terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Neoliberalismo: a nova forma do totalitarismo, por Marilena Chauí

Peguei no jornal GGN
Em vez de fascismo, denomino o neoliberalismo com o termo totalitarismo, tomando como referência as análises da Escola de Frankfurt

Tornou-se corrente nas esquerdas o uso de termos fascismo e neofascismo para descrever criticamente nosso presente.
Estamos acostumados a identificar o fascismo com a presença do líder de massas como autocrata. É verdade que, hoje, embora os governantes, não se alcem à figura do autocrata, operam com um dos instrumentos característico do líder fascista, qual seja, a relação direta com “o povo”, sem mediações institucionais e mesmo contra elas. Também, hoje, se encontram presentes outros elementos próprios do fascismo: o discurso de ódio ao outro – racismo, homofobia, misoginia; o uso das tecnologias de informação que levam a níveis impensáveis as práticas de vigilância, controle e censura; e o cinismo ou a recusa da distinção entre verdade e mentira como forma canônica da arte de governar.
No entanto, não emprego esse termo por três motivos: (a) porque o fascismo tem um cunho militarista que, apesar das ameaças de Trump à Venezuela ou ao Irã,  as ações de Nathanayu sobre a faixa de Gaza, ou a exibição da valentia do homem armado pelo governo Bolsonaro e suas ligações com as milícias de extermínio, não podem ser identificados com a ideia fascista do povo armado; (b) porque o fascismo propõe um nacionalismo extremado, porém a globalização, ao enfraquecer a ideia do Estado-nação como enclave territorial do capital, retira do nacionalismo o lugar de centro mobilizador da política e da sociedade; (c) porque o fascismo pratica o imperialismo sob a forma do colonialismo, mas a economia neoliberal dispensa esse procedimento usando a estratégia de ocupação militar de um espaço delimitado por um tempo delimitado para devastação econômica desse território, que é abandonado depois de completada a espoliação.
Em vez de fascismo, denomino o neoliberalismo com o termo totalitarismo, tomando como referência as análises da Escola de Frankfurt sobre os efeitos do surgimento da ideia de sociedade administrada.
O movimento do capital transforma toda e qualquer realidade em objeto do e para o capital, convertendo tudo em mercadoria, instituindo um sistema universal de equivalências próprio de uma formação social baseada na troca pela mediação de uma mercadoria universal abstrata, o dinheiro.
A isso corresponde o surgimento de uma prática, a da administração, que se sustenta sobre dois pilares: o de que toda dimensão da realidade social é equivalente a qualquer outra e por esse motivo é administrável de fato e de direito, e o de que os princípios administrativos são os mesmos em toda parte porque todas as manifestações sociais, sendo equivalentes, são regidas pelas mesmas regras. A administração é concebida e praticada segundo um conjunto de normas gerais desprovidas de conteúdo particular e que, por seu formalismo, são aplicáveis a todas as manifestações sociais. A prática administrada transforma uma instituição social numa organização.
Uma instituição social é uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, sendo estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos. Sua ação se realiza numa temporalidade aberta ou histórica porque sua prática a transforma segundo as circunstâncias e suas relações com outras instituições.
Em contrapartida, uma organização se define por sua instrumentalidade, fundada nos pressupostos administrativos da equivalência. Está referida ao conjunto de meios particulares para obtenção de um objetivo particular, ou seja, não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações, isto é, estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. É regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito, por isso sua temporalidade é efêmera e não constitui uma história.
Totalitarismo: por que em seu núcleo encontra-se o princípio fundamental da formação social totalitária, qual seja, a recusa da especificidade das diferentes instituições sociais e políticas que são consideradas homogêneas e indiferenciadas porque são concebidas como organizações. O totalitarismo é a afirmação da imagem de uma sociedade homogênea e, portanto, a recusa da heterogeneidade social, da existência de classes sociais, da pluralidade de modos de vida, de comportamentos, de crenças e opiniões, costumes, gostos e valores.
Novo: por que, em lugar da forma do Estado absorver a sociedade, como acontecia nas formas totalitárias anteriores, vemos ocorrer o contrário, isto é, a forma da sociedade absorve o Estado. Nos totalitarismos anteriores, o Estado era o espelho e o modelo da sociedade, isto é, instituíam a estatização da sociedade; o totalitarismo neoliberal faz o inverso: a sociedade se torna o espelho para o Estado, definindo todas as esferas sociais e políticas não apenas como organizações, mas, tendo como referência central o mercado, como um tipo determinado de organização: aempresa – a escola é uma empresa, o hospital é uma empresa, o centro cultural é uma empresa, uma igreja é uma empresa e, evidentemente, o Estado é uma empresa.

