sábado, 30 de junho de 2012

A IDEIA DO PT E OUTRAS IDEIAS


Já fui de direita, embora tenha sido torcedor do Corinthians desde os meus dez anos. Até um pouco antes de entrar na escola de engenharia, meu pensamento foi muito influenciado pelo Estadão que meu pai assinava. O jornal já era de direita, golpista, mas abria as páginas para um Florestan Fernandes, um Isaac Deutscher. O primário fiz em escola municipal, em que convivi com meninos pobres. Influenciado pela religião até os dezesseis anos de idade, não deixei de perceber as contradições entre a riqueza de uns e a pobreza de outros, que passou a me incomodar de forma permanente.

Gravitei em torno do PT quase desde a sua fundação. Afastei-me há já quase dez anos, depois de atuar alguma coisa, sem ser um militante muito dedicado e, ainda menos, destacado. Falta de dedicação em parte devido ao fato de na época ter sentido no partido a chatice do movimento estudantil, já separando os elementos que o constituíram – sindicatos, intelectuais de esquerda, setores progressistas da igreja católica, e os lideres e seus seguidores em facções, então apelidadas de tendências. Também não me destaquei devido a minha natureza, avessa a empurrar e a ser empurrado. Mas procurei sempre dar minha contribuição e explorar todas as possibilidades de fazer isso.

No começo havia muitos elementos de agregação: reuniões de base que transmitiam a força de pequenos grupos em para certa democracia ainda pouco centralista, certa composição entre movimentos sociais, sindicatos e intelectuais, festinhas que reuniam todos em um ambiente quase familiar.  Havia uma vigorosa e sincera denúncia contra todas as formas de corrupção, corretamente vistas como formas adicionais de controle da política pelas classes proprietárias, que haviam apoiado o golpe de 1964 e integrado o Estado da ditadura.

Por certo tempo as direções regionais e nacional do partido incluíram diversos matizes políticos, desde os mais conservadores, em geral ligados à igreja, até os mais radicais, identificados com políticos como José Genoíno, com o centro ocupado entre outros por sindicalistas e José Dirceu. Isso antes de se acirrar a luta de facções, antes de o PT tornar-se um partido com apoio suficiente para conseguir ser eleito para cargos majoritários em prefeituras e estados.  Lula desde sempre foi a personalidade dominante, que conciliava as facções, e a partir de certo ponto passou a manobrar no comando de uma facção, junto com Dirceu e outros, que se tornou dominante na direção nacional. Os quadros dirigentes passaram a desfrutar de autonomia crescente em relação às bases locais e temáticas e aos movimentos sociais e a se distanciar deles.

Os comunistas, à esquerda – aqueles que não consideram o capitalismo, ou seja, as formas vigentes da economia, necessárias ou inevitáveis, foram perdendo força ideológica e política dentro do PT. Este acompanhou seu dirigente máximo, Lula, que desde seu início de atuação como sindicalista, nunca pretendeu mudar muito as coisas, mas atuar dentro das estruturas e dinâmicas que vigiam e vigem na política. Atuar nos caminhos estabelecidos, eventualmente aproveitando atalhos e fendas do sistema, sem procurar mudar as formas de relação entre as classes sociais, sem procurar influir muito sobre o futuro. A esquerda, nessa ocasião, foi sendo absorvida dentro do sistema, ou saiu do PT.

A lógica de mercado, que havia assegurado a permanência das velhas estruturas políticas no poder, mantendo o PT como um partido exclusivamente de oposição, acabou por ser absorvida pelos grupos dirigentes do partido. O trabalho voluntário dos militantes e as contribuições dos afiliados - um por cento de suas rendas - tornaram-se insuficientes para fazer frente aos grandes partidos do sistema, filhos da ARENA e do MDB, nas eleições. Seria necessário mais dinheiro do que os militantes poderiam oferecer.

Quando percebi isso, o que ocorreu aos poucos e em várias ocasiões ao revisar acontecimentos como as circunstâncias do assassinato de Celso Daniel, a prevaricação que constatei muitas vezes na atuação da prefeitura de Marta Suplicy em São Paulo, percebi que o PT, para mim, tornara-se muito menos interessante. O PT também não gostou de algumas de minhas intervenções, questionando posturas de dirigentes que eu achara criticáveis nas poucas ocasiões em que participei de reuniões mais amplas. O resultado foi que fui marginalizado em minha atuação para a política de energia, único campo em que eu me mantinha ativo no PT de 2002, e acabei  afastando. O PT tornou-se um partido de corruptos, igualzinho aos partidos tradicionais, incapaz de colocar-se do lado dos interesses da maioria. Certo?

Não. A realidade não é simples assim. Ainda existe oposição, aqui como no resto do mundo, entre esquerda e direita. A direita é mais fácil de caracterizar. Na história brasileira, esteve de acordo com a imposição de pagar uma indenização a Portugal pela independência do Brasil, esteve contra a abolição da escravatura, alinhou-se sempre aos interesses ingleses e depois americanos contra as inciativas de autonomia nacional, exerce desde sempre um quase monopólio da imprensa escrita, falada e televisada.

Governos do PT em estados e em municípios impulsionaram boas iniciativas; alguns tentaram, com diversos graus de dedicação e de resultados, fazer uma discussão participativa de questões de interesse local. Os governos de Lula e o de Dilma começaram e aprofundaram algumas transformações importantes na distribuição de renda e na estruturação de uma política externa mais independente, e ao fazê-lo, mudaram a postura do estado brasileiro. Isso é muito importante. Estes dois aspectos são defendidos pela esquerda e por nacionalistas brasileiros desde sempre.

