quinta-feira, 21 de agosto de 2014

PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS

Este é apenas um exemplo. As tais PPP têm pouca transparência, permitem favorecer grupos de "preferidos", que podem agradecer regiamente partidos no governo e funcionários encarregados de obter a tal eficiência que os neoliberais usam como gazua para transferir novos nacos dos recursos públicos para grupos financeiros.


Hospital na Cracolândia: Governo Alckmin repassa R$ 2,2 mi após Justiça proibir novos pagamentos

publicado em 20 de agosto de 2014 às 22:57
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Hospital da Cracolândia: Dos 11 andares, apenas dois  estão prontos. Fotos da unidade: Caio Castor
por Conceição Lemes 
Rua Helvétia, 55. Coração da Cracolândia,  na região central da cidade de São Paulo.
Nesse endereço — prédio de 11 andares, em reforma –, funcionará o futuro hospital para usuários de drogas da Cracolândia. Integra o Recomeço, programa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) de combate à dependência química, principalmente o crack.
O hospital — chama-se Unidade Recomeço Helvétia — terá leitos para desintoxicação, centro de convivência, dois andares para tratamento de emergências psiquiátricas , entre outros serviços. A previsão é que só ficará pronto em 2015.
A SES-SP entregou a gestão dele à  Sociedade Paulista para o Progresso da Medicina (SPDM), que receberá R$ 114 milhões por um contrato de cinco anos.
A SPDM é uma organização social de saúde (OSs) privada, presidida pelo médico Ronaldo Laranjeira, o mesmo doutor que coordena o programa de combate ao crack do governo Geraldo Alckmin (PSDB). A Unidade Recomeço Helvétia está sob o comando dele.
“Um contrato eivado de ilegalidades, um processo todo viciado”, denuncia o promotor Arthur Pinto Silva, da Promotoria de Direitos Humanos – Saúde Pública do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP). “Nas duas pontas do contrato, está o doutor Laranjeira, que ainda teve informações privilegiadas sobre o projeto antes mesmo do chamamento público para a gestão do hospital. Conflito total de interesse.”
“Além disso, a SPDM está fazendo reforma do prédio, atividade que não está entre as suas funções”, atenta o promotor. “Todas as obras são sem licitação.”
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Promotor Pinto Filho (à esquerda): “Doutor Laranjeira (à direita) teve acesso a informações privilegiadas”
Essas irregularidades levaram o Ministério Público Estadual a entrar com ação civil pública, solicitando anulação do contrato.
O juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), acatou o pedido.
Em 10 de julho, em decisão liminar (na íntegra, ao final), ele determinou a suspensão imediata da eficácia do contrato. Também que governo do Estado de São Paulo ou a SES-SP não faça mais nenhum repasse à SPDM.
O juiz faz menção direta à dupla condição de Laranjeira e ao fato de as obras da reforma terem sido contratadas pela SPDM sem licitação mas com dinheiro público.
A propósito 1. Até 29 de abril, segundo a ação civil pública, o governo estadual repassou R$ 7.060.473,77à  SPDM, que escolheu a OHM  Construtora, de Toshiaki Ochiai e Eduardo Toshihiko Ochiai, para fazer as obras.
Porém, pesquisa feita nesta semana no Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária (Sigeo) do Estado de São Paulo revela que a SPDM  já recebeu do governo Alckmin por conta do hospital da Cracolândia um total de R$ 9.262.592,69.
Detalhe: A Secretaria de Estado da Saúde repassou R$ 2,2 milhões no dia 5 de agosto. Ou seja, após a Justiça ter determinado a suspensão de novos pagamentos.
As imagens abaixo são de páginas do Sigeo. Os grifos em vermelho (são nossos) mostram datas e pagamentos feitos em agosto.
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Os R$ 9.262.592,69 pagos à SPDM foram assim distribuídos: R$ 6.413.424,34  referentes à reforma do prédio; e R$2.849.168,35 relacionados ao contrato de gestão para serviços e atividades de saúde. Confira na tabela abaixo.
