quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

PEPE ESCOBAR: Por que a CIA tentou uma "revolta Maidan" no Brasil

O artigo do Boaventura Souza Santos, também republicado neste blog, que cita e analisa vários aspectos internacionais  do 8 de janeiro concentrado-se numa espécie de internacional fascista, não aborda a fundo o papel do império na encrenca. Talvez ele tenha descurado isso por não ser brasileiro nato. Nós cá temos a obrigação de lembrar as continuidades da história ao longo dos períodos do Brasil colonial e neocolonial do Brasil escravocrata e racista, e do Brasil tentando ser um país gente grande.   

O Pepe Escobar, ao invés, aborda o papel dos EEUU, como alguns analistas russos, cujo país que atualmente enfrenta uma guerra por procuração, e que sempre foi visto, desde a Idade Média, como possível colônia para romanos, franceses e alemães. Este artigo, peguei no The Craddle

Creio que os dois artigos se completam.

Não podemos ser muito otimistas, mas é fundamental tentar encarar o mundo não como desejamos, mas como ele funciona hoje.

Claudio

 

O golpe fracassado no Brasil é o mais recente golpe da CIA, no momento em que o país está forjando laços mais fortes com o leste.

Por Pepe Escobar

Janeiro 10 2023

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Crédito da foto: The Craddle

Um ex-oficial de inteligência dos EUA confirmou que o remix caótico de Maidan, encenado em Brasília em 8 de janeiro, foi uma operação da CIA e ligou-o às recentes tentativas de revolução colorida no Irã.

No domingo, supostos apoiadores do ex-presidente de direita Jair Bolsonaro invadiram o Congresso, a Suprema Corte e o palácio presidencial do Brasil, contornando frágeis barricadas de segurança, subindo em telhados, quebrando janelas, destruindo propriedades públicas, incluindo pinturas preciosas, enquanto pediam um golpe militar como parte de um esquema de mudança de regime visando o presidente eleito Luis Inácio "Lula" da Silva.

De acordo com a fonte dos EUA, a razão para a realização da operação – que traz sinais visíveis de planejamento apressado – agora, é que o Brasil está pronto para se reafirmar na geopolítica global ao lado de outros países do BRICS, Rússia, Índia e China.

Isso sugere que os planejadores da CIA são ávidos leitores do estrategista do Credit Suisse, Zoltan Pozsar, ex-Fed de Nova York. Em seu relatório inovador de 27 de dezembro, intitulado Guerra e Ônus das Mercadorias, Pozsar afirma que "a ordem mundial multipolar está sendo construída não pelos chefes de Estado do G7, mas pelo 'G7 do Oriente' (os chefes de Estado do BRICS), que é um G5 realmente, mas por causa do 'BRICSpansão', tomei a liberdade de reunir".

Ele se refere aqui a relatos de que Argélia, Argentina, Irã já se candidataram a se juntar aos BRICS – ou melhor, sua versão expandida "BRICS +" – com mais interesse expresso pela Arábia Saudita, Turquia, Egito, Afeganistão e Indonésia.

A fonte dos EUA traçou um paralelo entre a Maidan da CIA no Brasil e uma série de recentes manifestações de rua no Irã instrumentalizadas pela agência como parte de uma nova campanha de revolução colorida: "Essas operações da CIA no Brasil e no Irã são paralelas à operação na Venezuela em 2002, que foi altamente bem-sucedida no início, quando os manifestantes conseguiram capturar Hugo Chávez".

Entre no "G7 do Oriente"

Os neoconservadores Straussianos colocados no topo da CIA, independentemente de sua afiliação política, estão lívidos pelo fato de o "G7 do Leste" – como na configuração BRICS + do futuro próximo – estar se movendo rapidamente para fora da órbita do dólar americano.

O Straussiano John Bolton – que acaba de divulgar seu interesse em concorrer à presidência dos EUA – está agora exigindo a expulsão da Turquia da OTAN, à medida que o Sul Global se realinha rapidamente dentro de novas instituições multipolares.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e seu novo colega chinês, Qin Gang, acabam de anunciar a fusão da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), impulsionada pela China, com a União Econômica da Eurásia (UEEA), impulsionada pela Rússia. Isso significa que o maior projeto de conectividade/desenvolvimento do século 21 – as Novas Rotas da Seda Chinesas – ficou agora ainda mais complexo e continua se expandindo.

Isso prepara o terreno para a introdução, já sendo projetada em vários níveis, de uma nova moeda de comércio internacional destinada a suplantar e depois substituir o dólar americano. Além de um debate interno entre os BRICS, um dos principais vetores é a equipe de discussão criada entre a UEEA e a China. Quando concluídas, essas deliberações serão apresentadas às nações parceiras da ICR e, claro, ao BRICS+ expandido.

Lula no comando do Brasil, no que é agora seu terceiro mandato presidencial não sucessivo, oferecerá um tremendo impulso aos BRICS+, Nos anos 2000, lado a lado com o presidente russo Putin e o ex-presidente chinês Hu Jintao, Lula foi um conceituador-chave de um papel mais profundo para os BRICS, incluindo o comércio em suas próprias moedas.

Os BRICS como "o novo G7 do Oriente", como foi definido por Pozsar, estão além do anátema – tanto para os Neoconservadores Straussianos quanto para os neoliberais.

Os EUA estão sendo lenta, mas seguramente, expulsos da Eurásia mais ampla por ações consertadas da parceria estratégica Rússia-China.

A Ucrânia é um buraco negro – onde a OTAN deverá enfrentar uma humilhação que fará o Afeganistão parecer Alice no País das Maravilhas. Uma UE débil sendo forçada por Washington a desindustrializar e comprar Gás Natural Liquefeito (GNL) dos EUA a um custo absurdamente alto não tem recursos essenciais para o saque pelo Império.

Geoeconomicamente, isso deixa o "Hemisfério Ocidental" denominado pelos EUA, especialmente a imensa Venezuela, rica em energia, como o principal alvo. E geopoliticamente, o principal ator regional é o Brasil.

O jogo dos neoconservadores Straussianos é fazer de tudo para impedir a expansão comercial chinesa e russa e a influência política na América Latina, que Washington – independentemente do direito internacional e do conceito de soberania, continua a chamar de "nosso quintal". Em tempos em que o neoliberalismo é tão "inclusivo" que sionistas usam suásticas, a Doutrina Monroe está de volta, com esteroides.

Tudo sobre a "estratégia de tensão"

Pistas para a Maidan do Brasil podem ser obtidas, por exemplo, no Comando Cibernético do Exército dos EUA em Fort Gordon, onde não é segredo que a CIA implantou centenas de ativos em todo o Brasil antes da recente eleição presidencial – fiel à cartilha da "estratégia de tensão".

A conversa da CIA foi interceptada em Fort Gordon desde meados de 2022. O tema principal, então, foi a imposição da narrativa generalizada de que "Lula só poderia vencer trapaceando".

Um dos principais alvos da operação da CIA era desacreditar por todos os meios o processo eleitoral brasileiro, abrindo caminho para uma narrativa pré-embalada que agora está se desfazendo: um Bolsonaro derrotado fugindo do Brasil e buscando refúgio na mansão Mar-a-Lago do ex-presidente dos EUA Donald Trump. Bolsonaro, aconselhado por Steve Bannon, fugiu do Brasil, pulando a posse de Lula, mas como ele está apavorado, ele pode estar enfrentando o golpe mais cedo do que  tarde. E, a propósito, ele está em Orlando, não em Mar-a-Lago.

A cereja no topo do bolo obsoleto da Maidan foi o que aconteceu no domingo passado: fabricar um 8 de janeiro em Brasília espelhando os eventos de 6 de janeiro de 2021 em Washington e, claro, imprimindo o link Bolsonaro-Trump na mente das pessoas.

A natureza amadora do 8 de janeiro em Brasília sugere que os planejadores da CIA perderam-se em sua própria trama. Toda a farsa teve que ser antecipada por causa do relatório de Pozsar, que todos-que-importam-leram em todo o eixo Nova York-Beltway.

O que está claro é que, para algumas facções do poderoso establishment dos EUA, livrar-se de Trump a todo custo é ainda mais crucial do que prejudicar o papel do Brasil no BRICS +.

Quando se trata dos fatores internos de Maidan no Brasil, tomando emprestado do romancista Gabriel Garcia Márquez, tudo anda e fala como a Crônica de um Golpe Antecipado. É impossível que o aparato de segurança em torno de Lula não pudesse ter previsto esses eventos, especialmente considerando o tsunami de cartazes nas redes sociais.

Portanto, deve ter havido um esforço concertado para agir suavemente – sem grandes tacapes preventivos – enquanto apenas emitia o balbuciar neoliberal habitual.

Afinal, o gabinete de Lula é uma bagunça, com ministros constantemente em confronto e alguns membros que apoiavam Bolsonaro até alguns meses atrás. Lula o chama de "governo de unidade nacional", mas é mais como uma colcha de retalhos.

O analista brasileiro Quantum Bird, um estudioso de física respeitado mundialmente que voltou para casa depois de um longo período em terras da OTAN, observa como há "muitos atores em jogo e muitos interesses antagônicos. Entre os ministros de Lula, encontramos bolsonaristas, rentistas neoliberais, convertidos ao intervencionismo climático, praticantes de políticas identitárias e uma vasta fauna de neófitos políticos e alpinistas sociais, todos bem alinhados com os interesses imperiais de Washington.

"Militantes" treinados pela CIA à espreita

Um cenário plausível é que setores poderosos das forças armadas brasileiras – a serviço dos habituais think tanks neoconservadores Straussianos, mais o capital financeiro global – não conseguiram realmente dar um golpe real, considerando a rejeição popular maciça, e tiveram que se contentar, na melhor das hipóteses, com uma farsa "suave". Isso ilustra o quanto essa facção militar auto-engrandecedora e altamente corrupta está isolada da sociedade brasileira.

O que é profundamente preocupante, como observa o Quantum Bird, é que a unanimidade em condenar o 8 de janeiro de todos os quadrantes, enquanto ninguém assumiu a responsabilidade, "mostrou como Lula navega praticamente sozinho em um mar raso infestado de corais afiados e tubarões famintos".

A posição de Lula, acrescenta, "ao decretar uma intervenção federal sozinho, sem rostos fortes de seu próprio governo ou autoridades relevantes, mostra uma reação improvisada, desorganizada e amadora".

E tudo isso, mais uma vez, depois que "militantes" alimentados pela CIA organizaram os "protestos" abertamente nas mídias sociais por dias.

O mesmo velho manual da CIA, porém, permanece em ação. Ainda confunde a mente ver como é fácil subverter o Brasil, um dos líderes naturais do Sul Global. Tentativas de golpes da velha escola e roteiros de mudança de regime / revolução colorida continuarão sendo jogados – lembre-se do Cazaquistão no início de 2021 e do Irã há apenas alguns meses.

Por mais que a facção auto-engrandecedora dos militares brasileiros possa acreditar que controla a nação, se as massas significativas de Lula saírem às ruas com força total contra a farsa de 8 de janeiro, a impotência do exército será impressa graficamente. E uma vez que esta é uma operação da CIA, os manipuladores ordenarão que seus vassalos militares tropicais se comportem como avestruzes.

O futuro, infelizmente, é sinistro. O establishment dos EUA não permitirá que o Brasil, a economia BRICS com o melhor potencial depois da China, volte aos negócios com força total e em sincronia com a parceria estratégica Rússia-China.

Os neoconservadores e neoliberais Straussianos, chacais e hienas geopolíticos certificados, ficarão ainda mais ferozes à medida que o "G7 do Oriente", incluindo o Brasil, se mover para acabar com a suserania do dólar americano à medida que o controle imperial do mundo desaparece.

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