quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

REPORTAGEM SOBRE A(S) POSSE(S) DE LULA

Tá aqui um relato, completo com minúcias que interessam e com emoção, feito pelo Gato - Carlos Eduardo Magalhães, amigo e colega na CESP, de dois grandes eventos, que recebi dele por e-mail.

Posse presidencial do Lula em 2003 e em 2023. Estive nas duas...

Tive a oportunidade de assistir duas posses presidenciais do Lula. A primeira em 2003 e agora, vinte anos depois, outra vez o Barba assume a presidência do Brasil. Nas duas as emoções transbordaram, multidões choravam, se abraçaram, conversaram, trocaram ideias, papos, esperanças. Brincavam de todos os jeitos e maneiras, soltando a franga literalmente. Ninguém estava aí pra ninguém, só queriam ver um velho amigo receber de novo a faixa e mandar ver na reconstrução do país. A diferença fundamental é que os momentos históricos e políticos são totalmente diferentes. 

Hoje, face à destruição do país, a multidão (e bota gente nisso!) quase toda de vermelho, numa catarse emocionante, exigia que Lula fizesse justiça para com os fascistas assassinos. Houve, neste domingo, um posicionamento político ideológico muito mais contundente que em 2003. A representatividade das camadas sociais no país estiveram melhor representadas do que na primeira posse. Ambas foram enormes, maravilhosas, emocionantes, de derramar lágrimas fáceis, mas a deste ano superou a anterior em quase todos os aspectos. Foi quase que como um compromisso político exponencialmente público para com o povo. Lula sabe que não pode errar...

Tive a sorte de estar presente nestes dois momentos históricos e quero dedicar a um amigo especial, um companheiro trabalhador guerreiro, extremamente ético nas suas posições e atitudes, um cara em que me espelho sempre. À ele, TADEU PRADO, ergo punho fechado e grito: TADEU PRADO, PRESENTE, AGORA E SEMPRE!


- Posse de 2003...

Assisti à posse do Lula! (primeiro de janeiro de 2003)

 

Bem, eu estive lá! Fiz parte da fantástica, maravilhosa, feliz e pacífica multidão (e bota multidão aí!) que foi assistir a posse do Lula, em Brasília. Foi extremamente emocionante ver aquela gente toda, povão mesmo, com a cara do Brasil, agitar bandeiras, cantar, brincar, soltar fogos, aplaudir, sem nenhum tipo de violência. Parecia até que todos ali eram amigos de longa data!

 

Gente do país inteiro conversando, trocando ideias, comendo, bebendo, agitando bandeiras (um mar de bandeiras vermelhas e verde-amarelo) como se tudo aquilo fosse um grande churrasco entre amigos. A grande esplanada dos Ministérios, em Brasília, se transformou num quintal onde todos se divertiam, ouvindo música, cantando, conversando ... E as crianças? Oras! Elas estavam ao lado correndo, brincando, dormindo no colo, mamando ... Uma grande festa, um encontro de amigos, de velhos amigos para aplaudir um outro amigo que estava lá, recebendo a faixa de presidente do Brasil.

 

Nunca vi nada igual na vida. Juro! Tenho anos de estrada, comícios, passeatas, greves, polícia atrás descendo o pau e jogando bombas de gás lacrimogêneo e outras coisas do gênero. Foi de arrepiar, de emocionar qualquer um ver aquela multidão de pessoas acreditando que é possível viver com dignidade. Entendi a frase "a esperança venceu medo".

 

Até então, era mais uma frase de efeito, de propaganda política. Lá, no meio daquela gente, entendi o significado dela. Todos estampavam nos rostos suados, felizes, alegres, esperança. Não havia cobrança, mas esperança de ver realizados os sonhos, as promessas, a mudança. Não havia cobrança, repito. Nenhum rosto crispado, com raiva, exigindo, nada disso! Havia muita, mas muita alegria de se estar ali, festejando a esperança e afastando o medo de vez.

 

Vi e participei de uma grande festa, a maior da minha vida, até aqui. Não houve nenhum tipo de ocorrência, de bandidagem. Todos se conheciam, todos queriam a mesma coisa, não importava a procedência da cada um. Alguém de Rondônia conversava alegremente com um gaúcho como se fossem velhos companheiros. E na verdade, eram. Eu vi. Juro! Todos estavam neste clima de camaradagem e companheirismo. Todos eram iguais e se sentiam iguais. Que coisa, meu!

 

E ainda tive a felicidade de encontrar uma amiga, aqui de São Paulo, naquela multidão! É mole! No meio de milhares de pessoas, encontrar alguém!

 

Bem, só queria dividir essa minha experiência e sensação. Sei que é muito difícil passar e descrever tudo que vi, senti, mas ...

 

Tenho esperança, sem nenhum medo.


- Posse de 2023...


1) VIAJANDO PARA BRASÍLIA...

Hoje cedo (sexta-feira, dia 30/12/20022), quando peguei a estrada pra chegar em Brasília e ver a posse do Cara, confesso que fiquei um pouco apreensivo. Explico. Para chegar à capital, viaja-se mil quilômetros em terra inimiga, um pântano, areia movediça, campo minado. Pela Bandeirantes-Anhanguera e pela BR 050 que levam à Brasília, passa-se pelos domínios do OGROnegócio, com suas camionetes enormes, cheias de adesivos do genocida, bandeira nacional e aquela arrogância bem conhecida dos OGROboys.

No estado de São Paulo, o gado bolsonarista já aparece em Jundiaí, Campinas, Americana, Limeira, Pirassununga, Ribeirão Preto, Franca, Batatais etc. tudo ao longo da rodovia Bandeirantes-Anhanguera (aliás, é um roubo os pedágios, são doze praças para pouco mais de 400 km, ao custo de 120 reais pra ir e 120 reais pra voltar). No lado mineiro, pela BR 050, passando por Uberaba e Uberlândia, outro rincão pavoroso dos OGROboys.

Depois passa-se por Araguari, ainda em Minas. Aí vem Catalão (onde tô dormindo pra seguir viagem amanhã), Cristalina, Luziânia, no estado de Goiás, e finalmente a capital federal, tudo pela BR 050. Juntando o interior do estado de São Paulo, o triângulo mineiro e Goiás, o OGROnegócio domina totalmente, bem terra do gado bolsonarista.

Nas vezes em parei na estrada para descansar, fazer xixi, tomar café, com o carro adesivado na vidro traseiro, usando uma máscara branca escrito LULA em vermelho, um broche antifascista e um TREZE enorme grudado na camiseta, juro que achava que não sobreviveria. Se olhar matasse, nossa! E no campo dos OGROboys!

Na estrada, quando vejo uma camionete se aproximando (elas andam a toda velocidade como se não houvesse limite nas estradas, são donos do pedaço) sinto que fico estressado. Bom, foi assim no início desta jornada. Quando cheguei no Graal de Ribeirão Preto e vi aquela gente simples do MST de Santa Maria, do RS, a maioria de vermelho, chapéus, camisetas, na boa, sorrindo, um monte de gente em sete ônibus alugados, felizes porque estarão na posse do Lula e participando da festa, relaxei.

Sabe duma coisa, pensei com meus botões, que se phodam, vamu que vamu. Voltei pra estrada com outro pique, um carro me ultrapassou, uma mulher colocou o braço para fora e fez um L. Viram meu carro adesivado e me cumprimentaram. Tá valendo a pena, ainda mais nos domínios dos OGROboys. Inté mais..


2) EM BRASÍLIA...


Tô em Brasília e a capital já parece uma grande festa. Gente chegando de vários cantos, andando nas ruas e avenidas cantando com bandeiras, camisetas, chapéus/bonés vermelhos, muitos do MST. Fui almoçar na feirinha da Torre de Televisão com meu sobrinho que mora na cidade e mais dois casais. É um dos lugares clássicos da cidade, uma espécie de feirinha hippie como em quase todos os lugares do mundo. Tem duas praças de alimentação bem grandes e nelas centenas de vermelhos festejavam a posse, a vitória, a esperança, todos sem medo de ser feliz, mais uma vez...

A Esplanada dos Três Poderes está fechada para veículos, só a pé se quiser ver os palcos prontos ou quase prontos para a posse e para a festa. Aliás, a festa promete mesmo, deverá acontecer por volta das 18 horas, caso tudo ande de acordo com o figurino (posse do Lula no Congresso, andar no carro aberto, receber a faixa, ainda não se sabe de quem, aposta-se muito na Dilma, mas...). Também não se sabe a hora de terminar, pelo jeito. A expectativa para amanhã é muito grande, o clima já tomou conta da capital, pouco importa se para os bolsonaristas ou não. Quem ficar na cidade, será atingido pela festança, não tem como...

Cheguei à cidade por volta do meio dia vindo de Catalão, onde passei a noite. De lá até a capital federal são pouco mais de 300 km, passando primeiro por Cristalina e Luziânia. A paisagem entre Catalão e Cristalina é muito louca. A distância entre as duas cidades é de pouco mais de 180 km onde predomina imensas planícies só de soja, nenhuma mata, apenas uns tuchos de árvores aqui ou ali. O OGROnegócio impera nestas paragens.

Catalão cresceu muito nestas últimas duas décadas, especialmente depois que a Mitsubishi construiu uma fábrica de carros. Mesmo assim, é o OGRO quem manda e impera na cidade e na região. Tenho alguns amigos por aqui, pretendo entrar em contato para ver se fazemos alguma coisa nesta passagem do ano, visto que estou tão longe de casa. É isso, amanhã tem mais. Inté...

3) BRASÍLIA VERMELHA, "FOI UM RIO QUE PASSOU EM MINHA VIDA E MEU CORAÇÃO SE DEIXOU LEVAR"...

Ufa! Hoje, domingo, dia primeiro de janeiro de 2023, em Brasília, foi um dia cheio. Cheio de alegria, de esperança, de emoções fortes, lágrimas incontidas, muita música, dança, brincadeiras. A posse do Lula parecia uma festa daquelas onde a gente convida meio mundo da rua e deixa rolar. Tem de tudo, churrasquinho de gato (na verdade, carne de boi, coitado dos felinos), muita cerveja, alguma paquera, gente de todo o tipo numa diversidade fantástica e maravilhosa, papos e encontros inesperados, centenas de milhares juntos e nenhum problema ou atrito, zero brigas, violência nenhuma, não importa quem fosse.

Crianças de colo ou nas mãos dos pais, deficientes físicos em cadeiras de roda ou com muletas, idosos de todas as idades, todas sexualidades existentes, uma infinidade de cores, cheiros, sons, até línguas estranhas ou estrangeiras. Com certeza foi um momento único e muito especial na História deste país. Foi um cansaço saudável, gostoso, com cheiro de vida e de querer mais...

Pouco importa o que vai acontecer amanhã, segunda-feira, quando o governo começar pra valer. Hoje, foi aquele momento de respirar fundo, de chutar o balde sem machucar ninguém, uma grande, fundamental e ultra necessária catarse. Desde o golpe contra a Dilma, em 2016, passando pelo Temer vampiro e a eleição do genocida que este país parou. Deixamos de fazer parte do planeta Terra, nos afastamos de quase todos, o sorriso tão comum nos nossos rostos se apagou, éramos zumbis enquanto monstros nos matavam aos poucos de várias formas e maneiras.

A alegria da posse de um grande amigo que estávamos sem ver por um tempo, foi o suficiente para restaurar nossa alegria, vontade de viver e principalmente a esperança. O país está devastado, arruinado, uma calamidade por conta de um governo genocida, seus filhos e aliados, dos mercenários militares, da ação criminosa do OGROnegócio, dos bancos que independente de qualquer coisa conseguiram acumular milhões enquanto milhões não tinham o que comer e nem onde trabalhar.

Hoje, a posse do Lula foi simbólica ao extremo, tudo que aconteceu teve e tem um forte significado para cada brasileiro que sobreviveu a destruição como projeto de poder, nada foi ao acaso.

Os facínoras fascistas continuam por aí, não foram embora, não fugiram de avião pra Flórida, nos EUA. Só ele foi embora covardemente. Os que ficaram estão calados, disfarçados, se apresentando como democratas, dando tapas nas costas do Lula e de tanta gente. Não se pode descuidar dessa gente e seja quem for, tem que pagar pelo que fizeram. Que a Justiça caia sobre suas costas, que sejam indiciados, processados e se culpados, que cumpram a pena determinada pelo tribunal.

Anistia, jamais, chega, basta a que se teve quando do final oficioso da ditadura civil e militar de 64. Os militares deste país são camaleões, são treinados, adestrados nas escolas militar de como melhor se fantasiar disso ou daquilo sem perder a real aparência de sempre, desde que foram criados: verdadeiros Molochs pantagruélicos preparados para comer incessantemente toneladas de seres humanos sem parar. São monstros da pior espécie por saberem se camuflar perfeitamente.

Mas, o fedor da morte que carregam acabam por identificá-los, mas não antes de matarem, torturarem, desaparecer com corpos como sempre fizeram. E bem...

Agora, o que se viu de mais marcante foi que o vermelho é definitivamente nossa cor. Brasília foi invadida por uma absurda e maravilhosa galera de vermelho, parecia uma enchente, rios de vermelho enchendo a Esplanada dos Ministérios, a Praça dos Três Poderes, transbordando pelos lados. O Brasil vem do Pau-Brasil, que significa vermelho.

O verde-amarelo é obra dos homens, o vermelho é da Natureza. O vermelho venceu, se fortaleceu, marcou para ficar na nossa história e História. O vermelho é luta, é revolução, não importa qual. O vermelho está nos nossos corpos, razão da nossa vida. Somos vermelhos, não tem como.

Amanhã volto para São Paulo. Mais mil quilômetros de terreno perigoso, pântano, areia movediça, campo minado. Território do OGROnegócio, dos OGROboys, da violência como método de vida (ônibus do MST que se dirigiam para Brasília, foram atacados com pedras quando passavam por Catalão, em Goiás).

Mas, diferente de quando saí de sampa meio temeroso, meio arisco a caminho da capital federal, agora volto mais forte, confiante. Volto bem mais vermelho do que era e mesmo sabendo das terríveis e absurdas dificuldades que este governo terá para iniciar a reconstrução do Brasil, tô afim de ajudar no que puder.

O que aconteceu em Brasília neste domingo não foi apenas a posse do Lula. Foi muito mais, simbolizou nosso reencontro enquanto povo, balizou de novo nossa confiança, sabemos do que somos capazes com acertos e erros, mas vamos tentar, desta vez queremos muito mais. Até porque pior do era, é impossível.

Tamu junto, ninguém larga a mão de ninguém, vamu que vamu que a luta é longa e nada fácil. Mas, tá valendo...



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Jornalista e Sociólogo Carlos Eduardo Pestana Magalhães - Gato
Membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e do Grupo Tortura Nunca Mais, seção São Paulo.

 

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