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“Nós iremos apurar se o repasse dos R$ 2,2 milhões foi antes ou depois da intimação”, diz, surpreso com a nossa descoberta, o promotor Arthur Pinto Filho. “Agora, independentemente de a intimação ter sido feita após 5 de agosto,  a  Secretaria de Estado da Saúde tinha plena ciência da decisão liminar que suspendeu o contrato e os repasses, uma vez que saiu na mídia a situação. Há, no mínimo, um enorme desrespeito para com o Poder Judiciário.”
A propósito 2. O hospital da Cracolândia, relembramos, só estará concluído em 2015. Mesmo assim, dois andares foram inaugurados recentemente a toque de caixa.
Por enquanto, funcionam barbearia (no térreo, com quatro cadeiras), academia de ginástica (no primeiro andar), banho e acolhimento. A parte hospitalar propriamente dita só em 2015.
Na barbearia, chamou-nos a atenção uma placa logo acima dos espelhos:  Barber Shop. 
Não é piada, não. Esta foto comprova.
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Será que os dependentes químicos da Cracolândia frequentarão o barber shop?
Ou terão de, primeiro, aprender inglês para usar a barbearia?
Ou será apenas para a inglês ver?
E a academia de ginástica será gynn e o banheiro, bath?
Considerando que apenas barbearia, academia de ginástica, banho e acolhimento estão funcionando, como se explica a SPDM já ter recebido R$ 2,8 milhões por serviços e atividades de saúde?
Viomundo contatou a SPDM para entrevistar o doutor Ronaldo Laranjeira sobre o hospital da Cracolândia e a decisão da Justiça.
A assessoria de imprensa passou a bola para a SES-SP: “A Secretaria estadual da Saúde é que está respondendo sobre o assunto”.
Procuramos a SES-SP. Perguntamos sobre a decisão da Justiça que suspendeu o contrato com a SPDM, discriminação dos valores repassados à entidade, serviços funcionando. Foram vários e-mails e ligações para a sua assessoria de imprensa.  Nenhuma resposta.
A propósito 3.  Entre a semana passada e esta, estivemos três vezes no hospital, em horários diferentes. O movimento era reduzido. Havia mais atendentes do que pacientes. Coincidentemente, a barbearia estava vazia e a academia de ginástica, quase vazia.  Será que o térreo e primeiro andar foram inaugurados há poucos dias para serem usados como vitrines no programa eleitoral do PSDB?
Hospital da Cracolândia - Unidade Recomeço Helvétia
Hospital da Cracolândia - Unidade Recomeço Helvétia
Segue a íntegra entrevista que fizemos com o promotor Arthur Pinto Filho.
Viomundo —  Em 10 de julho, a Justiça determinou a suspensão de novos pagamentos à SPDM por conta do hospital da Cracolândia. O que acha de a Secretaria de Estado da Saúde ter repassado R$ 2,2 milhões em 5 de agosto?
Arthur Pinto Filho – Não sabia desse pagamento. Iremos apurar se o repasse dos R$ 2,2 milhões foi antes ou depois da intimação. Se houve irregularidade no repasse, o dinheiro deverá ser devolvido.
Viomundo – E se a intimação da Secretaria da Saúde só foi feita após o pagamento dos R$ 2,2 milhões, em 5 de agosto? 
Arthur Pinto Filho – Independentemente disso, a  Secretaria de Estado da Saúde tinha plena ciência da decisão liminar que suspendeu o contrato e os repasses, uma vez que saiu na mídia a situação. Há, no mínimo, um enorme desrespeito para com o Poder Judiciário.
Viomundo – O que achou da decisão do juiz Valentino de Andrade?
Arthur Pinto Filho — Uma decisão sóbria, muito firme, bastante fundamentada. Demonstra que o juiz leu tudo, estudou profundamente a questão. Um contrato eivado de ilegalidades, um processo todo viciado. Conflito total de interesse.
Viomundo –  Que ilegalidades motivaram a ação civil pública?
Arthur Pinto Filho – Conflito de interesse, informação privilegiada e o fato de SPDM estar fazendo reforma do prédio, atividade que não está entre as suas funções.
 Viomundo – Em que medida configura conflito de interesse?
Arthur Pinto Filho – Quando se tem nas duas pontas do contrato basicamente a mesma pessoa. A Secretaria da Saúde é a contratante. Ela foi levada a efetivar esse contrato pelo doutor Laranjeira, que é o coordenador do programa estadual de combate ao crack. E na outra ponta, como contratado, está o próprio Laranjeira, que é presidente da SPDM.
