sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

PODER POLÍTICO DOS SUPER RICOS III IDEOLOGIAS


A palavra ideologia tem uma conotação negativa. A esquerda usa nesse sentido pelo menos desde Marx. Seria um conjunto de conceitos sem muita base no que sucede no mundo real, nas experiências das pessoas. A direita usa desde que elegeu o comunismo como seu inimigo político principal. Não falava muito disso depois do fim do comunismo em 1989, mas entre nós ressuscitou a tática ao denunciar a “ideologia de gênero” contra a filósofa e acadêmica Judith Butler, que visitou o país recentemente. A ideologia de gênero seria um instrumento para favorecer o crescimento da parcela não heterossexual da população: gays, lésbicas, transsexuais e outros, que trazem todo tipo de "ameaça" para a sociedade.

Mais importante é falar sobre conceitos e visões que podem ser relacionados a ideologias não declaradas publicamente, por serem politicamente incorretas. Elas têm relação com a necessidade da visão conservadora, ou seja da direita, de reforçar a desigualdade social. A principal e mais abrangente é a ideologia que postula que há seres humanos, e seres humanos inferiores. Existe em todo o mundo, e é mais presente onde a desigualdade é maior.

Entre nós, essa ideologia se desdobra em diferentes formas de expressão: o conceito da competência (os outros são incompetentes), a menor importância dada aos direitos e às vidas dos mais pobres, a qualificação de país de vira latas: corrupto, ineficiente, burro, comparado com os países do “primeiro mundo”.

A ideologia da desigualdade justificada, com efeitos mais debilitantes sobre a sociedade como organismo vivo é a da crença de que as estruturas que organizam quem produz o que, quem consome o que o que podemos fazer com a terra e os seres vivos são coisa natural, sujeita a “leis econômicas” que é errado tentar mudar. É a ideologia que legitima os ricos, a grande referência que move as ações do PNL. Quem fica para trás é por falta de méritos, não se esforçou o suficiente. As vantagens de berço dos mais ricos, que transmitem a desigualdade através das gerações simplesmente não são citadas.

É o caso da ideologia que a mídia internacional ocidental usa para editar opiniões e notícias da Grécia. Pego na contramão quando da erupção da crise de 2008, aquele país amarga há quase dez anos políticas de austeridade impostas pela Troika formada por FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, dominados pela Alemanha. Para justificar uma política de austeridade que joga ano a ano na miséria parcelas cada vez maiores de sua população, a mídia procura retratar o povo grego como de boas vidas, parasitas e aproveitadores, aliás, como os outros povos do sul da Europa. Projeta sobre trabalhadores o comportamento de suas elites e faz o jogo da Troika tratando de manter Espanha, Portugal e Itália dentro do cercadinho que os bancos lhes reservaram. Qualquer semelhança com os preconceitos da classe média contra os mais pobres no Brasil, não é simples coincidência.

Essas ideologias são passadas de forma nem muito sutil pela mídia e pela indústria cultural dominante. Nelas não há lugar para a participação das pessoas comuns (as inferiores) nas decisões importantes que as afetam. É o discurso do PNL internacional, dos bancos, das castas privilegiadas, espaço das decisões deve ser ocupado pelo “mercado”, apelido dado aos donos do mundo que atuam preferivelmente em segredo até que as consequências de suas ações comecem a afetar os outros, os 99 %. Opinar sobre a reforma da previdência? Isto é para os especialistas e os parlamentares.

A maior mentira do PNL é que ele trata de ensejar o progresso. No Brasil, o golpe se lançou com um documento a que deram o nome de Ponte para o Futuro. Não é. O neoliberalismo prático acaba por ser um conjunto de medidas miradas no curto prazo, para tentar recompor margens de lucro das grandes corporações, enquanto o sistema econômico vai inexoravelmente perdendo legitimidade real perante a maioria, já que o crescimento econômico caiu a uma fração do que vinha sendo, a desigualdade social só aumenta e o setor financeiro permanece uma fonte de instabilidade (Ver os livros recentes de Ladislau Dowbor e Wolfgang Streeck).

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