Deixando de ser considerada uma instituição pública regida pelos princípios e valores republicano-democráticos, passa a ser considerado homogêneo ao mercado. Isto explica porque a política neoliberal se define pela eliminação de direitos econômicos, sociais e políticos garantidos pelo poder público, em proveito dos interesses privados, transformando-os em serviços definidos pela lógica do mercado, isto é, a privatização dos direitos, que aumenta todas as formas de desigualdade e exclusão.
O neoliberalismo vai além: encobre o desemprego estrutural por meio da chamada uberização do trabalho e por isso define o indivíduo não como membro de uma classe social, mas como um empreendimento, uma empresa individual ou “capital humano”, ou como empresário de si mesmo, destinado à competição mortal em todas as organizações, dominado pelo princípio universal da concorrência disfarçada sob o nome de meritocracia.
O salário não é visto como tal e sim como renda individual e a educação é considerada um investimento para que a criança e o jovem aprendam a desempenhar comportamentos competitivos. O indivíduo é treinado para ser um investimento bem sucedido e para interiorizar a culpa quando não vencer a competição, desencadeando ódios, ressentimentos e violências de todo tipo, destroçando a percepção de si como membro ou parte de uma classe social e de uma comunidade, destruindo formas de solidariedade e desencadeando práticas de extermínio.
Quais são as consequências do novo totalitarismo?
– social e economicamente, ao introduzir o desemprego estrutural e a terceirização toyotista do trabalho, dá origem a uma nova classe trabalhadora denominada por alguns estudiosos com o nome de precariado para indicar um novo trabalhador sem emprego estável, sem contrato de trabalho, sem sindicalização, sem seguridade social, e que não é simplesmente o trabalhador pobre, pois  sua identidade social não é dada pelo trabalho nem pela ocupação, e que, por não ser cidadão pleno, tem a mente alimentada e motivada pelo medo, pela perda da autoestima e da dignidade, pela insegurança;
– politicamente põe fim às duas formas democráticas existentes no modo de produção capitalista: (a) põe fim à socialdemocracia, com a privatização dos direitos sociais, o aumento da desigualdade e da exclusão; (b) põe fim à democracia liberal representativa, definindo a política como gestão e não mais como discussão e decisão públicas da vontade dos representados por seus representantes eleitos; os gestores criam a imagem de que são os representantes do verdadeiro povo, da maioria silenciosa com a qual se relacionam ininterruptamente e diretamente por meio do twitter, de blogs e redes sociais – isto é, por meio do digital party –, operando sem mediaçãoinstitucional,pondo em dúvida a validade dos parlamentos políticos e das instituições jurídicas, promovendo manifestações contra eles; (c) introduz a judicialização da política, pois, numa empresa e entre empresas, os conflitos são resolvidos pela via jurídica e não pela via política propriamente dita. Em outras palavras, sendo o Estado uma empresa, os conflitos não são tratados  como questão pública e sim como questão jurídica, no melhor dos casos, e como questão de polícia, no pior dos casos; (d) os gestores operam como gangsters mafiosos que institucionalizam a corrupção, alimentam o clientelismo e forçam lealdades. Como o fazem? Por meio do medo. A gestão mafiosa opera por ameaça e oferece “proteção” aos ameaçados em troca de lealdades para manter todos em dependência mútua. Como os chefes mafiosos, os governantes também têm os consiglieri, conselheiros, isto é, supostos intelectuais que orientam ideologicamente as decisões e os discursos dos governantes, estimulando o ódio ao outro, ao diferente, aos socialmente vulneráveis (imigrantes, migrantes, refugiados, lgbtq+, sofredores mentais, negros, pobres, mulheres, idosos) e esse estímulo ideológico torna-se justificativa para práticas de extermínio; (e)transformam todos os adversários políticos em corruptos, embora a corrupção mafiosa seja, praticamente, a única regra de governo; (f) têm controle total sobre o judiciário por meio de dossiês sobre problemas pessoais, familiares e profissionais de magistrados aos quais oferecem “proteção” em troca de lealdade completa (e quando o magistrado não aceita o trato, sabe-se o que lhe acontece);
– ideologicamente, com a expressão “marxismo cultural”, os gestores perseguem todas as formas e expressões do pensamento crítico e inventam a divisão da sociedade entre o bom povo, que os apoia, e os diabólicos, que os contestam. Por orientação dos consiglieri, pretendem fazer uma limpeza ideológica, social e política e para isso desenvolvem uma teoria da conspiração comunista, que seria liderada por intelectuais e artistas de esquerda. Os conselheiros são autodidatas que se formaram lendo manuais e odeiam cientistas, intelectuais e artistas, aproveitando-se do ressentimento que a extrema direita tem por essas figuras. Como tais conselheiros estão desprovidos de conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos, empregam a palavra “comunista” sem qualquer sentido preciso: comunista significa todo pensamento e toda ação que questionem o status quo e o senso-comum (por exemplo: que a terra é plana; que não há evolução das espécies; que a defesa do meio ambiente é mentirosa; que a teoria da relatividade não tem fundamento, etc.). São esses conselheiros que oferecem aos governantes os argumentos racistas, homofóbicos, machistas, religiosos, etc., isto é, transformam medos, ressentimentos e ódios sociais silenciosos em discurso do poder e justificativa para práticas de censura e de extermínio;

– a dimensão planetária da forma econômica neoliberal faz com que não exista um “fora” do capitalismo, uma alteridade possível, levando à ideia de “fim da história”, portanto à perda da ideia de transformação histórica e de um horizonte utópico. A crença na inexistência da alteridade é fortalecida pelas tecnologias de informação, que reduzem o espaço ao aqui, sem geografia e sem topologia (tudo se passa na tela plana como se fosse o mundo) e ao agora, sem passado e sem futuro, portanto sem história (tudo se reduz a um presente sem profundidade). Volátil e efêmera, nossa experiência desconhece qualquer sentido de continuidade e se esgota num presente vivido como instante fugaz;
– a fugacidade do presente, a ausência de laços com o passado objetivo e de esperança em um futuro emancipado, suscitam o reaparecimento de um imaginário da transcendência. Assim, a figura do empresário de si mesmo é sustentada e reforçada pela chamada teologia da prosperidade, desenvolvida pelo neopentecostalismo. Mais do que isso. Os fundamentalismos religiosos e a busca da autoridade decisionista na política são os casos que melhor ilustram o mergulho na contingência bruta e a construção de um imaginário que não a enfrenta nem a compreende, mas simplesmente se esforça por contorná-la apelando para duas formas inseparáveis de transcendência: a divina (à qual apela o fundamentalismo religioso) e a do governante (à qual apela o elogio da autoridade forte).
Diante dessa realidade, muitos afirmam que vivemos num mundo distópico, no qual as distopias são concebidas sob a forma da catástrofe planetária e do medo. Vale a pena, entretanto, mencionar brevemente a diferença entre utopia e distopia.
A utopia é a busca de uma sociedade totalmente outra que negue todos os aspectos da sociedade existente. É a visão do presente sob o modo da angústia, da crise, da injustiça, do mal, da corrupção e da rapina, do pauperismo e da fome, da força dos privilégios e das carências, ou seja, o presente como violência nua. Por isso mesmo é radical, buscando a liberdade, a fraternidade, a igualdade, a justiça e a felicidade individual e coletiva graças à reconciliação entre homem e natureza, indivíduo e sociedade, sociedade e poder, cultura e humanidade. Uma utopia não é um programa de ação, mas um projeto de futuro que pode inspirar ações que assumem o risco da história, fundando-se na ação humana como potência para transformar a realidade, tornando-se imanentes à história, graças à ideia de revolução social.
A distopia tem um significado crítico inegável ao descrever o presente como um mundo intolerável, porém corre o risco de transformá-lo em fantasma e rumar para o fatalismo, a imobilidade e  o desalento do fim da história. A utopia também parte da constatação de um mundo intolerável, mas em lugar de curvar-se a ele, trabalha para colocá-lo em tensão consigo mesmo para que dessa tensão surjam contradições que possam ser trabalhadas pela práxis humana. A imobilidade distópica decorre de sua estrutura fantasmática: nela, o intolerável não é o ponto de partida e sim o ponto de chegada. Ao contrário, a mobilidade utópica provém de sua energia como projeto e práxis, como trabalho do pensamento, da imaginação e da vontade para destruir o intolerável: o intolerável é seu ponto de partida e não o de chegada.

