sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

CENÁRIO


MUNDO MULTIPOLAR 

por Cascarpi,
21 de fevereiro de 2020


Acompanhar a evolução política mundial não está fácil. Categorias e centros de poder vêm mudando muito rapidamente, e essas mudanças aceleradas devem continuar ocorrendo. 

Em determinado momento dos anos 1970 foram proclamados a formação de um “Consenso” mundial e o Fim da História, pelas autoridades de Washington e de Wall Street. Ficaram ocultos de uma divulgação real, os graves e crescentes problemas ambientais decorrentes da ação do homem. O maior deles, o aquecimento global, primeiro foi negado ou relativizado, e depois, quando finalmente foi admitido, teve negada a reponsabilidade da ação humana, justificando a falta de ação dos estados nacionais até hoje.

Enquanto o capitalismo dominante serve basicamente aos interesses imediatos das minorias financistas e do império, mostrando-se incompatível com a prevalência de socieda des minimamente equilibradas tanto nos países centrais como na periferia do sistema, duas tendências parecem se sobressair das mudanças nos últimos anos. 

A primeira é a crescente contestação, por outros países, do domínio estadunidense. O império dos EUA vem declinando tanto no seu peso econômico frente ao resto do mundo, o que é claramente mostrado nas estatísticas mundiais sobre crescimento econômico e produto interno bruto, e na efetividade do poder político exercido sobre países aliados, neutros e adversários. Por poder político, entendo aqui os vários recursos de que o governo e as corporações estadunidenses lançam mão para influenciar ou impor seus interesses sobre os outros: diplomacia, espionagem, recrutamento e operação de “ativos” locais, operações de guerra cibernética, guerras por procuração, guerras abertas.

Para citar alguns dos exemplos mais importantes do declínio político do império, Índia e Turquia vêm tentando, em patamar inferior ao de Rússia e China, expandir-se, a primeira para dentro – à custa de suas etnias minoritárias, assegurando o apoio da maioria hindu, a segunda, para além de suas fronteiras, numa forma de restauração de um antigo império. Esses dois países estão sob líderes qualificados de populistas e nacionalistas. Um terceiro, governado por um líder de ultradireita – Rodrigo Duterte, das Filipinas, vem tratando de se afastar do domínio estadunidense ao qual foram subordinadas desde sua  conquista como colônia no século 19.

A segunda tendência tem sido a desagregação do ambiente social na maioria das nações, no centro e na periferia do sistema mundial. Uma sequência de crises econômicas mundiais, desde os anos 70 do século passado, tem causado enormes deslocamentos de riqueza dentro de e entre nações, que continuam a ocorrer nos dias de hoje. A visão de um mundo em crescimento permanente, no qual os ricos continuariam a prosperar e os também pobres, prevalecente desde o fim da Segunda Guerra, se desfez. Com isto, desfizeram-se também pactos sociais, no mesmo momento em que se iniciavam movimentos para a construção de blocos regionais.

No lugar dos pactos sociais anteriores, com o estado, laico, presente em várias esferas de atividade, vemos a proliferação de novos centros de poder e de ideologias, antigas ou reformadas; a deterioração do tecido social com o surgimento de bandos fascistas, atualmente principalmente na internet, mas não só. E de pactos autoritários para a defesa de interesses dos muito ricos. 

Pactos entre donos do poder e organismos de violência e repressão (estatais e privados), proliferação de centros de destruição do conhecimento (com exumação e reciclagem de ideologias de controle, com destaque para os fundamentalismos religiosos, principalmente evangélicos e islâmicos). Há um reforço mútuo entre judiciário e polícias, que justificam sua existência ao reprimir os pobres, e os ricos, que precisam manter e ampliar seus parasitismos sobre a produção de bens e de serviços.

São pactos locais, não totais – podem abrigar contradições. Nas polícias e no judiciário, por exemplo: existem e podem estar crescendo, dissidências ao bolsonarismo reinante no Brasil entre forças armadas, policiais e judiciário, assim como houve militares que se opuseram ao golpe de 1964. O cerco da mídia corporativa a favor da agenda neoliberal é rompido por sites e Youtubers de esquerda. E o cenário econômico em médio prazo não é o mesmo do início da ditadura de 1964, quando depois de alguns anos teve início um ciclo de grande crescimento econômico, que não está à vista nos dias atuais.

Tudo permanece podendo  ser diferente, como mostra esta reportagem sobre a Finlândia, no El Pais

No geral, a economia no Brasil e na maior parte do mundo, incluindo EUA, China, Rússia, trabalha para a aceleração do desastre social e ambiental no planeta. A guerra contra a Terra está sendo travada em favor dos muito ricos, que tratam de se isolar dos efeitos da crise do clima, os diretos e os indiretos.

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