Enquanto a China se prepara para comemorar o 80o aniversário da vitória sobre o fascismo em 3 de setembro de 2025, a atenção global se volta para o desfile militar de Pequim. Especulações giram sobre quais líderes
mundiais se juntarão ao presidente Xi Jinping – a presença de Putin é
quase certa, embora os sussurros de Trump participem pareçam exagerados.
Alguns defensores da
paz argumentam que este momento oferece uma chance para as potências
globais refletirem sobre os horrores da Segunda Guerra Mundial, um
sentimento alinhado com o espírito da Carta da ONU e urgente em meio a
crescentes tensões globais. No entanto, a recusa dos líderes europeus em
participar, citando preocupações sobre ofender
o Japão, revela uma questão mais profunda. A comemoração da China
encerra o ciclo dos aniversários da Segunda Guerra Mundial, mas levanta
uma questão crítica: realmente entendemos o alcance global desta guerra
ou permitimos que capítulos vitais desaparecessem na obscuridade?
Existe uma lacuna gritante em nossa memória coletiva da Segunda
Guerra Mundial – uma guerra que chamamos de “global”, mas uma em que o
papel do quarto vencedor aliado, a China, é consistentemente
marginalizado. A China entrou no conflito primeiro em 1931,
não em 1939, e durou até a rendição do Japão em 1945. Ao longo de 14
anos, sofreu aproximadamente 35 milhões de baixas e reteve um milhão de
soldados japoneses, permitindo que a URSS e os EUA se concentrassem em
outros lugares. Líderes como Roosevelt, Churchill e Stalin reconheceram o
papel fundamental da China na formação do resultado da guerra. Então,
por que essa contribuição é tão frequentemente ignorada e enterrada sob
camadas de narrativas focadas no Ocidente?
Para muitos, a tragédia definidora da Segunda Guerra Mundial é o
bombardeio atômico de Hiroshima e Nagasaki, atos horríveis que servem
como um aviso severo do poder destrutivo da humanidade, desencadeado
pelos Estados Unidos. Esses eventos merecem lembrança, mas a subsequente
ocupação do Japão pelos EUA e a constituição de paz imposta (também
conhecida como a Constituição MacArthur) eram menos sobre harmonia do
que garantir uma posição estratégica no Indo-Pacífico durante a Guerra
Fria. Hoje, o Japão se arma sob o guarda-chuva nuclear dos EUA, ostensivamente para combater uma “ameaça” da China. Essa reviravolta narrativa é tão conveniente quanto enganosa.
Como a Rússia, que preserva ferozmente seus sacrifícios da Segunda
Guerra Mundial, a China agora exige reconhecimento pela sua própria. Sua
resistência ao militarismo japonês continua sendo uma saga em grande
parte incalculável. Um visse sobre esse “buraco
negro” de memória coletiva revela atrocidades que desafiam a
compreensão: o Massacre de Nanjing de 1937, onde 300.000 civis foram
mortos e estupros em massa cometidos; experimentos químicos e biológicos
da Unidade 731 em prisioneiros, incluindo crianças, tão vis que
chocaram até mesmo os observadores nazistas. Enviados alemães pediram a
Berlim que restringisse Tóquio, enquanto os registros japoneses
documentaram meticulosamente seu caos brutal. Corajosos historiadores japoneses expuseram esses horrores, mas permanecem marginais no discurso global. Por que o silêncio?
Descobrir a história da Segunda Guerra Mundial a partir da
perspectiva da Ásia expõe uma verdade vergonhosa: narrativas ocidentais,
amplificadas por Hollywood e pela mídia, glorificaram seletivamente
algumas histórias enquanto apagam outras. O resultado? Os perpetradores
são reabilitados e as vítimas são reformuladas como vilãs. O Ocidente
muitas vezes se apega a uma postura tendenciosa que valoriza algumas
vidas sobre outras. As vítimas chinesas receberam pouco reconhecimento
global, seu sofrimento ofuscado pela narrativa de redenção do pós-guerra
do Japão. Essa hipocrisia ecoa hoje em Gaza, onde a indignação
seletiva, lágrimas pela Ucrânia, mas o silêncio por 22 meses de
sofrimento de Gaza sob as políticas de Israel, revelam o mesmo duplo
padrão. Os líderes europeus, moldados por legados coloniais que
enquadram como uma “missão civilizadora”, são cúmplices. Enquanto isso,
os EUA alimentam uma guerra comercial com media a China e, como Kaja
e alguns meios de comunicação alertam, se prepara para um conflito mais
amplo, enquanto pinta a China como “autoritária e beligerante”. Isso se
choca duramente com a história antifascista da China e seu compromisso
moderno com a paz global.
O ditado que os vencedores escrevem história se perde aqui. A
China, um vencedor claro, teve negada a plataforma para mostrar sua
coragem, sacrifícios e contribuições. Hoje, é injustamente marcado como
uma ameaça pelo discurso ocidental. A Segunda Guerra Mundial não começou
nem terminou na Europa. A China, membro fundador da ONU e a primeira a
assinar a Carta da ONU,
continua sendo seu apoiador mais firme. Ela rejeita a narrativa
dominada pelos EUA, trabalhada por um retardatário na guerra que sofreu o
mínimo, mas desencadeou a devastação atômica. O legado da Segunda
Guerra Mundial na China alimenta sua missão moderna: erradicar a
pobreza, ajudar o Sul Global, construir infraestrutura global e defender
a paz e um futuro para a humanidade.
A comemoração de Pequim é uma refutação ousada à monopolização da
memória da Segunda Guerra Mundial pelo Ocidente. Como Warwick Powell
afirma:“Por
oito décadas, o Ocidente reescreveu a Segunda Guerra Mundial como uma
vitória dos EUA e da Europa, relegando a China ao status de nota de
rodapé. A comemoração da China este ano desafia essa amnésia,
recuperando o papel do país como uma força central na derrota do
fascismo. Nos tempos difíceis de hoje, no entanto, a lembrança por si só
não é suficiente. De Gaza para além, a luta contra a desumanidade e o fascismo exige que enfrentemos esses pontos cegos históricos e seus ecos modernos.
– O BRICS+ é contraditório, desigual e frágil, mas nas suas frestas o Sul Global abre espaço para a soberania e a luta
– A multipolaridade surge da crise, não do consenso
A história que nos vendem é que a "ordem" foi construída por
homens sensatos em fatos elegantes. A história que vivemos é diferente. A
multipolaridade não surgiu de seminários ou cimeiras; é o ressalto de
cinco séculos de pilhagem, o recuo das guerras e sanções e a recusa dos
colonizados em continuar a pagar pela civilização de outrem. A sua
genealogia remonta ao Comunicado de Bandung (1955)
— o primeiro grande encontro em que a maioria da humanidade falou em
seu próprio nome — passando pelo longo desvio da dívida, do ajustamento
estrutural e da contra-insurgência disfarçada de "desenvolvimento".
A promessa de Bandung era simples e subversiva: soberania,
coexistência pacífica, cooperação e voz na economia mundial para aqueles
que realmente fazem a economia mundial funcionar. Pode ler essa
promessa preto no branco no
texto do comunicado,
um documento que ainda soa radical porque os mesmos impérios continuam
ofendidos pelas mesmas palavras. O recente dossiê da Tricontinental,
O espírito de Bandung (2025), mostra que não se tratava de etiqueta — era um programa de trabalho para a descolonização a partir de baixo.
A resposta do núcleo imperial foi apertar os parafusos. Em
1975, a Comissão Trilateral diagnosticou o verdadeiro problema como
“demasiada democracia”, uma admissão franca em The Crisis of Democracy
(A Crise da Democracia) de que a participação popular tinha de ser
disciplinada para restaurar o controlo da elite. Pouco depois, veio o
chicote da dívida e o ajustamento estrutural: privatizar os bens comuns,
cortar os bens públicos, abrir as veias ao capital, chamar-lhe
modernização. Até mesmo os próprios registos da família da ONU descrevem
como esses programas de ajuste foram vinculados aos empréstimos, como
exigiram austeridade como preço do crédito e como os órgãos de direitos
humanos alertaram durante anos que tais “reformas” prejudicam os
direitos e a proteção social. A literatura académica preencheu o custo
humano: o ajuste estrutural está correlacionado comsistemas de saúde
mais fracos e maior mortalidade infantil. Por outras palavras,
recolonização por folhas de cálculo.
Então caiu a máscara. A crise de 2008 — criada na metrópole e
exportada para todos — ridicularizou os sermões sobre “finanças
sólidas”. O
Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento (2009)
da UNCTAD e seu capítulo sobre países em desenvolvimento documentaram
como o Sul pagou um “preço alto” por uma crise nascida no centro. A
lição foi aprendida: se as regras são manipuladas para socializar as
perdas de Wall Street e privatizar o futuro do Sul, o Sul deve mudar as
regras — ou sair do jogo.
Esse é o solo em que os BRICS brotaram — não como utopia, mas
como recusa. Com o tempo, o bloco se ampliou para BRICS+, adicionando
novos membros e parceiros à medida que os Estados buscam espaço para
respirar fora do jugo do dólar. A onda mais recente não é um rumor, mas
um facto: em 1 de janeiro de 2024, o Egito, a Etiópia, o Irão e os
Emirados Árabes Unidos entraram como membros plenos e, em janeiro de
2025, o Brasil anunciou a adesão da Indonésia, ecoada pelo Ministério
dos Negócios Estrangeiros da China e corroborada por reportagens
independentes. Nada disso torna o BRICS+ socialista; torna-o útil
— um espaço contestado onde o monopólio da gestão imperial está a
quebrar. Para uma visão sóbria do Sul Global sobre o que realmente está a
acontecer (e o que não está), veja a análise do South Centre sobre os
debates sobre a desdolarização no interior do BRICS.
