Moniz Bandeira: Bases na Argentina fazem parte do cerco dos EUA ao
Brasil; só militares podem evitar ataques à soberania que visam submarino
nuclear e acordo dos caças
14 de junho de 2016 às 20h48
Moniz Bandeira denuncia apoio dos EUA a golpe no Brasil
O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira
alertou nesta terça-feira (14) que por trás do processo golpista no Brasil, que
levou à ascensão do presidente interino Michel Temer no lugar da presidenta
legítima Dilma Rousseff, há poderosos interesses dos Estados Unidos, para
ampliar sua presença econômica e geopolítica na América do Sul.
“Esse golpe deve ser compreendido dentro do contexto internacional, em
que os EUA tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul, ao ponto de
negociar e estabelecer acordos com o presidente Maurício Macri para a
instalação de duas bases militares em regiões estratégicas da Argentina. O
processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não se tratou, portanto,
de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil”, afirmou Moniz
Bandeira, em entrevista concedida por e-mail ao PT na Câmara.
Moniz, que é autor de mais de 20 obras, entre elas A Segunda
Guerra Fria — Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos (2013,
Civilização Brasileira) e está lançando agora A Desordem Internacional,
entende que o processo golpista no Brasil recebeu apoio dos EUA e de outros
setores estrangeiros com interesse nas riquezas do País.
Ele criticou também setores da burocracia do Estado (como Procuradoria-Geral
da República, Polícia Federal e Judiciário) por atuarem para solapar a
democracia brasileira, prejudicar empresas nacionais e abrir caminho para a
consolidação de interesses estrangeiros no País, em especial dos EUA.
“Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment. E a influência dos
EUA transparece nos vínculos do juiz Sérgio Moro, que conduz o processo da
Lava-Jato. Ele realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007”, disse.
Leia a entrevista completa:
Como o senhor avalia o processo de impeachment da presidenta Dilma
Rousseff?
O fato de que o presidente interino Michel Temer e seus acólitos,
nomeados ministros, atuarem como definitivos, mudando toda a política da
presidenta Dilma Roussefff, evidencia nitidamente a farsa montada para encobrir
o golpe de Estado, um golpe frio contra a democracia, desfechado sob o manto de
impeachment.
Esse golpe, entretanto, deve ser compreendido dentro do contexto
internacional, em que os Estados Unidos tratam de recompor sua hegemonia sobre
a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o presidente
Maurício Macri para a instalação de duas bases militares em regiões
estratégicas da Argentina.
O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff não se tratou,
portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil.
Onde seriam implantadas tais bases?
Uma seria em Ushuaia, na província da Terra do Fogo, cujos limites se
estendem até a Antártida; a outra na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e
Paraguai), antiga ambição de Washington, a título de combater o terrorismo e o
narcotráfico. Mas o grande interesse, inter alia, é, provavelmente, o Aquífero
Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de
200.000 km2, um manancial transfronteiriço, que abrange o Brasil (840.000l
Km²), Paraguai (58.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (255.000 Km²).
Aí os grandes bancos dos Estados Unidos e da Europa — Citigroup, UBS,
Deutsche Bank, Credit Suisse, Macquarie Bank, Barclays Bank, the Blackstone
Group, Allianz, e HSBC Bank e outros –compraram vastas extensões de terra.
A eleição de Maurício Macri significa que a Argentina vai voltar ao
tempo em que o ex-presidente Carlos Menem, com a doutrina do “realismo
periférico”, desejava manter “relações carnais” com os Estados Unidos?
Os EUA estão a buscar a recuperação de sua hegemonia na América do Sul,
hegemonia que começaram a perder com o fracasso das políticas neoliberais na
década de 1990. Com a eleição de Maurício Macri, na Argentina, conseguiram
grande vitória.
E, na Venezuela, o Estado encontra-se na iminência do colapso, devido à
conjugação de desastrosas políticas dos governos de Hugo Chávez e Nicolás
Maduro com a queda do preço do petróleo e as operações para a mudança de
regime, implementadas pela CIA, USAID, NED e ONGs financiadas por essas e
outras entidades.
A implantação de bases militares em Ushuaia e na Tríplice Fronteira,
além de ferir a soberania da Argentina, significa séria ameaça à segurança
nacional não só do Brasil como dos demais países da região.
Os EUA possuem bases na Colômbia e alguns contingentes militares no
Peru, a ostentarem sua presença nos Andes e no Pacifico Ocidental. E com as
bases na Argentina completariam um cerco virtual da região, ao norte e ao sul,
ao lado do Pacífico e do Atlântico.
Que implicações teria o estabelecimento de tais bases na Argentina?
Quaisquer que sejam as mais diversas justificativas, inclusive
científicas, a presença militar dos EUA na Argentina implicaria maior
infiltração da OTAN, na América do Sul, penetrada já, sorrateiramente, pela
Grã-Bretanha no arquipélago das Malvinas, e anularia de facto e
definitivamente a resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que,
em 1986, estabeleceu o Atlântico Sul como Zona de Paz e Cooperação (ZPCAS).
