'Tempo sombrio vai ser longo no Brasil', diz
escritor Milton Hatoum
'Não torço pelo
pior, mas a equipe dele [Bolsonaro] é péssima, não tem nenhuma grandeza ética
ou intelectual para governar o país', diz escritor, que vai receber prêmio
Roger Caillois pelo conjunto da obra
MÁRCIA BECHARA
9 de nov de 2018 às 12:02
Milton Hatoum se tornou nesta quinta-feira (08/11) o terceiro escritor brasileiro a ser contemplado com o prêmio Roger Caillois pelo conjunto de sua obra. A premiação, que é anual, celebra tradicionalmente um autor latino-americano e um de língua francesa. Roger Caillois (1913-1978), célebre crítico literário, ensaísta, poeta e sociólogo francês, foi um dos mais importantes promotores da literatura hispano-americana na França, desde que se exilou na Argentina, durante a Segunda Guerra Mundial. A entrega do prêmio acontecerá no dia 13 de dezembro, na Maison de L’Amérique Latine, em Paris.
Hatoum, que estará
presente, disse que “é um bom momento para sair um pouco do Brasil”. O escritor
conversou com a RFI sobre a premiação, literatura e os últimos
acontecimentos no país.
RFI – Você é o
terceiro brasileiro a ser contemplado com o prêmio Roger Caillois, depois de
Haroldo de Campos, em 1999, e Chico Buarque, em 2016. Qual o significado desta
premiação para você, que possui várias obras traduzidas e publicadas na França?
Milton Hatoum – Fiquei muito honrado, é um prêmio importante para a literatura da América Latina. Ele leva o nome de um francês [Roger Caillois] que morou na Argentina vários anos durante a Segunda Guerra, onde fundou uma revista importante, a Lettre Française. Ele tinha sido convidado pela escritora argentina Victoria Ocampo para dar uma série de conferências na Argentina, e teve que ficar por lá por causa da ocupação nazista do governo de Vichy e de Pétain, na França. Quando ele decide ficar em Buenos Aires, ele começa a ler literatura hispano-americana. Além da produção literária de Caillois, ele foi um intelectual importante para fazer essa ponte cultural e afetiva entre a América Latina e a França. Vejo um pouco de paralelismo com a missão francesa no Brasil, com os franceses que vieram dar aula na USP nos anos 1930, entre eles o (Claude) Lévi-Strauss. O fato de ganhar esse prêmio, e de ter dois ilustres conterrâneos como vencedores, o Haroldo e o Chico Buarque, é uma honra para mim.
Milton Hatoum – Fiquei muito honrado, é um prêmio importante para a literatura da América Latina. Ele leva o nome de um francês [Roger Caillois] que morou na Argentina vários anos durante a Segunda Guerra, onde fundou uma revista importante, a Lettre Française. Ele tinha sido convidado pela escritora argentina Victoria Ocampo para dar uma série de conferências na Argentina, e teve que ficar por lá por causa da ocupação nazista do governo de Vichy e de Pétain, na França. Quando ele decide ficar em Buenos Aires, ele começa a ler literatura hispano-americana. Além da produção literária de Caillois, ele foi um intelectual importante para fazer essa ponte cultural e afetiva entre a América Latina e a França. Vejo um pouco de paralelismo com a missão francesa no Brasil, com os franceses que vieram dar aula na USP nos anos 1930, entre eles o (Claude) Lévi-Strauss. O fato de ganhar esse prêmio, e de ter dois ilustres conterrâneos como vencedores, o Haroldo e o Chico Buarque, é uma honra para mim.
RFI – Seu mais recente livro, A
noite da Espera, que faz parte da trilogia O Lugar mais Sombrio,
foi publicado há exatamente um ano no Brasil. É um romance de formação, que
recupera um pouco do espectro sombrio da ditadura. Como será o segundo volume,
que saíra num Brasil prestes a reviver, talvez, alguns destes fantasmas?
