sábado, 29 de junho de 2013

PARA LÁ DA CRISE ATUAL

Acabo de ler um livro fundamental para entender pelo menos em parte as forças políticas que hoje se enfrentam. Trata-se de Os Sentidos do Lulismo, de André Singer. Importante nas opiniões e nas discussões para quem deseja um Brasil suficientemente justo e devidamente grande, independente do que o "mercado" queira decidir e mesmo para conservadores políticos, desde que eles possam superar o ranço udenista que permeia seu discurso falso e hipócrita contra a "corrupção"..

Sobre a dinâmica atual, veja o post abaixo do blog Viomundo, com as críticas que, estas sim, têm sentido político real.


Gustavo Gindre: Dilma e o esgotamento do lulismo

publicado em 28 de junho de 2013 às 13:26
DILMA E O ESGOTAMENTO DO LULISMO
por Gustavo Gindre, via Facebook
O PT onde eu militei era um partido vivo, organizado através de núcleos locais ou temáticos, com diversas tendências internas expressando diferentes abordagens ao socialismo. Tinha uma revista pungente, uma editora combativa e até escola de formação política.
O PT que começou a nascer com a derrota de 1994 e se consolidou com a vitória de 2002 não tem mais nada disso. Suas tendências internas, por exemplo, viraram um amontoado de mandatos de parlamentares, disputando espaço interno com vistas às próximas eleições.
O PT foi colocado em segundo plano em detrimento do lulismo.
Segundo o professor Andre Singer, o lulismo é um grande pacto de classes, que combina a manutenção da política econômica do governo FHC com fortes políticas distributivistas. E só foi possível em parte pelo carisma de Lula, em parte pela extensa aliança política com setores da direita e, claro, pela garantia de que os problemas estruturais da sociedade brasileira não seriam tocados.
O lulismo (um tipo de bonapartismo que prescinde de partidos políticos fortes e movimentos sociais organizados) está baseado na crença de que seria possível estabelecer um ganha-ganha, onde a base da pirâmide ganha com o distributivismo e o topo se aquieta por saber que a pirâmide será mantida.
De outro lado, o lulismo só foi possível num cenário de expansão econômica, fortemente ajudado pela política industrial que nos tornou fornecedores de matéria-prima para a indústria chinesa.
Pois, parece que este modelo é justamente o que está falindo agora.
Primeiro, porque a política distributivista parece ter liberados forças no interior da sociedade que o pacto lulista não é mais capaz de conter. Quem ascendeu pelos méritos da política distributivista agora quer outros direitos que o pacto de classes não pode mais lhe oferecer.
Segundo, porque a expansão econômica baseada na reprimarização de nossa base produtiva vai chegando ao fim. Isso significa que os setores médios começam a demonstrar receio de perder renda. E por isso começam a bradar por serviços públicos de qualidade, pelos quais até agora estavam acostumadas a pagar, como educação, saúde e transporte.
Terceiro, porque a mídia (embora fortemente agraciada pelo lulismo) jamais lhe deu trégua e, ao contrário de outros governos, expôs as entranhas de sua aliança política com setores fisiológicos da direita. Embora a corrupção não tenha aumentado nos anos do lulismo, a percepção social dela ficou muito maior.
Por fim, embora a história não se resuma a indivíduos, é inevitável perceber que Dilma é a coveira do lulismo. A presidenta, isso já sabíamos, não tem nenhum carisma (um elemento central do lulismo). Descobrimos agora que ela também não tem nenhuma capacidade de negociar (outro elemento central do lulismo). Nem mesmo sua suposta capacidade gerencial é real.
Sem o velho PT para lhe dar sustentação ideológica e organizativa, Dilma se vê paralisada diante da crise. Seus cinco pontos são uma forma de protelar em um cenário com o qual ela não consegue lidar. Incapaz de manter o pacto lulista, incapaz de forjar um novo pacto à esquerda, incapaz de dialogar, seu autoritarismo se mostra inútil.
Em breve veremos que tipo de resposta o lulismo dará para a crise e se é capaz de sobreviver a ela.

E este, que saiu no Conversa Afiada:





O Conversa Afiada publica impecável artigo de Marcos Coimbra na Carta:

O SENTIDO DAS MANIFESTAÇÕES

Enquanto perdem fôlego e amainam as manifestações de protesto que afetaram o País nas últimas semanas, está na hora de procurar entender seu significado. 
Uma das maiores dificuldades para compreendê-las é que não tiveram sentido único. Salvo, talvez, nos primórdios, quando usuários de transportes públicos foram às ruas em São Paulo para reclamar do aumento no preço das passagens. Lá, ainda tínhamos o cenário que explica as mobilizações sociais mais características: causa concreta, pessoas afetadas concretamente, reivindicações concretas. 
Muito se diz que as manifestações seguintes foram novas. Diferentes, por exemplo, das que a direita fez pela deposição de João Goulart ou das que empurraram o governo Collor para a crise final.
Mas, será que a “horizontalidade” e a “difusão” das atuais as tornam mesmo originais? 
Não terá existido, nas manifestações deste mês de junho, um segmento que desempenhou papel definidor análogo ao dos anticomunistas e dos conservadores católicos nas marchas de 1964? Dentre os muitos tipos de gente que foi às ruas, não houve um que forneceu personalidade ao “movimento”?   
Para identificar o sentido das que aconteceram agora, temos o perfil mais típico dos participantes, suas bandeiras mais características e as reações mais comuns que suscitaram. 
Nada ilustra melhor a mudança do perfil socioeconômico dos manifestantes que a imagem veiculada pela TV Globo nos primeiros jogos do Brasil na Copa das Confederações: madames vestidas a caráter e cheias de balangandãs, brandindo cartazes sobre o “fim da corrupção” e fazendo propaganda de um endereço no Twitter. Os jovens que, no YouTube, se tornaram astros dos “insatisfeitos”, parecem seus filhos ou irmãos. 
No conteúdo, o elemento central da “ideologia das ruas” foi a crítica à representação política e às instituições, particularmente os partidos políticos. Os manifestantes gritaram País afora que não se sentiam representados por ninguém, que estavam na rua para denunciar os “políticos” e “fazer política com as próprias mãos”. As vagas perorações em favor de “mais verbas para a educação e a saúde” ou contra os “gastos exagerados na Copa do Mundo” nada mais foram que pretextos para externar sua aversão ao sistema político e ao governo.     
Quem monitorou as redes sociais durante esses dias percebeu que os defensores mais entusiastas das passeatas foram os antipetistas radicais. Esses é que se sentiram em íntima comunhão com os participantes e torceram para que as manifestações escalassem, enfraquecendo o governo e prejudicando as chances de reeleição da presidenta. 
Para dizer o óbvio, quem deu o sentido das manifestações foi a classe média antipetista, predominantemente de direita. Nem sempre, nem todos os participantes, mas em seu núcleo característico. 
Ou seja: embora tenham participado do movimento desde punks neonazistas a adolescentes apenas curiosos (e mesmo gente genuinamente progressista), seu rosto é nítido.   
A classe média antipetista tem motivos reais para estar insatisfeita com a representação que tem. Ao contrário do cidadão que simpatiza com o PT e outros partidos de esquerda, e que majoritariamente aprova o governo, ela se sente mal representada.   
Faz tempo que Fernando Henrique Cardoso lhe dá razão. Em texto de 2011, em que tentava explicar a vitória de Dilma e definia novos caminhos para a oposição, propunha ao PSDB que deixasse o “povão” para o PT e fosse procurar a classe média: “É a essa que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente”. Dizia que  o partido precisava “mergulhar na vida cotidiana” e encontrar “ligações orgânicas com grupos que expressem as dificuldades e anseios do homem comum” (leia-se, de classe média). 
Lembrava que havia “toda uma gama de classes médias”, empresários jovens, profissionais, “novas classes possuidoras”, que estariam “ausentes do jogo político-partidário, mas não desconectadas das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc.”. Considerando seu “pragmatismo”, o discurso para atraí-las não deveria ser “institucional”, mas centrado em temas como a corrupção, o trânsito, os problemas urbanos, os serviços públicos. 
FHC queria uma oposição que “suscitasse o interesse” da classe média e lhe “oferecesse alternativas”. Se não conseguisse ser “uma alternativa viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais confie”, sequer adiantaria “se a fagulha da insatisfação produzisse um curto-circuito”. 
Falou, mas não fez. Nessa, como em outras oportunidades, as oposições brasileiras mostraram-se mais competentes na conversa que na ação. Perceberam os desafios, mas não lhes deram resposta.
Foram de Serra, quando precisavam renovar-se. Apresentam Aécio como prosseguidor da “herança de FHC”. Nada fizeram para “organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida a debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas”, como sugeria o ex-presidente.  
Presas de seus paradoxos, as oposições criaram a crise de representação dos setores da sociedade a quem pretendiam (e deveriam) expressar. Talvez principalmente, foi a impaciência das classes médias antipetistas com a oposição que as levou às ruas.
Depois, é claro, de um ano de ataque da mídia conservadora ao governo. Seus estrategistas acharam que conseguiriam, através de incursões cirúrgicas, eliminar somente as lideranças do PT. O que fizeram foi ferir valores fundamentais da democracia.

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