quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SOBRE A IDEIA DO COMUNISMO

Depois da queda dos regimes comunistas da União Soviética e da mudança da China para um capitalismo de estado, o neoliberalismo estabeleceu-se como a ideologia dominante no planeta, até agora. Essa ideologia arrastou consigo a queda da noção do Estado como protagonista ativo de políticas econômicas e de distribuição de renda, com o que os agrupamentos políticos de coloração social democrata abandonaram ou perderam a capacidade de formular propostas alternativas para a sociedade. Os partidos comunistas têm sofrido um processo de desagregação há muito tempo. Dirigentes dos PCs escreviam, e os militantes discutiam e aprovavam, ou (nas ditaduras comunistas), apenas tratavam de cumprir, A morte de Stalin, e a denúncia parcial de seu período por Kruchev, terminou a era dos diktats, dos dirigentes, parcialmente prorrogada com a proeminência de Mao Tse-Tung nas duas décadas seguintes. O Eurocomunismo rompeu com alguns conceitos marxistas e colocou-se objetivamente como uma força social-democrata, gerando dissidências à esquerda. Durante o período da ditadura militar no Brasil, textos, muitos na forma de teses foram produzidos por militantes e intelectuais ligados ao antigo PCB e aos vários partidos ou agrupamentos comunistas como PC do B, POLOP, Convergência Socialista, VAR-Palmares, e muitos outros. Mas os comunistas leram muito mais – Jean Paul Sartre, Louis Althusser, Herbert Marcuse, Antonio Gramsci. Alguns militantes transformaram-se em escritores, acadêmicos. Muitos atuam até hoje, independentes de partidos, depois de uma temporada no PT, que nunca foi um partido comunista, mas abrigou muitos comunistas históricos no seu início. No Hemisfério Norte a atuação dos intelectuais comunistas tem sido bastante intensa nos últimos tempos. O avanço do neoliberalismo, expressão econômica do capitalismo sem limites e monopolista, tem retirado grandes parcelas de renda dos não-ricos, ao mesmo tempo em que vem buscando diminuir os serviços públicos, causando aumento das desigualdades sociais. A crise de 2008 desnudou tanto a falácia de que os mercados podem se auto-regular como a incapacidade do Estado de intervir de maneira efetiva sobre os mercados financeiros. Isto tem gerado revoltas, concentradas nos grupos mais excluídos, como imigrantes legais ou ilegais, pessoas “de cor” ou muçulmanos, mas também em massas de classe média tradicional em alguns países. Embora nunca tenha cessado, a atuação desses intelectuais tem sido mais notada, e por vezes mesmo seus artigos e resenhas de seus livros atingem a grande mídia. Podemos citar Antonio Negri, Michael Hardt, Alain Badiou, Bruno Bosteels, Jacques Rancière, David Harvey, Terry Eagleton, Slavoj Zizek, entre muitos outros. Artigos deles fazem parte do livro The Idea of Communism, editado por Zizek e Costas Douzinas. Uma boa parte dos autores (se não todos) é de acadêmicos. O livro traz análises do conceito filosófico de comunismo – suas origens na História e na Filosofia. O que permanece (ou pode germinar) depois do desmonte das organizações comunistas em todo o mundo, sejam eles governos ou partidos. Para mim, reforçou ou fez repensar alguns conceitos, que exponho a seguir. A essência da idéia do comunismo poderia vir de comuns ou de comunidade. Comuns são os espaços e as coisas de acesso mais ou menos livre. Comunidades, os grupos humanos que exploravam esses comuns para viver, cujo acesso não era vedado, ou dificultado e nenhum. Comunistas seriam os que se voltam contra os efeitos das tomadas de terras, ou que buscam novas formas de organização da sociedade em que novas formas de comuns poderiam ser acessadas em condições de maior igualdade. Os comunistas atuam contrariando as formas vigentes de organização da sociedade. Em outras palavras, são subversivos. Eles admitem inclusive usar a violência contra o Estado, este entendido como o conjunto das estruturas que garantem a dominação de classes. Distinguem-se dos socialistas ou socialdemocratas pela crítica radical ao Estado, em que está embutida a rejeição a uma simples tomada de poder sem uma revolução na estrutura de classes. Estas revoluções ocorreram no passado, na Rússia e na China. Fracassaram totalmente, ao dar origem a tiranias sangrentas e ao desembocar em uma volta (ao menos em parte) às formas capitalistas de organização da produção, invalidando qualquer pretensão futura de transformação da sociedade em algo mais igualitário e justo? A dominação global do capitalismo não seria a marca do “fim da história”, como proclamou o historiador americano Francis Fukuyama? À luz da grande crise financeira iniciada em 2008 e da inoperância dos governos centrais em pelo menos mitigar a crise, o consenso capitalista não é mais tão forte. A grande crise ambiental global, cuja ponta mais letal é a mudança do clima, uma ameaça muito mais poderosa, põe a nu a incapacidade do Estado de prover freios à destruição crescente do meio ambiente e da base de recursos para a vida na Terra. Estes pequenos problemas abalam as certezas em que vinha se apoiando o capitalismo globalizado dos últimos anos. Os autores das matérias do livro tratam de vários aspectos da subjetividade e da objetividade em relação à idéia de comunismo. Passam por escritos filosóficos e políticos de Hegel, Marx, Lênin, examinam transformações estruturais do capitalismo contemporâneo, revisam as idéias sobre a revolução cultural e outros eventos marcantes do comunismo, fazem buscas sobre os espaços existentes e possíveis para a ação. Em vários dos autores, encontram-se discussões e conceitos por eles já desenvolvidos anteriormente, mas todos em torno da Idéia do Comunismo. Esta Idéia, embora não esteja assombrando a Terra como na famosa introdução ao Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, de 1948, está presente, e para muitos, continua a ser a questão mais importante da filosofia e da política. Quem desconfia que o mundo não ande nada bem, que não melhora apenas com correções secundárias de rumo e que faz falta um ou mais eventos de caráter social para tentar mudar, pode ter bom proveito com a leitura deste livro.

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