Milton Hatoum – Comecei a escrever essa trilogia em 2007. Esse ano, eu revisei o segundo volume. Durante a revisão, eu percebi que o ambiente não é muito diferente do que está acontecendo hoje. Críticos, jornalistas e leitores já tinham feito esse comentário sobre o primeiro volume. Muitos acharam que a narrativa e o ambiente opressivo remetem ao que aconteceu no último ano, no Brasil. Mas eu não tinha pensado nisso. Quando escrevi, 2008, 2010, 2012, o Brasil estava na paz, em outra toada. Mas essas tragédias são cíclicas na América Latina. E relendo o segundo volume, eu percebi que esse lugar sombrio continua como espaço e tempo sombrio também. Porque estamos revivendo algo que já vi, eu que passei toda a minha juventude, e uma parte da vida adulta, sob a ditadura. Então, posso dizer que isso que está acontecendo está de algum modo no livro, embora não seja um romance político, nem um romance sobre a ditadura.
Milton Hatoum – Comecei a escrever essa trilogia em 2007. Esse ano, eu revisei o segundo volume. Durante a revisão, eu percebi que o ambiente não é muito diferente do que está acontecendo hoje. Críticos, jornalistas e leitores já tinham feito esse comentário sobre o primeiro volume. Muitos acharam que a narrativa e o ambiente opressivo remetem ao que aconteceu no último ano, no Brasil. Mas eu não tinha pensado nisso. Quando escrevi, 2008, 2010, 2012, o Brasil estava na paz, em outra toada. Mas essas tragédias são cíclicas na América Latina. E relendo o segundo volume, eu percebi que esse lugar sombrio continua como espaço e tempo sombrio também. Porque estamos revivendo algo que já vi, eu que passei toda a minha juventude, e uma parte da vida adulta, sob a ditadura. Então, posso dizer que isso que está acontecendo está de algum modo no livro, embora não seja um romance político, nem um romance sobre a ditadura.
RFI – Você citou Roger Caillois, que se exilou na Argentina por causa da
colaboração francesa com o nazismo. O general Pétain, um dos símbolos dessa
colaboração, causou polêmica na França há dois dias, quando o presidente
francês, Emmanuel Macron, decidiu homenageá-lo, durante o centenário do
Primeira Guerra. Como é ser criador num país, o Brasil, que parece adotar uma
postura revisionista em relação a seu passado?
Milton Hatoum – Li essa declaração infeliz do Macron, e espero que tenha sido uma gafe (risos). Mas no Brasil, o que o presidente eleito, o capitão reformado Jair Bolsonaro, falou sobre a ditadura, não foi gafe, foi convicção. Ele elogiou a ditadura e torturadores. Bolsonaro é de fato uma figura sinistra e de extrema-direita. Um escritor sente essa pressão, mas esse governo não vai me impedir de escrever. Acho que quem vai sentir profundamente são as pessoas muito pobres, os negros, os homossexuais, as mulheres, ele fez um discurso contra as minorias, muito contundente e ácido. Eu não torço pelo pior, mas a equipe dele é péssima, não tem nenhuma grandeza ética ou intelectual para governar o país. Pessoas já foram assassinadas e professores estão acuados por causa dessa loucura dessa Escola Sem Partido, que vai gerar um verdadeiro caos, se esse projeto for aprovado. Será a loucura da delação em sala de aula, essa coisa de filmar professores e gravar. Acho que a violência vai aumentar e as pessoas estão com medo. Mas medo é a última coisa que a gente deve sentir. Devemos atacar com argumentos toda essa impostura.
Milton Hatoum – Li essa declaração infeliz do Macron, e espero que tenha sido uma gafe (risos). Mas no Brasil, o que o presidente eleito, o capitão reformado Jair Bolsonaro, falou sobre a ditadura, não foi gafe, foi convicção. Ele elogiou a ditadura e torturadores. Bolsonaro é de fato uma figura sinistra e de extrema-direita. Um escritor sente essa pressão, mas esse governo não vai me impedir de escrever. Acho que quem vai sentir profundamente são as pessoas muito pobres, os negros, os homossexuais, as mulheres, ele fez um discurso contra as minorias, muito contundente e ácido. Eu não torço pelo pior, mas a equipe dele é péssima, não tem nenhuma grandeza ética ou intelectual para governar o país. Pessoas já foram assassinadas e professores estão acuados por causa dessa loucura dessa Escola Sem Partido, que vai gerar um verdadeiro caos, se esse projeto for aprovado. Será a loucura da delação em sala de aula, essa coisa de filmar professores e gravar. Acho que a violência vai aumentar e as pessoas estão com medo. Mas medo é a última coisa que a gente deve sentir. Devemos atacar com argumentos toda essa impostura.
RFI – Você é escritor. Seria possível descrever ou imaginar Brasília (um
dos cenários de A noite da espera) em 2019?
Milton Hatoum – Brasília em 2019 para mim será um governo de militares eleitos pelo povo. Não sabemos o que será o Congresso Nacional, como ele vai se comportar diante do Executivo. Eu estou prevendo uma situação um pouco caótica. Essa para mim é a imagem de Brasília no ano que vem. O Brasil é de uma complexidade enorme, e eles não entenderam isso. Acho que as pessoas estão muito infelizes, há 13 milhões de desempregados. Quem elege um salvador da pátria, não sabe ainda que não haverá salvação, nem a curto, nem a médio prazo. Acho que esse tempo sombrio vai ser longo.
Milton Hatoum – Brasília em 2019 para mim será um governo de militares eleitos pelo povo. Não sabemos o que será o Congresso Nacional, como ele vai se comportar diante do Executivo. Eu estou prevendo uma situação um pouco caótica. Essa para mim é a imagem de Brasília no ano que vem. O Brasil é de uma complexidade enorme, e eles não entenderam isso. Acho que as pessoas estão muito infelizes, há 13 milhões de desempregados. Quem elege um salvador da pátria, não sabe ainda que não haverá salvação, nem a curto, nem a médio prazo. Acho que esse tempo sombrio vai ser longo.
RFI – Você é traduzido e publicado na França há muitos anos. Alguma
novidade está prevista para o mercado editorial francês para este ano?
Milton Hatoum – Acaba de sair na França meu livro de contos, La Ville au millieu des eaux (Actes Sud, 2018), o título em português é A Cidade Ilhada (Companhia das Letras, 2009). Gostei muito da escolha do título do tradutor, Michel Riaudel. Meu primeiro livro publicado na França foi o Recit d'un certain Orient, publicado pelas edições Seuil, todos os outros saíram pela Actes Sud, como Deux Frères (Dois Irmãos), Cendres d’Amazonie (Cinzas do Norte) e Orphelin d’Eldorado (Órfão do Eldorado).
Milton Hatoum – Acaba de sair na França meu livro de contos, La Ville au millieu des eaux (Actes Sud, 2018), o título em português é A Cidade Ilhada (Companhia das Letras, 2009). Gostei muito da escolha do título do tradutor, Michel Riaudel. Meu primeiro livro publicado na França foi o Recit d'un certain Orient, publicado pelas edições Seuil, todos os outros saíram pela Actes Sud, como Deux Frères (Dois Irmãos), Cendres d’Amazonie (Cinzas do Norte) e Orphelin d’Eldorado (Órfão do Eldorado).
Dois projetos
para o Brasil
Dois projetos para o Brasil se confrontam desde 1930, se alternaram no
Poder desde então, se confrontaram no dia 28 de outubro de 2018 e continuarão a
se confrontar após o dia 28, data em que Jair Bolsonaro foi eleito Presidente
da República
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES
12 de nov de 2018 às 08:46
1. Dois projetos para o Brasil se
confrontam desde 1930, se alternaram no Poder desde então, se confrontaram no
dia 28 de outubro de 2018 e continuarão a se confrontar após o dia 28, data em
que Jair Bolsonaro foi eleito Presidente da República.
