Do Brasil 247. Muito bem lembrado isto aqui... Mas eles - são todos uma gangue, de sócios maiores e menores. Trata-se da fase atual, mundial, do capitalismo.
 
          Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
Esqueça a guerra híbrida, companheiro. É a guerra arcaica que mais nos massacra
"É preguiçosa a tentação de explicar todos os nossos males a partir de conspirações que chegam de fora", escreve o colunista Moisés Mendes
 
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O Brasil deixou 
explicações pelo caminho, no século 20, porque parte da esquerda 
precisava ir sempre à Grécia Antiga para discorrer sobre coisas não 
resolvidas em Barbacena, Sorocaba ou Quaraí.
As tentativas de compreender nossos problemas ficavam mais sofisticadas.
 É um cacoete persistente, mantido pelo escapismo dos que atribuem quase
 tudo às batidas das asas das borboletas em Nova York.
Podemos tentar mudar. O Brasil talvez seja melhor explicado se em 2024 
parte das esquerdas finalmente deixar de ver digitais estrangeiras em 
todos os nossos dilemas, atrasos e sofrimentos.
O mantra hoje poderia ser esse: o nosso fascismo não é uma invenção da 
guerra híbrida, companheiro. É uma criação do Brasil arcaico, meu amigo.
Dilma foi derrubada pelo Brasil arcaico. Lula foi preso pelo law fare 
produzido aqui. É o Brasil arcaico que destrói a Amazônia e mata 
yanomamis.
Esse Brasil arcaico junta grileiros, fazendeiros, banqueiros, Fiesp, 
militares, milicianos, chefes religiosos. E quase não precisa dos 
guerreiros invisíveis de guerras híbridas.
Dilma foi golpeada pelo Brasil machista que tem coronéis, milicos e Deus
 acima de tudo. São os que tentam inviabilizar Lula de novo com a ajuda 
dos donos arcaicos das corporações de mídia.
O Estadão é parte da explicação do Brasil arcaico, e não da guerra 
híbrida. Atribuir quase tudo a fatores sobre os quais não teríamos 
qualquer controle nos deixa preguiçosos.
E nos acovarda diante da guerra suja interna. Que foi misógina contra 
Dilma. Que é rasamente preconceituosa, antes até de ser ideológica, 
contra Lula.
O racismo que alguns dizem não ser estrutural não depende de guerra 
híbrida. Nem a homofobia de agressores com mandato e foro privilegiado.
O absolutismo religioso é produto brasileiro, com selo de autenticidade.
 O diabo sabe. O dízimo que sustenta estruturas do fascismo não depende 
do PIX das guerras híbridas.
 
Sergio Moro pode ter tido colaboração americana, mas é ingênuo pensar 
que trabalhava em Curitiba a serviço da CIA ou do FBI para destruir 
nossas empreiteiras. É uma desculpa atenuante das nossas 
responsabilidades.
Moro, os golpistas de 2016, o centrão, a bancada do PL, os militares que
 saltaram fora do golpe de 8 de janeiro, todos são personagens do Brasil
 arcaico.
Bolsonaro não foi uma invenção da guerra híbrida e de maquinações 
internacionais. Foi apenas uma aberração verde-amarela, e eleita, 
potencializada pela capacidade da extrema direita de lidar melhor do que
 as esquerdas com todas as novas formas de comunicação de massa.
Javier Milei, que não existia nem como expressão política de quinta 
categoria há três anos, não é uma invenção da guerra híbrida.
É uma construção das urgências e dos desatinos da Argentina, e para que 
se repetisse lá, contra o kirchnerismo, o que fizeram aqui contra o 
lulismo.
A guerra permanente contra Lula é feita com armas nacionais. Nenhum guru
 de guerras híbridas orientou a direita brasileira a apoderar-se do 
orçamento e a dizer que o Congresso pode governar tanto quanto Lula.
Não foi a guerra híbrida que fragilizou os sindicatos e quase amordaçou 
as forças políticas nas universidades. Não há guerra híbrida que 
explique as bancadas de militares, delegados, pastores e correlatos no 
Congresso.
Que 2024 nos acorde dessa sesta, desse consolo dormente de buscar 
explicações conspiratórias longe de nós para as anomalias que nós 
criamos.
Que assumamos que Lula depende de base social e de ativismo político 
local, paroquial, municipal, para poder governar, ou não haverá valentia
 capaz de gerir o assédio do centrão.
Que aceitemos que Alexandre de Moraes não pode fazer tudo sozinho. Que 
abandonemos o lugar confortável que coloca as culpas em conspirações 
vindas de um exterior às vezes imaginário.
As esquerdas não podem reproduzir, em versões só aparentemente espertas e
 complexas, visões semelhantes às da extrema direita antissistema.
Os conspiradores externos não podem tudo, nem com centenas de Steves Bannons com seus Carluxos e suas milícias digitais.
O Brasil analógico, atrasado, agrário, supremacista, articulado nos 
subterrâneos e nas superfícies com a Globo, não precisa tanto dos 
serviços de Steve Bannon.
Os interesses estrangeiros e a guerra híbrida não matam 10 mulheres 
brasileiras por dia. Não provocam centenas de agressões diárias a negros
 e gays. Não assassinam negros em favelas. Não continuam massacrando 
indígenas na Amazônia.
O Brasil preguiçoso, muitas vezes sem coragem (também dentro das 
instituições) para enfrentar o poder arcaico, busca consolar-se com as 
conspirações dos poderes externos.
É cômodo, é enganosamente mais elaborado, é até mais charmoso. A direita
 brasileira, engolida pela extrema direita, agradece e se diverte.  
Porque saber que a CIA não mandou matar Marielle. Que Lula não foi preso
 pelo FBI. Que o 8 de janeiro não foi acionado por controle remoto de 
Washington.
Não tirem protagonismo das nossas elites bandidas e das nossas 
bandidagens arcaicas. Não caiam na armadilha de atribuir crimes a 
inimigos que nunca conseguiremos punir.
 
 
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