A multipolaridade não é um slogan; é uma contracorrente
material. É possível observá-la na infraestrutura e nos canais de
pagamento do mundo. A linha de vida marítima da Etiópia agora funciona
com a ferrovia eletrificada Addis–Djibouti, uma parte concreta da
artéria Sul-Sul que os planeadores em Washington nunca pretenderam que
existisse. Em todo o continente, a plataforma de pagamentos
transfronteiriços da África está a reduzir os custos em moeda forte e a
minar o hábito do dólar — precisamente o tipo de mudança tecnicamente
“aborrecida” que muda o clima político.
A multipolaridade garante a emancipação? Claro que não. Como a
Tricontinental coloca em linguagem simples, a tarefa é passar da redução
do risco para a soberania genuína, não trocar um senhor por vários
gestores. Mas a virada da história é audível. Bandung nomeou os
princípios; o neoliberalismo puniu aqueles que tentaram vivê-los; a
crise expôs a hipocrisia; o BRICS+ é a fresta por onde a história
respira. A nossa aposta — baseada nos arquivos, nos dados e na memória
da luta — é que essa fresta pode ser ampliada por pessoas organizadas,
não apenas negociada por Estados.
Linhas de fratura e fronteiras dentro do BRICS+
Peritos em Nova Iorque e Londres continuam a descrever o BRICS+
como se fosse uma única besta, uma espécie de hidra de “mercado
emergente” com dez cabeças. É uma ficção conveniente. A realidade é
muito mais fragmentada: uma coligação unida por um antagonismo comum
ao poder unipolar, mas repleta de motivos e trajetórias distintas. Para
ver este bloco com clareza, precisamos de uma cartografia dos seus
tipos, não como um exercício académico, mas como um guia para onde se
encontram as contradições.
Comece com os Resistentes Sancionados. O Irão suportou
quatro décadas de cerco económico, construindo sistemas comerciais
paralelos e rotas de exportação de petróleo, apesar da tentativa de
Washington de sufocá-lo. Os especialistas em direitos humanos da ONU
chamam a estas sanções pelo que elas são: punição coletiva, fome como
arma. A Bielorrússia, sob embargo europeu, respondeu aderindo à
Organização de Cooperação de Xangai em 2024, aprofundando a sua viragem
eurasiática. Estes Estados trazem para o BRICS+ um conhecimento íntimo
da sobrevivência sob o bloqueio imperial. Depois vêm os Estados Estranguladores,
situados nas artérias do comércio global. O Canal do Suez, no Egito,
movimenta cerca de 12% do comércio mundial. A Etiópia, embora sem
litoral, está ligada ao mar através da ferrovia Addis-Djibouti,
construída pela China, uma artéria do Belt and Road. A Indonésia aderiu
formalmente ao BRICS em janeiro de 2025, com o Ministério dos Negócios
Estrangeiros da China a confirmar a sua adesão e reportagens
independentes a corroborar a adesão. Controla o Estreito de Malaca e o
fluxo global de níquel, o mineral da transição energética. A Nigéria,
ainda listada como um peso pesado da OPEP, está presa no paradoxo da
riqueza petrolífera e da austeridade imposta pelo FMI. Os Emirados
Árabes Unidos, outro novo membro, controlam as rotas marítimas e as
finanças do Golfo. Nenhum destes Estados é ideologicamente
anti-imperialista, mas cada um introduz pontos de influência que corroem
o monopólio do controlo dos EUA e da OTAN sobre a circulação. A seguir
vêm os Estados oscilantes do subimperialismo: Brasil, Índia e
África do Sul. As suas classes dominantes querem autonomia de
Washington, mas também guardam zelosamente as suas esferas regionais,
muitas vezes reproduzindo a mesma lógica imperial que afirmam resistir. O
Centro de Políticas BRICS do Brasil e o Centro de Políticas para o Novo
Sul de Marrocos sublinham a ambivalência: soberania sem socialismo,
influência sem transformação. A Índia troca rupias com a Rússia enquanto
participa de exercícios navais dos EUA no Indo-Pacífico. Os barões do
agronegócio brasileiro vendem soja para a China enquanto se alinham com o
FMI em metas fiscais. A África do Sul desempenha o papel de mediadora
na Ucrânia, mesmo enquanto as suas elites aprofundam o domínio do
capital mineiro.
Depois, há o Pólo Socialista em Formação. A China, com
as suas artérias de aço da Belt and Road e as suas vastas reservas
financeiras, e a Rússia, com os seus hidrocarbonetos e dissuasão
militar, são as âncoras indispensáveis. Sem elas, o BRICS seria uma sopa
de letras. Com eles, o BRICS+ torna-se tanto um escudo quanto uma
armadilha: um abrigo para Estados sancionados e uma plataforma para
manobras soberanas, mas também um bloco onde a lógica capitalista está
viva e bem, e na Rússia dominante, embora abalada pela guerra. A sua
presença é a condição de possibilidade — e a contradição central — de
todo o projeto. Finalmente, a Órbita Parceira. Em julho de 2025, o
Vietname aceitou o convite do BRICS para se juntar como país parceiro,
ao lado da Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Nigéria,
Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Isso deu vida ao BRICS “20”: dez
membros e dez parceiros, representando 56% da humanidade e 44% do PIB
global (PPC). A adesão do Vietname é mais do que uma estatística. Ela
sinaliza a persistência do não alinhamento — os “Quatro Nãos”
proclamados por Hanói: sem alianças, sem tomar partido contra outro
país, sem bases estrangeiras, sem uso da força. Numa era em que
Washington busca transformar o Vietname num peão contra a China, Hanói,
ao contrário, junta-se a um bloco que inclui Pequim. Isso é uma manobra
multipolar, não capitulação. O BRICS+ não é um projeto socialista. Mas a
inclusão de Cuba muda a geometria. Traz não apenas uma voz, mas uma
vanguarda: uma memória viva da revolução e uma tradição ininterrupta de
luta anti-imperialista. A sua presença injeta clareza política e
profundidade histórica num bloco muitas vezes puxado para os interesses
da elite e do nacionalismo burguês. Cuba lembra ao bloco que o Sul
Global não precisa apenas de soberania — precisa de emancipação.
Tipologias como estas não são bolas de cristal. São mapas de um
campo de batalha. A retórica revolucionária coexiste com práticas
subimperiais, a determinação sancionada com os petrodólares. O que une o
BRICS+ não é uma ideologia coerente, mas as fissuras na estrutura do
império. É nessas fissuras que o Sul Global experimenta um espaço para
respirar — e onde os movimentos ainda podem encontrar alavancas para
ampliar a ruptura.
A geografia agrava a pressão. O canal do Egito, o corredor
ferroviário da Etiópia, os estreitos da Indonésia, a infraestrutura
petrolífera da Nigéria — oleodutos, terminais e o Golfo da Guiné — são
linhas de vida há muito policiadas pelo capital ocidental. Agora, esses
mesmos corredores estão a ser reposicionados em condições multipolares,
mesmo com a expansão das bases do AFRICOM e as "parcerias" da OTAN a
espalharem-se pelo Sul Global. O campo de batalha não está apenas nos
parlamentos ou palácios, mas também nos portos, oleodutos e cabos de
fibra ótica.
Também não devemos ignorar a dimensão interna: todos os
Estados do BRICS+ enfrentam crises de legitimidade em casa. A crescente
desigualdade no Brasil, as revoltas dos agricultores na Índia, a
escassez de energia na África do Sul, o peso esmagador da dívida no
Egito e na Nigéria. Estas não são contradições que desaparecem por trás
das bandeiras multipolares; elas estão incorporadas no bloco. Como nos
lembra a Tricontinental, as classes dominantes manobram para sobreviver,
mas as manobras podem criar aberturas para rupturas quando as forças
populares intervêm.
É por isso que o BRICS+ não pode ser interpretado como uma
ideologia, mas apenas como um terreno. Não é o renascimento de Bandung,
mas ecoa o desafio de Bandung: recusar o monopólio da gestão imperial.
As suas contradições são a sua essência. O bloco é costurado pela
necessidade, não pela unidade. E a necessidade, como Marx nos lembrou, é
a parteira da história.
A contra-insurgência do império contra a multipolaridade
O império não recua educadamente; ele sabota. À medida que o
BRICS+ amplia a sua presença, Washington e os seus aliados redobram a
sua ação disruptiva. O AFRICOM ampliou o seu alcance em todo o
continente, tecendo uma rede de bases do Sahel ao Corno de África,
garantindo que todos os portos ou oleodutos possam ser vigiados ou
atacados. Na Ásia, a chamada Estratégia Indo-Pacífica tem menos a ver
com a "liberdade de navegação" do que com a militarização da periferia
da China e a restrição de novos parceiros como a Indonésia e o Vietname.
Na América Latina, os regimes de sanções e as operações secretas
continuam a ser os instrumentos preferidos da "diplomacia".
A guerra financeira acompanha a guerra militar. O Federal Reserve dos EUA usa as taxas de juro como arma,
provocando crises de dívida em todo o Sul e forçando pacotes de
austeridade que desmantelam a soberania. Quando a Etiópia anunciou em
2023 que entraria em incumprimento do seu eurobônus, não se tratou de um
fracasso interno, mas do resultado previsível do aperto monetário
global. Todos os Estados do BRICS+ enfrentam esta pressão de alguma
forma: fuga de capitais, volatilidade cambial, agências de notação de
risco usadas como arma. A guerra da informação não é menos agressiva. Os
mesmos meios de comunicação que venderam a invasão do Iraque agora
inundam as agências noticiosas com histórias sobre a "China
autoritária", a "Rússia expansionista" e os "BRICS instáveis". O Centro
de Envolvimento Global do Departamento de Estado dos EUA descreve
abertamente a sua missão como "combater a desinformação", o que na
prática significa desacreditar qualquer narrativa do Sul Global que
desafie o guião do império. O objetivo é deslegitimar as experiências
multipolares antes que elas se consolidem. E depois há a sabotagem por
cooptação. O sistema do dólar não está a ser defendido apenas com bombas
e sanções; está a ser defendido atraindo "estados indecisos" de volta à
órbita de Washington com promessas de investimento, acordos comerciais
ou pactos de segurança. A Índia é cortejada como contrapeso à China. Às
elites do Brasil é oferecida a aprovação do FMI em troca de disciplina
fiscal. A África do Sul é persuadida com convites para o G7. O império
sabe que, se conseguir fragmentar o bloco por dentro, poderá
neutralizá-lo sem disparar um tiro. Confundir o BRICS+ com uma força
imparável é subestimar tanto a sua fragilidade quanto a crueldade do seu
adversário. Cada avanço — seja um swap de moeda local, um novo corredor
logístico ou uma declaração de cimeira — será recebido com
contra-ataques:
golpes em África, guerras por procuração na Ásia Ocidental,
armadilhas da dívida na América Latina, bombardeios de informação em
todo o lado. É assim que a hegemonia se comporta quando encurralada. A
questão não é se o império vai contra-atacar; é se os movimentos no Sul
podem transformar as manobras das elites em rupturas populares, para que
a sabotagem se transforme em bumerangue.