2. O primeiro é o projeto do “Mercado”. É o projeto dos muito
ricos, dos megainvestidores, das empresas estrangeiras, dos rentistas, dos
grandes ruralistas, dos proprietários dos meios de comunicação de massa, dos
grandes empresários, dos grandes banqueiros, e de seus representantes na política,
na mídia e na academia. É o projeto de uma ínfima minoria do
povo brasileiro.
3. Cerca de 30 milhões de brasileiros apresentam declaração de renda anual
onde revelam ter rendimento superior a dois salários mínimos, cerca de 250
dólares por mês. Portanto, dos 150 milhões de brasileiros eleitores, 120 ganham
menos de dois salários mínimos por mês.
4. De outro lado, seis mil brasileiros têm rendimentos superiores a mais de
320 salários mensais. Acima de 40 salários são cerca de 300 mil brasileiros que
podem participar do “Mercado” como investidores ou especuladores. Todavia, se
poderia dizer que os que controlam o “Mercado” seriam os que declaram mais de
160 salários mínimos por mês, cerca de 20 mil indivíduos.
5. O que se denomina de “Mercado” não é, certamente, portanto, o conjunto
de consumidores, trabalhadores, capitalistas, altos executivos como se procura
fazer acreditar.
6. Esse projeto ultraneoliberal se fundamenta em premissas simples:
o
a iniciativa privada pode resolver
todos os problemas brasileiros;
o
a iniciativa privada estrangeira é
melhor do que a brasileira;
o
o Estado impede a ação eficiente da
iniciativa privada ao:
§ cobrar impostos extorsivos;
§ proteger o Trabalho e prejudicar o Capital;
§ regulamentar em excesso as atividades econômicas;
§ distorcer a economia com a ação de suas empresas estatais;
§ causar a inflação;
§ gerar a corrupção;
§ inibir a iniciativa privada estrangeira.
§ aceitação, da teoria das vantagens comparativas para explicar a divisão
internacional do trabalho entre nações industriais e nações produtoras/exportadoras
de matérias primas, e do Brasil como tal;
§ o Brasil deve procurar se aproximar e se aliar a Estados poderosos do
Ocidente e não a países subdesenvolvidos.
7. O projeto do “Mercado” foi executado pelo Governo de Michel Temer
através de:
o
congelamento constitucional dos
gastos públicos primários, em termos reais, por vinte anos;
o
prioridade absoluta ao pagamento do
serviço da dívida pública;
o
não aumento dos impostos;
o
privatização de todas as empresas do
Estado;
o
abertura de todos os setores da
economia a empresas estrangeiras, inclusive estatais;
o
reforma da legislação trabalhista,
com eliminação de direitos, para reduzir o “custo” do trabalho;
o
política anti-inflacionária, de real
valorizado e juros elevados, com desindustrialização;
o
redução dos impostos sobre os ricos e
as empresas;
o
desregulamentação geral;
o
redução do Estado ao mínimo;
o
alinhamento político, militar e
econômico com os Estados Unidos.
8. Tais medidas, segundo os defensores desse projeto, seriam capazes de
recuperar o grau de investimento conferido ao Brasil pelas agências
internacionais de rating (classificação de risco) e a confiança dos
investidores nacionais e estrangeiros, o que seria suficiente para gerar os
investimentos necessários à retomada do crescimento.
9. Ao contrário do esperado, essas políticas, aplicadas desde 2016, geraram
13 milhões de desempregados, mais de seis milhões de “desalentados”, sessenta
milhões de endividados, a falência de centenas de milhares de empresas, a
estagnação da economia, a deterioração da infraestrutura, a
desindustrialização, a precarização dos sistemas de saúde e educação, a volta
de doenças há décadas erradicadas e a desconfiança dos investidores, ainda
atraídos somente pelos baixos preços dos ativos brasileiros e pelas altíssimas
taxas de juros.
10.
A situação econômica contribuiu
fortemente para a emergência de antagonismos sociais e para o desânimo, a
descrença, o desespero, a violência.
11.
