segunda-feira, 19 de agosto de 2024

EU FUI AGENTE DA CIA?

Fiquei algum tempo tentando escrever sobre um episódio de minha vida que na época não me pareceu muito relevante, mas agora até que sim.

No começo dos anos 1970, fui bolsista formado, depois engenheiro do departamento de engenharia nuclear do então Instituto de Energia Atômica, que depois iria mudar o nome para um cuja sigla se tornou IPEN.

Nessa época, o departamento passou para a chefia de Roberto Hukai, recém-chegado de um doutorado no mui prestigioso Massachussetts Institute of Technology – o MIT, da cidade americana de Cambridge – vizinha a Boston. Eu pretendia ser enviado para uma bolsa em uma universidade estadunidense de primeira linha, a exemplo de outros colegas que haviam terminado o mesmo mestrado.

Informado por Hukai que eu não seria enviado, por decisão do então diretor do IPEN, e um tanto frustrado, decidi aceitar um convite para trabalhar no CONSIDER, órgão de planejamento do governo federal para as indústrias de metais não ferrosos e de siderurgia, no Ministério de Indústria e Comércio, em Brasília.

Assim deixei o IPEN, suspendi os planos para doutorado e me mudei para Brasília para assumir um cargo de assessor no CONSIDER. Com a família, que logo se completou com a chegada de meu filho mais novo, a partir de fins de 1974, começo de 1975.

O clima político de Brasília era bastante interessante. Era o começo do governo Geisel, que tinha anunciado um plano de iniciar uma abertura “lenta e gradual” no regime. No campo das políticas públicas, foi dada a partida para uma postura mais nacionalista. Sob o ministro Severo Gomes, ele mesmo um nacionalista, os chefes das divisões do MIC eram personalidades ligadas a projetos de desenvolvimento de setores industriais, e de avanços tecnológicos. O que incluiu a energia, e a nuclear.

Havia muita gente, nos escalões médios do funcionalismo do MIC, que anteriormente havia atuado como estudantes em alguma forma de oposição à ditadura, e que não tinha mudado de lado. Eu entre eles. Isto não parecia preocupar muito os militares do governo Geisel. Eu mesmo tinha sido preterido para o doutorado na sede do império por causa de “relatórios do DOPS”, mas estava lá. Aí que vem o episódio que eu estou querendo narrar, depois de colocar este contexto, um episódio que me entristeceu na época, e que pretendo agora compartilhar.

Minha mulher soube que a irmã de uma antiga colega e amiga estava morando em Brasília, com o marido, que era alto funcionário junto ao então ministro de energia, o Shigeaki Ueki. Começamos anos frequentar, as famílias – almoços, crianças... Muito agradável, uma amizade a mais dentro de uma cidade que era nova para todos nós. Vamos chamar de Carlos essa pessoa.

Até que o meu antigo chefe e amigo Hukai, que continuava no IPEN e com que eu encontrava bastante quando a trabalho eu ia a São Paulo, em um certo momento pediu-me para ter uma determinada conversa com o marido da amiga de minha mulher. Essa conversa acabei tendo quando eles nos convidaram para um churrasco na casa deles.

Na época, o governo Geisel estava para iniciar um projeto na área nuclear, e não me recordo se relativo ao submarino nuclear ou a bomba atômica mesmo. O Hukai queria que eu convencesse o assessor a se opor ao tal projeto. Como eu não queria que o governo militar avançasse em usos bélicos da energia nuclear, achei razoável o pedido do Hukai e, durante o churrasco, abordei o assunto e se não me engano, argumentei bastante contra essa iniciativa. Depois, deixei o assunto de lado.

Aparentemente meu interlocutor, que na ocasião não procurou debater sobre o assunto, ficou indignado comigo.  Em duas ou três conversas entre as mulheres, ficou claro que eles não queriam mais encontrar-se conosco. Estranhamos, e acabamos nos conformando com essa ruptura.   Quer dizer, não.

Ficou uma mágoa, uma estranheza. Afinal, ao transmitir a “Carlos” as críticas ao programa do governo, eu estava atendendo o pedido de um amigo sobre algo que me pareceu na época um programa errado do governo.

Pulando algumas décadas para a frente, na década de 2010, estávamos almoçando Hukai, Edson (Macu) e eu em um restaurante japonês, e Hukai nos confessou que havia trabalhado para a CIA, através de sua agência de fachada USAID. Possivelmente, ele foi recrutado quando fazia seu doutorado no MIT. Isto nos causou uma imensa decepção, perdemos, Edson e eu, todo o interesse em voltar a encontrar Hukai novamente.

O “Carlos” deve ter achado naqueles anos que eu era agente da CIA. Na prática, sem saber, parece que agi como tal. O império não se identifica para cidadãos comuns, mas age no meio de nós, sempre prontos para impor os interesses de seus donos. Pelo menos agora este já não é mais um mundo unipolar, e podemos hoje identificar as botas do tio Sam em várias tragédias históricas, tais como a ditadura brasileira de 1964-1985, a derrubada de Sukarno na Indonésia e de Nasser no Egito para acabar com o movimento dos países não alinhados, as guerras, invasões, revoluções coloridas. Todas com intensa participação de contratados pela CIA e outras agências, como o departamento de estado e setores do judiciário brasileiro...

 

 

 

 

  

 

 

 

 

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