Se a utopia é a visão do presente sob o modo da angústia, da crise, da injustiça, do mal, da corrupção e da rapina, do pauperismo e da fome, da força dos privilégios e das carências, do presente como violência intolerável, não podemos abrir mão da perspectiva utópica nas condições de nosso presente.
*Marilena Chaui é professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

TARSO GENRO: BOM ANO NOVO


Peguei no Blog do Miro/ Sul 21

Os resistentes



Tarso Genro (*)
O meu tio-avô Carl Herz era Prefeito de Kreusberg -então distrito berlinense- quando os nazis chegaram ao poder. Judeu, jurista e socialdemocrata, militou junto com Ebert, Rosa Luxemburgo e Liebnekecht. Hoje Carl Herz é “nome de rua em Berlim”. Faço uma homenagem a ele, nestes dias derradeiros de fim de ano,  respondendo ao ministro Weintraub, que num vídeo do Youtube me “acusou” de ser descendente deste judeu socialista, pensando que Carl fosse meu avô. Carl, irmão de Hermann meu avô, intelectual socialdemocrata e militante de esquerda sofreu a perda do seu filho e meu primo, Gunter, assassinado no Campo de Auschwitz. Na mesma fala, Weintraub disse que tenho descendentes socialistas -minha filha Luciana e meu neto Fernando- o que para mim é a mais pura e orgulhosa das verdades.
Carl Herz, nome de rua em Berlim: Feliz Ano Novo, para os que resistem nas fronteiras da vida. (Arquivo pessoal)
Uma mentira que ele pregou, porém, foi bastante grave e explícita do seu caráter, ao dizer que eu sou um advogado “bilionário”. Foi uma acusação muito comum feita contra os judeus e “meio judeus”, durante a ascensão do nazismo, preparatória do espírito dos “arianos” para os saques, extorsões, desapropriações e roubos, feitos contra a comunidade judia, visando reunir fundos para uma Guerra que daria glória “eterna” à Alemanha, no Reich dos 1.000 anos. Se eu fosse bilionário os partidos de esquerda e demais partidos verdadeiramente democráticos do nosso país estariam com muito mais recursos disponíveis para enfrentar praga fascista que nos assola.
Neste vídeo Weintraub ataca, particularmente, três pessoas, FHC, Marilena Chauí e este escriba. A companhia destas pessoas muito me honrou. As divergências que tenho com FHC -por exemplo- que hoje nos separam, nada tem a ver com as questões do socialismo, mas sim com a importância da luta pela democracia a partir da unidade antifascista, com a defesa irrestrita da educação pública e com a disputa de princípios em torno das reformas ultraliberais. Para mim, lembrar Carl Herz nestas circunstâncias é uma maneira de homenagear a todos os que lutaram e viveram para isso e para me separar de todos os energúmenos que hoje governam o país, que estão preparando a maior hecatombe social da história da República.
O início formal de um novo ano estimula compromissos, análises, projeções sobre o futuro e a crítica do passado recente. No conto clássico de Rubem Fonseca “Feliz Ano Novo”, Pereba, Zequinha e o narrador-personagem, apresentados pelo autor quase como bandidos sociais que merecessem “compreensão” pelo que fizeram, estupram, matam e roubam, para iniciar o novo ano. O Brasil nunca mudou tanto em tão pouco tempo. A mentira se tornou o cotidiano do poder político, a idiotice ministerial foi naturalizada como folclore, as maiores imbecilidades são ditas pelos filósofos do novo sistema miliciano e a maioria dos órgãos de imprensa pouco informa e pouco investiga as situações graves, que inclusive aproximam os homens do poder de assassinatos nitidamente políticos.
Nem na época do Regime Militar, nem no período Juscelino, no Governo Jango, na era Collor, Itamar, FHC, Lula, vivemos situações tão grotescas, vexatórias e brutalmente manipulatórias, como as que vivemos neste ano de Governo Bolsonaro. Quando a mentira se torna uma rotina e a ampla maioria sabe que o Governo mente todos os dias e aceita isso passivamente, conclui-se que centenas de “Perebas” e “Zequinhas” políticos, ocuparam o Estado e fizerem dele a sua moradia. E nesta moradia cultivam a ideia de amarrar o Brasil numa sociopatia de longo curso, que precede os grandes tormentos da guerra, onde mães delirantes passam a dizer que se orgulhariam de ver seus filhos mortos pela causas imprecisas de um fanático.
Um ficcionista bissexto -de segunda categoria- relata no seu conto “Fronteira” um episódio ocorrido num pequeno sítio de um “barrio” pobre de Rivera. A estória se passa num  lugar remoto, perto da linha imaginária que separa o  Uruguay do Brasil, nos idos de 72. No centro do relato está um velho comunista, Don Pepe, já retirado da militância cotidiana, que agora se ocupa de guardar documentos e livros “subversivos” -e até armas- de qualquer organização clandestina. Ele se fez auxiliar de qualquer grupo ou partido que arrisque o seu pelego na luta contra os regimes de morte, instalados naquela época na América Latina.
Quanto mais jovens os militantes destes grupos, mais radicais eles são. Sabendo disso, o velho comuna curtido em duras refregas de outras épocas, fala  como um Conselheiro, quando se depara com a foto do “Che” na capa de um Manual Guerrilheiro-: “”Foi aventura. Mas é assim mesmo”. Já tinha dito que o “Che” errara na Bolívia e que Fidel o abandonara. Eram tempos duros aqueles, já que recentemente os Tupamaros tinham matado Dan Mitrione, contratado para ensinar tortura no Uruguay. Em todo Cone Sul já era o reinado dos estupradores, sádicos, mentirosos e canalhas -regulares e irregulares- que se sucediam como atores no teatro do inferno.
Quando os dois jovens saem do rancho de Don Pepe, depois dos documentos serem devidamente enterrados, a noite já surgira “ponteada de estrelas e cometas”, pois, pela pequena janela perdida no breu dos fundos do rancho, ambos já tinham sentido “o céu do cruzeiro e a limpeza medular do universo”: mariposas entrando “fulgurantes na lamparina”, “o azul escuro da vida eterna”, o “cheiro de querosene e a vontade de ficar ali para sempre”. Ambos concordaram que a investida boliviana de Che fora ineficaz -de porte generoso e quixotesco- mas não aceitaram a versão de que Fidel o abandonara. O velho apenas desenhara na face serena um sorriso enrugado, abrira um Zippo já amarelado e reacendera o palheiro. E disse: “Tomem cuidado. A coisa agora é longa”.
Nossa herança colonial e escravista pesa como um oceano de couro. Os longos mais de vinte anos da ditadura  brasileira, a transição conciliada, os anos de vigência decente da Constituição de 88 -entre a sua promulgação e o golpe midiático-evangélico (e hoje se vê) proto-fascista contra Dilma- resultaram num casamento perfeito. Uniram-se em comunhão amável os grandes empresários industriais e agrários, setores importantes da burocracia estatal, a alta classe média rentista ou simplesmente imbecilizada pelo ódio de classe, sob o testemunho da academia ultraliberal. Era a união perfeita para dominar, por dentro da própria Constituição.
Este bloco, todavia, não vingaria sem os instrumentos da “guerra híbrida” contra a democracia, sem os “fake news” provindos dos mesmos porões clandestinos em que a tortura se instalou no mundo de hoje, sem o convencimento programado -cientificamente- pelo oligopólio da mídia, que os comunistas eram um perigo e que o país seria feliz sem os valores da democracia e da esquerda, que Trump, Steve Bannon e seus sequazes ajudariam a rejeitar.  O intervalo democrático foi então sepultado por uma aliança improvável: do ultraliberalismo anti-estatista, com o fascismo: este como “modo de vida” e também forma de gerir o Estado, aquele como Estado só reforçado nas suas funções de polícia, apoiadas num novo estatuto das milícias ligadas ao poder. Tudo isso gera agora, novamente, um período “longo”, que talvez seja ainda mais longo do que a previsão do velho Pepe poderia alcançar, pois a sua medida do tempo era a de uma geração que se aproximava do fim.
Na  época de Pepe, a direita contava com o apoio direto da CIA e demais órgãos operacionais do Império e a esquerda com Cuba e -em algumas revoluções africanas- com a China e a URSS, que disputavam espaços no âmbito da “Guerra fria”, na qual estava em disputa os destinos do mundo do pós-guerra. Hoje eles contam – além de tudo isso – com as máquinas de controle das mentes, pelas quais um novo real-virtual chega à consciência das pessoas, já programadas para o mercado, não para gerar um convívio humano minimamente solidário. A civilização industrial clássica, que pariu a democracia política e social, impelia as pessoas para a praça, a celebração púbica da mística nacional, o convívio em círculos contraditórios abertos. A civilização liberal-rentista, com as novas tecnologias informacionais “concretiza” o isolamento e “virtualiza” a fria -e às vezes doentia- comunhão nas redes, convívio linear quase sempre em linhas fechadas.
Quando Guedes disse – com tranquilidade assombrosa – algo como “não esperem de nós providências contra as desigualdades sociais”, as alianças que nos governam perderam qualquer necessidade de dissimular, pois elas já estavam garantidas por um duplo apoio ideológico: o primeiro, que vinha das religiões do dinheiro; e o segundo, que vinha da mídia tradicional. Esta fez e faz, qualquer negócio para manter o ritmo e a profundidade do que chamam de “reformas”, cujo conteúdo faz  prova cabal que Guedes foi honesto, não irônico: estas -as desigualdades- não só não são combatidas, mas são aprofundadas para redesenhar a sociedade: para que ela seja mais desigual, por aceitação e vocação. Centenas de jornalistas dignos buscam se equilibrar neste cenário devastador da verdade, onde vence -quase sempre-  a manipulação e a farsa miliciana, corrupta e corruptora.
Nunca foi tão necessário desejar tão fortemente um ano novo mais feliz. Quando as incertezas esmagam o pensamento crítico, quando as mentiras seduzem os conformados e os medíocres, quando a repetição fascista das mentiras ganha a alma dos inocentes, quando a coisa agora “vai ser -novamente- longa”, inclusive para a paciência de quem não desiste, anonimamente, nas fronteiras do mundo -entre o medo e a esperança-, quando somos chamados a estender as mãos para encontrar mãos que estão intimidadas, torna-se importante, mais do que desejar: exigir um “Feliz Ano Novo”! E eu o faço, lembrando os gritos de “mito!” na Hebraica e Carl Herz, que hoje é nome de rua em Berlim.
(*) Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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FASCISMO ATUAL NO BRASIL E NO MUNDO


