terça-feira, 5 de novembro de 2013

BRASIL NUCLEAR

Nos anos setenta a energia nuclear parecia uma boa opção para a geração de energia elétrica, a custos competitivos com as outras formas de geração. Era barata e segura (assim se supunha), embora bem menos barata do que se esperava nos anos cinquenta.

Aconteceram acidentes. O primeiro em larga escala foi o de Windscale, na Inglaterra. Foi sucedido pelos de Three Miles Island, em 1979, e pelos letais, de Tchernobyl em 1986 e Fukushima, em 2011. Até o segundo desses acidentes, não houve grande repercussão, não como nos dois últimos. Mas, depois de cada acidente, o reexame das circunstâncias foi forçando governos a mudarem os procedimentos de licenciamento das centrais nucleares e os projetistas e operadores a irem adotando alterações que por sua vez acabaram com a presunção de baixo custo para a energia elétrica de origem nuclear. Justificadamente.

Tem sido notada uma mistura de incompetência e arrogância em operadores das usinas e de autoridades que possibilitou o grande número de mortes ocorridas, que foram principalmente de trabalhadores, e dos ambientes em torno das centrais sinistradas, nos acidentes mais recentes. Países com bastante competência em outras áreas foram incapazes de colocar gente adequada cuidando da geração elétrica nuclear.

Uma outra preocupação, a disposição dos combustíveis nucleares usados, embora sem uma solução geral, parece que vem sendo atendida de forma até agora eficaz. Preocupa pouco a maior parte dos especialistas, embora isto não seja verdade em relação ao público em geral.

Uma outra preocupação é com as bombas nucleares. Esta vem desde a detonação das primeiras bombas, inclusive as duas bombas terroristas lançadas pelos EUA sobre o Japão, em 1945, e seu uso como instrumento de intimidação, adotado por França. Grã Bretanha e Israel, e depois de dissuasão, pela União Soviética, depois pela China, Coréia do Norte, Índia e Paquistão. 

O Brasil entrou na era nuclear como aliado dos EUA na Segunda Guerra Mundial. As tentativas de desenvolvimento autônomo de tecnologia nuclear foram impedidas por aquele país, como se pode ver no resumo sobre o Almirante Álvaro Alberto  e no verbete sobre armas de destruição de massa, da Wikipédia (ressalva: baseia-se muito em relatórios estadunidenses, e quando se refere a Congresso, é o de lá)Com a renúncia unilateral do Brasil a ter armas nucleares, referendada em 1998 com a adesão ao tratado de não proliferação, a questão bomba atômica brasileira foi tirada de pauta.

No meio tempo, o país contava com três institutos de pesquisas nucleares, uma agência nacional de energia atômica, e vários estudantes no exterior cumprindo programas de pós-graduação em várias especialidades ligadas à indústria nuclear, a maioria nos Estados Unidos.

Durante o período da ditadura houve uma tentativa do governo de fazer a bomba atômica, ainda com base na rivalidade com a Argentina, uma doutrina antiga entre os militares e possivelmente incentivada pelos EUA, amigos de todas as ditaduras de direita do continente. A primeira central nuclear brasileira foi construída pela estadunidense Westinghouse em contrato de turnkey, ou seja, sob responsabilidade total da construtora. Mais tarde, quando a central sofreu atrasos de responsabilidade da construtora, deveria ter sido cobrada sua responsabilidade, mas naturalmente não foi.

Nesse mesmo período teve início o acordo nuclear Brasil-Alemanha, que tinha algo de racional ao tratar de contornar a obstrução dos EUA contra o acesso às tecnologias relacionadas com as centrais nucleares. O acordo pecou pelo gigantismo (previa a construção de dez centrais de 1000 MW em pouquíssimo tempo) e por algumas escolhas mal feitas, como a de um processo antieconômico de enriquecimento de urânio (o jet nozzle), certamente visando um caminho livre dos acordos internacionais do Brasil, para produzir combustível para a bomba. Caminho que foi abandonado.

A bomba atômica dos governos militares era voltada contra a Argentina (assim como foi a decisão de construir a hidrelétrica de Itaipu, desprezando alternativas menos onerosas e mais racionais de aproveitamento do potencial naquele trecho do rio Paraná).

Um outro programa, que tem sobrevivido por mais tempo, embora venha se desenvolvendo lentamente demais é o dos submarinos nucleares. O Brasil sempre teve defesas marítimas fracas contra eventuais incursões dos impérios anglo-saxônicos, e a inexistência de uma frota moderna de submarinos tem sido um ponto crítico dessa fragilidade. Além disso, a tecnologia dos reatores dos submarinos é essencialmente a mesma da maior parte das centrais nucleares em operação no mundo, reatores de água pressurizada. Assim, o trabalho de desenvolvimento de submarinos com tecnologia mesmo que parcialmente nacional tem benefícios do ponto de vista civil como militar. O projeto submarino nuclear tem sido desenvolvido pela Marinha do Brasil, e hoje tem endereço: Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro. 

Na década de 1970 um amigo de São Paulo pediu-me para tentar convencer um conhecido do Ministério de Minas e Energia sob o governo do general Geisel que a ideia de um submarino nuclear era bobagem. Ingenuamente, fiz o que ele pediu, e ingenuamente não entendi quando ele rompeu subitamente as relações. Só bem mais tarde, o que mostra minha falta de talento para a política, percebi que tinha sido porta-voz do governo dos Estados Unidos. Muitos anos mais tarde, convidei um dos diretores do projeto para fazer um seminário sobre o assunto no IEE. Ótima exposição. 

A curto prazo, é difícil defender mais centrais nucleares, enquanto não se tem uma grande indústria nuclear no Brasil, e enquanto o ambiente regulatório não estiver desenvolvido como um aparelho de estado aberto à inspeção e participação da população, com total transparência a menos eventuais segredos tecnológicos ligados às inovações introduzidas. O projeto do submarino nuclear pode vir a ajudar nesse sentido, se o governo adotar uma visão verdadeiramente estratégica.





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