quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ISRAEL É UMA DEMOCRACIA?

Como Israel silencia a dissidência

Mairav Zonszein,Do “New York Times” -

JAFA, ISRAEL — Em 12 de julho, quatro dias após o início da mais recente Guerra em Gaza, centenas de israelenses se reuniram no centro de Tel Aviv para protestar contra a morte de civis de ambos os lados e exigir o fim do cerco a Gaza e da ocupação da Cisjordânia por Israel. Eles entoaram, "Judeus e árabes se recusam a ser inimigos".
O Hamas havia avisado que iria disparar uma bateria de foguetes depois das 21:00h, e assim o fez. Mas os ferimentos sofridos em Tel Aviv naquela noite não vieram dos foguetes e sim de um atentado premeditado por um grupo de judeus extremistas. Entoando "Morte aos árabes" e "Morte aos esquerdistas", eles agrediram os manifestantes com cassetetes. Embora vários manifestantes tenham apanhado e precisado de atendimento médico, a polícia não efetuou nenhuma prisão. A mesma coisa aconteceu em outro protesto antiguerra em Haifa na semana seguinte; dessa vez, o vice-prefeito, Suhail Assad, e seu filho estavam entre as vítimas. O Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu não fez nenhum pronunciamento condenando a violência, embora tenha dito anteriormente que a sua preocupação principal era a segurança dos cidadãos israelenses.
A difamação dos poucos israelenses que não apoiam a doutrina da direita não é novidade. Incitações semelhantes ocorreram antes do assassinato do Primeiro-Ministro Yitzhak Rabin em 1995. Porém agora, isso se agravou e se alastrou.
Em julho, a experiente atriz israelense Gila Almagor se apresentou no Teatro Habima de Tel Aviv, embora tivesse recebido ameaças de que seria assassinada no palco. Em uma entrevista para o jornal israelense Yediot Aharonot alguns dias antes, ela havia declarado sentir vergonha depois que um palestino de 16 anos, Muhammad Abu Khdeir, ter sido sequestrado e queimado vivo por extremistas judeus.
Em uma entrevista durante a guerra em Gaza, a popular comediante Orna Banai disse que se sentia péssima com as mortes de mulheres e crianças palestinas; ela foi rapidamente demitida do seu cargo como porta-voz de uma operadora israelense de navios de cruzeiro. E o jornal Haaretz contratou guarda-costas para o seu colunista Gideon Levy após ele ter escrito uma coluna criticando os pilotos de caça israelenses.
O silenciamento agressivo de qualquer um que manifeste desaprovação das políticas israelenses ou que expresse empatia pelos palestinos é a última manifestação da mentalidade separatista latente há décadas. Essa mentalidade é baseada na narrativa de que os palestinos são inimigos que ameaçam a soberania judaica e são os únicos responsáveis pelo fracasso do processo de paz. A plataforma de paz israelense – que permanece obsessivamente focada em impedir a expansão dos assentamentos e em conseguir a solução sempre impalpável de dois estados enquanto ignora o fracasso de Israel de separar a religião do estado e de garantir direitos iguais para os cidadãos árabes – tem sido incapaz de contestar essa mentalidade.
A sociedade israelense não tem tido a capacidade nem a disposição de superar o exclusivista nacionalismo étnico-religioso que dá privilégios aos seus cidadãos judeus e é representado politicamente pelo movimento de assentamento e pela direita secular cada vez mais conservadora. As forças liberais de Israel permanecem fracas diante de uma forte economia que lucra com a ocupação enquanto a inércia internacional reforça o status quo. Na tentativa de conciliar ser tanto judia quanto democrática, a maioria dos israelenses escolhe a primeira opção em detrimento da segunda.
Israel nunca lidou de verdade com o fato de que os árabes que se identificam como palestinos correspondem a cerca de 20 por cento da população (isso exclui aproximadamente três milhões de palestinos que vivem no Leste de Jerusalém e na Cisjordânia). Israel nunca definiu as suas fronteiras claramente, preferindo mantê-las imprecisas e porosas. Tampouco o país definiu o que significa ser "israelense", e o que significa ser "judeu", deixando um vácuo que foi preenchido por ideólogos nacionalistas e religiosos.
Isso permitiu que a mentalidade separatista se difundisse na sociedade israelense judaica. A palavra "nós" não mais corresponde a todo cidadão judeu, e "eles" não mais a todo palestino. Agora a palavra "nós" corresponde a todos aqueles que defendem o status quo da ocupação e da expansão dos assentamentos, inclusive muitos cristãos evangélicos e republicanos nos Estados Unidos. E a palavra "eles" significa qualquer um que tente desafiar o status quo, quer seja um rabino, um soldado israelense dissidente, ou o presidente dos Estados Unidos.
Talvez isso não devesse ser recebido como um choque. Na maioria da existência de Israel, boa parte dos israelenses permitiu que o estado, em nome da soberania e da segurança dos judeus, violasse os direitos humanos básicos dos palestinos – inclusive o acesso à água e a liberdade de circulação e de reunião. O estado já matou manifestantes desarmados e depois deixou de fazer as investigações, permitiu que os colonizadores e soldados agissem com impunidade, e sistematicamente discriminou os cidadãos não judeus. Após tantos anos de repressão a quem se interpõe, passar a visar "um dos seus" não é tão difícil. Agora, são os poucos judeus israelenses que falam a língua dos direitos humanos que são rotulados como inimigos.
Zeev Sternhell, cientista político e especialista em fascismo, acredita que o "nacionalismo radical" e a "perda dos valores do Iluminismo" atingiram novos patamares em Israel. "Lamentar a perda de vida de ambos os lados já é um ato subversivo, um ato de traição", ele declarou ao Haaretz. Sternhell vivenciou a violência extremista dos judeus em primeira mão; em 2008, um colono plantou uma bomba em sua casa, e ele acabou ferido.
Os israelenses cada vez mais parecem indispostos a ouvir a crítica, mesmo quando ela vem de dentro da própria família. Não só não estão dispostos a ouvir, como estão tentando silenciar a crítica antes que ela possa ser manifestada. Com uma família assim, eu prefiro ser considerada como "eles".
Mairav Zonszein é escritora, tradutora e editora israelense-americana, e escreve para a +972 Magazine.

Nenhum comentário: