segunda-feira, 29 de abril de 2019

NEOLIBERALISMO NOS PROLEGÔMENOS

Uma historinha minha

                
Corria o ano de 1977. Ainda não havia sido derrubado o Xá da Pérsia, portanto tinha havido só um choque do petróleo, o de 1973, que ocorreu logo depois da guerra do Yom Kipupur no Oriente Médio. O presidente dos EUA era Jimmy Carter, o do Brasil o general-presidente Ernesto Geisel.

Um ano e meio antes, em 1975, eu havia sido contratado pelo governo federal brasileiro como um reforço para um grupo de profissionais que atuavam em um órgão de planejamento e deliberativo que avaliava e decidia sobre os grandes investimentos nas indústrias de aço e de metais não ferrosos no país. Funcionava sob o Ministério da Indústria e do Comércio, cujo titular era o empresário nacionalista Severo Gomes, que era o dono dos Cobertores Parahyba.

Pois nessa época eu havia sido encarregado de visitar algumas grandes empresas siderúrgicas para instruir o processo de licitação de uma nova fábrica de tubos de aço sem costura. Como havia apenas uma dessas fábricas, a Mannesmann, em Belo Horizonte, o CONSIDER – esse o nome do organismo para o qual eu trabalhava, e o governo queria atrair algum outro grande produtor desses tubos. Para isso, minha chefia programou a visita a grandes produtores: no México, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e na Itália. Um périplo.

Nos EUA a visita foi para a United States Steel, então uma das maiores empresas siderúrgicas do mundo, com uma visita a instalações industriais na cidade de Gary, antes de um encontro com executivos em Chicago – que estava em outro estado, mas apenas a 40 km de Gary. Em Chicago, meu cicerone levou-me para um almoço em ou próximo ao John Hancock Center, o edifício mais alto da cidade e um dos mais altos do mundo.

Antes ou depois de terem me oferecido uma prostituta, que recusei, fui levado para um encontro com executivos da U.S. Steel em um Private Club. Sabe esses lugares que aparecem em alguns filmes estadunidenses de décadas atrás, que VIPs costumavam usar para serem bajulados por garçons e outros serviçais, e encher a cara com privacidade? Pois foi isso.

Foi lá que um dos presentes, executivo da empresa de que não me lembro de nem o cargo, veio com uma afirmação que parece irrelevante hoje, mas que me surpreendeu pela solenidade com que foi pronunciada. Dizia mais ou menos assim: por muitos anos ele achou que o trabalho de sua empresa fosse produzir aço. Não mais. Agora, na U.S. Steel, o objetivo das atividades seria o de fazer dinheiro.

Achei essa afirmação pitoresca. Nessa época o Consenso de Washington ainda não tinha sido formulado oficialmente – só seria divulgado com esse nome uns quinze anos mais tarde. Não sabia que os princípios da ideologia neoliberal, que marcaria o estado brasileiro a partir da eleição de Fernando Collor, estavam embutidos nessa afirmação de um pomposo executivo engravatado para um funcionário de terceiro escalão do governo brasileiro (também engravatado na época). Hoje sabemos que essa frase baseia e motiva todas as côrtes e tropas do capital financeiro dominante.

Estivemos esse tempo todo sem enxergar a estrutura e a dinâmica do processo neoliberal, à medida que ele foi se expandindo quase silenciosamente, com o arrogante lema TINA (não existe alternativa, sigla em inglês), tomando a Academia, a Mídia, os Bancos Centrais, quadros mais graduados do funcionalismo. E governos moderados, e governos de centro-esquerda.  

A esquerda tradicional não foi capaz de conhecer e enfrentar esse processo. Bem vindas novas esquerdas.

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