E o Brasil jamais aceitou que a OTAN estendesse ao Atlântico Sul sua
área de influência e atuação.
Em 2011, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, o então
ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim (do PMDB, o mesmo partido do
presidente provisório Temer), atacou a estratégia de ampliar a área de
ingerência da OTAN ao Atlântico Sul, afirmando que nem o Brasil nem a América
do Sul podem aceitar que os Estados Unidos “se arvorem” o direito de intervir
em “qualquer teatro de operação” sob “os mais variados pretextos”, com a OTAN
“a servir de instrumento para o avanço dos interesses de seu membro
exponencial, os Estados Unidos da América, e, subsidiariamente, dos aliados
europeus”.
Mas estabelecer uma base militar na região da Antártida não é uma antiga
pretensão dos EUA?
Sim. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse é um objetivo
estratégico do Pentágono a fim de dominar a entrada no Atlântico Sul. E,
possivelmente, tal pretensão agora ainda mais se acentuou devido ao fato de que
a China, que está a construir em Paraje de Quintuco, na província de Neuquén,
coração da Patagônia, a mais moderna estação interplanetária e a primeira fora
de seu próprio território, com poderosa antena de 35 metros para pesquisas do
“espaço profundo”, como parte do Programa Nacional de Exploração da Lua e
Marte.
A previsão é de que comece a operar em fins de 2016. Mas a fim de
recuperar a hegemonia sobre toda a América do Sul, na disputa cada vez mais
acirrada com a China era necessário controlar, sobretudo, o Brasil, e acabar o
Mercosul, a Unasul e outros órgãos criados juntamente com a Argentina, seu
principal sócio e parceiro estratégico, a envolver os demais países da América
do Sul.
A derrubada da presidente Dilma Rousseff poderia permitir a Washington
colocar um preposto para substituí-la.
A mudança na situação econômica e política tanto da Argentina como do
Brasil afigura-se, entretanto, muito difícil para os EUA. A China tornou-se o
principal parceiro comercial do Brasil, com investimentos previstos superiores
a US$54 bilhões, e o segundo maior parceiro comercial da Argentina, depois do
Brasil.
O Brasil, ao desenvolver uma política exterior com maior autonomia, fora
da órbita de Washington, e de não intervenção nos países vizinhos e de
integração da América do Sul, conforme a Constituição de 1988, constituía um
obstáculo aos desígnios hegemônicos dos EUA, que pretendem impor a todos os
países da América tratados de livre comércio similares aos firmados com as
repúblicas do Pacífico.
Os EUA não se conformam com o fato de o Brasil integrar o bloco
conhecido como BRICs e seja um dos membros do banco em Shangai, que visa a
concorrer com o FMI e o Banco Mundial.
Como o senhor vê a degradação da democracia no Brasil, com a atuação de
setores da burocracia do Estado (Ministério Público, Polícia Federal e
Judiciário) que agem de modo a rasgar a Constituição, achicanando o país?
A campanha contra a corrupção, nos termos em que o procurador-geral
Rodrigo Janot e o juiz Sérgio Moro executam, visou, objetivamente, a
desmoralizar a Petrobras e as grandes construtoras nacionais, tanto que nem
sequer as empresas estrangeiras foram investigadas, e elas estão, de certo,
envolvidas também na corrupção de políticos brasileiros.
Ao mesmo tempo se criou o clima para o golpe frio contra o governo da
presidente Dilma Rousseff, adensado pelas demonstrações de junho de 2013 e as
vaias contra ela na Copa do Mundo.
A estratégia inspirou-se no manual do professor Gene Sharp, intitulado Da
Ditadura à Democracia, para treinamento de agitadores, ativistas, em
universidades americanas e até mesmo nas embaixadas dos Estados Unidos, para
liderar ONGs, entre as quais Estudantes pela Liberdade e o Movimento Brasil
Livre, financiadas com recursos dos bilionários David e Charles Koch,
sustentáculo do Tea Party, bem como pelos bilionários Warren Buffett e Jorge
Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e Burger King,
e sócios de Verônica Allende Serra, filha do ex-governador de São Paulo José
Serra, na sorveteria Diletto.
Outras ONGs são sustentadas pelo especulador George Soros, que
igualmente financiou a campanha “Venha para as ruas”.
Os pedidos de prisão de próceres do PMDB e do presidente do Senado,
encaminhados pelo procurador-geral da República, podem desestabilizar o Estado
brasileiro?
Os motivos alegados, que vazaram para a mídia, não justificariam medida
tão radical, a atingir toda linha sucessória do governo brasileiro.
O objetivo do PGR poderia ser de promoção pessoal, porém tanto ele como
o juiz Sérgio Moro atuam, praticamente, para desmoralizar ainda mais todo o
Estado brasileiro, como se estivessem a serviço de interesses estrangeiros.