Da desdolarização às infraestruturas alternativas
A arma mais insidiosa do império não é o porta-aviões, mas a
câmara de compensação. O dólar americano continua a ser o lubrificante
do comércio mundial, e a capacidade de Washington de congelar reservas
ou bloquear transações através do SWIFT equivale a um veto global. Não é
por acaso que quase todos os comunicados do BRICS+ mencionam as
finanças. O boletim de dezembro de 2024 do South Centre documenta a
crescente tendência para liquidar o comércio em moedas locais, uma forma
pragmática de desdolarização já praticada entre a Índia e a Rússia, o
Brasil e a China, o Irão e qualquer país disposto a negociar através de
troca ou yuan. Cada acordo enfraquece o monopólio.
Estão a ser criadas instituições para levar a cabo esta mudança. O Novo Banco de Desenvolvimento,
com sede em Xangai, concede empréstimos em moedas locais para reduzir a
dependência dos programas de austeridade do FMI. O Sistema Pan-Africano
de Pagamentos e Liquidação (PAPSS) permite o comércio transfronteiriço
em moedas africanas, contornando o hábito do dólar que drena 5 mil
milhões de dólares anualmente em custos de conversão. A ambição é clara:
criar infraestruturas que permitam ao Sul negociar, investir e
construir sem pedir permissão a Washington ou Bruxelas. A tecnologia é
uma frente crucial. A ferrovia Addis-Djibouti, o comboio de alta
velocidade Jacarta-Bandung e os gasodutos Rússia-China Power of Siberia
não são apenas infraestruturas — são artérias da vida multipolar. Eles
unem regiões de maneiras que contornam pontos de estrangulamento
imperiais.
Os pagamentos digitais também são importantes: o sistema de
compensação CIPS da China, o SPFS da Rússia e o UPI da Índia são
alternativas embrionárias ao SWIFT. Mesmo sistemas “chatos” como o PAPSS
representam mudanças revolucionárias quando vistos contra séculos de
hegemonia do dólar. Mas a desdolarização não é uma varinha mágica. A Tricontinental adverte que “derisking” (redução do risco) é muitas vezes apenas um código neoliberal para hedge, não emancipação. Se as elites usarem
swaps
em moeda local para proteger os lucros enquanto cortam gastos sociais
em casa, nada muda. O risco é trocar a moeda de um senhor por outra,
deixando intactas as relações de dívida. A multipolaridade só se torna
emancipatória quando a soberania financeira é acompanhada pela soberania
popular. Ainda assim, as rachaduras na muralha do dólar estão a
ampliar-se. Quando a Argentina pagou as importações chinesas em yuan em
2023, quando a Arábia Saudita sinalizou disposição para vender petróleo
fora do dólar em 2024, quando as cúpulas do BRICS+ repetidamente
lançaram a ideia de uma unidade monetária comum, o tabu foi quebrado.
Nenhuma ação isolada destronará o dólar, mas cada novo
gasoduto/oleoduto, sistema de pagamento e linha de swap torna mais
difícil para Washington acionar o botão de desligar. A multipolaridade
não vive em comunicados, mas nessas infraestruturas alternativas,
construídas silenciosamente, disputadas ferozmente e apontando para um
mundo onde o veto do império não governa mais por padrão.
A Rota da Seda Digital e a batalha pela soberania tecnológica
A multipolaridade não é travada apenas no terreno dos gasodutos/oleodutos ou dos swaps
de dívidas. Cada vez mais, ela é travada nas correntes invisíveis da
fibra ótica, dos satélites e dos códigos. A Rota da Seda Digital (DSR)
do BRICS representa um dos projetos mais ousados do bloco: uma
tentativa deliberada de construir um ecossistema digital seguro e
autossuficiente, livre do domínio ocidental. Onde os Estados Unidos
outrora monopolizavam não só as finanças, mas também a espinha dorsal da
Internet, o BRICS agora instala os seus próprios cabos, lança os seus
próprios satélites e codifica a sua própria nuvem.
O cabo de fibra ótica exclusivo dos BRICS proposto ligaria
diretamente os Estados-membros, reduzindo a dependência das redes
controladas pelo Ocidente e protegendo contra a vigilância. Entretanto, a
implantação do 5G liderada pela Huawei na China e parceiros no Brasil e
na Rússia sobreviveu a sanções e proibições, estendendo-se até ao
coração das cidades do Sul Global. Em contrapartida, a Índia excluiu os
fornecedores chineses dos testes 5G e implementou o 5G com fornecedores
não chineses. Os sistemas de navegação GLONASS da Rússia e BeiDou da
China, outrora considerados redundantes em relação ao GPS dos EUA, agora
formam os pilares de uma rede multipolar de satélites. A cibersegurança
está a ser coletivizada. A formação de um Grupo de Trabalho sobre
Cibersegurança do BRICS sinaliza que as informações sobre ameaças serão
partilhadas em tempo real, com defesas baseadas em IA implantadas além
das fronteiras. Ao mesmo tempo, a soberania financeira está a ser
repensada: a China impulsiona o yuan digital, enquanto a Rússia e o
Brasil exploram moedas digitais do banco central. Um
sistema de pagamento BRICS baseado em blockchain,
outrora descartado como fantasia, agora parece uma ultrapassagem
plausível do SWIFT. Mas talvez a tendência mais radical esteja na
investigação e desenvolvimento. Joint ventures em semicondutores e
computação quântica visam corroer um dos últimos monopólios do Ocidente:
o controlo do chip. As colaborações de IA de código aberto,
abrangendo setores que vão da tecnologia da saúde às cidades
inteligentes, prometem não apenas ferramentas mais baratas, mas também
valores diferentes incorporados ao código. Analistas da Iniciativa
Cinturão e Rota da China enfatizam que a Rota da Seda Digital não é
apenas cabos e servidores, mas uma tentativa de moldar padrões
tecnológicos, modelos regulatórios e até mesmo as narrativas que fluem
através deles. Nesse sentido, a DSR tornou-se uma infraestrutura
estratégica para a autonomia digital e narrativa em grande parte do Sul
Global.
Para o império, este é um cenário de pesadelo: um mundo onde o
Sul não só negocia fora do dólar, mas também comunica, armazena dados e
protege redes sem passar pelo Vale do Silício ou pelo interruptor do
Pentágono. Para os movimentos, é uma abertura. A tarefa é garantir que
estas ferramentas digitais sirvam a libertação, e não simplesmente novas
elites. Pois, no século XXI, soberania sem soberania digital não é
soberania alguma.
Armar a informação, alargar a brecha
Se a multipolaridade é um campo de batalha, então a informação é
uma das suas armas mais afiadas. Os think tanks do império, do Atlantic
Council à Chatham House, publicam diariamente panfletos sobre os
"perigos" do BRICS+. O seu objetivo é enquadrar o bloco como ilegítimo
antes mesmo que ele se coesione. Mas o Sul Global tem o seu próprio
arsenal.
O Instituto Tricontinental de Investigação Social, o Relatório de
Economia Geopolítica, o Peoples Dispatch e dezenas de outras plataformas
estão a produzir contra-narrativas rigorosas e acessíveis. Isto não é
propaganda; é sobrevivência. Ver claramente é lutar eficazmente.
Os movimentos sabem há muito que "quem controla a história
controla a luta". Durante a Guerra Fria, Washington usou a "economia do
desenvolvimento" para justificar a recolonização através da dívida.
Hoje, usam palavras da moda como "escoramento amistoso" ("friendshoring") e "de-risking"
para mascarar a guerra das cadeias de abastecimento. A recusa do
Vietname em ser um peão nesta guerra narrativa — juntando-se ao BRICS+
enquanto Washington procurava colocá-lo contra a China — mostra o poder
da soberania narrativa. Hanói insistiu na sua própria voz, enraizada na
sua doutrina dos "Quatro Nãos" de não alinhamento, e esse ato
repercutiu-se globalmente. E agora, isso já não é mais obra de meios de
comunicação isolados. Em
julho de 2025, mais de 220 comunicadores de 50 países lançaram a
Aliança de Jornalistas para a Comunicação do Sul Global em Caracas,
declarando uma frente permanente para combater o domínio da mídia
ocidental e defender a verdade como um direito do povo. A declaração
final foi inequívoca: “Os povos têm direito à verdade. De vivê-la, de
contá-la e de conhecê-la.” Do ministro das Relações Exteriores da
Venezuela aos delegados da África do Sul e da China, as vozes
convergiram para a necessidade de “soberania informacional” e
“ferramentas digitais soberanas” para quebrar o controlo algorítmico.
Por outras palavras: uma nova ordem internacional da informação,
elaborada pelos próprios oprimidos. A informação como arma deve vir
tanto de baixo quanto de cima. Não basta que ministros e presidentes
emitam declarações; a classe trabalhadora, os camponeses e os jovens
devem ser capazes de ler, argumentar e imaginar alternativas. Isso
significa que os centros de pesquisa devem traduzir o jargão do FMI para
uma linguagem simples, os sindicatos devem compreender como os sistemas
de pagamento afetam os salários e os agricultores devem saber como as
sanções distorcem os preços dos alimentos. Cada facto esclarecido é uma
bala de clareza contra a névoa do império.
