sexta-feira, 28 de junho de 2024

Vocês Salvaram Julian Assange

Do Brasil 247, originalmente do Chris Hedges Report

Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

Julian Assange foi libertado. Devemos homenagear as centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo que tornaram isso possível

Livre como um passarinho - Free as a BirdLivre como um passarinho - Free as a Bird (Foto: Mr. Fish)

Publicado originalmente em The Chris Hedges Report

A sombria maquinaria do império, cuja mendacidade e selvageria Julian Assange expôs ao mundo, passou 14 anos tentando destruí-lo. Eles cortaram o seu financiamento, cancelando suas contas bancárias e cartões de crédito. Eles inventaram acusações falsas de agressão sexual para extraditá-lo para a Suécia, de onde seria enviado para os EUA.

Eles o prenderam na Embaixada do Equador em Londres por sete anos, depois que ele recebeu asilo político e cidadania equatoriana, recusando-lhe passagem segura para o Aeroporto de Heathrow. Eles orquestraram uma mudança de governo no Equador que o fez perder o asilo, sendo assediado e humilhado por um staff de embaixada submisso. Contrataram a empresa de segurança espanhola UC Global na embaixada para gravar todas as suas conversas, incluindo aquelas com seus advogados.

A CIA discutiu sequestro ou assassinato dele. Eles organizaram para que a Polícia Metropolitana de Londres invadisse a embaixada – território soberano do Equador – e o capturasse. Mantiveram-no por cinco anos na prisão de alta segurança HM Belmarsh, muitas vezes em confinamento solitário.

E durante todo esse tempo, eles realizaram uma farsa judicial nos tribunais britânicos, onde o devido processo foi ignorado para que um cidadão australiano, cuja publicação não era baseada nos EUA e que, como todos os jornalistas, recebeu documentos de denunciantes, pudesse ser acusado sob a Lei de Espionagem.

Eles tentaram repetidas vezes destruí-lo. Eles falharam. Mas Julian não foi libertado porque os tribunais defenderam o estado de direito e exoneraram um homem que não cometeu um crime. Ele não foi libertado porque a Casa Branca de Biden e a comunidade de inteligência têm consciência. Ele não foi libertado porque as organizações de notícias que publicaram suas revelações e depois o abandonaram, realizando uma campanha de difamação, pressionaram o governo dos EUA.

Ele foi libertado — concedido um acordo judicial com o Departamento de Justiça dos EUA, de acordo com documentos judiciais — apesar dessas instituições. Ele foi libertado porque dia após dia, semana após semana, ano após ano, centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo se mobilizaram para denunciar a prisão do jornalista mais importante de nossa geração. Sem essa mobilização, Julian não estaria livre.

Protestos em massa nem sempre funcionam. O genocídio em Gaza continua a cobrar seu pedágio horrível dos palestinos. Mumia Abu-Jamal ainda está preso em uma prisão da Pensilvânia. A indústria de combustíveis fósseis devasta o planeta. Mas é a arma mais potente que temos para nos defendermos da tirania.

Essa pressão sustentada — durante uma audiência em Londres em 2020, para minha alegria, a juíza distrital Vanessa Baraitser do tribunal de Old Bailey, que supervisionava o caso de Julian, reclamou sobre o barulho que os manifestantes faziam na rua — lança uma luz contínua sobre a injustiça e expõe a amoralidade da classe dominante. É por isso que os espaços nos tribunais britânicos eram tão limitados e ativistas de olhos cansados se alinhavam do lado de fora já às 4 da manhã para garantir um lugar para jornalistas que respeitavam, meu lugar foi garantido por Franco Manzi, um policial aposentado.

Essas pessoas são anônimas e muitas vezes desconhecidas. Mas elas são heroinas. Elas movem montanhas. Elas cercaram o parlamento. Elas ficaram na chuva torrencial do lado de fora dos tribunais. Elas foram obstinadas e firmes. Elas fizeram suas vozes coletivas serem ouvidas. Elas salvaram Julian. E à medida que essa terrível saga chega ao fim, e Julian e sua família, espero, encontrem paz e cura na Austrália, devemos homenageá-las. Elas envergonharam os políticos na Austrália para defenderem Julian, um cidadão australiano, e finalmente a Grã-Bretanha e os EUA para desistirem. Eu não digo para fazerem a coisa certa. Isso foi uma rendição. Devemos nos orgulhar disso.

Conheci Julian quando acompanhei seu advogado, Michael Ratner, em reuniões na Embaixada do Equador em Londres. Michael, um dos grandes advogados de direitos civis de nossa era, enfatizou que o protesto popular era um componente vital em cada caso que ele trazia contra o estado. Sem isso, o estado poderia levar a cabo sua perseguição a dissidentes, o desrespeito à lei e a crimes na escuridão.

Pessoas como Michael, junto com Jennifer Robinson, Stella Assange, o editor-chefe do WikiLeaks Kristinn Hrafnsson, Nils Melzer, Craig Murray, Roger Waters, Ai WeiWei, John Pilger e o pai de Julian, John Shipton, e o irmão Gabriel, foram fundamentais na luta. Mas eles não poderiam ter feito isso sozinhos.

Precisamos desesperadamente de movimentos de massa. A crise climática está se acelerando. O mundo, com exceção do Iêmen, permanece passivo assistindo a um genocídio transmitido ao vivo. A ganância insensata da expansão capitalista ilimitada transformou tudo, desde seres humanos até o mundo natural, em commodities que são exploradas até a exaustão ou o colapso. A dizimação das liberdades civis nos acorrentou, como Julian alertou, a um aparato de segurança e vigilância interconectado que se estende por todo o globo.

A classe dominante global mostrou as suas cartas. Ela pretende, no norte global, construir fortalezas climáticas e, no sul global, usar suas as armas industriais para bloquear e massacrar os desesperados da mesma forma que está massacrando os palestinos.

A vigilância estatal é muito mais intrusiva do que a empregada por regimes totalitários passados. Críticos e dissidentes são facilmente marginalizados ou silenciados em plataformas digitais. Essa estrutura totalitária — o filósofo político Sheldon Wolin a chamou de “totalitarismo invertido” — está sendo imposta por graus. Julian nos alertou. À medida que a estrutura de poder se sente ameaçada por uma população inquieta que repudia a sua corrupção, a acumulação de níveis obscenos de riqueza, guerras intermináveis, ineptidão e repressão crescente, as presas que expôs a Julian serão expostas a nós.

O objetivo da vigilância total, como Hannah Arendt escreve em “Origens do Totalitarismo”, não é, ao final das contas, o de descobrir crimes, “mas estar presente quando o governo decide prender uma certa categoria da população”. E porque nossos e-mails, conversas telefônicas, pesquisas na web e movimentos geográficos são gravados e armazenados perpetuamente em bancos de dados do governo, porque somos a população mais fotografada e seguida da história humana, haverá mais do que suficiente “evidência” para nos prender se o estado achar necessário. Essa vigilância constante e dados pessoais esperam como um vírus mortal dentro dos cofres do governo para serem usados contra nós. Não importa quão trivial ou inocente essa informação seja. Em estados totalitários, a justiça, como a verdade, é irrelevante.

O objetivo de todos os sistemas totalitários é inculcar um clima de medo para paralisar uma população cativa. Os cidadãos buscam segurança nas estruturas que os oprimem. Prisão, tortura e assassinato são reservados para renegados incontroláveis como Julian. O estado totalitário atinge esse controle, escreveu Arendt, esmagando a espontaneidade humana e, por extensão, a liberdade humana. A população é imobilizada pelo trauma. Os tribunais, junto com os corpos legislativos, legalizam os crimes do estado. Vimos tudo isso na perseguição de Julian. É um presságio ominoso do futuro.

O estado corporativo deve ser destruído se quisermos restaurar a nossa sociedade aberta e salvar o nosso planeta. Seu aparato de segurança deve ser desmantelado. Os mandarins que gerem o totalitarismo corporativo, incluindo os líderes dos dois principais partidos políticos [nos EUA], acadêmicos fúteis, comentaristas e uma mídia falida, devem ser expulsos dos templos do poder.

Protestos em massa nas ruas e desobediência civil prolongada são as nossas únicas esperanças. Uma falha em nos levantarmos — o que é o que o estado corporativo está contando — nos verá escravizados e o ecossistema da Terra se tornará inóspito para a habitação humana. Vamos aprender uma lição com os homens e mulheres corajosos que foram às ruas por 14 anos para salvar Julian. Eles nos mostraram como se faz.

