sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

SOBRE AS VÍTIMAS DA IMPRENSA (E MÍDIA) BRASILEIRA

Saiu no jornal GGN

Sobre as vítimas da imprensa brasileira, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A imprensa brasileira tem uma longa lista de vítimas. Dilma Rousseff é uma delas, o jornalista Vladimir Herzog é outra. De 1962 a 1964 os principais jornais brasileiros exigiram o golpe militar que, deflagrado em 1º de abril de 1964, mergulhou nosso país numa ditadura nazista e carola que ao longo de vinte anos executou centenas de pessoas e torturou milhares de prisioneiros (crianças inocentes incluídas). Até o presente momento, nenhuma empresa de comunicação foi civilmente responsabilizada pelos danos que ajudaram a provocar (inclusive ao Estado, que se vê obrigado a indenizar as vítimas da bestialidade política).
Andressa Urach e outras mulheres que se submeteram a cirurgias plásticas desnecessárias que acarretaram lesões permanentes e até mortes são as mais novas vítimas da gloriosa imprensa brasileira. Diariamente as revistas, jornais, telejornais, programas de entretenimento, etc... divulgam  e reforçam  um padrão de beleza feminina irreal. As mulheres escolhidas para servirem de modelos às outras mulheres geralmente são brancas, jovens, magras, curvilíneas e sedutoras. Muitas de suas fotos, entretanto, são submetidas a modificações antes de serem divulgadas. Manchas, pintas e estrias são removidas digitalmente. Seios e quadris são aumentados ou diminuídos segundo o desejo dos editores de moda. Faces são maquiadas, cabelos são penteados e retocados e sorrisos perfeitos são ensaiados.
O processo de fabricação das pin-ups é antigo. Antes da era digital, as fotos eram melhoradas manualmente. Fitas adesivas especiais eram usadas para levantar seios naturalmente caídos. Enchimentos produziam seios fartos e bundas desejáveis. As falhas naturais das modelos eram cuidadosamente escondidas do foco das câmeras fotográficas analógicas. A ditadura da beleza feminina não é nova, tampouco é um fenômeno exclusivo das democracias ocidentais. De fato, o apogeu da glorificação pública e estatal de um corpo feminino escultural, saudável e belo ocorreu durante o regime nazista. Na Alemanha de Hitler existiram escolas para transformar ospilares da raça germânica (as jovens mulheres alemãs) em namoradas ideais para os oficiais da SS. O nazismo já foi destruído há mais de 60 anos, mas algumas de suas características repugnantes seguem impregnadas na cultura européia, norte-americana e brasileira.
Como advogado, sou obrigado a lamentar o abismo que existe entre a CF/88 e a vocação estética nazista da imprensa brasileira para criar e difundir ostensivamente um padrão artificial de beleza feminina. Todas as mulheres são sujeitas de direitos e a CF/88 proíbe qualquer distinção de natureza social, racial, econômica, religiosa e estética. Aquelas mulheres que não se ajustam ao padrão de beleza comercializado com lucro pela mídia, porém, são diariamente induzidas a se sentir menos mulheres ou, no mínimo, mulheres incompletas, mulheres fora do mercado. Em razão disto elas se esforçam para conquistar os direitos estéticos que lhes foram negados pelos editores dos jornais, telejornais, revistas, programas de entretenimento que marginalizam o que julgam ser feiúra e elevam à condição de mito algumas mulheres escolhidas a dedo cujas imagens serão cuidadosamente produzidas nos camarins e ilhas de edição antes de serem exibidas nos mostruários impressos, televisados e internetizados. Talvez venha daí a explosão recente de cirurgias plásticas e de criminosos procedimentos plastificantes, muitos dos quais produzem complicações graves como aquelas que ocorreram com Andressa Urach (cujo desejo de seguir sendo pin-up é evidente).
Os médicos são pessoalmente responsáveis pelos erros que cometem. Os leigos que administram tratamentos estéticos também podem ser responsabilizados pelos danos que acarretam às suas vítimas. Mas é preciso ir além. Precisamos começar a refletir sobre a responsabilidade jurídica das empresas de comunicação. Afinal, a compulsão por intervenções estéticas, médicas e criminosas, é ou pode ser desencadeada pela criação e circulação de modelos de beleza que não correspondem à paisagem feminina do país. As empresas de comunicação tem lucro criando pin-ups e devem, portanto, indenizar as mulheres que se sentiram menosprezadas e que sofreram graves danos físicos e morais em razão de terem sido impelidas à fazer cirurgias plásticas e tratamentos estéticos que lhes causarem danos físicos e morais. Cabe ao Judiciário começar a arejar a cena iconográfica brasileira mediante a correta e severa aplicação dos princípios da CF/88 que a mídia cotidianamente pisoteia por razões mercadológicas. 

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