A repulsa da população brasileira a
essas políticas manifestou-se nos índices de popularidade de Michel Temer e de
seu governo, inferiores a 5% nas mais conservadoras pesquisas de opinião.
12.
Mesmo assim, os candidatos a
Presidente da República no primeiro turno das eleições em 7 de outubro, em
especial Geraldo Alckmin, Henrique Meireles, Alvaro Dias e Marina Silva, tinham
como principais assessores economistas neoliberais conhecidos, ligados ao
sistema financeiro nacional e internacional, como Pérsio Arida, Paulo Rabelo,
André Lara Rezende e Eduardo Gianetti, que consideravam necessário aprofundar
as “reformas” e as políticas de Temer.
13.
Além desses assessores formais,
outros economistas importantes como Armínio Fraga, Pedro Malan e outros de
menor presença na mídia declararam seu apoio a esse projeto econômico
neoliberal como o único capaz de salvar o Brasil.
14.
O candidato defensor radical das
políticas do “Mercado”, e por quem o “Mercado” trabalhou a partir de certo
momento, através dos empresários, dos ruralistas, dos meios de comunicação e do
Poder Judiciário, que “naturalizou” o processo eleitoral apesar de ter cassado
os direitos políticos do ex-Presidente Lula, foi o candidato Jair Bolsonaro.
15.
O Presidente Jair Bolsonaro tem como
seu principal assessor econômico Paulo Guedes, economista ultraneoliberal,
formado pela Universidade de Chicago, porém de menor prestígio entre seus
colegas de profissão.
16.
Jair Bolsonaro declarou repetidas
vezes nada entender de economia e que seu orientador é Paulo
Guedes, a quem devem, segundo ele, ser dirigidas todas as perguntas sobre
economia.
17.
Jair Bolsonaro, eleito Presidente, e
Paulo Guedes, designado superministro da Economia, já declararam ser necessário
prosseguir, acelerar e aprofundar o projeto de Temer que é o projeto do
“Mercado”.
18.
Ao lado dessa visão e desse projeto
econômico ultraneoliberal do “Mercado” há um projeto social retrógrado para
o Brasil, patrocinado por organizações religiosas, setores mais conservadores
das elites e classes médias, cujas premissas poderiam ser assim resumidas:
o
a grande maioria da população
brasileira, devido a suas condições econômicas e culturais, está sujeita a ser
manipulada por indivíduos populistas, socialistas, comunistas etc. que fazem
promessas irrealizáveis para conquistar e explorar o poder;
o
o Brasil é uma sociedade
intrinsecamente corrupta;
o
todos os políticos e partidos são
corruptos;
o
os governos se sustentam através da
corrupção e da compra de votos;
o
a infração de direitos
constitucionais e legais pelo Judiciário se justifica para combater a corrupção,
inclusive as conduções coercitivas com espalhafato policial, as prisões por
longos períodos, a extração de delações premiadas para reduzir penas excessivas
e arbitrárias, o vazamento seletivo de denúncias sem provas;
o
a corrupção foi combatida pela
Operação Lava Jato, comandada por juiz de primeira instância, que contou com a
conivência, ou até mesmo a aprovação, às vezes entusiasta, de membros dos
tribunais superiores;
o
as investigações da Lava Jato teriam
“revelado” que o partido que promoveu a corrupção no sistema político
brasileiro foi o PT, conduzido por Luiz Inácio Lula da Silva;
o
tornou-se, assim, um objetivo não só
político, mas ético e moral, para combater a corrupção, principal mal da
sociedade brasileira, impedir por todos os meios que o ex-Presidente Lula
pudesse se candidatar e, iludindo o povo ingênuo, ser eleito e reimplantar os
mecanismos de corrupção;
o
uma das causas da corrupção na
sociedade, na economia e na política brasileiras é o abandono dos valores
tradicionais de família, de moral e de comportamento;
o
o abandono dos valores tradicionais
se fez através de métodos de ensino permissivos, em especial nas escolas
públicas, e pela chamada “revolução de costumes” promovida pelo Estado,
dirigido pelo PT.