O passivo de omissões, vacilações e alianças reprováveis é grande, enorme. Não vale aqui detalhar, talvez em um próximo post eu o faça. Posso citar a leniência com o contrabando e plantio de soja transgênica no sul, desrespeitando as leis então vigentes, os favorecimentos ao capital financeiro incluindo a manutenção de altas taxas de juros, os privilégios à indústria automobilística, a ausência de uma política para o funcionalismo junto a nomeações por barganhas políticas e para recompensar militantes. Tudo isso os partidos de direita fazem e esperávamos que essas práticas fossem reduzidas drasticamente no governo do PT, o que não ocorreu.

O agronegócio: grandes plantações de monoculturas em latifúndios, favorecimento de tecnologias intensivas em adubos, venenos e sementes transgênicas, foi apoiado quase sem restrições, enquanto o apoio à reforma agrária foi ínfimo. Houve algum apoio à agricultura familiar, marginal em relação ao conjunto.
O PT não criminalizou os movimentos sociais como faz a direita. Em uma fala durante o seu primeiro governo, Lula pediu que os movimentos, mais os sindicatos, fizessem pressão sobre seu governo e outras instâncias de poder em favor de seus interesses. Fala reveladora da fraqueza dos mesmos em mobilizar suas massas e angariar apoio para causas de interesse popular, como saúde, educação e segurança para as populações não abastadas.

Quando a economia superou o pior da crise na metade do primeiro governo de Lula, as massas de trabalhadores começaram a sentir melhoria em seus níveis de vida, reforçados com a bolsa família. Começou a ampliar-se o apoio popular a Lula (depois Dilma) e ao PT, nas pesquisas de opinião e nas eleições, que fizeram do PT o maior partido do Brasil. Ao mesmo tempo, a maior parte do poder financeiro, e todos os órgãos da grande mídia corporativa passaram a jogar pesado contra o governo federal, secundados pelos partidos de oposição (com os Estados Unidos tratando de solapar a política externa e os laços do Brasil com outros países da América do Sul), além de partir para a tentativa de impeachment. Diz-me quem são teus inimigos...

O governo negocia, negaceia, trata de não desafiar o poder econômico. O PT tem caixa dois como todos os outros partidos grandes, mas tem um projeto para impor o financiamento público às eleições. Aparentemente há acordos com empresas prestadoras de serviços, mas o governo não tem tentado interferir no trabalho do ministério público e da polícia federal para investigarem os malfeitos.

Ainda há muita gente de elevada qualidade moral nos governos e entre parlamentares do PT. O fato de os outros grandes partidos terem maior incidência de corruptos e similares também não deveria ser desprezado para se enfatizar apenas os petistas safados. O que leva a uma conclusão, pelo menos para mim.

Ações e ideias que possam mudar o mundo no sentido desejado pela esquerda sincera não se iniciarão, nem se nutrirão muito dentro do Sistema. Esse Sistema é estéril e tende a esterilizar tudo o que não for capaz de absorver em seu proveito. Por isso movimentos como os Occupy, de cidades dos Estados Unidos e da Europa são uma coisa nova, porque eles fazem de maneira eficaz uma ruptura com a conformidade e a legalidade, para além das velhas organizações de esquerda incapazes de empolgar as massas de jovens desempregados, marginalizados ou alienados.

A visão conservadora – de favorecimento ao “mercado”, domina tanto a oposição do PSDB, PPS e DEM como os situacionistas do PT e da base do governo federal: PMDB, PDT, PP, PSB. Confunde os benefícios reais da concorrência quando ela existe, da liberdade de iniciativa dentro da segurança dos outros, com a liberdade total para os monopólios e oligopólios financeiros e industriais, de dominar a informação, a economia e a lei. No Brasil, propiciou a privatização e a manutenção dessa privatização dos serviços públicos, elevando suas tarifas e limitando a sua oferta e qualidade, em energia e telecomunicações, em benefício de grupos ligados ao grande capital financeiro.

O combate à pobreza tem tido eficácia, mas a desigualdade não está diminuindo, talvez esteja aumentando, gerando desunião e violência. A emancipação do Brasil, como dos outros países da América Latina, passa pelo enfrentamento de seu Inimigo, as corporações e governo dos Estados Unidos, não através de guerra, é evidente, mas desafiando sua influência, denunciando os mecanismos de dominação através de seus agentes, declarados ou não.

Esta tarefa está fora do alcance dos partidos existentes, inclusive os mais à esquerda. Nem sei se é possível, embora absolutamente necessária. Existe uma ação dos blogs “sujos” da internet, que é fundamental para a ruptura do cerco ideológico e de informações exercido pela mídia corporativa.  

É possível conciliar o uso do mercado onde ele é desejável e não concentrador de riqueza junto com uma ação social, que partiria necessariamente das instâncias locais de ação e poder, tanto das pessoas como do poder político? Nesta matéria, não explorei essa questão fundamental. Quis apenas mostrar um pouco minha posição e chamar a atenção para como é fútil concentrar a avaliação política em termos de contra ou a favor do PT, ou qualquer outro grupo constituído e organizado, quando o que é necessário é questionar as bases econômicas e culturais em que a política é exercida. Esse questionamento é tarefa que interessa aos 99 por cento, mas isto já é outra história.







Nenhum comentário: