segunda-feira, 25 de agosto de 2025

EUA desafiam BRICS e tentam dominar o Atlântico Sul

 

 Do Brasil 247

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Reynaldo José Aragon Gonçalves

Reynaldo Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global. Editor do site codigoaberto.net

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Sob o pretexto de combater cartéis, Washington militariza o Caribe, pressiona rotas comerciais e mira riquezas estratégicas brasileiras em plena disputa global

Donald Trump - 13/08/2025Donald Trump - 13/08/2025 (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)

A mobilização de tropas e frotas dos Estados Unidos na América Latina em agosto de 2025 marca mais do que uma operação “antidrogas”: trata-se de um movimento calculado para transformar o Atlântico Sul em zona de disputa, pressionar as exportações brasileiras de petróleo, soja, minério, terras raras e nióbio, e conter a expansão do BRICS e da ferrovia bioceânica ligada ao porto chinês de Chancay. Este artigo analisa os riscos, cenários futuros e os mecanismos de guerra híbrida que podem subjugar a soberania regional sem um único tiro disparado.

O dia em que o Atlântico Sul entrou em disputa

No dia 17 de agosto de 2025, os Estados Unidos deslocaram mais de quatro mil militares, submarinos, destróieres e aeronaves de vigilância para o sul do Caribe sob o pretexto de combater cartéis de drogas. A manchete pode soar repetitiva, parte da velha narrativa da “guerra às drogas” que atravessa décadas. Mas a realidade é outra: trata-se de uma manobra geopolítica de longo alcance para transformar o Atlântico Sul em zona de disputa permanente, condicionar o comércio internacional e manter a América Latina sob a órbita de Washington em um momento em que os EUA perdem influência no Oriente Médio, na Ásia e até mesmo no sistema financeiro global.

Esse não é um movimento isolado. Ele se inscreve em um ciclo histórico que o materialismo histórico-dialético ajuda a iluminar: na infraestrutura, o que está em jogo são rotas de comércio vitais, petróleo do pré-sal, soja, minério e minerais críticos como terras raras e nióbio; na superestrutura, o discurso securitário do “narco-terrorismo” que justifica a militarização; na práxis, operações navais, tarifas comerciais e sanções financeiras que produzem estrangulamento econômico sem um único tiro disparado.

A América Latina volta a ser tratada como quintal estratégico de uma potência em declínio relativo. O Brasil, maior economia e centro logístico da região, não está apenas exposto — é o alvo principal. Cada navio revistado, cada prêmio de seguro marítimo que sobe, cada narrativa fabricada de risco serve ao mesmo objetivo: impedir que o Brasil e seus parceiros do BRICS consolidem uma alternativa de soberania logística, mineral e tecnológica.

Este artigo parte dessa constatação para oferecer uma análise rigorosa do cenário atual e dos cenários futuros, sustentada por dados, documentos e tendências estruturais. Não se trata de especulação nem de retórica inflamada: é jornalismo estratégico em seu estado da arte, que conecta fatos imediatos à engrenagem histórica e revela os riscos reais de uma nova fase da guerra híbrida — uma guerra naval invisível no Atlântico Sul.

Projeto 2025 e o narco-terrorismo como pretexto

O pano de fundo da atual mobilização não está apenas nos gabinetes do Pentágono, mas em um documento político-ideológico: o Projeto 2025, desenhado pela Heritage Foundation e abraçado pelo trumpismo como manual de poder. No plano interno, o projeto prevê a centralização do Executivo, a politização do aparato de segurança e o uso irrestrito das forças armadas como instrumento de controle social. No plano externo, projeta a doutrina do inimigo difuso: cartéis de drogas, migrantes, movimentos sociais, qualquer ator que possa ser enquadrado como ameaça à “segurança nacional”.

A designação formal de cartéis latino-americanos como Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs) e Entidades Globalmente Designadas como Terroristas (SDGTs), feita em janeiro de 2025, não foi apenas retórica. Ela abriu a base jurídica para que os Estados Unidos atuem extraterritorialmente, aplicando sanções secundárias, interdições marítimas e operações de “law enforcement” em águas internacionais. Ou seja: sob a bandeira da luta contra o “narco-terrorismo”, Washington pode parar navios, confiscar cargas, travar contratos de exportação e punir empresas estrangeiras sem precisar de uma declaração de guerra.