19.
As políticas a serem executadas para
implantar este projeto social para o Brasil seriam, segundo seus defensores:
o
a “escola sem partido”;
o
o ensino à distância;
o
a reforma despolitizadora do ensino
com a não obrigatoriedade do ensino de filosofia, história e sociologia e o
regresso da disciplina “Moral e cívica”;
o
o fim da “liberdade de cátedra”;
o
a permissão implícita de luta contra
a liberdade de orientação sexual, até pelo exercício da violência individual;
o
a criminalização do aborto em
qualquer circunstância;
o
a repressão implacável do consumo,
tráfico e produção de qualquer tipo de droga;
o
a defesa do uso da violência policial
extrema para combater a criminalidade;
o
o armamento geral da população civil;
o
a redução da idade mínima de
responsabilidade penal para 16 e até 14 anos;
o
a restauração do controle masculino
sobre a família e a mulher e a leniência na penalização da violência contra a
mulher;
o
a censura a manifestações culturais
não conservadoras;
20.
O segundo projeto para o
Brasil para atender às necessidades e às aspirações da enorme maioriado
povo brasileiro, isto é, de cerca de 120 milhões de adultos e não apenas às dos
mais ricos, do “Mercado”, cerca de 20 mil brasileiros, se fundamenta nas
seguintes premissas:
o
a iniciativa privada nacional, cujo
objetivo é maximizar o lucro e por não poder criar regras legais para a
sociedade, não tem condições de enfrentar com êxito todos os desafios de uma
sociedade como a brasileira;
o
a iniciativa privada estrangeira,
pelas mesmas razões, às quais se acrescenta o fato de as megaempresas
multinacionais agirem de acordo com sistemas de planejamento cujo objetivo é a
maximização global de seus lucros, não se vinculam a projetos de
desenvolvimento nacionais a não ser quando induzida pelo Estado;
o
o Estado também não é capaz de
enfrentar sozinho estes desafios, mas pode criar condições de acumulação de
capital e de investimento dinâmico para as atividades das empresas nacionais e
estrangeiras na economia brasileira e gerar condições para a redução das
disparidades sociais e das vulnerabilidades externas.
21.
O Brasil tem características e
dimensões de território e clima, de população, de recursos naturais, de entorno
geopolítico, de desenvolvimento industrial e tecnológico que o tornam capaz de
vir a ser uma potência política e econômica mundial.
22.
O Brasil é uma sociedade complexa,
caracterizada por enormes disparidades e concentração crescente de riqueza e
renda; étnicas; de gênero; e regionais, agravadas pela estagnação econômica e
pelas políticas de austeridade que levam ao desemprego, à desesperança, ao
desespero e a manifestações violentas de preconceitos.
23.
O Brasil é caracterizado por graves
vulnerabilidades externas, de natureza política, econômica, tecnológica,
ideológica e militar.
24.
O Brasil não é uma sociedade desenvolvida, que estaria sendo atingida por
fenômenos conjunturais de inflação, de corrupção, de ineficiência, de violência
que poderiam ser enfrentados por solução simplistas de moralismo, de redução do
Estado, de rigor policial, de sujeição da sociedade e do Estado à visão e aos
interesses do Mercado e do capital estrangeiro.
25.
A estratégia para o Brasil, para a
enorme maioria do povo brasileiro, não pode ser uma estratégia simplista,
definida por iluminados radicais, de controle absoluto da inflação, de metas
fiscais extremas, de demolição do Estado, de desregulamentação geral, de
abertura radical da economia, de redução do custo do trabalho, isto é, de
redução de salários e de direitos do trabalhador, de alinhamento com os Estados
Unidos, em resumo, de total liberdade ao capital, que chamam de “Mercado”.
26.
E de retorno, simultaneamente, aos
valores sociais do Brasil do Século XIX, de opressão da mulher, de
discriminação racial, de exploração total do trabalhador, da violência policial
contra os pobres e trabalhadores, de privilégio aos poderosos, de educação e
cultura censuradas e restritas, de economia e atraso agroexportador, de não
industrialização, de total domínio do sistema político pelos mais ricos.