Peguei no Outras Palavras 

Para entender o fascismo dos impotentes

Filósofo italiano adverte: “nova” ultra-direita lembra apenas na aparência os regimes totalitários do passado. Seus partidários trocaram o entusiasmo por desesperança e ressentimento. Um apocalipse se aproxima – e ele pode ser bom…
Franco Berardi entrevistado por Juan Íñigo Ibáñez | Tradução: Rôney Rodrigues | Imagem: Edward HopperFour Lane Road (1956)
O filósofo italiano Franco Berardi, referência na esquerda europeia, avalia as causas que levaram ao fortalecimento da ultra-direita, as divergências no feminismo e como a conexão tecnológica ameaça acabar com a ironia na linguagem e a sedução.
No início de agosto de 2017, tudo estava pronto para que Franco “Bifo” Berardi apresentasse sua performance “Auschwitz na Praia” na feira de arte alemã documenta 14. No último minuto, os curadores da exposição decidiram cancelar a proposta do acadêmico bolonhês: várias organizações reclamaram que a situação dos imigrantes era incomparável com a enfrentada pelos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Ao fim, a performance foi substituída pela leitura pública do poema de “Bifo” que inspirou o trabalho original, além de um debate aberto sobre a crise dos migrantes na Europa.
Apesar disso, Berardi seguiu insistindo – ferreamente – no paralelismo entre as condições que enfrentam os refugiados que dia após dia chegam à costa europeia, com os seis milhões de judeus assassinados durante o nazismo. E foi ainda mais longe: equiparou o contexto político atual – marcado pelo crescimento da extrema-direita – com o que tornou possível a ascensão do nazismo na Alemanha.
Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, os resultados para a ultradireita passaram longe do triunfo significativo que alguns prenunciavam e, no fim das contas, os grandes vencedores foram os partidos ecologistas. No entanto, 21 coalizões ultraconservadoras ganharam assentos e aumentaram em 10% seus representantes no Parlamento Europeu. E, enquanto os tradicionais partidos socialistas e de centro-direita perderam a maioria absoluta – e, por isso, já não podem mais formar uma “grande coalizão” –, as propostas de Marine Le Pen, Matteo Salvini e Nigel Farage – líder do partido do Brexit – conseguiram impor-se na França, Itália e Reino Unido. Da mesma forma, na Hungria, Polônia e Suécia também se consolidaram forças de extrema-direita e antieuropeias.
Apesar de esse avanço eleitoral ser aparentemente modesto, para muitos analistas o discurso de populistas xenófobos goza hoje de excelente saúde, chegando, inclusive, a “infiltrar-se” por dentro das social-democracias nórdicas: na Dinamarca, a centro-esquerda liderada por Mette Frederiksen acaba de recuperar o poder com base na promessa de implantar uma forte política anti-imigração.  
Por que o senhor considera que a derrota de Hitler não foi o fim do nazismo na história da Europa nem do mundo?
Antes de tudo, a dinâmica social que tornou possível a onda neorreacionária contemporânea (do Brexit a Trump, de Duterte a Bolsonaro) é a mesma que levou à vitória de Hitler em 1933. Hitler ganhou porque convenceu os trabalhadores empobrecidos e humilhados na Alemanha de que não eram trabalhadores derrotados, mas guerreiros brancos e arianos.
O nazismo substitui o devir social pela identidade nacional. É o que está acontecendo nessa época de Trump; é o que acontece hoje na Europa: os trabalhadores, empobrecidos pela máquina financeira e humilhados pela esquerda neoliberal, rebelam-se em nome da identidade, da raça, da nação. Os humilhados, como classe social, se reafirmam como classe guerreira.
Em relação ao que está acontecendo na região do Mediterrâneo: é um verdadeiro holocausto que se desenvolve diante dos olhos da população europeia. Todos os dias, estamos matando homens e mulheres que vêm da Síria, do Afeganistão, da África. Todos os dias deportamos pessoas que estão fugindo das guerras que os europeus e norte-americanos provocaram aos torturadores da Líbia e da Turquia.
Alguém disse que não se pode comparar os seis milhões de judeus assassinados pelos nazistas. 30 mil não parece ser suficiente… Vamos esperar que cheguem a seis milhões?
O nazismo de hoje tem uma dimensão planetária: os “judeus de hoje” são milhões de pessoas que o colonialismo humilhou e que tentam escapar de seus campos de extermínio.
O senhor apontou que o auge da extrema-direita se dá em consonância com a obsessão pela “identidade”. Por que isso é problemático na política?
A política é fundada na escolha de alternativas, é baseada no pensamento, na estratégia racional. A identidade é o contrário da liberdade, é o contrário da escolha. Sou branco, sou negro, sou muçulmano, sou cristão… A política não tem nada a ver com o “ser”, mas com o devir.  
Quando a política é pensada em termos de “ser”, a guerra se torna inevitável. O fascismo sempre é baseado na confusão de que a política é a expressão de uma identidade.
Embora muitos rotulem os partidos e governos de extrema-direita de “fascistas”, o senhor diz que essa categoria não é suficiente. Por quê?
O fascismo histórico do século XX foi a expressão de jovens que lutavam pela supremacia nacional e racial, mas baseados em uma visão futurista, expansiva e eufórica. Não se pode entender o fascismo italiano, e tampouco o alemão e o japonês, sem a referência a esse futurismo, a afirmação agressiva de um futuro glorioso. Hoje nada disso existe. Não há exuberância juvenil futurista na onda neorreacionária atual.
A onda neorreacionária de hoje é um fenômeno de senescência (envelhecimento biológico). Não importa que muitos jovens tenham votado na direita: são jovens sem futuro, sem euforia, sem esperança e sem glória. O horizonte contemporâneo é de impotência; e a impotência é a origem da vingança.
Em 2018, intelectuais e artistas francesas assinaram uma carta que acusava o feminismo anglo-saxão, especificamente o movimento #MeToo, de provocar uma “caça às bruxas” que conduziria a um novo “puritanismo” sexual. Que opinião você tem sobre esse cisma dentro do feminismo?
