MARCELO ZERO
É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado
27 de
Maio de 2019
A tarefa fundamental e inadiável das
forças que ainda têm um compromisso mínimo com a democracia é isolar politicamente
o neofascismo tupiniquim.
A total ausência de real compromisso
democrático das nossas forças políticas conservadoras tradicionais foi o que
permitiu a ascensão de um mentecapto extremamente perigoso, que ameaça acabar
com o que restou da nossa democracia, após o golpe de 2016 e a prisão política
de Lula.
As últimas manifestações, apesar de
seu volume apenas mediano, mesmo nos maiores redutos bolsonaristas, foram
convocadas pelo capitão com o objetivo principal de emparedar as instituições
democráticas, especialmente o Congresso Nacional, que demonstra alguma
independência, face ao festival inacreditável de absoluta incompetência do
governo.
Nisso, não há surpresa alguma.
Bolsonaro fez toda a sua longa carreira política de deputado do baixo clero
como opositor ferrenho da democracia. Sempre elogiou a ditadura e os
torturadores. Sempre defendeu, sem pejo algum, o extermínio, físico ou
político, dos diferentes.
A imprensa sabia disso, os partidos
políticos conservadores sabiam disso, os “formadores de opinião” sabiam disso,
Sérgio Moro e seus procuradores sabiam disso, a justiça sabia disso, os donos
do capital, mais que ninguém, sabiam disso perfeitamente. Até as
capivaras do Lago Paranoá tinham conhecimento do assunto.
Contudo, todos resolveram apoiá-lo, com
intuito de derrotar o professor universitário e implementar uma agenda
ultraneoliberal de destruição de direitos e da soberania. Inocentes, nessa
história sórdida, só as pobres capivaras e as forças políticas progressistas
que brava, mas isoladamente, se opuseram à tragédia anunciada.
O que causa alguma surpresa, no
entanto, é o apoio tácito que boa parte da imprensa conservadora e comercial
deu às novas manifestações contra a democracia. Em nome da “necessidade” de se
aprovar o fim da Previdência e as demais pautas destrutivas da agenda
ultraneoliberal, transmitiram as manifestações ao vivo e buscaram inflar o
fascismo nas ruas. Mais uma vez, demonstram que não têm compromisso efetivo com
a democracia.
Tentaram disfarçar as manifestações
pelo fechamento do Congresso e do STF como manifestações contra a “velha
política”, e tentaram justificá-las dizendo que a vertente antidemocrática foi
minoritária.
Não foi. O cerne das manifestações
foi antidemocrático. Sob a desculpa do combate à “velha política” e à “corrupção”,
o querem mesmo é abolir ou levar à inanição às instituições democráticas e
instaurar um Estado policial.
Nesse sentido, as manifestações foram
tão democráticas quanto as que o partido nazista promovia na Alemanha, na
década de 20 e 30 do século passado. “Povo na rua” nem sempre é sinal de
democracia. Pode ser o contrário. Naquela época, as manifestações nazistas
também eram apresentadas como manifestações contra a velha política e a
corrupção. Nazismo e fascismo eram o “novo”.
Alguns argumentam que as
manifestações, por seu volume modesto, foram um fracasso, que Bolsonaro cometeu
um erro tático, etc.
É
possível. Bolsonaro, por absoluta mediocridade e incompetência, e também por
seu claro vínculo com as milícias, perde popularidade em ritmo de blitzkrieg.
Não obstante, seria um erro crasso
menosprezar seu potencial destrutivo.
Estamos em época de crise
extremamente grave e crônica. Em cenários semelhantes, a volatilidade política
é imensa.
Nas eleições de 1928, o partido
nazista teve menos de 3% os votos. Julgaram que Hitler estava acabado. Bismarck
até revogou a proibição de Hitler fazer comícios na Prússia, pensando que o
perigo havia passado.
Quatro anos depois, no entanto,
Hitler fez um retorno triunfal, obtendo mais de um terço dos votos. Poucos
meses depois, chegou ao poder. Bastou o agravamento da crise econômica, a
partir de 1929, para que os inimigos da democracia triunfassem.
A persistência do impasse econômico e
político no Brasil pode, sim, levar a “soluções” autoritárias”. Há o risco
sério de que o ressentimento e a frustração da população sejam dirigidos não
contra o governo fascistoide, mas contra o que restou da democracia e suas
instituições. Sob a desculpa de se acabar com a “velha política”, pode-se
acabar, de vez, com a política.
A atual tutela militar sobre o poder
civil, a falta de compromisso democrático de boa parte das nossas oligarquias,
a ânsia por aprovar a agenda ultraneoliberal, a crise persistente e a
criminalização da atividade política promovida pela Lava Jato compõem um
cenário propício para aventuras de todo tipo.
A
última pesquisa feita no Brasil pelo Latinobarômetro (2018) demostra que o
apoio popular à democracia em nosso país é atualmente muito tênue. Ante a
pergunta, você considera que a democracia é preferível a
qualquer outra forma de governo?, apenas 34% responderam
afirmativamente. Ou seja, praticamente dois terços dos brasileiros admitem
apoiar ou, ao menos, suportar um regime autoritário, caso julguem que a
democracia (ou a “velha política”) tenha fracassado.
Bolsonaro demonstrou que está
disposto a jogar a população contra as instituições democráticas. Está saindo
da retórica para a ação. À medida que a crise avança e seu governo se paralisa,
cresce a tentação de se apostar numa solução autoritária.
Nesse quadro, há de ocorrer uma
reação firme das forças democráticas. Já passou do tempo de haver uma
articulação, no Congresso e na sociedade civil, de todas as forças que ainda
tem compromisso com a democracia.
Dizem que a grande astúcia do Diabo
foi convencer de que ele não existia.
O neofascismo ou protofascismo
brasileiro em senso lato existe. Está no poder e demonstra ser extremamente
perigoso.
A democracia brasileira ainda existe,
parcialmente. Mas o que restou dela corre o risco de não mais existir.
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