quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Porque empresas públicas são privatizadas

 

 

Publicado primeiro no sítio Geração 68

Porque se privatizam empresas de serviços públicos, como de águas e esgotos, energia elétrica, gás, petróleo? A mídia e a imprensa corporativas, assim como políticos de direita e extrema direita, deitam doutrina sobre a população para convencê-la de que é de seu interesse privatizar tudo que é público. Não é. Não no Brasil e também não no resto do mundo.

A privatização da Eletrobrás, uma das maiores geradoras de energia elétrica do mundo, foi precipitada no apagar das luzes do governo do capitão que terminou em 31 de dezembro passado. É um seguimento de um processo iniciado nos anos 80, a partir do então chamado Consenso de Washington, ditado pelos Estados Unidos e outras potências econômicas aliadas ao resto do mundo.

No Brasil a palavra de ordem do ataque ao então chamado “gigantismo do estado” foi primeiro pronunciada pelo primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar. Isto começou já na propaganda eleitoral de Fernando Collor de Mello, mas foi sob os governos de Fernando Henrique Cardoso como presidente do Brasil e de Mario Covas como governador do estado de São Paulo que a chamada “desastização” foi mais impulsionada.

A forma de privatização variou conforme a natureza e o tamanho da empresa, e a finalidade sempre foi privatizar tudo o que fosse legalmente possível. Empresas de exploração e extração de minério de ferro – Companhia Vale do Rio Doce e industriais como as grandes siderúrgicas integradas – CSN, COSIPA, USIMINAS. Em seguida começou a preparação das empresas de telecomunicações e de energia – Petrobrás e as Empresas de Energia Elétrica para a venda. Inicialmente elas tiverem suas operações, que integradas, foram particionadas, separando produção, refinação (no caso do petróleo), transporte ou transmissão, distribuição. Para facilitar a venda.

No caso da Petrobrás, além da alteração de seu nome para Petrobras, sem acento para tornar o nome mais palatável aos acionistas estrangeiros da empresa na bolsa de Nova York, mesmo no início dos primeiros governos de Lula, a empresa passou a ser enquadrada nas regras impostas por aquela bolsa. Assim, passou a adotar mais práticas comuns das grandes petroleiras mundiais, passando a subordinar a missão recebida de seu ainda maior acionista e controlador, o estado brasileiro, à lógica do valor para os acionistas. Por exemplo, dando menos atenção à segurança ambiental.

A sequência das privatizações iniciou com as mais fáceis de vender, tanto para a aceitação do público como para os compradores, para as mais difíceis.  Para a opinião pública elas sempre foram apresentadas como passos para melhorar os serviços públicos, na oferta e nos valores das tarifas, aumentar a “eficiência” dos serviços ou produtos.

Foram montadas agências de serviços públicos, que regulariam preços e qualidade dos serviços. Na prática, essas agências foram todas capturadas pelas empresas privatizadas. O pessoal dessas agências, como a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento, e a ANP – Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, transita lépido entre as mesmas e as empresas que elas supostamente devem regular. É o que se chama mundialmente de porta giratória.

Houve resistências à onda de privatizações. As mais fortes, de sindicatos de trabalhadores dessas empresas, e dos partidos políticos de esquerda, complementados por algumas organizações de defesa do consumidor, e de grupos ambientalistas. A Academia também se manifestou nas pessoas de pesquisadores brasileiros do setor e alguns outros. No entanto, não conseguiram mudar seja o ritmo, seja a abrangência e profundidade das privatizações, em parte porque as mídias corporativas fizeram que o silêncio sobre o assunto se impusesse em grau avassalador. Trataram de fazer valer o lema da primeira ministra britânica da época: TINA,” There Is No Alternative” -  não existe alternativa. Mentira, mas pouca gente do campo contrário às privatizações indiscriminadas conseguiu ter sua voz ouvida na época.

Embraer: Em 1994, durante o governo de Itamar Franco, a empresa foi leiloada. A razão alegada foi a crise por que passava, embora anos antes já se tivesse tornado a terceira maior fabricante de aviões do mundo. Só não passou para a Boeing por que esta também passava por uma crise e desistiu do negócio.

Quando privatizadas, a Vale do Rio Doce e várias das empresas de Telecomunicações foram vendidas a preços considerados baixos na época. O faturamento da Vale, no ano seguinte à privatização, foi da ordem do preço pago por ela. Algumas empresas de energia foram vendidas, como foi o caso da Eletropaulo, mediante um financiamento pelo BNDS, banco estatal, ou seja, não houve investimento pela empresa compradora.

A mídia corporativa não só tratou com descaso as várias denúncias sobre a natureza dos negócios feitos, como deixou de noticiar os problemas na qualidade e nos preços dos serviços públicos privatizados. A privatização sempre foi vendida pela mídia, pelos políticos dos partidos de direita, com destaque para o PSDB como algo que iria beneficiar o público.

Beneficiou os interesses do capital financeiro privado, principalmente estrangeiro. Partidos políticos que tocaram a política de privatizações receberam apoio do governo do império estadunidense, de bancos, consultoras financeiras. Setores das cúpulas da burocracia estatal – do executivo, incluindo militares, do legislativo e do judiciário participaram ativamente do processo, tendo seus membros sido recompensados por cargos e outras benesses (que certamente incluíram pagamentos de propinas). Fundos de pensões de funcionários de empresas estatais também foram envolvidos, com escassa transparência.

O recente escândalo envolvendo os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, que formam o grupo 3G, relativo às empresas Americanas e Lojas Americanas abre uma oportunidade para reverter a privatização da Eletrobrás. A Eletrobrás é estratégica demais para ser submetida à lógica do lucro a curto prazo, que é a lógica do capital financeiro e da ideologia neoliberal. Sua estratégia de expansão e de operação deve ser a do estado brasileiro como nação soberana. Perder esta oportunidade de recuperar o controle público sobre a Eletrobrás é simplesmente inaceitável, sob qualquer ponto de vista que coloque o Brasil como mais importante que a riqueza de rentistas e de grupos de bilionários.

Reafirmando a resposta à questão levantada no início deste texto: As empresas públicas são privatizadas para que pessoas e grupos próximos ao poder passem a extrair mais renda e riqueza da economia do país. O resto é balela, venha da academia ou da mídia corporativa, ou dos Whatsapps da vida.

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