da Folha
O pessimista fica feliz duas vezes: quando acerta e
quando erra." Por incrível que pareça, Millôr foi das pessoas mais
otimistas que conheci. Nunca me esqueço um dia em que alguém contou um caso
bárbaro de violência televisionada, concluindo que "o mundo tá a cada dia
mais violento". Ao que o Millôr retrucou: "Você já ouviu falar na
técnica de empalamento? Já ouviu falar no genocídio armênio? Já viu fotos de um
gulag? O mundo nunca foi tão pouco violento; a gente é que nunca foi tão bem
informado."
Não se mate ainda, não. Apesar de tudo de ruim que
pode haver no mundo, dos Bolsonaros e Temers e Trumps, é sempre bom lembrar
que, salvo exceções, o mundo está progredindo, sim. Devagarinho, claro. Mas
está. Claro que está.
Quem acha que a juventude está perdida não
frequentou nenhuma escola ocupada. Quem acha que o machismo venceu não está
acompanhando a multiplicação de blogs feministas bons. Quem acha que o Rio não
tem jeito ainda não deve saber que o Freixo vai para o segundo turno, e vai
ganhar.
Quem acha que não se faz mais música boa não ouviu
o último disco da Elza Soares. Também não deve ter ouvido o da Clarice, nem o
do Tibério, nem o da Teresa Cristina cantando Cartola. Nunca ouviu o piano do
Vitor Araújo, o violão do Vinícius Sarmento, a rabeca do Beto Lemos. Tudo com
menos de 30 anos, ou um pouquinho mais.
Quem não vê mais graça em poesia não está lendo
Alice Sant'Anna, Angélica Freitas, Ana Martins Marques, Corsaletti. Procure
ler. Tudo com menos de 40 ou um pouquinho mais.
Quem acha que cinema brasileiro não presta não viu
"Que Horas Ela Volta?", "O Som ao Redor",
"Tatuagem", "Casa Grande", "Entre Abelhas",
filmes feitos no Brasil e nos últimos anos -com recursos públicos, claro.
Catchim, catchim (som do dinheiro batendo na minha conta).
Quem acha que não se faz mais teatro que preste não
viu "In on It" (em cartaz às quartas e quintas em São Paulo; corra),
não viu "Gabriela" (também não vi, mas sei que é lindo, acabou de
estrear; corra), não viu "Estamira", "Mamãe",
"Incêndios", "Tragédia Latino-Americana" e tanta coisa que
não cabe aqui.
Claro. Nem tudo são flores. O mundo nunca foi tão
chato -isso sem dúvida, se você não quiser abdicar do direito de ser machista.
Nunca foi tão caro, se você quiser ter vários empregadas. Nunca deu tanto
trabalho, se você quiser repetir racismos.
A vida do presidente interino, por exemplo, deve
estar um inferno. E, quanto a isso, para ele não há otimismo possível. Vai
piorar.
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