quinta-feira, 11 de julho de 2019

O QUE VEM ACONTECENDO NA SOMÁLIA E ALGUNS OUTROS PAÍSES

E deve ocorrer em cada vez mais partes do mundo, inclusive em nosso país e em nossos vizinhos. Do Guardian

Na Somália, a emergência climática já está instalada. O mundo não pode ignorar isso
Mustapha Tahir

Secas cada vez mais severas e frequentes estão ameaçando a vida de milhões de somalis. Mas está faltando apoio internacional



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 "O clima tem causando estragos nas estações da Somália." Mulheres coletam água no acampamento de New Kabasa para deslocados internos no norte da Somália, em 2018. Foto: Baz Ratner / Reuters


A emergência climática está causando estragos em todo o mundo, e são os países mais pobres que sofrem o maior impacto da crise. Na Somália, onde estou atuando como diretora do país para a agência humanitária Islamic Relief, a população está passando por uma seca que pode ameaçar a vida ou o sustento de mais de dois milhões de pessoas até o final do verão, segundo a ONU.

  
O clima vem causando estragos nas estações da Somália. Normalmente elas são quatro: a estação chuvosa principal entre abril e junho (gu), a segunda estação chuvosa entre outubro e dezembro (deyr) e as estações secas que seguem cada uma delas. Dois terços da população do país vivem em áreas rurais e são completamente dependentes das chuvas para suas colheitas e o gado. No ano passado, essas pessoas ficaram para trás quando a temporada de deyr produziu menos chuva que o normal. E novamente este ano as chuvas gu quase falharam completamente, chegando eventualmente a bolsões minúsculos do país muito pouco, tarde demais. Isto levou a uma quebra generalizada das colheitas e a um declínio na produção pecuária, empurrando rapidamente as comunidades nas áreas mais afetadas para a insegurança alimentar.

Nos últimos anos, a frequência e a duração desses períodos de seca tem crescido. Ao fazê-lo, diminui a capacidade das pessoas resistirem a esses choques. Toda seca esgota seus bens: seus animais vão morrer, suas colheitas vão fracassar, eles não terão nada para vender e na próxima temporada eles não terão dinheiro para comprar sementes para plantar novamente. Em desespero, os pastores vendem seus animais a um preço vil, deixando-os ainda mais vulneráveis. Esta ação reduz significativamente o número de bovinos abaixo do limite mínimo necessário para continuar a criação de gado. Neste ponto, eles começam a debandar e a tornar-se deslocados, muitas vezes em acampamentos informais perto de assentamentos urbanos.


Eu vi recentemente como o clima extremo pode colocar as delicadas vidas dos mais vulneráveis ​​fora de ordem. Nossa equipe conheceu Geelo Ahmed Osman, mãe de cinco filhos do distrito de Ainabo, Somalilândia, em um acampamento informal para deslocados internos (IDPs), onde ela agora mora. Ela foi incumbida de uma grande responsabilidade. Quatro de seus cinco filhos são incapacitados com condições tão severas que não podem se mover sem ajuda - e seu quinto está completamente emaciado com desnutrição. Porque o marido teve um derrame no ano passado, ela agora é a provedora da casa inteira.

Dois anos atrás, outra seca afetou duramente Osman e sua família. Sua casa, dedicada ao pastoreio, perdeu todos os seus animais. Nos dois anos desde então, eles dependiam inteiramente de doações de seus parentes e, quando seus parentes não puderam mais oferecer apoio, eles mudaram para os arredores do distrito de Ainabo e se juntaram a um assentamento informal de deslocados internos na esperança de obterem assistência de organizações de ajuda.

A atual seca levou a que mais e mais pessoas como Geelo Ahmed Osman, se deslocassem de suas casas e passassem a ser dependentes do apoio da comunidade internacional. Cerca de metade da população do país precisa de ajuda de emergência. Se eles não receberem isso, é muito provável que vejamos uma fome em grande escala antes do final do ano. A falta de água não tem apenas implicações nutricionais: espalha doenças. Se as pessoas não têm água para lavar em momentos críticos, elas não podem conter a disseminação de doenças, o que se torna inevitável em campos de deslocados internos. Coisas como diarreia, se não forem tratadas, podem ser fatais para as crianças.

As agências de ajuda precisam de mais fundos, e não apenas para assistência imediata. Com a crise climática fazendo esses tipos de eventos crescerem em frequência e intensidade, poderíamos estar exatamente na mesma situação no ano que vem, no ano seguinte e assim por diante. Portanto, embora a primeira fase da intervenção deva ser uma resposta emergencial, precisamos desenvolver então a resiliência para que as pessoas estejam mais bem preparadas para o futuro e não dependam de doações da comunidade internacional.

O triste é que, em todo o mundo, as emergências estão a aumentar: das guerras em curso na Síria e do Iémen a catástrofes naturais devastadoras, como o ciclone Idai, no sudeste de África. A crise climática só trará mais desastre. Mas no momento, a atenção, o financiamento e o apoio da comunidade internacional não estão lá. É crucial que, no nosso mundo turbulento e cada vez mais instável, a Somália não seja deixada para trás.

• Mustapha Tahir é o diretor nacional do país para Ajuda Islâmica na Somália

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