Creio que uma vida humana é feita de lutas e de criações (combates e construções).
Quando teve
início o golpe de 2016? Cada vez que eu olho para trás identifico mais alguma
ação que sucedeu antes. A rigor, pode-se dizer que começou desde sempre, porque
a ditadura nunca foi superada. Ficaram atuando sempre, a esmagadora maioria das
polícias, principalmente militares, doutrinadas num processo incessante, para a
repressão às organizações de trabalhadores e dos movimentos sociais mesmo
depois da Constituição de 1988 ter estabelecido o direito de organizar e de atuar
para essas formações. Todo ano os comandantes das forças armadas vão
comemorando o golpe de 1964, fora uma interrupção pela presidenta Dilma, que
durou só até a sua deposição.
Sempre
grassou um ódio, da (maioria da) classe média, aos pobres e aos escuros. Esse
ódio evolui para se transformar em doença social, parecido com o consumo de
drogas ilícitas. Encontrou terreno fértil para crescer nas redes sociais, onde
ele encontrou berçários adequados, muitas vezes com a ajuda do anonimato para
os ataques mais agressivos a raças, classes, fatos, conhecimento.
A crença de
que estávamos em uma democracia depois de promulgada a Constituição de 1988 foi
um fator de desmobilização desastroso. O PT, ou ao menos parte importante dele,
passou a menosprezar sindicatos e movimentos sociais, que por sua vez se
subordinaram a lógicas de políticas de conciliação de interesses de seus
políticos que iam sendo eleitos.
Resistir é
muito pouco, tem que evoluir para uma postura ativa dupla, em que estejam
presentes, sempre, Construção e Combate.
Tem as
construções locais solidárias. Tem o combate a fundamentos do capitalismo,
através da denúncia e coordenação de ações contra a cultura do consumismo. Tem
a necessidade de estabelecer a narração da crise ambiental e da crise do
império, ausente tanto desses meios das redes sociais como dos espaços públicos
do saber (Academia) e da informação (Mídia e Imprensa Corporativas).
Tem as
construções no aparelho do Estado, este em grande parte sob a ocupação de
tropas bolsonaristas, além da direita tradicional e das já instaladas pelo
partido do judiciário.
Mesmo as
ofensivas do bozo podem ser provisoriamente contrastadas. Por exemplo, tendo
sido retirado o apoio da Caixa para o cine Belas Artes, em 28 de fevereiro de
2019, o curador conseguiu o patrocínio da cervejaria Petrópolis para manter o
cinema em funcionamento. Buscar sempre os caminhos alternativos.
Cooperação,
solidariedade devem procurar se estruturar e “institucionalizar-se” em seus
grupos. Buscar semelhantes e formas de montar sinergias. Socialismo utópico não
tanto como célula constituinte de uma nova sociedade, mas como espaço livre e
de criação de novas formas de economia. No MST e assemelhados, tem muito disso,
cooperativas, escolas. O bolsonismo deve atacar os movimentos sociais, e vai
ser preciso eles resistirem e nós os apoiarmos de todas as formas.
Não existe
burguesia nacional, fora talvez o agronegócio. Os donos do poder econômico:
banqueiros, executivos das corporações se mantém invisíveis, de propósito. Mas
podem ser combatidos mesmo sem aparecerem, nas intersecções de seus negócios com
as vidas das pessoas. Boicote é uma possível arma, que pode ser acionada pela
internet. As lutas dos trabalhadores pejotizados e uberizados mal tem começado.
Esses trabalhadores não têm, como os remanescentes de períodos anteriores, as
condições de aglutinação pela presença física, por exemplo no chão das
fábricas. Mas tem por exemplo a greve do Uber iniciada nos EUA dias atrás, para
a qual havia sido anunciada a adesão de motoristas brasileiros. Os donos do
poder têm a dianteira do uso da internet: no controle, na produção e
distribuição de fake news em eleições,
mas as pessoas começam a reagir.
Nisso tudo,
é essencial não deixar de lado uma atividade que deve ser permanente, em toda
parte. A produção e busca da solidariedade (bondade), e da beleza. Relações
entre os seres humanos – e com o ambiente em que vivemos - governadas pelo princípio do respeito, que
tem que ser pressuposto, e ao mesmo tempo meta a ser sempre lembrada. Suavidade
contra brutalidade, sutileza dominando a grossura, espaço livre contra
dominação, música contra barulho, erotismo contra pornografia.
Temos que
lembrar o que a literatura, o humor, a música, o samba, pinturas e grafites, as
danças, que herdamos e continuamos a receber, têm trazido a nossas vidas, como
pessoas povos. Tem que os artistas façam, continuem a fazer, para fazer nos
sentirmos mais confiantes, melhor.
Assim,
enquanto é necessário cuidar e cultivar de si, é importante combater sempre que
for possível e valer a pena. E aproveitar todas as oportunidades para criar,
construir. Mas é necessário também estar com quem é próximo, sem fronteiras
demasiado marcadas. Uma lista que eu que posso oferecer para distinguir quem ou
o que:
Pode-se sempre
escolher entre ser:
·
Atento
ou apressado
·
Civilizado
ou violento
·
Responsável
ou ávido
·
Protetor
ou aproveitador
·
Sutil
ou tosco
·
Forte
ou medroso
·
Consciente
ou impulsivo
·
Ator
ou espectador
·
Crítico
ou passivo
·
Preparado
ou desprevenido
·
Sensível
ou distraído
·
Alguém
que encara ameaças ou prefere disfarçar
·
Brasileiro
ou agente da dominação pelo império americano
·
Quem
quer trabalhar pelo Brasil ou “Fazer a América Grande de Novo”
No fim o
Brasil, traído pelas elites dominantes, incluídos aí os estamentos burocráticos
da administração, da justiça e os armados, é hoje uma entidade fantasma. Morta? Prefiro dizer que é um país sob
ocupação. Que começou na vinda dos portugueses com o capitalismo mercantil e
escravagista. Onde mesmo assim se fez muita coisa bonita, e pode fazer muito mais.
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