O movimento #MeToo foi um acontecimento importante de denúncia do poder (masculino) implícito dentro da sexualidade contemporânea. Concordo. Mas a dinâmica cultural que o #MeToo desencadeia coincide com uma visão puritana que tem um papel importante na história do movimento feminista mundial, mas sobretudo na base do feminismo norte-americano. A visão puritana se manifesta na rejeição do que é ambíguo e impuro na comunicação erótica e na comunicação em geral.
Naturalmente, frente às condições atuais de violência e de agressividade masculina, a onda de denúncias femininas é necessária e legítima, mas há um grande perigo cultural: a criminalização da ambiguidade, da sedução como jogo linguístico.
O #MeToo é a expressão de uma cultura na qual a sexualidade perdeu toda a relação com a ironia da linguagem, onde a linguagem tem que ser “sim-sim, não-não”, onde o medo reciproco é a única maneira de evitar a violência. É um mundo infernal que corresponde perfeitamente ao inferno de um país onde o que é humano foi suprimido, porque a linguagem foi submetida a um código binário. A binarização da sensibilidade implica na identificação do erotismo com a pornografia.
As denúncias contra o produtor Harvey Weinstein, que desencadearam a onda de crítica feminista nos Estados Unidos, têm que ser contextualizadas dentro da crise política da democracia norte americana, na crise da classe política democrática, no sistema de cumplicidade “clintoniana”. Quem era Weinstein, todos sabiam, mas o poder da democracia liberal e da mídia foram cúmplices de sua violência, que não era só sexual, mas também social, econômica e profissional.
Existe hoje algum coletivo feminista que transcenda a visão puritana?
O movimento “Ni una menos” da Argentina tem um caráter cultural profundamente diferente porque se baseia na ação coletiva das mulheres, não em uma abstrata afirmação de uma verdade e de uma pureza que não existe, mas na palavra da lei.
Nos últimos anos surgiram blogueiros e youtubers de extrema-direita. A que atribui sua proliferação e como isso se relaciona com a ascensão de governos de extrema-direita?
A impotência é o caráter fundamental de identificação das raças brancas. A cultura declinante dos dominadores é ameaçada pela globalização, pela migração e, ao mesmo tempo, pelo superpoder da técnica e das finanças.
Impotência é uma palavra que se refere à potência política perdida, mas também à potência sexual. A depressão massiva, a precariedade e a ansiedade contemporânea tem produzido um efeito de impotência psíquica e sexual massiva que se manifesta como agressividade antifeminina.
A guerra civil global contemporânea é, antes de mais nada, uma guerra contra as mulheres. Em seu livro Muerte a los normies [sem tradução no Brasil], Angela Nagle explica muito bem o papel que a cultura dos “homens beta” (machos pouco assertivos com as mulheres e que foram relegados, involuntariamente, do mercado sexual) está desenvolvendo uma onda neorreacionária.
Nos anos que antecederam o triunfo de Trump, muitas subculturas da web, vinculadas a alt right, utilizaram memes como “Pepe, o Sapo” que, de forma irônica e cínica, conseguiram atingir milhares de homens jovens, “trolls” da raça branca e com sensibilidade política indefinida. Que implicações éticas e cognitivas tem a estética dos memes?
Em condições de aceleração e intensificação da infosfera, o tempo de elaboração cognitiva se faz cada vez mais breve e restrito. Por isso, a faculdade crítica, como a capacidade de discriminar o que é verdadeiro e falso, fica confusa e obscurecida. Não temos tempo para analisar intelectualmente, nem para elaborar emocionalmente, os estímulos que chegam a nossa mente. Consequentemente, as formas de comunicação mais eficientes são as que substituem a razão crítica com a velocidade da síntese memética.
Em seu livro Os meios de comunicação como extensão do homem (1964), Marshall McLuhan escreveu que, quando a simultaneidade eletrônica substitui a sequencialidade alfabética, a faculdade mitológica substitui a cultura social e a razão crítica. O meme é a expressão midiática do pensamento mitológico que – como o inconsciente freudiano – não conhece o princípio de não contradição, não conhece a irreversibilidade temporal, não conhece a crítica nem a temporalidade histórica.
O senhor mostrou-se incrédulo diante das fake news e declarou que não constituem um fenômeno novo. A que atribui a crescente tendência a acreditar e difundir notícias e informações falsas?
As notícias falsas não são, naturalmente, um fenômeno novo; sempre houve informação mal-intencionada na história dos meios. O volume de notícias faltas aumentou hoje porque aumenta, em geral, a quantidade de informações que circulam na infosfera digital.
A aceleração e intensificação da infosfera é a causa de um pânico comunicacional que se manifesta como uma incapacidade de distinção consciente. E as estratégias do pensamento crítico são ineficazes no contexto desta “tempestade de merda”, nas palavras do filósofo sul-coreano Byung-Chil Han
Em La segunda venida [sem tradução no Brasil], seu mais recente livro, o senhor mergulha no vocabulário teológico para tentar desvendar os motivos por trás do descontentamento social atual. Que propostas o senhor oferece para superar o caos que nos rodeia? E a que potencial “vinda” o senhor se refere?
Acreditamos que ingressamos em uma época apocalíptica em seu sentido duplo; uma época de catástrofe e uma época de revelação. Não se pode evitar o apocalipse porque as tendências apocalípticas já estão se manifestando. Só podemos preparar a segunda vinda. E não me refiro a segunda vinda de Jesus Cristo porque não sou religioso. Refiro-me a segunda vinda do comunismo, mas não na forma totalitária em que se manifestou durante o século passado.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

NOS EUA COMO AQUI

Artigo político mostrando como Trump vai cumprindo sua agenda de tirar dos pobres e dar para os ricos. Do Guardian. Lembrando que um dos autores, Sanders, é o pré-candidato socialista para a presidência estadunidense.

Menu de férias de Trump: folhetos para bilionários, fome pelos pobres

Os republicanos defendem cortes no vale-refeição, dizendo que manter as pessoas com fome os fará trabalhar mais. Mas sabemos que isso não passa de crueldade


Bernie Sanders e Rashida Tlaib

 @SenSanders
A preview of the tables and settings for the State Dinner in the Rose Garden at the White House to be hosted by United States President Donald Trump for Australia’s Prime Minister Scott Morrison tomorrow night in Washington DC, United States, Thursday, September 19, 2019. (AAP Image/Mick Tsikas) NO ARCHIVING
Uma prévia das mesas e configurações do Jantar de Estado no Jardim de Rosas na Casa Branca a ser realizada pelo Presidente dos Estados Unidos Donald Trump para o Primeiro Ministro da Austrália, Scott Morrison, amanhã à noite em Washington DC, Estados Unidos, quinta-feira, 19 de setembro de 2019. (AAP Image / Mick Tsikas) 

"É assim que a oligarquia se parece: o apetite de Trump para banhar os ultra-ricos com o bem-estar das empresas é interminável - e também sua disposição de agredir as famílias mais vulneráveis ​​e famintas." Fotografia: Mick Tsikas / AAP


Quando se trata de bilionários que se beneficiam da generosidade do contribuinte americano, o espírito de férias está vivo o ano todo. Os contribuintes pagaram US $ 115 milhões a Donald Trump para que ele pudesse jogar golfe em seus próprios resorts.

E a Amazon não apenas pagou apenas zero em impostos federais, com US $ 11 bilhões em lucros - os contribuintes doaram à corporação US $ 129.000.000 em descontos. É o suficiente para pagar pelos três apartamentos do CEO Jeff Bezos em Manhattan, incluindo uma cobertura, que lhe custaram US $ 80 milhões.

E quanto à generosidade do governo para aqueles que realmente precisam de ajuda? De alguma forma, os dólares dos impostos são muito mais difíceis de obter quando não vão distribuir brindes para os ricos. A pessoa média na pobreza, lutando para colocar comida na mesa, recebe cerca de 134 dólares por mês em assistência nutricional.

Agora, bem a tempo dos feriados, Trump finalizou a primeira das três políticas que tornarão essa disparidade ainda mais obscena. Dois anos depois de fazer passar uma doação de US $ 1,5 trilhão para os americanos e grandes empresas mais ricas, o governo Trump planeja retirar 3,7 milhões de pessoas de seus benefícios nutricionais.

O primeiro passo do governo é expulsar 700.000 adultos da assistência nutricional enquanto eles lutam para encontrar trabalho. O segundo passo: tentar punir as famílias que têm altos custos com cuidados infantis e moradia. E terceiro, eles querem ferir famílias que já estão fazendo escolhas difíceis entre alimentação ou aquecimento.

Juntas, as três propostas cortarão bilhões de dólares em um dos principais programas de combate à pobreza do país. Enquanto isso, o esquema tributário republicano está funcionando exatamente como planejado. Hoje, os 400 bilionários mais ricos pagam impostos mais baixos do que qualquer grupo na América - incluindo os pobres. Quase 100 das principais empresas da Fortune 500 não pagam nada em impostos.

É assim que a oligarquia se mostra: o apetite de Trump em brindar os ultra-ricos com o bem-estar das empresas é interminável - assim como a disposição de seu governo de agredir as famílias mais vulneráveis ​​e famintas de nossa nação.

Os republicanos defendem isso dizendo que manter as pessoas com fome fará com que elas trabalhem mais. Mas sabemos que isso é apenas crueldade. Sabemos que reter alimentos de pessoas carentes que estão subempregadas apenas aprofunda a crise da pobreza na América (EUA).

Alguns estados serão atingidos com mais força do que outros. Vermont pôde ver um corte de 30% nos benefícios, e uma em cada cinco pessoas de baixa renda que dependem de assistência nutricional não podia mais ser elegível para participar. Em Michigan, cerca de um em cada sete seria iniciado com a ajuda alimentar, com um corte estimado em 15% nos benefícios. Isso é absolutamente devastador.

