Corria o ano de 1977. Ainda
não havia sido derrubado o Xá da Pérsia, portanto tinha havido só um choque do
petróleo, o de 1973, que ocorreu logo depois da guerra do Yom Kipupur no
Oriente Médio. O presidente dos EUA era Jimmy Carter, o do Brasil o
general-presidente Ernesto Geisel.
Um ano e meio antes, em 1975, eu havia sido contratado pelo
governo federal brasileiro como um reforço para um grupo de profissionais que
atuavam em um órgão de planejamento e deliberativo que avaliava e decidia sobre
os grandes investimentos nas indústrias de aço e de metais não ferrosos no
país. Funcionava sob o Ministério da Indústria e do Comércio, cujo titular era
o empresário nacionalista Severo Gomes, que era o dono dos Cobertores Parahyba.
Pois nessa época eu havia sido encarregado de visitar
algumas grandes empresas siderúrgicas para instruir o processo de licitação de
uma nova fábrica de tubos de aço sem costura. Como havia apenas uma dessas
fábricas, a Mannesmann, em Belo Horizonte, o CONSIDER – esse o nome do
organismo para o qual eu trabalhava, e o governo queria atrair algum outro
grande produtor desses tubos. Para isso, minha chefia programou a visita a
grandes produtores: no México, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e na
Itália. Um périplo.
Nos EUA a visita foi para a United States Steel, então uma
das maiores empresas siderúrgicas do mundo, com uma visita a instalações
industriais na cidade de Gary, antes de um encontro com executivos em Chicago –
que estava em outro estado, mas apenas a 40 km de Gary. Em Chicago, meu
cicerone levou-me para um almoço em ou próximo ao John Hancock Center, o
edifício mais alto da cidade e um dos mais altos do mundo.
Antes ou depois de terem me oferecido uma prostituta, que
recusei, fui levado para um encontro com executivos da U.S. Steel em um Private
Club. Sabe esses lugares que aparecem em alguns filmes estadunidenses de
décadas atrás, que VIPs costumavam usar para serem bajulados por garçons e
outros serviçais, e encher a cara com privacidade? Pois foi isso.
Foi lá que um dos presentes, executivo da empresa de que não
me lembro de nem o cargo, veio com uma afirmação que parece irrelevante hoje,
mas que me surpreendeu pela solenidade com que foi pronunciada. Dizia mais ou
menos assim: por muitos anos ele achou que o trabalho de sua empresa fosse produzir
aço. Não mais. Agora, na U.S. Steel, o objetivo das atividades seria o de fazer dinheiro.
Achei essa afirmação pitoresca. Nessa época o Consenso de
Washington ainda não tinha sido formulado oficialmente – só seria divulgado com
esse nome uns quinze anos mais tarde. Não sabia que os princípios da ideologia
neoliberal, que marcaria o estado brasileiro a partir da eleição de Fernando
Collor, estavam embutidos nessa afirmação de um pomposo executivo engravatado
para um funcionário de terceiro escalão do governo brasileiro (também
engravatado na época). Hoje sabemos que essa frase baseia e motiva todas as côrtes e tropas do capital financeiro dominante.
Estivemos esse tempo todo sem enxergar a estrutura e a
dinâmica do processo neoliberal, à medida que ele foi se expandindo quase
silenciosamente, com o arrogante lema TINA (não existe alternativa, sigla em
inglês), tomando a Academia, a Mídia, os Bancos Centrais, quadros mais
graduados do funcionalismo. E governos moderados, e governos de
centro-esquerda.
A esquerda tradicional não foi capaz de conhecer e enfrentar
esse processo. Bem vindas novas esquerdas.
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