma forma de negociação realmente igualitária e civilizada constitui a única possibilidade de evolução minimamente racional da sociedade. No passado, propiciou a evolução de vários dos países mais ricos no sentido de melhores condições de vida para toda a sua população. Nunca atingiu níveis satisfatórios devido ao predomínio dos interesses concentrados - grandes corporações industrias, comerciais e atualmente principalmente financeiras. Esses interesses travam a emancipação das populações, e têm conseguido vários retrocessos no processo, inclusive patrocinando guerras imperiais, através do controle cultural e político da sociedade.