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Bolívia: o golpe não fracassou; ele ainda está sendo preparado

 Do Brasil 247

Eduardo Vasco

Jornalista especializado em política internacional


A Bolívia vive uma forte crise política, tanto entre a direita como entre o MAS

(Foto: Reprodução-X-)

O que houve nesse dia 26 de junho na Bolívia ainda não foi um golpe de Estado. Foi um putsch fracassado dado pelo comandante das Forças Armadas, Juan José Zuñiga, de maneira improvisada, acreditando que seria apoiado pelos outros oficiais golpistas.

Mas Zuñiga se precipitou.

Ele havia declarado, dois dias antes, em uma entrevista, que não aceitaria uma nova candidatura de Evo Morales à presidência da República. Como a declaração causou uma enorme polêmica, o presidente Luis Arce anunciou que Zuñiga seria exonerado. Então, o militar se antecipou, organizou um grupo do Regimento Especial de Challapata “Mendez Arcos” e tentou invadir o Palácio do Governo.

Mas ninguém mais o acompanhou. Nenhum quartel se levantou, em nenhum lugar do país. Contudo, ao contrário do que pode se pensar, a polícia não desempenhou um papel preponderante na contenção do putsch. Embora ela também não tenha aderido à aventura de Zuñiga, ela é ainda mais reacionária que o exército e esteve na vanguarda do golpe de 2019.

Evo e o próprio Arce chamaram o povo a se mobilizar contra a tentativa golpista. Centenas de pessoas expulsaram os militares de Zuñiga da Praça Murillo, demonstrando combatividade como haviam feito aos milhares em 2019.

Mas foi menos a mobilização popular e mais a falta de iniciativa dos militares que levou ao fracasso do putsch de Zuñiga.

A Bolívia vive uma forte crise política, tanto entre a direita como entre o MAS. Aqueles que poderiam ser considerados os principais líderes da direita – a ex-presidenta golpista Jeanine Añez, que assumiu após o golpe de 2019, e um dos principais autores daquele golpe, o extremista Luis Fernando Camacho – estão na cadeia.

Um dos objetivos anunciados por Zuñiga era soltar Añez e Camacho, talvez justamente para que unificassem a direita golpista. O mais preocupante é que, na falta de líderes políticos, os próprios militares busquem encabeçar o golpe – como Zuñiga tentou fazer.

Ao contrário do que foi feito por Hugo Chávez na Venezuela, o MAS não conseguiu expurgar os oficiais golpistas das forças armadas. Não houve um expurgo em nenhum momento, nem durante os governos de Evo nem com Arce. Assim, as forças armadas bolivianas são altamente reacionárias e vinculadas com o imperialismo americano. Os agentes da CIA estão profundamente infiltrados entre os militares da Bolívia.

Se, por um lado, os outros oficiais não acompanharam Zuñiga, e a OEA – que havia patrocinado o golpe de 2019 – desta vez condenou o putsch, é reveladora a postura do governo dos Estados Unidos. Enquanto todo o mundo rechaçou o golpismo, o governo americano afirmou apenas que acompanhava a situação e pediu calma e moderação. Essa é uma clara sinalização de que os EUA estão envolvidos com as articulações de um golpe na Bolívia.

Parece que os oficiais bolivianos deixaram Zuñiga se queimar para testar as possibilidades de um golpe de verdade ser bem-sucedido. Como comandante das forças armadas, Zuñiga sabia que outros oficiais têm sérias inclinações golpistas e por isso ele fez a tentativa, caso contrário não teria sido tão ousado.

A crise da esquerda é ainda maior que a da direita. O MAS e os movimentos populares estão profundamente divididos entre as alas de Evo e de Arce. Morales apresentou nos últimos anos sinais de capitulação ao entregar Cesare Battisti a Bolsonaro e ao governo italiano, a participar da posse do próprio Bolsonaro como presidente e a aceitar que Arce fosse o candidato do MAS nas eleições ocorridas devido à pressão popular, que reverteram o golpe e retiraram Añez do poder.

Porém, Arce é um burocrata moderado que, principalmente na política interna, tem se comportado como uma espécie de Lenin Moreno boliviano, embora não tão direitista. Ele não tem poupado esforços para afastar Morales e seus aliados da liderança do MAS e assim tomar o partido para si. Tanto Morales como Arce pretendem se candidatar às próximas eleições presidenciais, e apenas um deles poderá representar o MAS. A luta interna, que já é extremamente conturbada, tende a se acirrar.

Não há como resolver a crise do MAS e reunificar o partido. A única solução favorável ao povo boliviano é o rompimento das bases e da ala esquerda com a ala direita e a formação de um novo partido, operário, socialista e independente, que atue ombro a ombro com a Central Operária Boliviana para impedir o verdadeiro golpe que está sendo preparado, expurgar as forças armadas dos seus elementos golpistas e pró-imperialistas e garantir o poder para os trabalhadores e camponeses bolivianos, que em sua maioria apoiam Evo Morales contra Arce.

A derrota dos impulsos golpistas na Bolívia é fundamental para se impedir os planos de golpe continental feitos pelo imperialismo americano, que já deram certo na Argentina e no Equador e que têm o Brasil como alvo principal, porque os EUA não podem tolerar o Brasil com um governo como este de Lula por muito tempo. Certamente os militares e a direita boliviana mantêm ligações com a extrema-direita de Milei e também com a extrema-direita brasileira. Milei impôs uma ditadura com o uso e o abuso da polícia e do exército na Argentina. Noboa imitou o argentino e fez o mesmo no Equador logo em seguida. Os generais continuam impunes no Brasil um ano e meio após o 8 de janeiro e o bolsonarismo segue com força.

A América Latina, infelizmente, é ainda hoje o “quintal” dos EUA. Diante da complicada situação internacional, especialmente na Ucrânia, no leste asiático e no Oriente Médio, com derrotas sucessivas, o imperialismo americano precisa assegurar o controle do continente. Esse é um dos poucos pontos em que Joe Biden e Donald Trump estão de acordo. Portanto, independentemente do que ocorra nas eleições americanas, a América Latina estará no olho do furacão daqui adiante.

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A China combate as mudanças climáticas. Os EUA, não tanto

 

Do Counterpunch. Não sei se a referência aos EUA no título do artigo é uma aliviada para o país da autora, ou uma ironia.


Moinhos Georgia-Pacific, Toledo, Oregon. Crédito da imagem: Jeffrey St. A Clair.

Os dois principais candidatos presidenciais dos EUA oferecem um futuro sombrio para o ecossistema da Terra. Isso porque é hora de um verdadeiro presidente do clima, não um falso, como Joe “mais concessões de petróleo” Biden ou um destruidor climático como Donald “deixe o mundo queimar” Trump. A Terra está aquecendo, e todos nós sabemos como aplicar os freios: parar de queimar petróleo, gás e carvão. Mas tanto Biden quanto Trump recusam esse chamado passo radical, condenando assim nossa espécie a um planeta mais quente e menos favorável ao ser humano, na melhor das hipóteses.

Não é como se não conhecêssemos as alternativas: eólica, solar e hidrelétrica. Pequim com certeza sabe. Na verdade, as empresas solares da China lideram não apenas o mundo, mas também aqueles supostamente não partidários do capitalismo americano, os conglomerados de petróleo das Sete Irmãs – BP, Chevron, Shell, Exxon e o resto. De acordo com uma manchete da Bloomberg em 13 de junho, “os gigantes da energia solar estão fornecendo mais energia do que o petróleo grande”. Quem são esses gigantes da energia solar? Sete empresas chinesas.

Coloque isso no contexto de Beijing cobrando à frente de todos na tecnologia verde, e como Biden ajuda? Ao impor tarifas sobre a tecnologia que restringe as mudanças climáticas e, assim, abre um caminho para fora do nosso pântano superaquecido. Isso diz tudo o que você precisa saber sobre as prioridades da gangue Biden: a arrogância política supera a preservação de um mundo habitável para a humanidade – por muito.

Enquanto isso, o aquecimento global ameaça esse mundo habitável, em primeiro lugar, dando-nos a seca. Na Cidade do México, a população de 23 milhões, à medida que a água nos reservatórios evapora, as torneiras podem secar em um futuro próximo, como neste verão. E essa megalópole não está sozinha. Robert Hunziker relata no CounterPunch 14 de junho: “Bogotá (população 8 milhões) recentemente começou o racionamento de água. Residentes de Joanesburgo (6M) fazem fila para entregas de caminhões municipais. South Delhi (2.7M ) anunciou um plano de racionamento em 29 de maio. Várias cidades do sul da Europa têm planos de racionamento na mesa. Em março de 2024, a China anunciou sua primeira regulamentação nacional de nível sobre a conservação da água, uma versão disfarçada do racionamento de água. O aquecimento global é o principal problema, à medida que secas severas castigam os reservatórios. Se você acha que nós aqui no Império Excepcional estamos isentos deste futuro ameaçadoramente sedento, pense de novo.