É por isso que a multipolaridade é tanto uma oportunidade
quanto uma responsabilidade. A oportunidade: as rachaduras no
monopólio narrativo do império permitem que os media alternativos e a
pesquisa cheguem a públicos sedentos pela verdade. A responsabilidade:
evitar romantizar o BRICS+ como salvador e, em vez disso, insistir que
suas contradições sejam expostas e contestadas. O bloco não é uma
garantia de emancipação — é um local de luta. Tal como nas experiências
de desdolarização, o trabalho narrativo pode transformar as manobras das
elites em alavancagem de massas. No final, a informação não é um
acessório do poder; é o poder. Quando o império perde o controlo da
história, perde a sua aura de inevitabilidade. E quando as pessoas
acreditam que o mundo pode ser diferente, começam a torná-lo assim. Essa
é a essência da informação como arma: não mentiras para espelhar as
mentiras do império, mas clareza afiada como uma arma, empunhada por
aqueles que se recusam a se curvar à inevitabilidade. Nesse sentido,
cada ensaio, cada dossiê, cada aliança de jornalistas como os que se
reuniram em Caracas faz parte da mesma insurgência — a longa guerra de
ideias que torna possíveis as curtas guerras de libertação.
Conclusão: rachaduras na muralha, estradas ainda por construir
O BRICS+ não é nem o horizonte socialista nem um novo Movimento
dos Países Não Alinhados. É um bloco de Estados que manobra entre os
destroços da unipolaridade dos EUA, unido menos por princípios do que
pela necessidade. No entanto, a necessidade importa. Com vinte membros e
parceiros que representam agora mais de metade da humanidade e quase
metade do PIB mundial, o BRICS+ demonstra que o veto do império já não é
absoluto. Essa rachadura na parede — por mais confusa que seja — é, por
si só, histórica.
O perigo é óbvio: a multipolaridade sem movimentos
consolidar-se-á num cartel de compradores, trocando dólares por yuanes
enquanto mantém os trabalhadores e os camponeses acorrentados. Como nos
lembra a Tricontinental, a soberania sem poder popular é uma casca
vazia. Mas a oportunidade é igualmente clara: cada novo sistema de
pagamento, cabo de fibra ótica e aliança mediática amplia o espaço onde
as lutas populares podem respirar.
Desde a Digital Silk Road até a
aliança de media Voices of the New World,
estão a ser construídas infraestruturas de sobrevivência que, se
aproveitadas pelos movimentos, podem ser transformadas em
infraestruturas de emancipação. O império não deixará isso passar sem
contestar. Eles respondem com golpes, sanções, propaganda e cerco. Mas
as rachaduras se espalham; as muralhas desmoronam. O que importa agora é
se os trabalhadores, os camponeses, os jovens e os movimentos populares
forçarão o BRICS+ a ir além da proteção das elites em direção à
libertação genuína. Isso requer transformar a informação em arma,
reivindicar a soberania digital e exigir que soberania signifique não
apenas a bandeira do Estado, mas a dignidade do povo. O BRICS+ não nos
salvará. Mas prova que é possível resistir ao império, que a
inevitabilidade é uma mentira. Nas fraturas da multipolaridade, cresce a
possibilidade de ruptura. Nossa tarefa é ampliar essas fraturas —
através da luta, da solidariedade e da clareza — até que o que começa
como uma manobra dos Estados se torne a emancipação dos povos. O muralha
está rompida; o caminho à frente está inacabado. Cabe a nós
construí-lo.
Reynaldo
Aragon é jornalista especializado em geopolítica da informação e da
tecnologia, com foco nas relações entre tecnologia, cognição e
comportamento. É pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos em
Comunicação, Cognição e Computação (NEECCC – INCT DSI) e integra o
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania
Informacional (INCT DSI), onde investiga os impactos da tecnopolítica
sobre os processos cognitivos e as dinâmicas sociais no Sul Global.
Editor do site codigoaberto.net
Sob
o pretexto de combater cartéis, Washington militariza o Caribe,
pressiona rotas comerciais e mira riquezas estratégicas brasileiras em
plena disputa global
Donald Trump - 13/08/2025 (Foto: REUTERS/Kevin Lamarque)
A
mobilização de tropas e frotas dos Estados Unidos na América Latina em
agosto de 2025 marca mais do que uma operação “antidrogas”: trata-se de
um movimento calculado para transformar o Atlântico Sul em zona de
disputa, pressionar as exportações brasileiras de petróleo, soja,
minério, terras raras e nióbio, e conter a expansão do BRICS e da
ferrovia bioceânica ligada ao porto chinês de Chancay. Este artigo
analisa os riscos, cenários futuros e os mecanismos de guerra híbrida
que podem subjugar a soberania regional sem um único tiro disparado.
O dia em que o Atlântico Sul entrou em disputa
No dia 17 de agosto de 2025, os Estados Unidos deslocaram mais de
quatro mil militares, submarinos, destróieres e aeronaves de vigilância
para o sul do Caribe sob o pretexto de combater cartéis de drogas. A
manchete pode soar repetitiva, parte da velha narrativa da “guerra às
drogas” que atravessa décadas. Mas a realidade é outra: trata-se de uma
manobra geopolítica de longo alcance para transformar o Atlântico Sul em
zona de disputa permanente, condicionar o comércio internacional e
manter a América Latina sob a órbita de Washington em um momento em que
os EUA perdem influência no Oriente Médio, na Ásia e até mesmo no
sistema financeiro global.
Esse
não é um movimento isolado. Ele se inscreve em um ciclo histórico que o
materialismo histórico-dialético ajuda a iluminar: na infraestrutura, o
que está em jogo são rotas de comércio vitais, petróleo do pré-sal,
soja, minério e minerais críticos como terras raras e nióbio; na
superestrutura, o discurso securitário do “narco-terrorismo” que
justifica a militarização; na práxis, operações navais, tarifas
comerciais e sanções financeiras que produzem estrangulamento econômico
sem um único tiro disparado.
A América Latina volta a ser tratada
como quintal estratégico de uma potência em declínio relativo. O Brasil,
maior economia e centro logístico da região, não está apenas exposto — é
o alvo principal. Cada navio revistado, cada prêmio de seguro marítimo
que sobe, cada narrativa fabricada de risco serve ao mesmo objetivo:
impedir que o Brasil e seus parceiros do BRICS consolidem uma
alternativa de soberania logística, mineral e tecnológica.
Este
artigo parte dessa constatação para oferecer uma análise rigorosa do
cenário atual e dos cenários futuros, sustentada por dados, documentos e
tendências estruturais. Não se trata de especulação nem de retórica
inflamada: é jornalismo estratégico em seu estado da arte, que conecta
fatos imediatos à engrenagem histórica e revela os riscos reais de uma
nova fase da guerra híbrida — uma guerra naval invisível no Atlântico
Sul.
Projeto 2025 e o narco-terrorismo como pretexto
O pano de fundo da atual mobilização não está apenas nos gabinetes do
Pentágono, mas em um documento político-ideológico: o Projeto 2025,
desenhado pela Heritage Foundation e abraçado pelo trumpismo como manual
de poder. No plano interno, o projeto prevê a centralização do
Executivo, a politização do aparato de segurança e o uso irrestrito das
forças armadas como instrumento de controle social. No plano externo,
projeta a doutrina do inimigo difuso: cartéis de drogas, migrantes,
movimentos sociais, qualquer ator que possa ser enquadrado como ameaça à
“segurança nacional”.
A designação formal de cartéis
latino-americanos como Organizações Terroristas Estrangeiras (FTOs) e
Entidades Globalmente Designadas como Terroristas (SDGTs), feita em
janeiro de 2025, não foi apenas retórica. Ela abriu a base jurídica para
que os Estados Unidos atuem extraterritorialmente, aplicando sanções
secundárias, interdições marítimas e operações de “law enforcement” em
águas internacionais. Ou seja: sob a bandeira da luta contra o
“narco-terrorismo”, Washington pode parar navios, confiscar cargas,
travar contratos de exportação e punir empresas estrangeiras sem
precisar de uma declaração de guerra.
Esse enquadramento jurídico
é, em si, uma operação de guerra híbrida. Ele desloca o combate ao crime
do campo policial para o campo da guerra, transformando traficantes em
“combatentes inimigos” e mares inteiros em “zonas cinzentas”. Não é
coincidência: ao criar esse arcabouço legal, os EUA pavimentam o caminho
para militarizar os corredores marítimos que conectam a América do Sul
ao mundo. O inimigo declarado são os cartéis; o alvo real, porém, são os
fluxos estratégicos de comércio.
A
tradição histórica não deixa dúvidas. A “guerra às drogas” sempre foi
instrumento de controle sobre países periféricos: serviu de
justificativa para intervenções no México, na Colômbia, na América
Central. Agora, elevada ao estatuto de contraterrorismo, a narrativa
cumpre uma função ainda mais ampla: legitimar a presença militar no
Atlântico Sul e abrir espaço para que os EUA se posicionem como árbitros
das rotas marítimas latino-americanas.
O Brasil aparece nesse
tabuleiro como caso paradigmático. É a maior fonte de petróleo novo fora
da OPEP, domina o nióbio e está iniciando a produção de terras raras. É
também o país que lidera a resistência diplomática ao unipolarismo via
BRICS. Ao enquadrar a região como “zona de narco-terrorismo”, os EUA não
estão apenas perseguindo cartéis: estão forjando o direito de intervir
onde quiserem e preparando o terreno para estrangular as exportações
brasileiras sempre que necessário.
Infraestrutura em disputa – o Atlântico Sul como artéria vital
O que está em jogo não é apenas um combate fictício contra cartéis. É
o controle da circulação: a capacidade de decidir quais fluxos de
mercadorias passam, quais atrasam e quais param. O Atlântico Sul é hoje
uma das maiores artérias do comércio global e, para o Brasil, a
principal via de sobrevivência econômica.
Do litoral brasileiro saem três fluxos centrais para a economia mundial:
Petróleo do pré-sal, exportado em volumes recordes para a China, a Europa e, em menor escala, os Estados Unidos.
Soja, milho e outros grãos, base da segurança alimentar global, com saída pelos portos do Sudeste e do Arco Norte.
Minério de ferro, que mantém a indústria mundial de aço, sobretudo a chinesa.
Além disso, o Atlântico carrega cabos submarinos que conectam a
América do Sul às redes digitais globais, tornando-se também artéria de
informação. O que passa por aqui não são apenas navios cargueiros: são
os dados, as finanças e a soberania informacional.
Os pontos de vulnerabilidade são claros e já foram mapeados pelos estrategistas norte-americanos:
O
Canal do Panamá, hoje sob crescente influência chinesa, é nó crítico de
conexão entre Atlântico e Pacífico. Um simples atraso de inspeção pode
gerar efeito dominó em toda a cadeia global.
Os estreitos caribenhos — Yucatán, Mona, Windward, Anegada —
funcionam como gargalos naturais. Basta uma frota posicionada e a
narrativa do “narco-terror” para justificar inspeções seletivas e
atrasos que elevam o custo de qualquer embarque.
O arco das Guianas, novo polo de petróleo offshore, é corredor
sensível tanto para Venezuela e Guiana quanto para o Brasil, via
cabotagem e tráfego do Arco Norte.
A foz do Amazonas e os portos do Arco Norte — como Barcarena e
Itaqui — são vulneráveis a qualquer regime de “patrulha internacional”
que se estenda para além das águas jurisdicionais.
As saídas do Sudeste (Santos, Rio, Vitória, Açu) concentram
petróleo, aço e contêineres, expostos não tanto à força militar direta,
mas a mecanismos financeiros e de seguro: basta elevar prêmios ou
incluir terminais em listas de risco para estrangular o fluxo.
O cerco, portanto, não precisa de bloqueio formal. Ele se realiza por
meio de interdição administrativa: inspeções demoradas, listas negras
de embarcações, exigências adicionais de compliance. Cada hora de atraso
em um cargueiro, cada dólar a mais no prêmio de seguro, cada auditoria
de compliance bancário é uma forma de guerra. Invisível para o grande
público, devastadora para um país exportador como o Brasil.
Na
lógica do materialismo histórico-dialético, essa infraestrutura marítima
é a base concreta da disputa. Sem o fluxo constante de petróleo, grãos e
minérios, a economia brasileira sufoca. É aí que se encaixa a
superestrutura da narrativa “antidrogas”: o discurso que cobre o ato
real de negação de mar. O Atlântico Sul, como outrora o Golfo Pérsico,
passa a ser não apenas uma rota de comércio, mas um campo de batalha
estratégico em que se decide quem pode se desenvolver e quem deve
permanecer dependente.
Superestrutura da disputa – narrativas e bandeiras falsas
Se a infraestrutura são os navios, portos e cabos, a superestrutura é
o campo da narrativa: a guerra das palavras e das percepções. Nenhuma
operação militar de vulto se sustenta sem um enredo que a legitime. O
enredo escolhido por Washington é antigo, mas foi atualizado: o do
narco-terrorismo.
A ideia de que cartéis de drogas representam não
apenas um problema policial, mas uma ameaça terrorista existencial,
funciona como coringa estratégico. Sob esse rótulo, qualquer ação passa a
ser admissível. Interceptar navios, atrasar cargas, sancionar empresas
estrangeiras, ampliar a presença militar em zonas de livre navegação —
tudo pode ser justificado porque, afinal, “estamos combatendo o
terrorismo”.
Mas narrativas só funcionam quando são acompanhadas
de fatos midiaticamente encenados. É aí que entram as chamadas bandeiras
falsas. A história recente mostra que, quando os EUA precisam de
pretextos, eles os fabricam. No caso do Atlântico Sul e do Caribe, os
cenários mais prováveis são:
O “achado controlado”: um contêiner
de drogas “descoberto” em um navio de grãos ou minério saindo de portos
brasileiros, ou venezuelanos, amplamente divulgado na imprensa
ocidental, criando a imagem de que os fluxos de exportação estão
contaminados.
O
incidente offshore: uma explosão, sabotagem ou ataque atribuído a
cartéis, ou grupos “aliados” em plataformas de petróleo da Guiana ou em
embarcações de apoio, legitimando a criação de uma “zona de segurança”
que restringe a navegação.
O risco inventado no Canal do Panamá ou
no porto de Chancay: denúncias de infiltração do narcotráfico ou de
espionagem chinesa, usadas para endurecer regras de trânsito e criar
atrasos sistemáticos em corredores logísticos alternativos ao Atlântico
controlado pelos EUA.
Esses episódios não precisam sequer ser
provados. Basta a força narrativa amplificada por redes de mídia e think
tanks alinhados para se tornar “verdade”. A superestrutura não é
reflexo neutro da base material: ela é instrumento ativo de dominação,
capaz de fabricar o clima político que justifica a interdição da
infraestrutura.
Para o Brasil, o risco é evidente: qualquer
bandeira falsa que associe seus portos ou exportações a
“narco-terrorismo” abrirá caminho para que cargas brasileiras sejam
inspecionadas, atrasadas ou sancionadas. O país que hoje disputa
protagonismo no BRICS pode ser reduzido a um suspeito crônico sob
vigilância permanente.
Essa
é a essência da guerra híbrida: transformar narrativas em armas,
transformar percepções em fatos, transformar pretextos em políticas. A
batalha não está apenas no mar, mas também no imaginário internacional.
Quem controla a narrativa, controla o direito de agir.
Minerais críticos: terras raras, nióbio e a cobiça sobre o Brasil
No século XX, o petróleo foi a chave do poder geopolítico. No século
XXI, os minerais críticos — terras raras, nióbio, lítio, níquel, grafite
— são o novo petróleo. Eles alimentam a transição energética, a
indústria de defesa e a revolução tecnológica. E o Brasil, por ironia
histórica, tornou-se um dos territórios mais cobiçados nesse tabuleiro.
Em
2024, a mina de Serra Verde, em Goiás, iniciou a primeira produção
comercial de terras raras do Hemisfério Ocidental. Poucos meses depois,
fundos globais e até o braço financeiro do governo dos Estados Unidos, a
DFC, passaram a financiar projetos de extração no Brasil. Não se trata
de altruísmo: é a tentativa de arrancar o Brasil da órbita chinesa e
colocá-lo sob contratos de offtake que assegurem suprimentos ao
Ocidente.
O mesmo ocorre com o nióbio. O Brasil, com a CBMM em
Araxá, detém mais de 80% das reservas conhecidas do mundo. O metal,
antes restrito a ligas de aço, hoje é testado em baterias de
carregamento ultrarrápido, com parcerias de gigantes como Toshiba e
Volkswagen. Cada avanço tecnológico nessa direção multiplica o valor
estratégico do nióbio e torna o Brasil ainda mais central para a disputa
pela indústria do futuro.
Somam-se a isso as reservas de lítio no
Vale do Jequitinhonha, de grafite natural na Bahia, de níquel no Pará. O
mapa é claro: o Brasil concentra no seu subsolo a base de
matérias-primas para semicondutores, turbinas eólicas, veículos
elétricos e sistemas de armas de alta tecnologia.
É aqui que a
militarização do Atlântico Sul ganha sentido. Não basta investir em
minas: é preciso controlar as rotas de escoamento. O objetivo real não é
apenas garantir acesso aos minerais, mas também condicionar os termos
em que eles chegam ao mercado global. Ao pressionar logisticamente o
Brasil com inspeções e ameaças de interdição, os EUA aumentam seu poder
de barganha para amarrar contratos favoráveis e evitar que o país
negocie livremente com China, Índia ou parceiros do BRICS.
Em
termos de materialismo histórico-dialético, o que vemos é a luta direta
entre forças produtivas emergentes e relações de produção obsoletas. O
Brasil, ao explorar suas riquezas minerais em associação com China e
BRICS, ameaça deslocar o eixo do poder tecnológico global. Os EUA, em
crise de hegemonia, recorrem ao expediente imperial clássico:
estrangular o fluxo da periferia para manter o centro em funcionamento.
Assim,
cada tonelada de óxido de terras raras exportada de Goiás, cada quilo
de nióbio embarcado em Araxá, cada contêiner de lítio que sai pelo Porto
de Santos ou pelo Arco Norte carrega mais do que valor econômico.
Carrega uma disputa de soberania: se esses minerais serão instrumentos
de emancipação nacional ou se permanecerão como engrenagens de uma nova
dependência.
O contra-ataque multipolar – BRICS, Chancay e a ferrovia bioceânica
Enquanto Washington aposta em tarifas, interdições e narrativas de
“narco-terror”, o Sul Global responde com integração. A ampliação do
BRICS, em 2024, consolidou o bloco como eixo de financiamento e
cooperação fora do dólar. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB),
liderado por Dilma Rousseff, já atua como contrapeso ao FMI e ao Banco
Mundial, financiando projetos de infraestrutura que desafiam a
dependência ocidental.
Nesse tabuleiro, dois movimentos recentes mudam o jogo: o Porto de Chancay e a ferrovia bioceânica.
O
Porto de Chancay, inaugurado em novembro de 2024 no Peru, foi concebido
como um hub chinês na América do Sul. Capaz de receber navios de grande
calado e operar em escala global, o porto já em 2025 abriu rotas
diretas entre a costa pacífica da América do Sul e os terminais
chineses. Para o Brasil, isso significa a possibilidade concreta de
escoar soja, minério e até terras raras sem depender do Atlântico
controlado pelo Comando Sul.