27.
O projeto para a maioria do
povo deve ter como metas, a se
realizarem com firmeza, prudência e pertinácia:
o
promover a democracia;
o
promover o desenvolvimento;
o
promover a justiça e a harmonia
social;
o
promover a soberania.
28.
Essas quatro metas se encontram
entrelaçadas. O sucesso gradual na luta por uma delas reforça a possibilidade
de avançar nas outras e as reforça e o enfraquecimento na luta por uma delas
enfraquece a possibilidade de sucesso na luta pelas demais.
29.
Promover a democracia significa ampliar a participação da cidadania nas atividades de
legislar, administrar e julgar.
o
Ampliar a participação se faz pela
mobilização popular, pela informação popular, pelo esclarecimento popular, pela
participação popular.
o
Ampliar a participação no processo de
legislar requer a participação da cidadania no funcionamento dos partidos e na
escolha de candidatos, no debate de programas e na ampliação do período das
campanhas eleitorais.
o
Ampliar a participação dos cidadãos
na Administração requer sua participação na direção das agências reguladoras;
instituir o sistema de recall (revogação de mandato) para os cargos eletivos e
de indicação; implantar tempo mínimo obrigatório de audiências públicas para
debater políticas antes de serem implantadas; estabelecer período mínimo de
tramitação de projetos de lei no Congresso.
o
Ampliar a participação da cidadania
no Poder Judiciário requer a eleição dos juízes de segunda instância, entre
candidatos que tenham qualificação e experiência jurídicas e a possibilidade de
seu recall (revogação de mandato).
o
Ampliar a participação do povo, que é
soberano, na política, requer diversificar os meios de comunicação de massa, a
partir da distribuição democrática de verbas de publicidade do Estado e da
proibição de propriedade cruzada de meios (televisão, jornal, rádio, imprensa, etc).
30.
Promover o desenvolvimento significa executar políticas para aumentar o crescimento do PIB,
em termos absolutos e per capita, e melhorar sua distribuição.
o
Aumentar o crescimento do PIB requer
qualificar a força de trabalho, fortalecer o capital nacional físico e
financeiro, explorar os recursos naturais, fortalecer as funções reguladora e
planejadora do Estado, disciplinar a participação do capital estrangeiro na
economia, estimular o desenvolvimento tecnológico.
§ Qualificar a força de trabalho se faz por programas universais de
segurança alimentar mínima, de saúde preventiva e saneamento básico e público,
de educação pública, geral e gratuita, de treinamento profissional e
desenvolvimento cultural, de fortalecimento dos Sindicatos.
§ O fortalecimento do capital físico requer integrar o mercado nacional
pela construção da infraestrutura de transportes, comunicações e energia.
§ O fortalecimento do capital nacional físico (industrial, agrícola e
comercial) se faz pelo crédito à produção compatível com índices razoáveis de
lucratividade e pelo desenvolvimento tecnológico.
§ Fortalecer o capital nacional financeiro se faz aprovando legislação que
aumente sua capacidade de resistir à especulação global e que estimule a
redução de juros.
§ Explorar os recursos naturais do subsolo significa identificar sua
existência no território e os explorar de forma sustentável.
§ Explorar racionalmente os recursos do solo requer a realização da
reforma agrária.
§ Fortalecer o Estado significa recuperar o controle das empresas
públicas, a começar pela Petrobras, e complementar a ação da iniciativa privada
sempre que esta não for suficiente.
§ O ajuste fiscal deve ser feito também pelo lado da Receita, eliminando
isenções e desonerações, tornando a tributação mais progressiva, combatendo a
evasão fiscal e exercendo uma política estratégica da dívida pública.
§ Executar uma política tributária e de exportação que estimule as
empresas de capital nacional a investir em pesquisa tecnológica.
§ Executar uma política cambial que estimule a industrialização e as
exportações industriais.
