quarta-feira, 25 de junho de 2025

E depois do bombardeio?

 

Olhaí, tem diplomata argentino (Rafael Grossi)que chefia a AIEA e trabalha para o império, enquanto um sociólogo argentino (Atílio Boron) escreveu uma análise bastante boa do que vem acontecendo.

– O mais provável será o endurecimento do Irã e a aceleração na corrida para a paridade nuclear com Israel, porque a partir de agora o governo já não aceitará as inspeções periódicas da AIEA

Atilio Boron [*]

Missil hipersónico Fattah.

Numa jogada que diz muito sobre a irracionalidade e a improvisação que prevalecem atualmente na Casa Branca, Trump ordenou o bombardeamento de três instalações subterrâneas onde o Irão estaria prestes a produzir a sua bomba atómica. Esta decisão deplorável confirma a tese de Jeffrey Sachs, que defende que a política externa dos EUA para o Médio Oriente não é feita pela Casa Branca, mas sim por Telaviv. Os EUA são o valentão irracional e brutal que faz o que o regime de Israel lhe ordena, embora — como comentam os principais analistas do establishment da política externa dos EUA — essa jogada seja prejudicial aos interesses de longo prazo da superpotência em declínio.

Várias hipóteses podem ser formuladas para compreender esse comportamento nefasto.

Primeiro: a extraordinária influência do lobby sionista nos EUA, nas mais diversas áreas da economia, da sociedade e da cultura desse país, desde a Wall Street, na costa leste, a Hollywood, na costa oeste.

Segundo, a articulação entre o complexo industrial militar, que sempre precisa de guerras para vender os seus produtos, e a liderança política norte-americana. Sem guerras não há lucros, e os políticos norte-americanos não podem financiar as suas caríssimas campanhas políticas sem as doações das oligarquias empresariais multimilionárias.

Terceiro, uma decisão que Trump teve de tomar contra a sua vontade, a pedido do seu amigo Netanyahu, para abrir uma via diplomática, porque a famosa Cúpula de Ferro de Israel não era tão inexpugnável como dizia a propaganda oficial e os mísseis lançados pelo Irão estavam a causar estragos inesperados em várias cidades de Israel, como Telavive, o porto de Haifa e outras.

Pode-se conjecturar que os sabujos da Mossad conhecem muito bem a história secreta de Trump e que, como disse Elon Musk, há filmagens sobre a participação do milionário nova-iorquino nas festas picantes que o multimilionário Jeffrey Epstein organizava com um grupo seleto de adolescentes, o que o torna muito vulnerável a chantagens. Note-se que Epstein foi acusado de pedofilia e de vários crimes sexuais. Condenado, foi enviado para a prisão em julho de 2019, com a má sorte de, um mês depois, em 10 de agosto, ser noticiado que se suicidou enforcando-se na sua cela do hipervigilado Centro Correcional Metropolitano, em Manhattan. Até hoje, os legistas alegam que não podem certificar a causa da sua morte porque parece que ele foi ajudado a se suicidar.

Esta soma de circunstâncias deixa Trump como uma vítima fácil de chantagem e, dado que tanto ele como «Bibi» Netanyahu são dois gangsters para os quais a extorsão é moeda corrente, é provável que este tenha pedido ao inquilino da Casa Branca um favor «que ele não podia recusar»:   destruir as instalações nucleares subterrâneas do Irão, e este acedeu. Embora não tenha conseguido.

Pode haver outras hipóteses, mas o mal já está feito. O que nenhum observador sério ousa dizer é o alcance real desses ataques. Sabe-se ao certo se eles realmente chegaram ao fundo das cavernas onde cientistas e técnicos trabalham na elaboração do arsenal nuclear iraniano e o fizeram explodir? Nesse caso, os danos foram totais ou parciais? Mais ainda: as famosas bombas antibunker atingiram o alvo ou, se o fizeram, não conseguiram perfurar uma montanha de granito puro?

Em todo o caso, o simples ataque abre um período de enorme incerteza na política internacional. Na edição digital de 22 de junho da revista Foreign Affairs, um dos maiores especialistas em assuntos do Médio Oriente dos EUA, Ilan Goldenberg, questiona o que virá depois dos bombardeios, e sua resposta é que, sem descartar uma capitulação imprevista de Teerão, o mais provável é que «os EUA se vejam envolvidos mais profundamente na guerra, com consequências profundamente negativas». Goldenberg cita as várias formas de resposta a que o Irão poderia recorrer e descarta a hipótese de que a incursão de ontem possa produzir uma «mudança de regime» e o colapso da república islâmica no Irão. O mais provável será o endurecimento do seu governo e a aceleração na corrida para a paridade nuclear com Israel, porque agora o governo iraniano fará o mesmo que Israel e não aceitará as inspeções periódicas da Agência Internacional de Energia Atómica.

Outro analista internacional norte-americano, Andrew Miller, publicou na edição anterior à do dia do bombardeio que o histórico das recentes intervenções de Washington no Médio Oriente é «um caso de estudo de catástrofes em matéria de política externa». O Iraque é o exemplo mais extremo, mas os fracassos sofridos no Afeganistão, na Líbia, no Iémen e na Somália também devem ser inscritos na história dos grandes fiascos de Washington. Apesar disso, sobrevive na Casa Branca e no seu entorno a crença absurda de que um bombardeio aéreo pode alcançar uma vitória estratégica e não apenas tática. Isso requer a presença de tropas no terreno e que elas controlem o território atacado, algo que os EUA dificilmente poderiam garantir neste momento, e muito menos Israel.

Segundo Miller, prevalece em Washington uma crença ingénua de que uma vitória tática no terreno militar se traduzirá linearmente numa derrota política e que o governo que suceder ao derrubado será melhor, ou mais amigável com Washington, do que o seu antecessor. Tanto Netanyahu como Trump afirmaram que a eliminação do aiatola Ali Khamenei poria um fim repentino à guerra e abriria caminho para um acordo diplomático, o que é um erro de proporções gigantescas.

Para concluir, com os seus ataques, tanto Israel como os EUA ratificam a sua condição de «Estados párias», violadores da legalidade internacional e da Carta das Nações Unidas, o que os torna moralmente desqualificados e desacreditados na sua pretensão de serem os arautos da luta contra o «terrorismo internacional» ou da defunta «ordem mundial baseada em regras».

Segundo, a agressão «preventiva» de Telaviv contra o Irã, que não possui as armas nucleares que Israel possui, e o bombardeamento norte-americano, acelerarão a corrida ao armamento de muitos países do Sul Global. Como Vijay Prashad corretamente observa, o Irão foi atacado «não porque possuía, mas porque não possuía armas nucleares», pois a Coreia do Norte possui e ninguém se atreve a atacá-la.

Terceiro, o mais elementar: como sustentar, a partir de uma teoria da justiça e do direito internacional, que um país, Israel, possa ter armas de destruição em massa e seus vizinhos não? Que tipo de ordem mundial pode ser construída sobre tal assimetria que consagra a brutalidade da lei do mais forte?

24/Junho/2025

[*] Sociólogo, argentino.

O original encontra-se em www.lahaine.org/mundo.php/despues-del-bombardeo-que

Este artigo encontra-se em resistir.info

 

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