Ele está nas duas pontas do contrato – na pública, a contratante, e na privada, a contratada –, com informações privilegiadas. Isso é complicado.
Viomundo – Matérias publicadas na mídia dizem que a Secretaria de Saúde e a SPDM  alegam que Laranjeira não recebe nada, ele seria voluntário nos dois.
Arthur Pinto Filho – Para mim, isso não tem a menor relevância. Eu não estou discutindo se ele recebe ou não. O fato é que houve uma situação em que a SPDM, que é presidida pelo Laranjeira, ganhou um chamamento público numa situação muito peculiar. Aliás, ele pode não receber nada, mas a OSs que ele preside recebe muito bem por isso.
Viomundo – O que o senhor quer quer dizer com “chamamento numa situação muito peculiar”?
Arthur Pinto Filho – Chamamento é uma convocação oficial para que alguém ou alguma entidade participe de determinado ato. É um procedimento obrigatório pela lei.
No caso da SPDM e a Unidade Recomeço Helvétia, foi feito esse chamamento para as OSs. Só que a Secretaria Estadual da Saúde deu cinco dias para elas apresentarem a proposta e sete para o projeto de efetivação de um hospital que tem 10 andares mais o térreo.  Era impossível apresentar um projeto de tamanha complexidade num tempo tão exíguo. Então a única que apresentou o projeto foi a SPDM, por coincidência presidida pelo Laranjeira.
Viomundo – A SPDM sabia com antecedência do projeto?
Arthur Pinto Filho – Claro! Soube antes exatamente o que seria o projeto. Na verdade, o projeto da unidade foi do próprio Laranjeira..
Viomundo – A SPDM, além de fazer a gestão de saúde do hospital, está realizando a reforma do prédio. Uma OS de saúde pode reformar prédio?
Arthur Pinto Filho – Essa é outra excrecência da Unidade Recomeço Helvétia. Na prática, passar um serviço público de saúde para a administração de uma OSs já significa a sua privatização. Normalmente, as OSs pegam a edificação pronta e começam a gerir.
No caso desse hospital, a Secretaria estadual da Saúde foi além. Passou para a OSs, no caso a SPDM, a tarefa também de reformar todo o prédio, que estava bastante destruído.  É um agravante.
A SPDM está recebendo dinheiro público para reformar a seu bel prazer, um prédio público, contratando sem licitação e comprando materiais também sem licitação. Essa é mais uma grave anomalia contratual desse caso. A  SPDM se tornou uma OS de reforma de prédio, enquanto seu estatuto social não permite tal prática. Ela é uma organização social da área da saúde.
Viomundo – O senhor teve acesso ao projeto do hospital?
Arthur Pinto Filho – Não. E olha que eu pedi duas vezes para a Secretaria de Estado da Saúde a cópia do projeto , com um intervalo de 20 dias entre as duas oportunidades. A Secretaria ignorou. Deixou o prazo passar. Portanto, é um projeto secreto.  Ninguém sabe ao certo o que é.
Viomundo – A partir de agora, qual a sua expectativa?
Arthur Pinto Filho – Provavelmente, a SPDM e a Secretaria de Estado da Saúde vão recorrer da decisão do Judiciário.  E nós vamos aguardar a decisão do tribunal.
Viomundo – Qual a melhor solução para o caso?
Arthur Pinto Filho — Eu acho que o mais útil seria a Secretaria de Estado da Saúde elaborar um novo chamamento com prazos adequados para que as organizações apresentassem os seus projetos e eles fossem públicos. E, claro, ganhasse efetivamente o melhor, não fosse uma ação entre amigos.
Eu lamento muito que o chamamento que redundou na escolha da SPDM tenha sido feito totalmente de afogadilho, sem qualquer transparência. Afinal, essa unidade hospitalar vai ter um papel muito importante na região da Cracolândia.
Viomundo – Entre a semana passada e esta, nós estivemos três vezes no prédio do futuro hospital. A barbearia, com as cadeiras vazias nas três ocasiões, nos chamou atenção. Mais ainda o que estava escrito  logo acima dos espelhos:o barber shop. O que acha disso?
Arthur Pinto Filho – Ridículo, sem limites.
[As fotos do Hospital da Cracolândia foram feitas por Caio Castor, especialmente para o Viomundo. A produção delas e do conteúdo exclusivo só é possível graças à generosa colaboração de nossos leitores-assinantes. Torne-se um deles!].

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