“Mais de 550 bairros”, postou Roger Hallam, da Extinction Rebellion, em 15 de junho, foram forçados pelo calor recorde e anos de piora da seca “a desligar a água da torneira na Cidade do México. As autoridades estão prevendo o “Dia Zero”, o momento em que os reservatórios pararão de bombear e 6 milhões de pessoas perderão seu suprimento de água. Simultaneamente, nos EUA, partes da Costa do Golfo e da costa do meio do Atlântico experimentam uma seca excepcional, de acordo com os EUA. Monitor de seca. Partes do Novo México e Texas estão sob seca extrema, enquanto grandes áreas da América do Norte sofrem secas severas e moderadas ou são “meros” anormalmente secas. Ninguém em sã consciência é incomodado por como o racionamento de água pode afetar um gramado amarelado, mas quando suas flores murcham e você enfrenta a perspectiva de banhos limitados, o alarme se instala.

Para aqueles que duvidam que a Terra, nossa única casa, está aquecendo, no note bem: 13 de junho foi o dia mais quente da história registrada do nosso planeta, e essa calefação vem em um contexto de aumentos regulares e previsíveis de temperatura na última década. A temperatura média da superfície global de 16,8 graus Celsius bateu o recorde antigo do dia anterior. “As ondas de calor que quebram o recorde estão em andamento”, tuitou Colin McCarthy, dos EUA. Stormwatch, “na Índia, China, Mediterrâneo e Caribe, só para citar alguns lugares.” Então, em 18 de junho, McCarthy relatou que os temporários naquele dia em Meca foram os mais quentes da história registrada da localidade, ou seja, 51,8 graus Celsius . O calor matou cerca de 1.300 peregrinos em 20 de junho. Eu poderia acrescentar que a partir de 17 de junho, o Centro-Oeste americano e o Nordeste foram atingidos com temperaturas anormalmente altas que duram por um período infeliz de dias a fio.

As pessoas começaram a registrar o calor global em 1850. O ano passado foi o mais quente já registrado em muito, enquanto, no geral, os anos mais quentes já observados são 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023. Se você é um negador do clima e não detecta um padrão, você ganha o prêmio de avestruz do ano, porque estas são estatísticas realmente horríveis. Eles significam que os anos mais escaldantes no registro de 174 anos aconteceram entre 2014 e 2023 e praticamente seriatim – quase como se a febre do nosso planeta continuasse aumentando regularmente. Isso, pessoal, é algo que queremos parar. Isso significa atacar o patógeno que causa a doença, ou seja, a queima de combustíveis fósseis.

Mas não pense que as altas temperaturas são a única maldição do capitalismo desenfreado. De acordo com o Washington Post de 10 de junho, toda vez que você respira, você poderia inalar microplásticos. O pior são pequenas fibras de roupas de nylon ou poliéster. Mas essas lascas de plástico em pulmões humanos, fígados, outros órgãos, sangue, placentas, leite materno e testículos também vêm de muitas outras fontes. O que eles são realmente bons é “enfatizando o sistema imunológico do corpo”. Portanto, já passou da hora de levar sacos de pano para o supermercado e pular os plásticos que eles oferecem. Você pode estar apenas ajudando seu sistema circulatório – um ponto dos piores impactos dos microplásticos. “As pessoas com microplásticos no revestimento de suas artérias [são] mais propensos a sofrer ataque cardíaco, acidente vascular cerebral ou morte por qualquer causa ... microplásticos podem causar danos nos tecidos, reações alérgicas e até morte celular”. Ftalatos ou bisfenol A, dois produtos químicos em plásticos “causam desequilíbrios hormonais e perturbam o sistema reprodutivo”. Tempos divertidos – a menos que alguém em algum lugar no poder comece a proibir categorias inteiras dessa toxina. Alguns plásticos são indispensáveis, como os de equipamentos médicos. Mas a maioria não é. Podemos salvar as nossas vidas abandonando-os, rápido.

Os cientistas esperam encontrar microplásticos em todas as partes do corpo humano, informou o New York Times em 7 de junho. O problema é controlar a exposição. Os microplásticos são eliminados pelos “materiais usados nos pneus dos carros, na fabricação de alimentos, na pintura” e muito mais. O Times cita um professor da Universidade da Califórnia em São Francisco aconselhando a comer alimentos menos altamente processados. “Um estudo de 16 tipos de proteínas descobriu que, embora cada um contenha microplásticos, produtos altamente processados, como nuggets de frango” – consumidos por milhões de crianças em seus almoços escolares – “continha mais por grama de carne”, provavelmente porque “os alimentos altamente processados têm mais contato com equipamentos plásticos de produção de alimentos ”. (Talvez mude para o metal.) O Times também sugere o uso de tábuas de corte de madeira em vez de de plástico e a substituição de recipientes de alimentos plásticos por copos. Oh, e surpresa, surpresa, mais plástico infecta água engarrafada do que água da torneira. Na verdade, os microplásticos estão por toda parte, à deriva no topo do Sr. Everest e embutido nas camadas de gelo do Pólo Norte (que estão derretendo).

Seca, escassez de água nas principais cidades, uma vez em um milênio inunda inundações a cada dois anos, ondas de calor de uma intensidade nunca experimentada antes, onipresente, plástico assassino – tudo isso se soma a uma imagem feia do capitalismo decadente e financeirizado fora de controle. A única solução está naquele bicho-pabeiro de direita, o governo, porque as corporações claramente não estão prestes a se auto-regular. Se tivéssemos um governo em funcionamento, um não comprado por plutocratas e um quadro regulamentar viável, poderíamos sorrir com otimismo para o nosso futuro. Mas nós não, então precisamos obtê-los, tout de suite.

Em uma questão muito relacionada, se o uber-poluidor ,os EUA deve competir no mundo economicamente, ele precisa desfinanciar e reindustrializar – mas não no modelo sujo do século XIX; em vez disso, de uma maneira inteligente e verde. Isso é improvável, eu sei, na terra do dinheiro rápido. Mas há muita conversa frenética nos círculos políticos de bigwig e a mídia quase inútil sobre manter o ritmo com a China. Está bem. Está tudo bem. A reação sã é não provocar um holocausto nuclear sobre Taiwan, é reindustrializar. Podemos não ser capazes de trazer de volta esses bons empregos que nossos mestres corporativos tão alegremente exportaram para ao redor do mundo para o trabalho mais barato, mas por que não apenas cultivá-los aqui, com incentivos financeiros e governamentais? Cultivar nova fabricação, sim. Mas não nos mate a todos com ondas de calor ou nos envenene com microplásticos no processo, por favor.

Eve Ottenberg é romancista e jornalista. Seu último livro é Busybody. Ela pode ser contatada em seu site.

 

quarta-feira, 26 de junho de 2024

William Hartung, Um inferno de IA na Terra?

 

Do Tomdispatch . O governo israelense já usa bastante IA para massacrar a população palestina.


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- Ei, carros elétricos? É óbvio que eles vieram por conta própria agora que Elon Musk, da Tesla, teve mais uma vez concedido o seu (não, isso não é um erro de impressão!)  pacote de pagamento de US $ 44,9 bilhões dos acionistas dessa empresa depois que um juiz de Delaware o lançou de forma muito irracional no ano passado. É certo que, dadas as questões judiciais, ele não receberá imediatamente, mas ainda assim prometeu continuar ajudando a tornar os veículos da Tesla totalmente inteligentes e “auto-dirigidos”. E o que poderia dar errado, uma vez que é a IA está ao volante em vez de nós humanos?

Ainda me lembro do meu pai que me ensinava a dirigir em Nova Iorque. Lembro-me de estar em uma esquina no centro da cidade com carros ziguezagueando em qualquer direção e meu pai gritando: “Desvie à esquerda! Vire à esquerda!” Naquele momento de pressão final, eu simplesmente não conseguia me lembrar qual era a direção era a esquerda. Se eu tivesse sido artificialmente inteligente, não teria havido nenhum problema. Agora, ao que parece, com a IA futura e bilhões de dólares a mais nas mãos de Musk e de seu tipo, as crianças da escola de gramática ou mesmo crianças pequenas podem um dia ser capazes de “impulsionar” seus carros familiares artificialmente inteligentes. (Algo para esperar, certo?)