Mas o porto só se torna uma
alternativa real com a ferrovia. Em 2025, Brasil e China assinaram
memorandos para avançar em estudos da ferrovia bioceânica Brasil–Peru,
ligando o Centro-Oeste brasileiro ao Pacífico. Se concretizada, essa
linha cortaria o continente, permitindo que commodities e minerais
críticos brasileiros cheguem a Chancay sem atravessar o Caribe ou o
Canal do Panamá. É a rota terrestre que rompe o cerco marítimo.
É
claro que os EUA veem isso como ameaça direta. O Atlântico Sul, sob seu
olhar, precisa continuar sendo a “porta de saída natural” da América
Latina. Se o Brasil conseguir um corredor bioceânico, fortalece sua
soberania logística e estreita laços com a China, enfraquecendo o poder
de barganha norte-americano.
Por isso, as pressões narrativas
sobre segurança do Canal do Panamá e as possíveis “bandeiras falsas” em
Chancay ganham importância. Washington não precisa destruir a ferrovia
nem o porto — basta criar ruídos, atrasos regulatórios, campanhas de
desinformação e narrativas de “risco” para encarecer a rota alternativa.
No
campo do materialismo histórico-dialético, esse embate revela a luta
entre formas de integração regional soberana e mecanismos de dependência
imperial. O BRICS, Chancay e a ferrovia bioceânica são tentativas de
criar uma nova base material de circulação para o Sul Global. O
imperialismo reage como sempre reagiu: tensionando rotas, criando zonas
cinzentas e tentando transformar o Atlântico Sul em corredor exclusivo
de dominação.
Cenários preditivos – curto, médio e longo prazo
A força do jornalismo estratégico está em não apenas descrever o
presente, mas antecipar o futuro com base em tendências materiais,
correlações de força e movimentos já em curso. O quadro atual —
militarização do Caribe, pressões logísticas e narrativas securitárias —
abre três trajetórias possíveis para os próximos meses e anos.
Os EUA mantêm patrulhas constantes no sul do Caribe, deslocando
destróieres e submarinos de forma ostensiva. As inspeções de navios
mercantes ainda são seletivas, focadas em rotas sensíveis, mas
suficientes para elevar os prêmios de seguro e gerar atrasos pontuais. O
Brasil sente os primeiros impactos no Arco Norte, com navios de grãos
revistados e transbordos mais caros.
Risco: elevação gradual do custo logístico, sem ruptura visível.
Objetivo norte-americano: mostrar capacidade de controle e enviar o recado: “quem dita as regras no Atlântico ainda somos nós”.
As operações de “combate ao narco-terror” se ampliam. Mais navios
brasileiros e venezuelanos entram em “listas de interesse”, aumentando
inspeções e atrasos sistemáticos nos gargalos caribenhos (Yucatán, Mona,
Windward, Anegada). Os prêmios de guerra disparam, navios desviam para
rotas pelo Cabo da Boa Esperança, encarecendo exportações brasileiras de
petróleo e minério.
Paralelamente, surgem episódios midiáticos de
bandeiras falsas, usados para reforçar a narrativa de que a região é
“contaminada pelo narcotráfico”. A pressão econômica se soma às tarifas
já aplicadas, transformando o comércio brasileiro em refém de custos
adicionais.
Risco: erosão da competitividade brasileira nos mercados globais.
Objetivo
norte-americano: condicionar os termos de exportação de petróleo e
minerais críticos, forçando acordos de fornecimento mais favoráveis ao
Ocidente.
A presença naval norte-americana no Atlântico Sul se normaliza.
Operações conjuntas com países do Caribe e da América Central criam um
regime permanente de vigilância. O arco Guianas se consolida como zona
cinzenta, sob a justificativa de proteger plataformas offshore e conter o
crime organizado.
O Brasil é pressionado não apenas no mar, mas
também em contratos de minerais críticos: terras raras, nióbio e lítio
passam a ser alvo de acordos forçados, com financiamentos condicionados a
alinhamentos políticos. O Canal do Panamá e o porto de Chancay
tornam-se palcos de disputa simbólica e regulatória.
Risco: perda de autonomia estratégica do Brasil em sua circulação marítima e em sua política de exportações.
Objetivo
norte-americano: manter a América Latina como corredor subordinado e
travar a consolidação de alternativas logísticas ligadas ao BRICS e à
China.
O fio condutor dos cenários
Do curto ao longo prazo, o padrão é o mesmo: dominar sem disparar
tiros. O método não é a invasão clássica, mas o estrangulamento
invisível: inspeções, listas negras, prêmios de seguro, lawfare
marítimo, narrativas fabricadas. Cada passo aumenta o custo da soberania
brasileira e reduz a margem de decisão do país no cenário multipolar.
Soberania ou submissão
O que está em jogo não é apenas a movimentação de navios de guerra no
Caribe, nem a retórica sobre cartéis de drogas. O que se disputa é o
futuro do Brasil e da América do Sul. O Atlântico Sul, antes visto como
mar de paz e cooperação, está sendo lentamente transformado em um
corredor de dominação indireta, onde inspeções e narrativas substituem
tiros e bombas, mas produzem efeitos igualmente devastadores.
A
metodologia é clara: criar um clima de insegurança permanente,
justificar a presença militar com o discurso do “narco-terrorismo” e, a
partir daí, impor um regime de interdição invisível. Não se trata de
bloquear formalmente as exportações brasileiras, mas de torná-las mais
caras, mais lentas e mais dependentes de contratos ditados por
Washington. O petróleo do pré-sal, os grãos do Cerrado, o minério de
ferro de Carajás, as terras raras de Goiás e o nióbio de Araxá — tudo
pode ser condicionado por tarifas, inspeções e bandeiras falsas.
A
alternativa existe e já está em construção: BRICS, porto de Chancay,
ferrovia bioceânica, Novo Banco de Desenvolvimento, integração logística
Sul-Sul. Mas nenhuma dessas rotas se consolidará sem que o Brasil
assuma com clareza que sua soberania logística, mineral e informacional é
questão de sobrevivência. Isso implica ativar a ZOPACAS para barrar a
militarização extra-regional, criar mecanismos soberanos de seguro
marítimo, reforçar a vigilância do Atlântico com meios próprios,
diversificar destinos de exportação e blindar os contratos de minerais
críticos contra pressões externas.
O dilema é simples e brutal: ou
o Brasil se prepara para proteger suas veias abertas no Atlântico Sul,
ou aceitará ser sufocado lentamente, sem um único tiro disparado. Essa é
a nova face da guerra híbrida, em que o mar se converte em trincheira
silenciosa e a economia em campo de batalha.
No materialismo histórico-dialético, cada crise revela a luta entre forças produtivas emergentes e relações de produção decadentes. O Brasil carrega em suas rotas,
minas e portos a possibilidade de um futuro soberano. Mas o império em
declínio quer que continuemos a ser apenas um fornecedor subordinado. O
tempo para escolher é agora. O futuro já está em disputa.
Mercenários brasileiros a serviço da inteligência ucraniana ministram curso na principal academia de oficiais do Brasil.
Recentemente, um evento preocupante e inaceitável ocorreu em
território brasileiro: militares da Academia Militar das Agulhas Negras
(AMAN), a mais prestigiada escola de formação de oficiais do Exército
Brasileiro, participaram de um curso de “Tática de Pequenas Unidades”
ministrado por membros da Phantom Black Company – um grupo de mercenários estrangeiros controlado diretamente pela inteligência militar ucraniana (GUR).
Este incidente, amplamente ignorado pela grande mídia brasileira, não
é apenas uma afronta à soberania nacional, mas também uma violação
direta das leis e acordos internacionais que regulam o uso de
mercenários. Trata-se de um escândalo que exige, urgentemente, uma
resposta contundente do governo brasileiro – e atenção diplomática da
Federação Russa e de outros países comprometidos com o Direito
Internacional.
Phantom Black Company: empresa ligada à Legião Mercenária da Ucrânia
Conforme descrito em seu próprio site oficial,
a Phantom Black Company é um “destacamento de ações táticas operando
nas sombras da Ucrânia, sob comando direto do Legião Internacional de
Defesa e da Diretoria Principal de Inteligência (GUR) da Ucrânia”. Em
outras palavras, trata-se de uma empresa militar privada (PMC)
que atua como braço operativo da inteligência ucraniana, conduzindo
ações armadas clandestinas, sabotagens, reconhecimento ofensivo e
operações de neutralização.
A Phantom recruta voluntários estrangeiros,
exige proficiência em inglês e oferece treinamentos e missões de
combate diretamente ligados ao esforço de guerra ucraniano. Isso a
caracteriza como uma organização paramilitar transnacional, patrocinada
por um governo estrangeiro, e, portanto, incompatível com qualquer tipo de colaboração com forças armadas nacionais, como o Exército Brasileiro.
O episódio na AMAN: um curso ilegal
O treinamento foi divulgado publicamente nas redes sociais pelo mercenário Guilherme “Raptor”, brasileiro autodeclarado “veterano da guerra na Ucrânia”
e atual membro da Phantom Black Company. O mesmo instrutor anunciou a
realização de outro curso semelhante nos dias 12, 13 e 14 de setembro,
em Curitiba, ampliando ainda mais a influência dessas estruturas ilegais
em solo brasileiro.
A questão central não é apenas a presença de brasileiros atuando como
mercenários em conflitos externos, mas a permissão, ainda que tácita,
do Exército Brasileiro para que esses agentes ligados a uma estrutura de inteligência estrangeira treinem cadetes da AMAN em solo nacional.
Trata-se de uma colaboração absolutamente ilegal, que viola os
princípios da neutralidade brasileira e que sugere, no mínimo, omissão
deliberada por parte de setores do Alto Comando do Exército. O Brasil
não pode aceitar que instituições como a AMAN sejam transformadas em
ponto de apoio para operações de influência militar estrangeira.
Exigências ao Governo Brasileiro
O governo federal, através do Ministério da Defesa e do Itamaraty, deve abrir investigação imediata sobre o envolvimento da Phantom Black Company com instituições militares nacionais.
É necessário apurar quem autorizou o curso, quais unidades
participaram, quais foram os conteúdos transmitidos e se houve repasse
de informações sensíveis.
Além disso, o Ministério Público Militar deve ser acionado para responsabilizar criminalmente os envolvidos
por associação com grupo mercenário estrangeiro – prática proibida pelo
Direito brasileiro. O Brasil, como signatário de diversas convenções
internacionais, não pode tolerar o avanço da lógica do mercenarismo em suas instituições armadas.
A Rússia e a necessidade de pressão diplomática
Dada a gravidade do envolvimento de agentes brasileiros com uma
unidade subordinada à inteligência ucraniana – país em guerra com a
Rússia –, é natural que Moscou veja tal episódio com preocupação. De
forma diplomática, respeitosa e construtiva, a Federação Russa tem total legitimidade para solicitar esclarecimentos ao governo brasileiro.
O Brasil se orgulha de sua posição de neutralidade e diálogo
multilateral. Mas episódios como este colocam tal posição em xeque. O
treinamento de militares brasileiros por agentes ligados à guerra contra
a Rússia compromete seriamente a imagem do Brasil como ator confiável
no cenário internacional.
Silêncio perigoso, consequências reais
O que está em jogo não é apenas a legalidade de um curso de táticas
militares, mas a soberania, a neutralidade e a integridade institucional
das Forças Armadas Brasileiras. O silêncio do governo até agora é
inaceitável. O Brasil deve agir com firmeza para defender seus próprios
interesses e impedir que seu território seja instrumentalizado por
agendas militares estrangeiras, especialmente aquelas ligadas a serviços
secretos e a conflitos armados em curso.
A Phantom Black Company não pode operar livremente
em território nacional – muito menos dentro das academias militares do
país. O governo brasileiro deve explicações ao povo e à comunidade
internacional. E a Rússia, como potência parceira do Brasil e
diretamente afetada pela atuação ilegal da GUR (inclusive na realização
de ataques terroristas), deve ser ouvida e respeitosamente atendida em suas preocupações legítimas.
New York Times: Apresentação de Slides Patrick Kingsley
Aaron Boxerman (em inglês)
Isabel Kershner (tradução)
Apresentação de Slides Adam Rasgon
Turismo em Natan Odenheimer
Apresentação de Slides Ronen Bergman
Editor Internacional: Philip P. Pan jogo:
Rio de Janeiro Post: Apresentação de Slides Louisa Loveluck
Shira Rubin (tradução)
Homem de queijo Abbie
Miriam Berger (em inglês)
Gerry ShihTradução
Apresentação de Slides John Hudson
Editora associada: Karen DeYoung
Jornal de Wall Street: Editor de Notícias Estrangeiras: James Hookway
A perspectiva americana: Editor, David Dayen
Notícias do Dropsite: Ryan Grim (tradução)
Jeremy Scahill (tradução)
The New Yorker (em inglês): Editor, David Remnick (em inglês)
Vocês são alguns dos principais repórteres e editores que cobriram o
assassinato em massa e o caos em massa de Netanyahu em Gaza. Este apelo
importante afirma que todos vocês sabem melhor do que confiar apenas no
extenso eufemismo das mortes e ferimentos graves apresentados pelo
Hamas. Você precisa fazer MELHOR para seus leitores, cavando mais fundo
nas estimativas muito mais altas de mortes por especialistas em vítimas
de desastres. Relatos de testemunhas oculares que não apoiam a
subcontagem do Hamas.
Tanto o Hamas quanto Netanyahu, por diferentes razões, favorecem
subcontagens. O Hamas, a entidade governante em Gaza, mantém uma
subcontagem estritamente definida de vítimas de bombardeios israelenses,
não conta as grandes mortes secundárias imediatas dos efeitos do
bloqueio israelense de alimentos, água, remédios, saúde, eletricidade,
combustível e suprimentos médicos para o que resta de hospitais e
clínicas destruídos.
Um funcionário da subcontagem do Ministério da Saúde do Hamas, cujos
quinze contadores estão agora famintos, têm boas acusações do povo de
Gaza e seus aliados de que o Hamas não os protegeu, mesmo compartilhando
abrigos antibombas. O Hamas subestimou gravemente a selvageria total da
resposta israelense ao seu ataque de 7 de outubro através do misterioso
colapso do complexo de segurança de fronteira israelense de várias
camadas. O Hamas caiu em uma armadilha letal provocada por temores de
que um acordo próximo entre os EUA, Israel e os países árabes do Golfo
deixaria de lado permanentemente a questão da Palestina.
Como jornalistas sensíveis, você provavelmente concorda que a
subcontagem é significativa. Como a editora de Relações Exteriores do Washington Post,
Karen DeYoung, disse muitas vezes: “A mídia independente não é
permitida por Israel para entrar em Gaza e as contagens de vítimas são
certamente subnotificadas”.
Em milhares de artigos de notícias, há a mesma referência exata
obrigatória: “Mais de X número de palestinos foram mortos em Gaza desde
que a guerra começou de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas”. Essa
grave subestimação torna-se a figura de vítima relatada, apesar do
bombardeio diário de demolição israelense e sem contestação de Gaza.
Como resultado, ao contrário de outros conflitos armados no mundo, a
vasta subconto de mortes e feridos em Gaza é uma história muito
subnotificada. Chegar a estimativas mais precisas afetaria a intensidade
das pressões políticas, diplomáticas e cívicas por um cessar-fogo.
Também levaria a pedidos mais extenuantes de ajuda humanitária imediata,
um cessar-fogo imediato e negociações de paz.
Comece com o bom senso. Gaza tinha 2,3 milhões de pessoas antes de 7
de outubro de 2023, em uma área apertada do tamanho geográfico da
Filadélfia. A Faixa de Gaza tem experimentado o bombardeio diário mais
intenso contra civis e infra-estrutura civil desde a Segunda Guerra
Mundial. Não há bases do exército ou aeródromos em Gaza, apenas uma
pequena força de guerrilha sob medida se escondendo em túneis voltados
para um exército supermoderno apoiado por armas militares supermodernas
dos EUA e outras assistências Biden / Trump.
Em meados de abril de 2025, Universidade de Bradford (Reino Unido) Os
professores eméritos Paul Rogers, especialista em devastação de bombas
aéreas e de artilharia, descreveram o nível de destruição em Gaza
totalmente sitiada como o “equivalente a seis Hiroshimas, mas ainda mais
destrutivo” porque muitas mais das bombas sobre Gaza caem sobre
locais-alvo – escolas, prédios de apartamentos, hospitais, clínicas,
mercados, acampamentos de refugiados, estradas, redes de água, circuitos
de eletricidade e até mesmo as áreas agrícolas para negar o crescimento
de suas próprias comidas de Gaza. A fome, a morte por incêndios
descontrolados, infecções e os milhares de bebês nascidos nos escombros a
cada mês espiralam o número diário de aceleração.
Agora, se você pegar o número atual do Hamas de pouco mais de 62.000,
você está dizendo ao público que 97% dos habitantes de Gaza ainda estão
vivos. Isso é letalmente absurdo. Uma figura mais conservadora é que
500.000 palestinos foram mortos do Holocausto palestino de Netanyahu
(mais do que todos os soldados dos EUA mortos na Segunda Guerra
Mundial). Isso significa que um incrível sobre um de fora de quatro
palestinos foi morto.
Médicos americanos e outros profissionais de saúde de volta de Gaza
dizem que quase todos os sobreviventes estão doentes, feridos ou
morrendo. Sem insulina, medicamentos para câncer, asma e doenças
cardíacas por muitos meses, sem abrigos, com poluentes atmosféricos
densos / mortais, de bombardeios incessantes, suas observações não são
surpreendentes.
Assim, repórteres e editores, começam a trabalhar em estimativas de
vítimas que refletem com precisão as realidades, além de respeitar os
palestinos mortos e destacar adequadamente o papel de Trump / Congresso
neste massacre. Imagine se você quisesse, se o sapato estivesse no outro pé; alguém acha que tal subcontagem seria tolerado desde o início?
O Departamento de Estado testemunhou no final de 2023 que suas
estimativas eram maiores do que o Hamas, e a testemunha, um secretário
de Estado assistente, foi fechada de mais divulgação. O litígio da FOIA,
pendente perante os Departamentos de Estado de Biden e Trump, está
enfrentando o habitual obstrução que este Departamento vem conduzindo há
muito tempo.
Há fontes credíveis para você seguir entre universidades,
organizações internacionais de ajuda e agências humanitárias e
alimentares da ONU. Especialistas (por exemplo, o Departamento de Saúde
Global da Universidade de Edimburgo, The Lancet, etc.), falaram ou
publicaram relatórios sobre a subcontagem. Reportar sobre o trabalho
desses e de outros especialistas promoverá o direito do público de
saber.
- Dr. Dr. (em inglês). Feroze Sidhwa, um voluntário do hospital de
Gaza, compilou muitas dessas fontes e pode ser alcançado através do site
gazahealthcareletters.org. Sua escrita para o The New York Times
e outras publicações estabelecidas e mídia eletrônica é convincente e
reflete a realidade no terreno em Gaza. (Veja minha longa entrevista com
o Dr. Sidhwa na Ralph Nader Radio Hour, a ser lançado em 16 de agosto de 2025).
Obrigado por considerar o maior significado de sua profissão crucial.
Epstein não foi um escândalo democrata ou um escândalo republicano. Ele foium escândalo de inteligência.
O público adora um vilão. Isso nos dá um lugar para apontar o dedo,
alguém para sacudir os punhos, um nome para fixar o dardo. No caso de
Jeffrey Epstein, metade do país jogou dardos no rosto de Bill Clinton, a
outra metade em Donald Trump. E ao fazê-lo, ambos os lados conseguiram o
feito notável de estar certo e errado ao mesmo tempo.
Porque Epstein não era um escândalo democrata ou um escândalo republicano. Ele era um escândalo de inteligência.
E se há uma coisa que a comunidade de inteligência faz melhor do que
espionagem, é convencer o público de que seu pior comportamento é um
incidente isolado.