Escusado será dizer que devemos lutar o máximo possível contra o ataque selvagem do governo Trump à assistência nutricional. Mas precisamos ir além disso. Devemos exigir que os ultra-ricos finalmente comecem a pagar sua parte justa para que possamos expandir drasticamente o apoio à nutrição. No país mais rico da história do mundo, temos a obrigação moral de erradicar a fome que mais de 37 milhões de nossos colegas americanos sofrem todos os dias.

Podemos começar aumentando a assistência nutricional em US $ 47 por pessoa por mês - esse é o déficit entre o que as pessoas de baixa renda precisam para preparar refeições adequadas e o que recebem em benefícios. Também devemos aumentar significativamente o limite de renda para este programa, para que todos que precisam de ajuda o obtenham. Também devemos garantir que todas as crianças em idade escolar recebam café da manhã e almoço grátis em todas as escolas públicas da América.

E também devemos elevar as condições onerosas sobre o que as pessoas podem comprar com assistência nutricional. Uma Vermonter compartilhou como, nos meses frios do inverno, desejava poder comprar para os filhos um frango assado na loja, porque não tinha acesso ao forno. Sob o programa atual, ela só pode comprar o frango assado frio de um dia. Várias famílias de Michigan têm histórias semelhantes para compartilhar. Esses são os tipos de requisitos que forçam as pessoas pobres a passar por situações humilhantes, mas não realizam nada na luta para acabar com a fome.

 Afinal, devemos fazer uma escolha como sociedade: toleraremos a insaciável ganância e crueldade da classe bilionária?

Nesta temporada de feriados, devemos trabalhar em nossas comunidades para garantir que nossos vizinhos mais vulneráveis ​​sejam atendidos e não passem fome. Mas também devemos estar preparados para mobilizar milhões de pessoas para derrotar o mais recente ataque do governo Trump aos pobres - da mesma forma que nos unimos para bloquear a tentativa dos republicanos de revogar a Affordable Care Act e expulsar 32 milhões de americanos de seu seguro de saúde.

Defender benefícios já inadequados não é suficiente. Em última análise, devemos fazer uma escolha como sociedade: toleraremos a insaciável ganância e crueldade da classe bilionária, cujo controle sobre nosso sistema político permite que tirem comida da boca de crianças famintas da escola? Ou construímos uma sociedade humana e equitativa que acabe com a pobreza, a fome e a falta de moradia - e permita que todos vivam com dignidade?

À medida que o novo ano se aproxima, vamos nos comprometer a lutar por um governo e uma economia que funcionem para a esmagadora maioria do povo. É assim que faremos da segurança alimentar um direito humano na América.


Bernie Sanders serve Vermont no Senado dos Estados Unidos. Rashida Tlaib, democrata, representa o 13º distrito congressional de Michigan na Câmara dos EUA.



OS TIOS DO CHURRASCO BOLSONARISTAS

Vídeo muito bom, uma conversa entre Guilherme Boulos e Cristian Duncker, de cerca de 40 minutos, clique aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=IP-9JSrhq4k&feature=youtu.be

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

GRANDE ACORDO VERDE E O COMPORTAMENTO DA GRANDE MÍDIA

Um Grande Acordo Verde - Green New Deal (GND), um projeto (inspirado no New Deal de Franklyn Roosevelt dos anos 1930 - 1940)  para transformar a economia dos EUA, e que pode ser aplicado em todo país com economia capaz de voo próprio, é condição essencial para limitar em algum grau aceitável os danos catastróficos do aquecimento global. Gostei de ver o jornalista inglês residente em Beirute Robert Fisk escrevendo sobre isto. Se você preferir a versão em inglês, publicada no Counterpunch a partir de artigo no Guardian, veja aqui. É importante ver como a mídia lá é igualzinha à de cá.


 
Como pesquisas distorcidas e o viés da mídia vêm degradando as atitudes dos estadunidenses sobre o NGD - Novo Acordo Verde



Protesto do movimento do nascer do sol. Foto: Linda Pentz Gunter.

O que são pesquisas de opinião e o que exatamente seus resultados significam?

Seus resultados são baseados em duas coisas:

1) O nível de informação a que os entrevistados foram expostos.

2) O enquadramento das questões na enquete.

O que fica faltando, quando a mídia relata os resultados dessas pesquisas, é o próprio fracasso em informar adequadamente o público sobre o assunto em questão.

Portanto, as respostas de uma recente pesquisa da Washington Post / Kaiser Family Foundation sobre o Green New Deal (GND), conforme relatado em um artigo da edição de 27 de novembro do Post, refletiram o fato de que a maioria das pessoas absolutamente não sabe quase nada sobre o GND. Isso não é surpreendente. A maioria dos meios de comunicação convencionais, impressos, rádio e televisão ou on-line, nos saturam dia após dia com tudo em torno de Trump.

A crise climática está finalmente começando a ganhar força na mídia. Mas isto vem muito atrasado. E isso só está acontecendo agora que uma crise. As oportunidades de atender às advertências científicas até décadas atrás e começar a esclarecer o público na época foram perdidas, deliberadamente ou não.

Para perceber quanto tempo a mídia tem sido delinquente sobre educar adequadamente seu público sobre as mudanças climáticas, lembro-me de uma carta ao editor do Washington Post escrita pelo falecido senador de Nova Jersey, democrata Frank Lautenberg. Vale a pena reproduzir na íntegra porque encapsula a negligência de longa data da mídia em geral sobre o assunto das mudanças climáticas e sua insistência dispendiosa e equivocada em debater sobre fatos.

É também um lembrete ominoso sobre há quanto tempo sabemos sobre nossa atual crise sem soar o alarme adequadamente ou fornecer ao tópico a quantidade necessária de tempo de tinta ou ar. A carta de Lautenberg é de 11 de dezembro de 2004.

“A notícia de Juliet Eilperin, em 2 de dezembro, sobre mudanças climáticas,“ Humanos podem dobrar o risco de ondas de calor ”, é o mais recente exemplo do tratamento da mídia “ele disse, ela disse”, sobre o que cientistas respeitáveis ​​dizem ser uma das maiores ameaças à a raça humana. Pior ainda, o artigo rebateu as descobertas dos principais cientistas climáticos do mundo, citando um economista financiado pela indústria de petróleo. Esse relatório não é credível, nem ilumina um assunto de importância significativa.

“O artigo começou citando um estudo revisado por pares publicado na revista científica Nature, que relatou que o risco mais do que dobrou para o tipo de onda de calor letal responsável por 35.000 mortes na Europa no ano passado. Mas a última metade do artigo foi desperdiçada com a visão de Myron Ebell, economista - e não cientista do clima - cujos "estudos" no American Enterprise Institute são financiados pela Exxon Mobil. O artigo deixa de mencionar esse vergonhoso conflito de interesses.

“O problema com esse tipo de relatório foi destacado em uma audiência recente do Comitê de Comércio do Senado. Robert Correll, membro senior da Sociedade Meteorológica Americana, alertou: "O problema de um debate dessa natureza é colocar 2.600 [cientistas] contra dois ou três ou quatro [cientistas que discordam]." Ebell não está na mesma liga que os cientistas climáticos qualificados que relatam que o clima está mudando diante de nossos olhos; apenas a intensidade e a velocidade dessas mudanças são desconhecidas. Seu jornal faz uma injustiça para seus leitores, atribuindo o mesmo peso de Ebell às opiniões amplamente aceitas de cientistas respeitáveis ​​e imparciais.”.

A cobertura finalmente, na maior parte, afastou-se do debate, dada a esmagadora evidência científica. Mas muita cobertura da mídia ainda tende a uma abordagem mais cautelosa ao cobrir o que agora é uma situação mais terrível e urgente. Quando se trata da crise climática, errar pelo lado da precaução é errar de fato.

Isso ficou mais evidente no desmonte pelo Washington Post da versão de Bernie Sanders de um Green New Deal (o Post se esforça muito para não cobrir Sanders). Em um editorial antagônico de 22 de agosto de 2019, o Post cimentou a visão, refletida em sua pesquisa posterior, de que resolver a crise climática de maneira radical é simplesmente "muito caro".

O conselho editorial também aproveitou a oportunidade para reiterar sua adesão cega à energia nuclear como solução. (Nós questionamos essa postura em uma refutação subsequente, que o Post publicou em 29 de agosto).

Quando um projeto Green New Deal foi lançado pela primeira vez no Capitólio pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez, também conhecida como AOC, (D-NY) e pelo senador Ed Markey (D-MA), a cobertura da mídia evitou amplamente a substância da proposta, mas fomos levados novamente ao debate "ele disse que ela disse" sobre seu realismo, praticidade e custo. Aparentemente, esses argumentos tinham um valor de entretenimento muito maior do que tentar educar o público sobre o que realmente havia nele.

A palavra "socialismo" foi usada para denegrir o GND - e a AOC, que assusta tanto os democratas moderados quanto os republicanos - sem nenhum esforço para definir o que o socialismo realmente pode significar para a vida cotidiana das pessoas. A posição editorial padrão era que qualquer versão do GND endossada por Sanders, AOC ou mesmo Markey era totalmente irrealista.

No entanto, enterrado nas profundezas do próprio artigo de pesquisa do Post em 27 de novembro, no final do parágrafo 12, veio a seguinte frase: “Os cientistas alertam que ações drásticas são a única maneira de evitar impactos climáticos catastróficos [grifo nosso].

Apesar disso, nos 11 parágrafos anteriores, ouvimos as opiniões dos Trumpers cristãos evangélicos e independentes medianos sobre o Green New Deal. E adivinha o que eles disseram? O GND era muito rápido e caro demais. Essas visualizações correspondiam aos resultados da pesquisa. "Entre os adultos que ouviram pelo menos um pouco sobre o Green New Deal, 53% disseram que não é realista", disse o artigo.

Por que eles acham isso? Se os cientistas estão realmente nos dizendo que a única maneira de enfrentar a crise climática, a única abordagem realista que resta, são os drásticos cortes de carbono alinhados com a substância do Green New Deal, então por que os entrevistados a rejeitam? Porque o que eles leram nos jornais ou viram na televisão é que é muito caro, muito extremo e provável "socialismo". E porque o que eles ouviram sobre isso é, de fato, apenas "um pouco".

Os meios de comunicação têm a obrigação moral de relatar os fatos e dizer a verdade. O valor de fazer isso se refletiu nos detalhes da própria pesquisa, em que 78% dos entrevistados apoiaram o componente "empregos garantidos com bons salários para todos os trabalhadores dos EUA" das propostas do GND. Setenta por cento adoraram a ideia de atualizar todos os edifícios dos EUA para aumentar a sua eficiência energética. Sessenta e nove por cento queriam ver 100 por cento da energia dos EUA proveniente de fontes de energia com emissão zero em 10 anos. Tudo drástico, rápido, e tudo isso será caro.

Algumas das perguntas da pesquisa não foram estruturadas de maneira tão neutra. Quantos concordariam em “reduzir o número de empregos na mineração de carvão nos EUA?” Retornaram 55% a favor. Mas esta é a pergunta errada. O GND não é sobre privar pessoas de empregos. O GND trata de reciclagem e recolocação em bons empregos sindicalizados. Esse resultado esteve ausente na pergunta.

No entanto, apesar de uma resposta esmagadoramente favorável aos detalhes específicos do GND, a maioria do público americano pesquisado não acha que devemos gastar muito dinheiro em uma das duas maiores crises existenciais de nossas vidas (o outro são armas nucleares), que realmente são muito caros.)

Todos nós, coletivamente, deixamos tarde demais para, por assim dizer, gastar uns trocados, ou trilhões de dólares por isso. Se o GND custa US $ 1,7 trilhão ou os US $ 16,3 trilhões de Bernie Sanders, não é o ponto. Não temos escolha a não ser pagar.

Além disso, o descarte dos trilhões deixa de fora o outro cálculo - o que realmente será salvo ao implementar rapidamente o GND.

Em longo prazo, mesmo o preço de Sanders parecerá uma pechincha em comparação com o custo em emergências de saúde, desastres naturais, migrações em massa e outros resultados provocados pelo caos climático. Nosso futuro não vale pelo menos um investimento de US $ 16,3 trilhões?

Já é hora de a mídia levar a sério os avisos dos cientistas e começar a relatar de maneira constante e significativa o que o Green New Deal realmente entregaria. É uma desgraça nacional que "mais de 3 em cada 4 americanos tenham ouvido pouco ou nada sobre o Green New Deal", como relatou o artigo do Post.

A pesquisa de Post/Kaiser, como tantas outras, simplesmente reflete a que as pessoas foram expostas pela mídia, não o que elas realmente acreditariam se tivessem recebido um fluxo constante de informações reais nos mercados de massa onde obtiveram as notícias. O Washington Post deve entender que não será apenas a democracia que morrerá nas trevas se eles e outras pessoas não avançarem. Todos nós morreremos.

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Robert Fisk escreve para o Independent, onde esta coluna apareceu originalmente.