quinta-feira, 9 de maio de 2013

ADOÇÃO DA DEMOCRACIA


Não herdamos uma democracia de verdade.  Ela é um conceito a ser montado coletivamente pelo conjunto da sociedade, ou pelo menos pela maior parte dela. Mas havia elementos de democracia nas mobilizações populares, na constituição de 1946, no comportamento civilizado de muitos políticos, editores de livros e de jornais, quando a noite de 1964 caiu sobre o Brasil.

Não existe país em que se mirar como modelo de democracia. Brasil é Brasil, existem nele formas democráticas que podem crescer, em outros países formas que podemos imitar, mas o que fizermos será sempre inédito, serão invenções por um povo já existente, com maneiras e contradições próprias, tudo isso também em processo de permanente mudança.

Como é que estamos agora, para onde estamos indo neste momento, para mais ou menos democracia?
Se formos crentes do evangelho de Milton Friedman e Friedrich Hayek, dois economistas que receberam o prêmio Nobel, haveria uma boa chance de responder afirmativamente a essa questão (Friedman foi conselheiro do ditador Pinochet do Chile). Para eles, por definição democracia e liberdade são função direta da liberdade total do capital, que deve se apropriar da maior parcela possível da riqueza de um país e restringir o Estado ao papel de polícia, a partir de leis e regulamentos gerados pelo capital, para o capital. E é isso que tem ocorrido nos últimos trinta e poucos anos, com o avanço neoliberal em todos os países, submetendo e cooptando inclusive todos os grandes partidos que antes eram de esquerda. O neoliberalismo das corporações financeiras, como as grandes empresas entre as duas guerras mundiais do século passado, é perfeitamente compatível com o fascismo, que tem florescido com a penúria imposta a setores da classe média e os mais pobres nos países mais ricos, e com a pregação dos ideólogos da direita que ocupam os meios de comunicação em países como o Brasil.

Há um virtual monopólio da imprensa escrita – jornais e revistas de grande circulação, com a exceção da revista Carta Capital, esta bem atrás das outras, e das redes de rádio e televisão nacionais, defendendo os interesses das corporações e do governo dos Estados Unidos da América. Dedicados a impulsionar a privatização, isto é, retirar do domínio público em favor das corporações privadas os recursos naturais e funções do Estado, tudo o que possa ser transformado em riqueza desfrutável, de todos os países do planeta.  Por outro lado, uma parte crescente da população tem se informado pela internet – pelos e-mails, redes sociais e sites jornalísticos e de opinião.

Os comunistas de várias décadas atrás aderiram em massa às formas democráticas de fazer política: deixaram de lado a luta armada, o conceito de ditadura do proletariado, o vanguardismo e sectarismo que prevaleceram até os anos 40 e 50 do século 20. Às lutas de socialistas, anarquistas e comunistas que o haviam feito na Europa e Estados Unidos, e usaram formas mais pacíficas de ação política, devem-se a universalização do direito de voto, o aumento dos salários para permitir uma existência digna aos trabalhadores e o conjunto de mecanismos de transferência de recursos via Estado para o amparo da sociedade – aposentadoria, educação gratuita, saúde, seguro desemprego.

Essas condições permitiram um apoio tácito das maiorias de trabalhadores à forma capitalista de produção, que permaneceu e se fortaleceu até os anos 80, quando essa forma entrou em crise e os extratos superiores do capitalismo – os grandes bancos e os setores financeiros das grandes corporações - voltou-se para saquear as riquezas que até então respeitara, com o apoio dos organismos internacionais dominados pelos Estados Unidos e seus aliados. Têm sido bem sucedidos. A parcela de riqueza dos mais ricos nos países centrais cresceu, à custa da parte à disposição dos mais pobres. O apoio tácito ao domínio do capital por trabalhadores que vêm sofrendo de desemprego, precarização do trabalho e diminuição de salários tem se erodido pelos prejudicados, o que inclui grande parte das classes médias, mas a incapacidade dos partidos socialdemocratas de agir, quando eleitos, deixou-as sem alternativa, ao menos em curto prazo.

Em outros países, o que inclui os BRICS, e alguns países da América do Sul: Venezuela, Equador, Argentina, Bolívia, e até certo ponto o Brasil, o poder do capital financeiro tem sido relativizado, em graus variados. Neles, esses movimentos para fora do poder neoliberal apoiado pelos governos dos países mais ricos e com  agentes estrangeiros e nativos, têm sido objeto de ações políticas por fora dos meios democráticos.

Não se fale do golpe estadunidense contra Aristide no Haiti e a tentativa de golpe de 2002 na Venezuela feita sob a supervisão e com recursos dos norte-americanos. Mais recentemente, tivemos os golpes de Honduras e do Paraguai, usando desta vez políticos e juízes de corte suprema em vez de militares.  

As mobilizações da direita nos países menos enquadrados da América do Sul tem incluído muita coisa que contraria e sabota o jogo democrático.  O objetivo é derrubar com golpes os governos não perfeitamente alinhados ao domínio de um capitalismo sem limites, e os métodos incluem violência na linguagem, no tratamento da verdade, e ameaças e efetivação de violência física. Enquanto agem dessa maneira, não piscam enquanto atribuem ações antidemocráticas ao governo federal, e chamam de ditaduras os governos da Venezuela e da Argentina, que não estão reprimem a liberdade de expressão, mas procuram quebrar o seu secular monopólio pelas classes proprietárias. 

Democracia é uma boa, se for possível manter o que foi obtido até agora, e ampliar para além de uma negociação demasiado desigual com o grande capital e o império. Eles, a outra parte, têm objetivos incompatíveis com a democracia. Lembremos a tirada de Szizek, de que o único país onde o capitalismo está dando certo é aquele com um governo repressivo de partido único, a China. 

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