E não só desmoralizar o Estado brasileiro. Vão muito mais longe nos seus
objetivos antinacionais.
As suspeitas levantadas contra a fábrica de submarinos, onde se
constrói, inclusive, o submarino nuclear, todos com transferência para o Brasil
de tecnologia francesa, permitem perceber o intuito de desmontar o programa de
rearmamento das Forças Armadas, reiniciado pelo presidente Lula e continuado
pela presidente Dilma Rousseff.
E é muito possível que, em seguida, o alvo seja a fabricação de jatos,
com transferência de tecnologia da Suécia, o que os EUA não fazem, como no caso
do submarino nuclear.
É preciso lembrar que, desde o governo de Collor de Melo e,
principalmente, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, o
Brasil foi virtualmente desarmado, o Exército nem recursos tinha para alimentar
os recrutas e foi desmantelada a indústria bélica, que o governo do general
Ernesto Geisel havia incentivado, após romper o Acordo Militar com os Estados
Unidos, na segunda metade dos anos 1970.
O senhor julga que os Estados Unidos estiveram por trás da campanha para
derrubar o governo da presidente Dilma Rousseff?
Há fortes indícios de que o capital financeiro internacional, isto é, de
que Wall Street e Washington nutriram a crise política e institucional,
aguçando feroz luta de classes no Brasil.
Ocorreu algo similar ao que o presidente Getúlio Vargas denunciou na
carta-testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A campanha
subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais
revoltados contra o regime de liberdade e garantia do trabalho”.
Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment. E a influência dos
EUA transparece nos vínculos do juiz Sérgio Moro, que conduz o processo da
Lava-Jato.
Ele realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007.
No ano seguinte, em 2008, passou um mês num programa especial de
treinamento na Escola de Direito de Harvard, em conjunto com sua colega Gisele
Lemke. E, em outubro de 2009, participou da conferência regional sobre “Illicit
Financial Crimes”, promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos.
A Agência Nacional de Segurança (NSA), que monitorou as comunicações da
Petrobras, descobriu a ocorrência de irregularidades e corrupção de alguns
militantes do PT e, possivelmente, passou informação sobre o doleiro Alberto
Yousseff a um delegado da Polícia Federal e ao juiz Sérgio Moro, de Curitiba,
já treinado em ação multi-jurisdicional e práticas de investigação, inclusive
com demonstrações reais (como preparar testemunhas para delatar terceiros).
Não sem motivo o juiz Sérgio Moro foi eleito como um dos dez homens mais
influentes do mundo pela revista Time.
Ele dirigiu a Operação Lava-Jato, coadjuvado pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, como um reality show, sem qualquer discrição, vazando
seletivamente informações para a mídia, com base em delações obtidas sob
ameaças e coerção, e prisões ilegais, com o fito de macular e incriminar,
sobretudo, o ex-presidente Lula. E a campanha continua.
Aonde vai?
Vai longe. Visa a atingir todo o Brasil como Nação.
E daí que se prenuncia uma campanha contra a indústria bélica, a começar
contra a construção dos submarinos, com tecnologia transferida da França, o
único país que concordou em fazê-lo, e vai chegar à construção dos jatos, com
tecnologia da Suécia e outras indústrias.
Essas iniciativas dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff
afetaram e afetam os interesses dos Estados Unidos, cuja economia se sustenta,
largamente, com a exportação de armamentos.
Apesar de toda a pressão de Washington, o Brasil não comprou os jatos
F/A-18 Super Hornets da Boeing, o que contribuiu, juntamente com o cancelamento
das encomendas pela Coréia do Sul, para que ela tivesse de fechar sua planta em
Long Beach, na Califórnia.
A decisão da presidente Dilma Rousseff de optar pelos jatos da Suécia
representou duro golpe na divisão de defesa da Boeing, com a perda de um
negócio no valor US$4,5 bilhões.
Esse e outros fatores concorreram para a armação do golpe no Brasil.
E qual a perspectiva?
É sombria. O governo interino de Michel Temer não tem legitimidade, é
impopular e, ao que tudo indica, não há de perdurar até 2018. É fraco. Não
contenta a gregos e troianos.
E, ainda que o presidente interino Michel Temer não consiga o voto de 54
senadores para efetivar o impeachment, será muito difícil a presidenta Dilma
Rousseff governar com um Congresso, em grande parte corrompido, e o STF
comprometido pela desavergonhada atuação, abertamente político-partidária, de
certos ministros.
Novas eleições, portanto, creio que só as Forças Armadas, cujo comando
do Exército, Marinha e Aeronáutica até agora está imune e isento, podem
organizar e presidir o processo.
Também só elas podem impedir que o Estado brasileiro seja desmantelado,
em meio a esse clima de inquisição, criado e mantido no País, em colaboração
com a mídia corporativa, por elementos do Judiciário, como se estivessem acima
de qualquer suspeita. E não estão. Não são deuses no Olimpo.
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