terça-feira, 26 de novembro de 2013

AFINAL, O QUE É QUE NÓS QUEREMOS?

Quando digo nós, estou me referindo à esquerda, esse conjunto de comunistas, envergonhados (os autointitulados socialistas) ou não, anarquistas sinceros (aqueles que se opõem também ao poder das corporações), e humanistas em geral. Aqueles que não gostam de mandonismos e querem liberdade. Sei, sei, comunistas montaram regimes tirânicos, totalitários, mas isto derivou mais das circunstâncias históricas em que eles surgiram e tiveram que atuar, do que de seus programas e das convicções da maioria dos revolucionários. O que se pretendia era a emancipação. Só que a vida real, com a violenta reação, o cerco das potências capitalistas, e os erros cometidos pelos líderes, deram no que deu, e a questão, fundamental, merece uma extensa e exaustiva discussão à parte, não nos termos reducionistas da direita.

Essa turma de esquerda é muito heterogênea mas tem mais coisas em comum do que parece. Seus números, sua prevalência na sociedade variam de acordo com a época, com a fase da vida das pessoas, com os desencantos, com revelações, com o desenrolar das lutas sociais. Eu detectei esse coletivo primeiro quando fui estudante da EPUSP, Escola Politécnica da USP. 

Foi uma época muito conturbada. Começou com uma renúncia de presidente que queria dar um golpe e virar ditador com apoio dos militares, continuou com duas grandes greves estudantis. A maioria dos meus colegas éramos a favor das reformas de base propostas por João Goulart. e continuou a favor delas. Depois do golpe, a maioria era contra a ditadura, embora só no terreno da opinião, não da ação. 

A gente não queria tomar as fábricas, mas era contra os latifúndios e a favor da reforma agrária. Muito da ideologia dos jovens da época tinha a ver com a libertação das grandes massas da miséria, da superação do analfabetismo, da melhoria da situação dos trabalhadores, dentro de uma visão de mais justiça. Os Centros Populares de Cultura, da UNE, tratavam de trazer à tona os temas ligados à emancipação, e do enfrentamento à subordinação do Brasil aos EUA. A maior parte dos estudantes universitários, se não atuava nessa luta política, apoiava, ao menos tacitamente. Atualmente, posso estimar que a maioria absoluta desses ex-colegas esposa claramente a ideologia da direita consefvadora.

O golpe militar e o estabelecimento da ditadura civil e militar cortaram o discurso emancipatório e relegou-o à clandestinidade, em que parte da esquerda se radicalizou, com grupos optando pela luta armada, parte procurou levar uma luta aguada e consentida, parte conseguiu atuar de forma política e efetiva apesar das limitações impostas, parte desistiu, e parte aderiu à ditadura, abertamente ou sem avisar. A maior parte da classe média que dera algum apoio às teses da esquerda aderiu ao regime, de uma forma ou outra.

A esquerda armada cometeu um erro estratégico. Avaliou errado as chances de vitória. Não se começa uma guerra sem condições que permitam derrotar o inimigo. A vitória da revolução cubana e os maus resultados dos EUA no Vietnã - que resultariam em sua derrota muito tempo depois, foram tomadas por exemplo, sem considerar as condições muito diferentes que havia no Brasil e na América Latina em geral. Foi massacrada.

Os que ficaram na ação política, os enrustidos em face da repressão, e os da luta armada que conseguiram sobreviver passaram a valorizar muito mais do que antes os valores democráticos de liberdade de expressão e de associação, e a urgência de melhorar as condições dos sem-poder dentro da sociedade brasileira.  

Em um certo ponto, surgiu o PT. Todos nós passamos a apoiar o PT, e muitos se filiaram, incluindo heróis da resistência à ditadura, grandes intelectuais admirados por toda a esquerda. Eu também me filiei, com certa reticência, escaldado com a tendência à divisão e à disputa de egos dentro da estrutura partido. Mas foi uma concertação magnífica, belíssima, em seus primeiros tempos. O PT mudou,em função das estratégias e táticas que foram mudando para possibilitar ganhar eleições. Entretanto a maior parte dos que o apoiaram no início, não mudaram tanto.

Quando o PT deixou de ser radical e adotou uma ideologia socialdemocrata, muita coisa aconteceu: Os que se intitulavam socialdemocratas antes passaram a radicalizar suas posições favoráveis ao grande capital e aos interesses da grande finança internacional. E o PT tornou-se o líder de uma convergência centrista, com uma política de conciliação de interesses que inclui os dos trabalhadores e do subproletariado, é verdade, mas incapaz de atuar de maneira mais firme quando os poderosos insistem em manter privilégios que barram ou retardam a emancipação.

É fundamental que nossas aspirações, nossas pretensões, nosso programa continuem a se centrar na emancipação, na liberdade, na superação das alienações impostas pelo capitalismo. Apoiamos o PT contra a reação, mesmo porque todas as cores e sabores da oposição situam-se no sentido de retrocesso político e social, pelos (limitados) avanços realizados por seus governos, mas a estrutura partidária vigente no Brasil e no mundo é claramente incapaz de entregar o que queremos.

É reconfortante detectar indícios de que setores da população antes imersas ou ameaçadas pela miséria desfrutam hoje de melhores condições de vida e aspirações que seus pais e avós não puderam ter. Mas estamos longe de um caminho virtuoso em que se possa confiar. Embora a desigualdade tenha diminuído um tanto, falta demais, ainda é maior do que a dos Estados Unidos, embora esse país tenha piorado tanto nos últimos anos. É nosso dever fuçar, estudar, agir individualmente e politicamente. Não tenho a fórmula.


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