Esse enquadramento jurídico é, em si, uma operação de guerra híbrida. Ele desloca o combate ao crime do campo policial para o campo da guerra, transformando traficantes em “combatentes inimigos” e mares inteiros em “zonas cinzentas”. Não é coincidência: ao criar esse arcabouço legal, os EUA pavimentam o caminho para militarizar os corredores marítimos que conectam a América do Sul ao mundo. O inimigo declarado são os cartéis; o alvo real, porém, são os fluxos estratégicos de comércio.

A tradição histórica não deixa dúvidas. A “guerra às drogas” sempre foi instrumento de controle sobre países periféricos: serviu de justificativa para intervenções no México, na Colômbia, na América Central. Agora, elevada ao estatuto de contraterrorismo, a narrativa cumpre uma função ainda mais ampla: legitimar a presença militar no Atlântico Sul e abrir espaço para que os EUA se posicionem como árbitros das rotas marítimas latino-americanas.

O Brasil aparece nesse tabuleiro como caso paradigmático. É a maior fonte de petróleo novo fora da OPEP, domina o nióbio e está iniciando a produção de terras raras. É também o país que lidera a resistência diplomática ao unipolarismo via BRICS. Ao enquadrar a região como “zona de narco-terrorismo”, os EUA não estão apenas perseguindo cartéis: estão forjando o direito de intervir onde quiserem e preparando o terreno para estrangular as exportações brasileiras sempre que necessário.

Infraestrutura em disputa – o Atlântico Sul como artéria vital

O que está em jogo não é apenas um combate fictício contra cartéis. É o controle da circulação: a capacidade de decidir quais fluxos de mercadorias passam, quais atrasam e quais param. O Atlântico Sul é hoje uma das maiores artérias do comércio global e, para o Brasil, a principal via de sobrevivência econômica.

Do litoral brasileiro saem três fluxos centrais para a economia mundial:

  • Petróleo do pré-sal, exportado em volumes recordes para a China, a Europa e, em menor escala, os Estados Unidos.
  • Soja, milho e outros grãos, base da segurança alimentar global, com saída pelos portos do Sudeste e do Arco Norte.
  • Minério de ferro, que mantém a indústria mundial de aço, sobretudo a chinesa.

Além disso, o Atlântico carrega cabos submarinos que conectam a América do Sul às redes digitais globais, tornando-se também artéria de informação. O que passa por aqui não são apenas navios cargueiros: são os dados, as finanças e a soberania informacional.

Os pontos de vulnerabilidade são claros e já foram mapeados pelos estrategistas norte-americanos:

O Canal do Panamá, hoje sob crescente influência chinesa, é nó crítico de conexão entre Atlântico e Pacífico. Um simples atraso de inspeção pode gerar efeito dominó em toda a cadeia global.

  • Os estreitos caribenhos — Yucatán, Mona, Windward, Anegada — funcionam como gargalos naturais. Basta uma frota posicionada e a narrativa do “narco-terror” para justificar inspeções seletivas e atrasos que elevam o custo de qualquer embarque.
  • O arco das Guianas, novo polo de petróleo offshore, é corredor sensível tanto para Venezuela e Guiana quanto para o Brasil, via cabotagem e tráfego do Arco Norte.
  • A foz do Amazonas e os portos do Arco Norte — como Barcarena e Itaqui — são vulneráveis a qualquer regime de “patrulha internacional” que se estenda para além das águas jurisdicionais.
  • As saídas do Sudeste (Santos, Rio, Vitória, Açu) concentram petróleo, aço e contêineres, expostos não tanto à força militar direta, mas a mecanismos financeiros e de seguro: basta elevar prêmios ou incluir terminais em listas de risco para estrangular o fluxo.

O cerco, portanto, não precisa de bloqueio formal. Ele se realiza por meio de interdição administrativa: inspeções demoradas, listas negras de embarcações, exigências adicionais de compliance. Cada hora de atraso em um cargueiro, cada dólar a mais no prêmio de seguro, cada auditoria de compliance bancário é uma forma de guerra. Invisível para o grande público, devastadora para um país exportador como o Brasil.

Na lógica do materialismo histórico-dialético, essa infraestrutura marítima é a base concreta da disputa. Sem o fluxo constante de petróleo, grãos e minérios, a economia brasileira sufoca. É aí que se encaixa a superestrutura da narrativa “antidrogas”: o discurso que cobre o ato real de negação de mar. O Atlântico Sul, como outrora o Golfo Pérsico, passa a ser não apenas uma rota de comércio, mas um campo de batalha estratégico em que se decide quem pode se desenvolver e quem deve permanecer dependente.

Superestrutura da disputa – narrativas e bandeiras falsas

Se a infraestrutura são os navios, portos e cabos, a superestrutura é o campo da narrativa: a guerra das palavras e das percepções. Nenhuma operação militar de vulto se sustenta sem um enredo que a legitime. O enredo escolhido por Washington é antigo, mas foi atualizado: o do narco-terrorismo.

A ideia de que cartéis de drogas representam não apenas um problema policial, mas uma ameaça terrorista existencial, funciona como coringa estratégico. Sob esse rótulo, qualquer ação passa a ser admissível. Interceptar navios, atrasar cargas, sancionar empresas estrangeiras, ampliar a presença militar em zonas de livre navegação — tudo pode ser justificado porque, afinal, “estamos combatendo o terrorismo”.

Mas narrativas só funcionam quando são acompanhadas de fatos midiaticamente encenados. É aí que entram as chamadas bandeiras falsas. A história recente mostra que, quando os EUA precisam de pretextos, eles os fabricam. No caso do Atlântico Sul e do Caribe, os cenários mais prováveis são:

O “achado controlado”: um contêiner de drogas “descoberto” em um navio de grãos ou minério saindo de portos brasileiros, ou venezuelanos, amplamente divulgado na imprensa ocidental, criando a imagem de que os fluxos de exportação estão contaminados.

O incidente offshore: uma explosão, sabotagem ou ataque atribuído a cartéis, ou grupos “aliados” em plataformas de petróleo da Guiana ou em embarcações de apoio, legitimando a criação de uma “zona de segurança” que restringe a navegação.

O risco inventado no Canal do Panamá ou no porto de Chancay: denúncias de infiltração do narcotráfico ou de espionagem chinesa, usadas para endurecer regras de trânsito e criar atrasos sistemáticos em corredores logísticos alternativos ao Atlântico controlado pelos EUA.

Esses episódios não precisam sequer ser provados. Basta a força narrativa amplificada por redes de mídia e think tanks alinhados para se tornar “verdade”. A superestrutura não é reflexo neutro da base material: ela é instrumento ativo de dominação, capaz de fabricar o clima político que justifica a interdição da infraestrutura.

Para o Brasil, o risco é evidente: qualquer bandeira falsa que associe seus portos ou exportações a “narco-terrorismo” abrirá caminho para que cargas brasileiras sejam inspecionadas, atrasadas ou sancionadas. O país que hoje disputa protagonismo no BRICS pode ser reduzido a um suspeito crônico sob vigilância permanente.

Essa é a essência da guerra híbrida: transformar narrativas em armas, transformar percepções em fatos, transformar pretextos em políticas. A batalha não está apenas no mar, mas também no imaginário internacional. Quem controla a narrativa, controla o direito de agir.

Minerais críticos: terras raras, nióbio e a cobiça sobre o Brasil

No século XX, o petróleo foi a chave do poder geopolítico. No século XXI, os minerais críticos — terras raras, nióbio, lítio, níquel, grafite — são o novo petróleo. Eles alimentam a transição energética, a indústria de defesa e a revolução tecnológica. E o Brasil, por ironia histórica, tornou-se um dos territórios mais cobiçados nesse tabuleiro.

Em 2024, a mina de Serra Verde, em Goiás, iniciou a primeira produção comercial de terras raras do Hemisfério Ocidental. Poucos meses depois, fundos globais e até o braço financeiro do governo dos Estados Unidos, a DFC, passaram a financiar projetos de extração no Brasil. Não se trata de altruísmo: é a tentativa de arrancar o Brasil da órbita chinesa e colocá-lo sob contratos de offtake que assegurem suprimentos ao Ocidente.

O mesmo ocorre com o nióbio. O Brasil, com a CBMM em Araxá, detém mais de 80% das reservas conhecidas do mundo. O metal, antes restrito a ligas de aço, hoje é testado em baterias de carregamento ultrarrápido, com parcerias de gigantes como Toshiba e Volkswagen. Cada avanço tecnológico nessa direção multiplica o valor estratégico do nióbio e torna o Brasil ainda mais central para a disputa pela indústria do futuro.

Somam-se a isso as reservas de lítio no Vale do Jequitinhonha, de grafite natural na Bahia, de níquel no Pará. O mapa é claro: o Brasil concentra no seu subsolo a base de matérias-primas para semicondutores, turbinas eólicas, veículos elétricos e sistemas de armas de alta tecnologia.

É aqui que a militarização do Atlântico Sul ganha sentido. Não basta investir em minas: é preciso controlar as rotas de escoamento. O objetivo real não é apenas garantir acesso aos minerais, mas também condicionar os termos em que eles chegam ao mercado global. Ao pressionar logisticamente o Brasil com inspeções e ameaças de interdição, os EUA aumentam seu poder de barganha para amarrar contratos favoráveis e evitar que o país negocie livremente com China, Índia ou parceiros do BRICS.

Em termos de materialismo histórico-dialético, o que vemos é a luta direta entre forças produtivas emergentes e relações de produção obsoletas. O Brasil, ao explorar suas riquezas minerais em associação com China e BRICS, ameaça deslocar o eixo do poder tecnológico global. Os EUA, em crise de hegemonia, recorrem ao expediente imperial clássico: estrangular o fluxo da periferia para manter o centro em funcionamento.

Assim, cada tonelada de óxido de terras raras exportada de Goiás, cada quilo de nióbio embarcado em Araxá, cada contêiner de lítio que sai pelo Porto de Santos ou pelo Arco Norte carrega mais do que valor econômico. Carrega uma disputa de soberania: se esses minerais serão instrumentos de emancipação nacional ou se permanecerão como engrenagens de uma nova dependência.

O contra-ataque multipolar – BRICS, Chancay e a ferrovia bioceânica

Enquanto Washington aposta em tarifas, interdições e narrativas de “narco-terror”, o Sul Global responde com integração. A ampliação do BRICS, em 2024, consolidou o bloco como eixo de financiamento e cooperação fora do dólar. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), liderado por Dilma Rousseff, já atua como contrapeso ao FMI e ao Banco Mundial, financiando projetos de infraestrutura que desafiam a dependência ocidental.

Nesse tabuleiro, dois movimentos recentes mudam o jogo: o Porto de Chancay e a ferrovia bioceânica.

O Porto de Chancay, inaugurado em novembro de 2024 no Peru, foi concebido como um hub chinês na América do Sul. Capaz de receber navios de grande calado e operar em escala global, o porto já em 2025 abriu rotas diretas entre a costa pacífica da América do Sul e os terminais chineses. Para o Brasil, isso significa a possibilidade concreta de escoar soja, minério e até terras raras sem depender do Atlântico controlado pelo Comando Sul.

Mas o porto só se torna uma alternativa real com a ferrovia. Em 2025, Brasil e China assinaram memorandos para avançar em estudos da ferrovia bioceânica Brasil–Peru, ligando o Centro-Oeste brasileiro ao Pacífico. Se concretizada, essa linha cortaria o continente, permitindo que commodities e minerais críticos brasileiros cheguem a Chancay sem atravessar o Caribe ou o Canal do Panamá. É a rota terrestre que rompe o cerco marítimo.

É claro que os EUA veem isso como ameaça direta. O Atlântico Sul, sob seu olhar, precisa continuar sendo a “porta de saída natural” da América Latina. Se o Brasil conseguir um corredor bioceânico, fortalece sua soberania logística e estreita laços com a China, enfraquecendo o poder de barganha norte-americano.

Por isso, as pressões narrativas sobre segurança do Canal do Panamá e as possíveis “bandeiras falsas” em Chancay ganham importância. Washington não precisa destruir a ferrovia nem o porto — basta criar ruídos, atrasos regulatórios, campanhas de desinformação e narrativas de “risco” para encarecer a rota alternativa.

No campo do materialismo histórico-dialético, esse embate revela a luta entre formas de integração regional soberana e mecanismos de dependência imperial. O BRICS, Chancay e a ferrovia bioceânica são tentativas de criar uma nova base material de circulação para o Sul Global. O imperialismo reage como sempre reagiu: tensionando rotas, criando zonas cinzentas e tentando transformar o Atlântico Sul em corredor exclusivo de dominação.

Cenários preditivos – curto, médio e longo prazo

A força do jornalismo estratégico está em não apenas descrever o presente, mas antecipar o futuro com base em tendências materiais, correlações de força e movimentos já em curso. O quadro atual — militarização do Caribe, pressões logísticas e narrativas securitárias — abre três trajetórias possíveis para os próximos meses e anos.

Cenário 1 – Dissuasão ativa (curto prazo, 0–6 meses)

Os EUA mantêm patrulhas constantes no sul do Caribe, deslocando destróieres e submarinos de forma ostensiva. As inspeções de navios mercantes ainda são seletivas, focadas em rotas sensíveis, mas suficientes para elevar os prêmios de seguro e gerar atrasos pontuais. O Brasil sente os primeiros impactos no Arco Norte, com navios de grãos revistados e transbordos mais caros.

Risco: elevação gradual do custo logístico, sem ruptura visível.

Objetivo norte-americano: mostrar capacidade de controle e enviar o recado: “quem dita as regras no Atlântico ainda somos nós”.