A realidade é que o currículo de Epstein parece menos como
“bilionário desonesto” e mais como “oficial do HUMINT”. HUMINT –
inteligência humana – é a arte de adquirir informações sensíveis
explorando seres humanos, e é tão antiga quanto a própria espionagem.
Antigamente, isso significava cultivar um “ativo” através da ideologia,
do suborno, do ego ou, quando necessário, de um pouco de constrangimento
criativo. A chantagem não era uma aberração; era o modelo de negócios.
A sedução do 1o governo Bush de um insider sênior de Saddam Hussein
no período que antecede a Guerra do Golfo é um exemplo perfeito. Isso
ainda não é de conhecimento público, mas uma fonte que anteriormente
trabalhou com autorização especial lembrou alegremente o conto,
satisfeito por ter sido uma “opção bem-sucedida”. O alvo escolhido? A
própria sobrinha do general, que concordou entusiasticamente em seduzir
seu próprio tio em troca de uma educação da Ivy League e um passaporte
dos EUA. Ela não se considerava uma vítima. Eles a convenceram que este
era apenas um preço sábio e bastante padrão a pagar se você deseja se
tornar ascendentemente móvel. Quando seu local de trabalho normaliza
esses negócios, você deixa de ver as linhas morais. Além disso, o
incesto raramente é desaprovado nos círculos de elite; os Rothschilds
até se gabam de sua endogamia para não “poluir” a linhagem.
Essa manipulação sombria não é exclusiva dos americanos. As “escolas
de parda” da KGB nos agentes treinados da Guerra Fria – homens e
mulheres – na arte da sedução, ensinando tudo, desde a linguagem
corporal até a conversa de travesseiro como comércio. A Stasi da
Alemanha Oriental se infiltrou na política da Alemanha Ocidental com
tantos “espiões de Roma” que ministérios inteiros foram silenciosamente
comprometidos durante os jantares à luz de velas. Os britânicos, para
não serem superados, executaram a “Operação Mincecemeat” na Segunda
Guerra Mundial – alimentando os falsos planos de invasão dos alemães
através do cadáver de um homem vestido como um Royal Marine, completo
com cartas de amor de uma noiva inventada para tornar o ardil mais
crível. O detalhe não era apenas para o talento; HUMINT funciona porque
parece real.
Por vezes, as ferramentas eram ainda mais grosseiras. Na década de
1980, a CIA silenciosamente realizou operações de “fotografia
comprometedora” em várias capitais estrangeiras, enviando oficiais de
casos atraentes ou recrutando moradores locais para seduzir funcionários
da embaixada, depois organizando uma “manutenção da sala de hotel”
convenientemente programada ou “acidental” walk-ins por um agente com
uma câmera. As imagens resultantes, muitas vezes encenadas para parecer
muito mais obscenas do que a realidade, poderiam manter uma conformidade
oficial por anos – não há necessidade de provar a indiscrição, apenas
para torná-la plausível o suficiente para arruinar uma carreira. No jogo
do kompromat, a percepção é a moeda.
O crime organizado também jogou o jogo. A aliança de meados do século
XX entre a CIA e a máfia ítalo-americana era um casamento perfeito de
conveniência. A multidão controlava sindicatos, docas e redes de jogos
de azar; a Agência controlava passaportes, processos e pressão política.
Juntos, eles executaram esquemas de extorsão, alguns sexuais, alguns
financeiros, com um alcance que se estendia de casas noturnas de Havana
para cassinos de Las Vegas. Quando seu “ativo” já executa uma raquete de
chantagem, conectá-los a operações HUMINT é praticamente turnkey.
Desde a década de 1960, se não antes, a inteligência israelense
supostamente realizou operações de chantagem sexual nos Estados Unidos
visando figuras poderosas ligadas à política do Oriente Médio. Alguns
relatos detalham “armadilhas de mel” elaboradas envolvendo garotas de
chamadas, câmeras escondidas e apartamentos de luxo – os contornos
exatos da operação mais famosa de Epstein que evoluiu do mesmo manual
obscuro. Este não é um território da teoria da conspiração;
ex-funcionários do Mossad reconheceram abertamente que o kompromat
sexual tem sido uma “ferramenta padrão” em seu kit. Se o Rolodex de
Epstein se sentiu estranhamente internacional, é por isso.
A tarefa de Epstein era simplesmente de ponta. Em vez de seduzir
burocratas baathistas, ele estava hospedando chefes de Estado, realeza e
titãs das finanças em um mundo onde todos sorriem para as câmeras e
todos sabem onde os corpos estão enterrados – porque eles ajudaram a
plantá-los. Seu livro de endereços não era um pequeno livro negro; era
uma dissuasão nuclear.
A pesquisa de Whitney Webb deixa isso claro: Epstein era uma “gestão
do meio” em um amplo aparato de chantagem transnacional. Seus laços com o
bilionário Leslie Wexner lhe deram financiamento e cobertura. Sua
amizade com o ex-primeiro-ministro israelense Ehud Barak, e até mesmo
conexões financeiras contra Benjamin Netanyahu, o ligaram a redes com
décadas de experiência kompromat. Robert Maxwell – pai de Ghislaine e um
ativo da inteligência militar israelense – estava jogando o mesmo jogo
na década de 1980, ajudando a embaralhar segredos através do caso
Irã-Contra. Os métodos de Epstein não eram inovadores; eram herdados.
É precisamente por isso que a infame “lista Epstein” está trancada
mais perto do que Fort Knox. Não está protegendo uma parte da outra; é
proteger a gestão das partes interessadas. Uma divulgação
completa não apenas fritaria alguns políticos – ela queimaria a casa. E a
casa, neste caso, é bipartidária.
Se você acha que isso é tudo sobre sexo ilícito, você está perdendo o
verdadeiro escândalo. As mulheres e meninas foram vítimas, sim – mas
também a ideia de que o poder do Estado existe para proteger o público. A
economia de chantagem de Epstein só funcionava porque as instituições
nos níveis mais altos, do FBI ao Departamento de Estado, garantiram que
ela pudesse. Em termos gerais, ele não era uma “maçã podre”; ele era um
funcionário confiável.
A tecnologia pode estar mudando, mas os instintos permanecem os
mesmos. No velho mundo, você precisava de um Epstein para atrair,
prender e controlar. No novo mundo, você só precisa de Palantir. Este
gigante de mineração de dados apoiado por Peter Thiel pode acumular seus
e-mails, seu histórico de localização, suas compras e seus gostos de
mídia social e cruzá-los para identificar exatamente qual alavanca puxar
se eles quiserem que você esteja em conformidade. Não há necessidade de
fitas VHS granuladas quando o histórico do navegador é infinitamente
pior.
Enquanto isso, o sistema financeiro está sendo religado para o
controle máximo. Webb aponta que, sob Trump, o plano “Going Direct” –
elaborado com a BlackRock – mudou grande riqueza para cima durante o
COVID. Agora, as stablecoins e as moedas digitais do banco central estão
sendo vendidas como “inovação”, mas, na prática, elas permitirão que as
instituições financeiras congelem ou redirecionem seus ativos com a
mesma facilidade que desplatam as vozes inconvenientes durante a
pandemia. O arquivo de chantagem simplesmente se tornou sua conta
bancária.
E, no entanto, o público ainda está hipnotizado pela pantomima
partidária. Os trilhos da esquerda nos laços de Epstein de Trump. A
direita se enfurece com a de Clinton. É como discutir se o motorista de
fuga usava mocassins ou treinadores, ignorando o fato de que você ainda
está amarrado na bota. A fixação é o ponto – impede as pessoas de
perguntar quem planejou o roubo.
A verdade sombria é que a história de Epstein não é extraordinária
dentro do mundo da inteligência. Ele fazia parte de uma tradição que
incluiu mafiosos, magnatas da mídia, criminosos de guerra e parentes
presos por mel – todos eles “úteis” para seus manipuladores. A única
coisa que muda é o cenário. Uma década é um super iate, no próximo é uma
ilha privada, no próximo é um cofre de dados do Vale do Silício.
Mas aqui está a boa notícia: entender este é o primeiro passo para
desarmá-lo. Uma vez que você percebe que o “escândalo de Epstein” não é
sobre um homem, mas sobre um sistema – e que esse sistema prospera em
sua divisão, distração e dependência – você para de perseguir o ponteiro
do laser.
A resposta não é esperar que algum comitê do Congresso divulgue os
arquivos; eles não o farão. Não é votar mais por uma facção da mesma
máquina; isso é apenas mudar a cor do papel de parede na sala de pânico.
A resposta é construir sistemas paralelos: economias locais que não
podem ser congeladas com o toque de um interruptor, jornalismo
independente que não pode ser comprado e tecnologias que descentralizam
em vez de centralizar o poder.
Ainda temos ferramentas: boicotes econômicos, ação coletiva, o modelo
BDS de pressão financeira direcionada e greves gerais se pudéssemos
parar de se distrair com o absurdo perpetuamente produzido e, em vez
disso, não disser mais nada mais. O fato de que tais táticas provocam
pânico nas salas de reuniões e escritórios estaduais devem dizer que
eles funcionam. E o mais importante, temos a capacidade de recusar o
enquadramento – parar de deixar que os poderosos escolham nossos
inimigos para nós.
Epstein não era a doença; ele era um sintoma. E os sintomas podem ser
úteis. Eles nos dizem que algo está errado se estivermos dispostos a
lê-los honestamente. A cura não é uma confiança cega nas mesmas
instituições que o contrataram, treinaram e o protegeram. A cura se
recusa a viver em seu túnel de realidade.
Porque enquanto eles querem que você acredite que o mundo é um ninho
de cobras, a maioria das pessoas não está planejando chantagear o dono
da lavanderia local para alavancar as grandes guerras de alvarismo de
amaciante de tecido. Essa paranóia pertence à cultura da inteligência – e
é apenas contagioso se você deixar que seja. Pessoas comuns podem
construir um mundo comum novamente. O que, dada a alternativa, seria a
mais extraordinária rebelião de todas.