§ Disciplinar a participação do capital estrangeiro significa estimular a
implantação de unidades estrangeiras de tecnologia de ponta e o estabelecimento
de metas de exportação para gerar divisas e reduzir a vulnerabilidade externa.
31.
Promover a justiça e a harmonia
social significa reduzir as disparidades
entre muito ricos e muito pobres, entre gêneros, entre etnias, entre regiões, e
reduzir a violência na sociedade.
o
Reduzir as disparidades de renda
entre muito ricos e muito pobres, em tempo razoável, depende da ação do Estado
para ampliar as oportunidades de emprego, estimular a distribuição regional
equilibrada dos investimentos públicos e privados, transformar o sistema
tributário de regressivo em progressivo.
§ A ação do Estado para ampliar o emprego requer investimentos públicos e
privados em atividades que podem ser mão-de-obra intensiva e estimular seu uso.
§ Estimular a distribuição regional equilibrada requer realizar
investimentos públicos e estimular investimentos privados em municípios com
índices de menor renda, por impostos diferenciados.
§ Reduzir as disparidades entre gêneros requer legislação que estabeleça
quotas progressivas, por Ministério, para mulheres nos cargos superiores da
administração e que estimule as empresas que pratiquem políticas e apresentem
resultados no preenchimento de cargos de direção por mulheres.
§ Reduzir as disparidades entre etnias requer legislação que estabeleça
quotas progressivas, por Ministério, para negros e afrodescendentes nos cargos
superiores da administração e que estimule as empresas que pratiquem políticas
e apresentem resultados no preenchimento de cargos de direção por negros e
afrodescendentes.
§ Permitir o aborto legal nos casos de estupro e de deformação grave do
feto.
§ Descriminalizar o consumo de drogas como a maconha e combater os grandes
traficantes.
§ Reduzir a violência na sociedade requer a vigilância contra as
manifestações e campanhas de promoção do preconceito racial, de sexo e regional
nos meios de comunicação de massa e nas redes sociais e o cumprimento com rigor
da legislação de punição à violência contra mulheres, afrodescendentes,
crianças e idosos e promover o desarmamento.
32.
Promover a soberania significa fortalecer a capacidade da sociedade e do Estado de
executar sua estratégia de desenvolvimento político, militar, econômico e
social com o mínimo de restrições e interferências externas.
o
A soberania requer o exercício de
uma política externa
§ de diversificação, de forma equilibrada, de relações políticas,
militares, econômicas e tecnológicas com os países vizinhos da América do Sul e
África e com as principais potências políticas e econômicas, qualquer que seja
seu regime político ou econômico;
§ que, devido à localização geográfica e às dimensões relativas do Brasil
na América do Sul, se guie, de modo rigoroso, pelos princípios de
não-intervenção e autodeterminação;
§ que não aceite sob nenhum disfarce a existência de enclave estrangeiro
(bases) no território brasileiro;
§ que não participe de acordos internacionais que limitem a capacidade do
Estado brasileiro de promover a democracia, o desenvolvimento e a justiça
social;
§ de promoção da integração econômica e da cooperação política e econômica
na América do Sul;
§ de promoção da participação do Brasil, em melhores condições, nos níveis
de decisão dos organismos internacionais, a partir do Conselho de Segurança.
o
A soberania requer o estabelecimento
de limites legais à participação do capital estrangeiro em setores de atividade
econômica.
o
A soberania requer uma política
militar de construção de capacidade dissuasória em termos de doutrina
militar e de equipamentos necessários à defesa do território e das fronteiras,
do espaço aéreo e da zona marítima de jurisdição brasileira.
§ A construção da capacidade dissuasória requer garantir recursos de longo
prazo para os projetos estratégicos nas áreas cibernética, nuclear e
aeroespacial.
* *
*
07 de novembro de 2018
(*) Samuel Pinheiro Guimarães é ex-secretário-geral do Itamaraty
(2003-2009) ex-ministro de Assuntos Estrat´égicos (2009-2010).
Nenhum comentário:
Postar um comentário