Cenário 2 – Quarentena informal (médio prazo, 6–18 meses)

As operações de “combate ao narco-terror” se ampliam. Mais navios brasileiros e venezuelanos entram em “listas de interesse”, aumentando inspeções e atrasos sistemáticos nos gargalos caribenhos (Yucatán, Mona, Windward, Anegada). Os prêmios de guerra disparam, navios desviam para rotas pelo Cabo da Boa Esperança, encarecendo exportações brasileiras de petróleo e minério.

Paralelamente, surgem episódios midiáticos de bandeiras falsas, usados para reforçar a narrativa de que a região é “contaminada pelo narcotráfico”. A pressão econômica se soma às tarifas já aplicadas, transformando o comércio brasileiro em refém de custos adicionais.

Risco: erosão da competitividade brasileira nos mercados globais.

Objetivo norte-americano: condicionar os termos de exportação de petróleo e minerais críticos, forçando acordos de fornecimento mais favoráveis ao Ocidente.

Cenário 3 – Militarização estrutural (longo prazo, 2–3 anos)

A presença naval norte-americana no Atlântico Sul se normaliza. Operações conjuntas com países do Caribe e da América Central criam um regime permanente de vigilância. O arco Guianas se consolida como zona cinzenta, sob a justificativa de proteger plataformas offshore e conter o crime organizado.

O Brasil é pressionado não apenas no mar, mas também em contratos de minerais críticos: terras raras, nióbio e lítio passam a ser alvo de acordos forçados, com financiamentos condicionados a alinhamentos políticos. O Canal do Panamá e o porto de Chancay tornam-se palcos de disputa simbólica e regulatória.

Risco: perda de autonomia estratégica do Brasil em sua circulação marítima e em sua política de exportações.

Objetivo norte-americano: manter a América Latina como corredor subordinado e travar a consolidação de alternativas logísticas ligadas ao BRICS e à China.

O fio condutor dos cenários

Do curto ao longo prazo, o padrão é o mesmo: dominar sem disparar tiros. O método não é a invasão clássica, mas o estrangulamento invisível: inspeções, listas negras, prêmios de seguro, lawfare marítimo, narrativas fabricadas. Cada passo aumenta o custo da soberania brasileira e reduz a margem de decisão do país no cenário multipolar.

Soberania ou submissão

O que está em jogo não é apenas a movimentação de navios de guerra no Caribe, nem a retórica sobre cartéis de drogas. O que se disputa é o futuro do Brasil e da América do Sul. O Atlântico Sul, antes visto como mar de paz e cooperação, está sendo lentamente transformado em um corredor de dominação indireta, onde inspeções e narrativas substituem tiros e bombas, mas produzem efeitos igualmente devastadores.

A metodologia é clara: criar um clima de insegurança permanente, justificar a presença militar com o discurso do “narco-terrorismo” e, a partir daí, impor um regime de interdição invisível. Não se trata de bloquear formalmente as exportações brasileiras, mas de torná-las mais caras, mais lentas e mais dependentes de contratos ditados por Washington. O petróleo do pré-sal, os grãos do Cerrado, o minério de ferro de Carajás, as terras raras de Goiás e o nióbio de Araxá — tudo pode ser condicionado por tarifas, inspeções e bandeiras falsas.

A alternativa existe e já está em construção: BRICS, porto de Chancay, ferrovia bioceânica, Novo Banco de Desenvolvimento, integração logística Sul-Sul. Mas nenhuma dessas rotas se consolidará sem que o Brasil assuma com clareza que sua soberania logística, mineral e informacional é questão de sobrevivência. Isso implica ativar a ZOPACAS para barrar a militarização extra-regional, criar mecanismos soberanos de seguro marítimo, reforçar a vigilância do Atlântico com meios próprios, diversificar destinos de exportação e blindar os contratos de minerais críticos contra pressões externas.

O dilema é simples e brutal: ou o Brasil se prepara para proteger suas veias abertas no Atlântico Sul, ou aceitará ser sufocado lentamente, sem um único tiro disparado. Essa é a nova face da guerra híbrida, em que o mar se converte em trincheira silenciosa e a economia em campo de batalha.

No materialismo histórico-dialético, cada crise revela a luta entre forças produtivas emergentes e relações de produção decadentes. O Brasil carrega em suas rotas, minas e portos a possibilidade de um futuro soberano. Mas o império em declínio quer que continuemos a ser apenas um fornecedor subordinado. O tempo para escolher é agora. O futuro já está em disputa.

 

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