E o mesmo, ao que parece, pode ser verdade quando se trata de fazer guerra. Graças em grande parte aos militaristas da nova era do Vale do Silício que o especialista regular , William Hartung, descreve tão vividamente hoje, mais cedo ou mais tarde, os generais e almirantes deste país, os soldados, os marinheiros e os pilotos de combate serão substituídos no volante da guerra pela inteligência artificial. E o que poderia dar errado? Quero dizer, a guerra, como dirigir um carro, potencialmente uma questão de brincadeira de criança? E a IA não garantirá que a o fazer guerra nunca mais falhe– não mais Vietnãs, Afeganistãos ou Iraques, graças a nós cada vez mais (in)humanos.

Por outro lado, posso imaginar alguns problemas (como Hartung também pode). Quer dizer, quando você pensa nisso, o que a guerra alguma vez teve a ver com a inteligência? Tom (em inglês)

Reis Filósofos ou Militaristas da Nova Idade.

Vale do Silício e a corrida para guerra automatizada

As empresas de capital de risco e startups militares no Vale do Silício começaram a vender agressivamente uma versão de guerra automatizada que incorporará a inteligência artificial (IA) profundamente. Essas empresas e seus CEOs estão agora pressionando a toda velocidade com essa tecnologia emergente, descartando em grande parte o risco de mau funcionamento que poderiam levar a futuro massacre de civis, para não falar da possibilidade de cenários perigosos de escalada entre as grandes potências militares. As razões para essa corrida precipitada incluem uma fé equivocada em “armas milagrosas”, mas acima de tudo, essa onda de apoio às tecnologias militares emergentes é impulsionada pela lógica final do complexo militar-industrial: vastas somas de dinheiro a serem ganhas.

Os novos tecno-entusiastas

Enquanto alguns nas forças armadas e no Pentágono estão realmente preocupados com o risco futuro de armamento de IA, a liderança do Departamento de Defesa está totalmente a bordo. Seu compromisso enérgico com a tecnologia emergente foi transmitido pela primeira vez para o mundo em um discurso de agosto de 2023 proferido pela vice-secretária de Defesa Kathleen Hicks para a Associação Industrial de Defesa Nacional, o maior grupo comercial da indústria de armas do país. Ela aproveitou a ocasião para anunciar o que chamou de “Iniciativa Replicadora”, um esforço para ajudar a criar “um novo estado da arte – assim como a América fez antes – alavancando sistemas atritáveis e autônomos em todos os domínios – que são menos caros, colocam menos pessoas na linha de fogo e podem ser alterados, atualizados ou melhorados com prazos de entrega substancialmente mais curtos”.

Hicks foi tudo menos tímida ao apontar para a lógica primária para tal corrida em direção à guerra robótica: superar e intimidar a China. “Devemos”, disse ela, “garantir que a liderança da RPC [República Popular da China] acorde todos os dias, considere os riscos da agressão e conclua: ‘hoje não é o dia’ – e não apenas hoje, mas todos os dias, entre 2027 e 2035, agora e 2035, agora e 2049, e além”.

A suprema confiança de Hick na capacidade do Pentágono e dos fabricantes de armas americanos de travar futuras guerras tecnológicas foi reforçada por um grupo de militaristas da nova idade no Vale do Silício e além, liderados por líderes corporativos como Peter Thiel da Palantir, Palmer Luckey da Anduril, e capitalistas de risco como Marc Andreessen da Andreessen Horowitz.

Patriotas ou os Aproveitadores?

Esses promotores corporativos de uma nova forma de guerra também se veem como uma nova geração de patriotas, prontos e capazes de enfrentar com sucesso os desafios militares do futuro.

Um caso em questão é “Rebooting the Arsenal of Democracy”, um longo manifesto no blog da Anduril. Ele divulga a superioridade das startups do Vale do Silício sobre gigantes militares-industriais da velha escola, como a Lockheed Martin, no fornecimento da tecnologia necessária para vencer as guerras do futuro:

“Os maiores empreiteiros de defesa estão com patriotas que, no entanto, não têm a experiência em software ou modelo de negócios para construir a tecnologia que precisamos... Essas empresas construíram as ferramentas que nos mantiveram seguros no passado, mas não são o futuro da defesa.”

Em contraste com a abordagem da era industrial que critica, Luckey e seus compatriotas na Anduril buscam uma maneira inteiramente nova de desenvolver e vender armas:

“O software vai mudar a forma como a guerra é travada. O campo de batalha do futuro vai repleto de sistemas artificialmente inteligentes e não tripulados, que lutam, reúnem dados de reconhecimento e se comunicam em velocidades de tirar o fôlego.

A primeira vista, Luckey parece um candidato claramente improvável para ter subido até agora nas fileiras dos executivos da indústria de armas. Ele fez sua fortuna inicial criando o dispositivo de realidade virtual Oculus, um item inovador que os usuários podem amarrar em   suas cabeças para experimentar uma variedade de cenas 3D (com a sensação de que estão incorporados neles). Seus gostos sartoriais vão na direção de sandálias e camisas havaianas, mas agora ele mudou totalmente para o trabalho militar. Em 2017, fundou a Anduril, em parte com o apoio de Peter Thiel e da sua empresa de investimento, Founders Fund. Atualmente, a Anduril fabrica drones autônomos, sistemas automatizados de comando e controle e outros dispositivos destinados a acelerar a velocidade com que o pessoal militar pode identificar e destruir alvos.

Thiel, um mentor de Palmer Luckey, oferece um exemplo de como os líderes das novas empresas de startups de armas diferem dos titãs da era da Guerra Fria. Como um começo, ele está totalmente com Donald Trump. Era uma vez, os chefes de grandes fabricantes de armas como a Lockheed Martin tentaram manter bons laços com democratas e republicanos, fazendo contribuições substanciais de campanha para ambos os partidos e seus candidatos e contratando lobistas com conexões em ambos os lados do corredor. A lógica para fazê-lo não poderia ter parecido mais clara então. Eles queriam cimentar um consenso bipartidário para gastar cada vez mais no Pentágono, uma das poucas coisas que a maioria dos principais membros de ambos os partidos concordou. E eles também queriam ter relações particularmente boas com qualquer partido que controlasse a Casa Branca e / ou o Congresso a qualquer momento.

Os iniciantes do Vale do Silício e seus representantes também são muito mais vocais l em suas críticas à China. Eles são os mais frios (ou quero dizer mais quentes?) dos novos guerreiros frios em Washington, empregando uma retórica mais dura do que o Pentágono ou os grandes empreiteiros. Por outro lado, os grandes empreiteiros geralmente lavam suas críticas à China e apoiam guerras em todo o mundo que ajudaram a preencher suas linhas de fundo através de think tanks, que eles financiaram com dezenas de milhões de dólares anualmente.

A principal empresa de Thiel, Palantir, também foi criticada por fornecer sistemas que permitiram duras repressões nas fronteiras dos EUA. Aplicação da Imigração e Alfândega (ICE), bem como “policiamento preditivo”. Isso (você não ficará surpreso em aprender) envolve a coleta de grandes quantidades de dados pessoais sem um mandado, contando com algoritmos com preconceitos raciais embutidos que levam à segmentação e tratamento sistemáticos injustos de pessoas de cor.

Para entender completamente como os militaristas do Vale do Silício veem a guerra da próxima geração, você precisa verificar o trabalho de Christian Brose, diretor de estratégia da Palantir. Ele era um reformador militar de longa data e ex-assessor do falecido senador John McCain. Seu livro Kill Chain serve como uma espécie de bíblia para os defensores da guerra automatizada. Sua principal observação: que o vencedor em combate é o lado que pode encurtar mais eficazmente a “cadeia de matar” (o tempo entre quando um alvo é identificado e destruído). Seu livro assume que o adversário mais provável na próxima guerra tecnológica será de fato a China e ele passa a exagerar as capacidades militares de Pequim, ao mesmo tempo em que exagera suas ambições militares e insiste que superar esse país no desenvolvimento de tecnologias militares emergentes é o único caminho para a vitória futura.

E lembre-se, a visão de Brose de encurtar essa cadeia de mortes representa imensos riscos. Como o tempo para decidir quais ações tomar diminui, a tentação de tirar os seres humanos “fora do circuito” só vai crescer, deixando decisões de vida ou morte para máquinas sem bússola moral e vulneráveis a avarias catastróficas de um tipo inerente a qualquer sistema de software complexo.

Grande parte da crítica de Brose ao atual complexo militar-industrial soa verdadeira. Algumas grandes empresas estão ficando ricas, tornando cada vez mais vulneráveis ao fabricar plataformas de armas, como porta-aviões e tanques, enquanto o Pentágono gasta bilhões em uma vasta e cara rede de base global que poderia ser substituída por uma pegada militar muito menor e mais dispersa. Infelizmente, porém, sua visão alternativa coloca mais problemas do que resolve.

Primeiro, não há garantia de que os sistemas orientados por software promovidos pelo Vale do Silício funcionarão conforme anunciado. Afinal, há uma longa história de “armas milagrosas” que falharam, do campo de batalha eletrônico no Vietnã ao desastroso escudo de mísseis Star Wars do presidente Ronald Reagan. Mesmo quando a capacidade de encontrar e destruir alvos mais rapidamente melhorou de fato, guerras como as do Iraque e do Afeganistão, travadas usando essas mesmas tecnologias, foram falhas sombrias.

Uma investigação recente do Wall Street Journal isugere que a nova geração de tecnologia militar também está sendo vendida demais. O jornal descobriu que pequenos drones norte-americanos fornecidos à Ucrânia para sua guerra defensiva contra a Rússia provaram ser muito “falhos e caros”, tanto que, ironia das ironias, os ucranianos optaram por comprar drones chineses mais baratos e confiáveis.

Finalmente, a abordagem defendida por Brose e seus acólitos tornará a guerra mais provável, já que a arrogância tecnológica incute a crença de que os Estados Unidos podem de fato “vencer” uma potência nuclear rival como a China em um conflito, se investirmos em uma nova força ágil de alta tecnologia.

O resultado, como meu colega Michael Brenes e eu apontamos recentemente, são os incontáveis bilhões de dólares de dinheiro privado que agora são despejados em empresas que buscam expandir as fronteiras da guerra tecnológica. As estimativas variam de US $ 6 bilhões a US $ 33 bilhões por ano e, de acordo com o New York Times, US $ 125 bilhões nos últimos quatro anos. Quaisquer que sejam os números, o setor de tecnologia e seus financiadores sentem que há enormes quantidades de dinheiro a serem feitos em armas da próxima geração e não estão prestes a deixar ninguém ficar em seu caminho.

Enquanto isso, uma investigação de Eric Lipton, do New York Times, descobriu que capitalistas de risco e empresas iniciantes que já impulsionam o ritmo da guerra impulsionada pela IA também estão ocupados contratando ex-militares e funcionários do Pentágono para fazer sua oferta. No topo dessa lista está o ex-secretário de Defesa de Trump, Mark Esper. Tais conexões podem ser impulsionadas pelo fervor patriótico, mas uma motivação mais provável é simplesmente o desejo de ficar rico. Como Ellen Lord, ex-chefe de aquisição do Pentágono, observou: “Há panache agora com os laços entre a comunidade de defesa e o private equity. Mas eles também estão esperando que eles possam ganhar dinheiro em grande estilo e embolsar uma tonelada de dinheiro.

O Rei Filósofo

Outra figura central no movimento para a construção de uma máquina de guerra de alta tecnologia é o ex-CEO do Google Eric Schmidt. Seus interesses vão muito além da esfera militar. Ele se tornou um rei filósofo virtual quando se trata de como a nova tecnologia vai remodelar a sociedade e, de fato, o que significa ser humano. Ele tem pensado em tais questões há algum tempo e expôs seus pontos de vista em um livro de 2021 modestamente intitulado The Age of AI and Our Human Future, em tendo como co-autor ninguém menos que o falecido Henry Kissinger. Schmidt está ciente dos perigos potenciais da IA, mas ele também está no centro dos esforços para promover suas aplicações militares. Embora ele não adote a abordagem messiânica de alguns números promissores do Vale do Silício, se sua abordagem aparentemente mais pensativa contribuirá para o desenvolvimento de um mundo mais seguro e mais sensato de armas de IA está aberto ao debate.

Vamos começar com a coisa mais básica de todas: o grau em que Schmidt acha que a IA mudará a vida como a conhecemos é extraordinário. Nesse livro dele e de Kissinger, eles afirmaram que isso desencadearia “a alteração da identidade humana e a experiência humana em níveis não vistos desde o início da era moderna”, argumentando que o “funcionamento da IA anuncia o progresso em direção à essência das coisas, progresso que filósofos, teólogos e cientistas buscaram, com sucesso parcial, por milênios”.

Por outro lado, o painel do governo sobre inteligência artificial sobre o qual Schmidt serviu reconheceu plenamente os riscos representados pelos usos militares da IA. A questão permanece: ele, pelo menos, apoiará fortes salvaguardas contra seu uso indevido? Durante seu mandato como chefe do Conselho de Inovação de Defesa do Pentágono de 2017 a 2020, ele ajudou a definir o terreno para as diretrizes do Pentágono sobre o uso da IA que prometiam que os humanos sempre “estariam no circuito” no lançamento de armas da próxima geração. Mas, como observou um crítico da indústria de tecnologia, uma vez que a retórica é retirada, as diretrizes “não impedem você de fazer nada”.

De fato, a senadora Elizabeth Warren (D-MA) e outros bons defensores de governo questionaram se o papel de Schmidt como chefe da Unidade de Inovação em Defesa não representava um potencial conflito de interesses. Afinal, enquanto ele estava ajudando a moldar suas diretrizes sobre as aplicações militares da IA, ele também estava investindo em empresas que lucravam com seu desenvolvimento e uso. Sua entidade de investimento, o America’s Frontier Fund, regularmente coloca dinheiro em startups de tecnologia militar e uma organização sem fins lucrativos que ele fundou, o Projeto de Estudos Competitivos Especiais, descreve sua missão de “fortalecer a competitividade de longo prazo da América na medida em que a inteligência artificial (IA) [reforma] nossa segurança nacional, economia e sociedade”. O grupo está ligado a um quem é quem dos líderes militares e da indústria de tecnologia e está pressionando, entre outras coisas, por menos regulamentação sobre o desenvolvimento da tecnologia militar. Em 2023, Schmidt até fundou uma empresa militar de drones, White Stork, que, de acordo com a Forbes, vem testando secretamente seus sistemas no subúrbio de Menlo Park, no Vale do Silício.

A questão agora é se Schmidt pode ser persuadido a usar sua influência considerável para controlar os usos mais perigosos da IA. Infelizmente, seu entusiasmo por usá-lo para melhorar as capacidades de combate sugere o contrário:

“De vez em quando surge uma nova arma, uma nova tecnologia que muda as coisas. Einstein escreveu uma carta a Roosevelt na década de 1930 dizendo que há essa nova tecnologia – armas nucleares – que poderia mudar a guerra, o que claramente fez. Eu diria que a autonomia [alimentada pela IA] e os sistemas distribuídos descentralizados são tão poderosos quanto.

Dados os riscos já citados, comparar a IA militarizada com o desenvolvimento de armas nucleares não deve ser exatamente reconfortante. A combinação dos dois – armas nucleares controladas por sistemas automáticos sem intervenção humana – até agora foi descartada, mas não conte que isso vá durar. Ainda é uma possibilidade, sem salvaguardas fortes e aplicáveis sobre quando e como a IA pode ser usada.

A IA está chegando, e seu impacto em nossas vidas, seja na guerra ou na paz, é suscetível de escalonar a imaginação. Nesse contexto, uma coisa é clara: não podemos permitir que as pessoas e as empresas que mais lucram com sua aplicação desenfreada tnham a vantagem de fazer as regras de como devem ser usadas.

Não é hora de enfrentar os guerreiros da nova era?


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Apresentação de Slides William D. Hartung, um contribuinte regular do TomDispatch, é pesquisador sênior do Instituto Quincy para a Aeronave Responsável e autor de Prophets of War: Lockheed Martin e Making of the Military-Industrial Complex.

 

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segunda-feira, 24 de junho de 2024

A GUERRA QUENTE ENTRE EUA E RÚSSIA, SE APROXIMANDO

 História em destaque, do Strategic Culture

 

por Alastair Crooke (Austair)
 
Resistance: The Essence of the Islamist Revolution by Alastair Crooke ...
24 de Junho, 2024
 

É somente compreendendo e levando a sério as advertências nucleares russas que podemos excluir o risco de armas nucleares entrarem em jogo.

Entre em contato conosco: info-strategic-culture.su

O G7 e a subsequente “Conferência Suíça de Bolgenstock” podem – em retrospecto – ser entendidas como preparação para uma guerra prolongada na Ucrânia. Os três anúncios centrais que emergem do G7 – o pacto de segurança de 10 anos da Ucrânia; o “empréstimo de bilhões de dólares na Ucrânia”; e a tomada de juros sobre fundos congelados russos – fazem o ponto. A guerra está prestes a escalar.

Essas posições foram concebidas como preparação do público ocidental antes dos eventos. E em caso de dúvidas, a beligerância em relação à Rússia emergindo dos líderes eleitorais europeus era bastante clara: eles procuraram transmitir uma impressão clara da Europa se preparando para a guerra.

O que está à frente? De acordo com o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, “a posição de Washington sobre Kiev é “absolutamente clara”:

“Primeiro, eles têm que vencer essa guerra.”

“Eles têm que ganhar a guerra primeiro. Então, número um: estamos fazendo tudo o que podemos para garantir que eles possam fazer isso. Então, quando a guerra acabar... Washington ajudará na construção da base industrial militar da Ucrânia”.

Se isso não fosse claro, a intenção dos EUA de prolongar e levar a guerra profundamente à Rússia foi sublinhada pelo Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan: “A autorização para o uso ucraniano de armas americanas para ataques transfronteiriços se estende a qualquer lugar [do qual] forças russas estejam atravessando a fronteira”. Ele afirmou, também, que a Ucrânia pode usar F-16 para atacar a Rússia e usar sistemas de defesa aérea fornecidos pelos EUA "para derrubar aviões russos - mesmo no espaço aéreo russo - se eles estiverem prestes a disparar no espaço aéreo ucraniano".

Pilotos ucranianos têm a liberdade de julgar "a intenção" de aviões de combate russos? Espere que os parâmetros dessa “autorização” se ampliem rapidamente – bases aéreas mais profundas das quais os bombardeiros russos são lançados.

Entendendo que a guerra está prestes a se transformar radicalmente – e extremamente perigosamente – o presidente Putin (em seu discurso ao Conselho do Ministério das Relações Exteriores) detalhou exatamente como o mundo chegou a essa dinâmica crucial – uma que poderia se estender a trocas nucleares.

A gravidade da situação em si exigiu a realização de uma 'última chance' oferecida ao Ocidente, que Putin disse enfaticamente que "não era um cessar-fogo temporário para Kiev preparar uma nova ofensiva; nem se tratava de congelar o conflito"; mas sim, suas propostas eram sobre a conclusão final da guerra.

“Se, como antes, Kiev e capitais ocidentais recusarem – então, no final, isso é com deles”, disse Putin.

Só para ser claro, Putin quase certamente nunca esperou que as propostas fossem recebidas no Ocidente, a não ser pelo desprezo e escárnio com que, de fato, foram atendidas. Nem Putin confiaria – por um momento – no Ocidente para não renegar um acordo, se algum arranjo fosse alcançado nessas linhas.

Se assim for, por que então o presidente Putin fez tal proposta no fim de semana passado, se o Ocidente não pode ser confiável e sua reação foi tão previsível?

Bem, talvez precisemos procurar a boneca interior de Matryoshka, em vez de fixar o invólucro externo: a “conclusão final” de Putin provavelmente não será crível através de algum corretor de paz itinerante. Em seu discurso no Ministério das Relações Exteriores, Putin descarta dispositivos como “cessar-fogos” ou “congelamentos”. Ele está buscando algo permanente: um arranjo que tenha “pernas sólidas”; um que tenha durabilidade.

Tal solução – como Putin antes sugeriu – requer uma nova arquitetura de segurança mundial para se criar; e se isso acontecesse, então uma solução completa para a Ucrânia fluiria como uma parte implícita de uma nova ordem mundial. Ou seja, com o microcosmo de uma solução ucraniana fluindo implicitamente do acordo de macrocosmo entre os EUA e as potências do “Heartland” – estabelecendo as fronteiras com seus respectivos interesses de segurança.

Isso é claramente impossível agora, com os EUA em sua mentalidade psicológica presos na era da Guerra Fria das décadas de 1970 e 1980. O fim dessa guerra – a aparente vitória dos EUA – estabeleceu as bases para a Doutrina Wolfowitz de 1992, que ressaltou a supremacia americana a todo custo em um mundo pós-soviético, juntamente com “erradicar os rivais, onde quer que eles possam emergir”.

“Junto com isso, a Doutrina Wolfowitz estipulou que os EUA iriam ... [inaugurar] um sistema de segurança coletiva liderado pelos EUA e a criação de uma zona democrática de paz”. A Rússia, por outro lado, foi tratada de forma diferente – o país caiu do radar. Tornou-se insignificante como um concorrente geopolítico aos olhos do Ocidente, à medida que seus gestos de ofertas pacíficas eram rejeitados – e as garantias que lhe foram dadas em relação à expansão da OTAN perdidas.

“Moscou não podia fazer nada para impedir tal esforço. O estado sucessor da poderosa União Soviética não era seu igual e, portanto, não foi considerado importante o suficiente para se envolver na tomada de decisões globais. No entanto, apesar de seu tamanho e esfera de influência reduzidos, a Rússia persistiu em ser considerada um ator-chave nos assuntos internacionais.

A Rússia é hoje um ator global proeminente nas esferas econômica e política. No entanto, para os Extratos Dominantes nos EUA, o status de iguais entre Moscou e Washington está fora de questão. A mentalidade da Guerra Fria ainda infunde o Beltway com a confiança injustificada de que o conflito na Ucrânia pode de alguma forma resultar em colapso e desmembramento russo.

Putin em seu discurso, por outro lado, previu o colapso do sistema de segurança euro-atlântico – e uma nova arquitetura emergente. "O mundo nunca mais será o mesmo", disse Putin.

Implícitamente, ele sugere que uma mudança tão radical seria a única maneira de acabar com a guerra da Ucrânia. Um acordo emergindo do quadro mais amplo de consenso sobre a divisão de interesses entre o Rimland e o Heartland (na linguagem  de Mackinder) refletiria os interesses de segurança de cada parte – e não seria alcançado à custa da segurança dos outros.

E para ser claro: se esta análise estiver correta, a Rússia pode não ter tanta pressa para concluir as questões na Ucrânia. A perspectiva de tal negociação “global” entre a Rússia-China e os EUA ainda está longe.

O ponto aqui é que a psique ocidental coletiva não foi suficientemente transformada. Tratar Moscou com igual estima continua fora de questão para Washington.

A nova narrativa americana não é negociações com Moscou agora, mas talvez se torne possível em algum momento no início do novo ano – após as eleições dos EUA.

Bem, Putin pode surpreender novamente – não pular a perspectiva, mas recuá-la; avaliar que os americanos ainda não estão prontos para negociações para um “encerramento completo” da guerra – especialmente porque esta última narrativa corre simultaneamente com a conversa de uma nova ofensiva na Ucrânia se preparando para 2025. É claro que é provável que muito mude no próximo ano.

Os documentos que descrevem uma nova ordem de segurança, no entanto, já foram elaborados pela Rússia em 2021 – e devidamente ignorados no Ocidente. A Rússia talvez possa se dar ao luxo de esperar eventos militares na Ucrânia, em Israel e na esfera financeira.

Eles estão todos, em qualquer caso, tendendo para o caminho de Putin. Eles são todos inter-conectados e têm o potencial para grande metamorfose.

Simplificando: Putin está esperando a formação do Zeitgeist americano. Ele parecia muito confiante em São Petersburgo e na semana passada no Ministério das Relações Exteriores.

O pano de fundo para a preocupação do G7 na Ucrânia parecia ser mais relacionado às eleições dos EUA, do que real: isso implica que a prioridade na Itália era a ótica eleitoral, em vez de um desejo de iniciar uma guerra quente. Mas isto pode estar errado.

Os falantes de russo durante essas reuniões recentes – notavelmente Sergei Lavrov – sugeriram amplamente que a ordem já havia sido dada para a guerra com a Rússia. A Europa parece, ainda que improvável, estar se preparando para a guerra – com muita conversa sobre o recrutamento militar.

Será que tudo vai soprar com a passagem de um verão quente de eleições? Talvez. Talvez.

A fase que está por vir provavelmente implicará uma escalada ocidental, com provocações ocorrendo dentro da Rússia. Este último reagirá fortemente a qualquer cruzamento de linhas vermelhas (reais) pela OTAN, ou qualquer provocação de bandeira falsa (agora amplamente esperada pelos blogueiros militares da Rússia).

E aqui reside o maior perigo: no contexto da escalada, o desdém americano pela Rússia representa o maior perigo. O Ocidente agora diz que trata as noções de troca nuclear putativa como o “blefe” de Putin. O Financial Times nos diz que os avisos nucleares da Rússia estão "soando fracos" no Ocidente.

Se isso for verdade, os oficiais ocidentais absolutamente desconhacem a realidade. É apenas compreendendo e levando a sério as advertências nucleares russas que podemos excluir o risco de armas nucleares entrarem em jogo, à medida que subimos a escadaria com medidas tit-for-tat.

Mesmo que eles digam que acreditam que eles são blefes, os números dos EUA, no entanto, exageram o risco de uma troca nuclear. Se eles pensam que é um blefe, parece ser baseado na presunção de que a Rússia tem poucas outras opções.

Isso seria errado: existem vários passos de escalada que a Rússia pode adotar na escada, antes de atingir o estágio de armas nucleares táticas: comércio e contra-ataque financeiro; provisão simétrica de armamento avançado para adversários do ocidente (correspondente aos suprimentos dos EUA para a Ucrânia); cortes na distribuição de ramos de eletricidade vindos da Polônia, Eslováquia, Hungria e Romênia; ataques em passagens de munição fronteiriça; e tirar uma folha dos houthis que derrubaram vários drones dos EUA, desativando a infra-estrutura do de inteligência, vigilância e reconhecimento dos estadunidenses.

 

Carta aberta aos jovens sobre a Terceira Guerra Mundial

 Do Boaventura de Sousa Santos, no Brasil 247


"Dirijo-me aos jovens porque serão os jovens a carne para canhão da Terceira Guerra Mundial, por mais sofisticada que seja a alta tecnologia", diz o sociólogo

SAMSUNG CSCSAMSUNG CSC (Foto: Vladimir Platonow/Agência Brasil)

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Dirijo-me aos jovens na condição de alguém que pela idade não vai combater na próxima guerra mundial (Terceira Guerra Mundial) e talvez nem assista ao seu início. Queria apenas transmitir-lhes as seguintes ideias, que tenho por fundamentadas:  estou convencido de que se aproxima uma Terceira Guerra Mundial; ao contrário das anteriores, o campo de batalha será todo o planeta e, pela primeira vez, incluirá o território dos EUA;  por mais sofisticada que seja a tecnologia militar e a Inteligência Artificial que a suporta, vão ser necessários soldados no terreno que irão morrer aos milhões, juntamente com populações civis inocentes. Mais do que em qualquer guerra anterior; esses soldados serão os jovens e não os senhores da guerra, sejam eles os políticos (que nunca submeterão a referendo a decisão de fazer a guerra), sejam os empresários e accionistas das empresas do complexo industrial-militar; a única certeza  que temos sobre a guerra é que sabemos quando começa, mas não quando acaba; a especificidade da Terceira Guerra Mundial é que, quando terminar (todas as guerras terminam), estará em risco, pela primeira vez, não apenas a sobrevivência da espécie humana, mas a vida não humana do planeta. É uma previsão distópica, mas suficientemente realista para que proliferem hoje religiões centradas na ideia do apocalipse.  Ao contrário da delas, a minha mensagem é espinosiana, isto é, assenta na dialéctica do medo e da esperança. Eu sei que a maioria dos jovens, quando olha para o futuro, tem muito medo e pouca esperança. Se quiserem ter mais esperança é preciso estarem preparados para incutir medo aos poderosos deste mundo que, aparentemente, deixaram de ter medo dos seus inimigos e vivem numa orgia de esperança. Antes de prosseguir, quero afirmar aos jovens que, apesar de ter nascido na Europa, falo a partir do Sul global com as lentes das epistemologias do Sul. E, por essa razão, o que disse acima é apenas meia-verdade. Vista do Sul global, a Terceira Guerra Mundial já começou (basta ter em mente o Iraque, Afeganistão, Líbia e Siria). Quando falo da futura Terceira Guerra Mundial quero apenas significar que a escala da guerra existente vai aumentar exponencialmente e que ela atingirá também os países do Norte global, a condição sine-qua-non para que algo se torne global, seja uma guerra ou uma pandemia.

O interesse em promover a guerra

 Em todas as guerras há um país ou império particularmente interessado em promover a guerra. Na Primeira Guerra Mundial, o mais agressivo era o império alemão; na Segunda Guerra mundial, a Alemanha de Hitler.  Ninguém no Sul global acredita que a Rússia ou a China estejam interessados em promover a guerra. Os impérios ascendentes preferem relações soma positiva a relações de soma zero (como, por exemplo, a guerra). A sua ascensão e incremento da sua influência assentam em proporcionar vantagens reais aos novos aliados ainda que sujeitas a condições de subordinação. Por isso, privilegiam a diplomacia e o multilateralismo. Pode parecer estranho dizer que a Rússia não está interessada na guerra, quando foi a Rússia que invadiu a Ucrânia em 2022. Todos os activistas da paz, entre os quais sempre me incluí, condenaram essa invasão embora dissessem desde o início (o que se confirmou depois) que essa invasão fora provocada pelos EUA com preparativos que datavam desde o fim da União Soviética em 1991. O objectivo foi desde o início enfraquecer a Rússia e provocar o seu desmembramento. Em 1997, o político norte-americano de origem polaca Zbigniew Brzezinski propunha a divisão da Rússia em três grandes unidades. Foi a mesma lógica de enfraquecimento pelo desmembramento que presidiu ao bombardeamento em 1999 da Jugoslávia (ou Sérvia), aliada da Rússia, tornando assim possível instalar uma enorme base militar dos EUA-NATO no Kosovo. Nos meios estratégicos tem-se discutido muito a chamada armadilha afegã (Afghan trap), ou seja, os meios utilizados pelos EUA (de novo, na era Brzezinski) para induzir uma invasão do Afeganistão por parte da União Soviética em dezembro de 1979 com o objectivo de a enfraquecer.  Os detalhes não interessam para este texto, mas com base neles é possível suspeitar que a invasão da Ucrânia por parte da Rússia foi uma nova versão da Afghan trap, a Ukraine trap, com os mesmos propósitos, ainda que o desfecho possa ser muito diferente.  A armadilha ucraniana começou a ser construída logo depois do fim da União Soviética, com a permanência da NATO depois do fim do Pacto de Varsóvia e com o projecto de inclusão da Ucrânia na NATO, ao lado de outros países que servissem de escudo contra a base naval da Rússia na Crimeia. Além da Turquia, que era membro da NATO desde 1952, juntaram-se à aliança a Roménia e a Bulgária (2004), faltando apenas a Geórgia, o que terá de passar primeiro pela estratégia de regime change (a mesma que foi utilizada na Ucrânia em 2014).

Quem promove a guerra não quer negociações reais de paz, mas encena sucessivos shows de propostas de paz sem a participação de uma das partes em guerra para que o ónus da continuação da guerra recaia sobre esta última e assim se alimente a guerra de propaganda. Foi assim que os EUA impediram a única genuína negociação de paz entre a Rússia e a Ucrânia que teve lugar dois meses depois do início da guerra. Para o efeito, foi facilmente mobilizado o então primeiro ministro do Reino Unido, Boris Johnson, cujo inconsciente imperial deve continuar assombrado pela guerra da Crimeia contra a Rússia (1853-56). Em contraste com esta atitude, a Rússia apresentou desde 2008 cinco propostas sérias de paz e segurança para a região, e todas elas foram rejeitadas pelos EUA.

Sabemos hoje que o grande rival dos EUA não é a Rússia, mas a China. Os três principais teatros de guerra em que os EUA estão actualmente envolvidos, Ucrânia, Palestina (e no Medio Oriente, em geral) e Mar da China visam o mesmo objectivo: isolar a China e impedir o acesso da China à Europa e às zonas de influência dos EUA. A guerra é sempre o último recurso, precedido frequentemente de desestabilização de regime change, ou seja, interferência activa  na vida interna dos países-alvo para provocar mudanças políticas que tornem possível criar distância e hostilidade em relação à China. Se tivermos em mente que a China é hoje o país dominante nas alianças internacionais que procuram alguma margem de independência em relação ao imperialismo norte-americano (BRICS+, Shanghai Cooperation Organization), é de prever que as democracias que integram essas alianças sejam alvos de destabilização política, muito especialmente o Brasil. Aliás, o regime change é uma estratégia desenvolvida desde a Guerra Fria e bem documentada no livro de Lindsey O’Rourke: Covert Regime Change: America's Secret Cold War (Cornell, 2018).  De facto, o  regime change é apenas uma das estratégias utilizadas pelo império para interferir na vida interna dos Estados-súbditos, como bem ilustra o livro do ex-jornalista do Financial Times, Matt Kennard  The Racket, A Rogue Reporter vs The American Empire (nova edição, Bloombury, 2024).Os sinais da preparação para a guerra.

Em 1931 pouca gente acreditava que pudesse haver uma nova guerra quinze anos depois de ter terminado a anterior. Mas o fascismo e nazismo cresciam nos países e na consciência dos europeus e com eles a lógica da guerra como solução radical dos conflitos. Em 1936, começou a Guerra Civil de Espanha e no fim dela (1939), com o triunfo do fascismo franquista, a guerra mais ampla surgia como algo inevitável. O mesmo se diga da II Guerra Sino-Japonesa, travada entre a República da China e o Império do Japão, de 1937 a 1945.

A preparação para a guerra começa nas consciências dos cidadãos. De repente, destacados políticos da “comunidade internacional” (isto é, os EUA  e a União Europeia) começam a sugerir a ideia da inevitabilidade da guerra para defender os valores da civilização ocidental. Não se questiona sobre que valores são esses nem em que consiste a ameaça, mas a solenidade dos discursos sugere que a ameaça é séria e que há que agir rapidamente. Um ministro alemão afirmou recentemente que dentro de poucos anos a Europa estaria de novo em guerra. Tudo isto é afirmado com um tom de normalidade que  banaliza os 78 milhões de mortos nas duas últimas guerras mundiais e os muitos milhões que morreram no conjunto das guerras que se sucederam em diferentes partes do mundo, e sempre com a intervenção activa dos EUA e dos seus aliados: Coreia, Vietnam, Indonésia, América Central, Argélia, Angola, Moçambique, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, Iéemen, Sudão e Palestina. Surpreende igualmente que a ameaça nuclear, que durante décadas foi o grande dissuasor da guerra pela lembrança de Hiroshima e Nagasaki e pela imensa catástrofe que significaria, começa hoje a ser encarada como uma hipótese realista nos meios militares. Annie Jacobsen (a mesma jornalista que revelou a Operação Paperclip, o programa dos serviços secretos que trouxeram para os EUA os cientistas Nazis) acaba de publicar um livro muito revelador do que acabo de escrever: Nuclear War: A Scenario (Dutton, 2024).A escalada da guerra está em pleno desenvolvimento e é isso que me leva a alertar os jovens para a possibilidade de a Terceira Guerra Mundial estar próxima. Dois indicadores justificam o meu alerta. Por um lado, acaba de ser dada luz verde ao uso de mísseis e outro armamento, muito dele fornecido por países da NATO, para atingir alvos em território russo. Isto significa a transformação da guerra em guerra entre a Rússia e a NATO, ou seja, uma guerra entre potências nucleares. Por outro lado, o então secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, afirmou em Junho que a NATO tinha disponíveis 500.000 mil militares em alta prontidão para a guerra da Ucrânia. Acresce que em vários países, incluindo os EUA, se tomam medidas para tornar o serviço militar obrigatório ou para facilitar a decisão dos jovens de se alistarem nas Forças Armadas.  

A retórica para promover a guerra.

 A retórica para promover a guerra passa por várias fases. Os senhores da guerra começam sempre por promover a guerra em nome da preservação da paz. Agravam as situações de conflito, justificando-as como medidas para travar o seu alastramento. Tomam medidas ofensivas, dizendo que são defensivas.  Esta retórica serve para adormecer as consciências dos activistas da paz. Quando este objectivo é alcançado em grande medida, entra numa nova fase: a demonização e perseguição daqueles que permanecem firmes na luta pela paz. Repentinamente eles são desacreditados como estando ao serviço do inimigo, financiados pelo inimigo, traidores da causa patriótica do nobre esforço de guerra para preservar a paz e a civilização ocidental. O descrédito é seguido pela perseguição activa. Por outro lado, os lucros exponenciais das empresas de armamento passam a ser saudados como sinais da pujança da economia, quando antes eram pejorativamente considerados “os mercadores da morte” ou “war profiteers”. 

No caso dos EUA, o país que desde a Segunda Guerra Mundial mais insistiu em fazer residir o seu poder no poder militar, mais que preparação para a guerra, assistimos a uma política de guerra limitada mas permanente sustentada por quatro pilares: as sucessivas derrotas nas guerras em que intervieram (Sudoeste Asiático, e Médio Oriente)  são transformadas em vitórias através de uma massiva guerra de propaganda; a prioridade do bem-estar das populações é gradualmente substituída pela prioridade da segurança nacional que, aliás, tem uma dimensão externa e uma dimensão interna (os EUA têm 25% dos presos do mundo apesar de só terem 5% da população global); os orçamentos militares crescem exponencialmente e o seu  crescimento nunca é questionado;  finalmente, os processos eleitorais são manipulados para que os promotores do militarismo ganhem sempre as eleições. 

Os interesses em promover a guerra. 

 A guerra está ao serviço do capitalismo e do colonialismo sob múltiplas formas. Entre as principais, podemos distinguir as empresas de produção de armamento de guerra (a indústria militar dos EUA controla 45% do comércio global de armamento e os seus lucros subiram exponencialmente com a guerra da Ucrânia e a guerra de Gaza);  o capital financeiro (a Ucrânia é neste momento o terceiro maior devedor do FMI); o acesso aos recursos naturais (cerca de 30% dos 33 milhões de hectares da riquíssima terra arável da Ucrânia, considerada o celeiro da Europa, é já propriedade de dez grandes empresas agroindustriais estrangeiras). Por sua vez, ao denunciar o genocídio de Gaza não podemos esquecer o projecto do Canal Ben Gurion, proposto na década de 1960 e hoje, de novo, na agenda dos senhores da guerra, um canal alternativo ao Canal do Suez e administrado por Israel e aliados. Este canal ligaria o golfo de Aqaba no Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo. Mais longo, mas com mais capacidade que o canal do Suez e além disso fora do controle egípcio (que no passado bloqueou várias vezes a passagem de navios de ou para Israel), este canal poderia ser uma alternativa à nova Rota da Seda da China. Inicialmente previsto terminar no Mediterrâneo num porto ao norte da Faixa de Gaza, tem-se ultimamente especulado que a limpeza étnica em curso podia, entre outras “vantagens” para Israel, limpar o terreno e encurtar a extensão do canal, atravessando o que é hoje a Faixa de Gaza.Dirijo-me aos jovens porque serão os jovens a carne para canhão da Terceira Guerra Mundial, por mais sofisticada que seja a alta tecnologia, o uso de cães robots e a Inteligência Artificial que forem utilizados. Lendo o diário de guerra de Curzio Malaparte, Kaputt, na frente alemã do leste e do norte na Segunda Guerra Mundial, uma das coisas que mais me impressionou foi a  descrição dos exuberante banquetes  dos generais e dos políticos aliados de Hitler, com as mais exóticas iguarias, os melhores vinhos e as mais elegantes mulheres, enquanto na frente da batalha os jovens alemães e seus inimigos morriam aos milhares, desertavam ou enlouqueciam, divagando pelas florestas sem destino nem futuro ou apenas esperando por uma bala misericordiosa.Para prevenir a eclosão da Terceira Guerra Mundial e dar esperança a quem tem medo dela é necessário incutir medo em quem a está a promover. O movimento pela paz, agora renovado pela luta contra o genocídio dos palestinianos de Gaza, é um sinal de esperança, mas não basta. A guerra resulta sempre de uma massiva manipulação do medo e da criação de condições de vulnerabilidade, de carência, de precariedade, de erosão de direitos sociais que atingem populações cada vez mais vastas. E resulta sobretudo da fragmentação das lutas que resistem a tudo isso. Quanto maior for a fragmentação mais invisível será o poder e a dominação e maior será o risco de as vítimas se insurgirem contra outras vítimas ainda mais vitimizadas, de os condenados da terra combaterem outros grupos ainda mais condenados da terra. A articulação das lutas sociais contra as três principais dominações modernas – capitalismo, colonialismo e hetero-patriarcado – é assim a condição necessária para a reconstrução de alternativas de paz, a paz que desta vez é pedida tanto pelos seres humanos como pela natureza. A condição suficiente é refundarmos as políticas de conhecimento e de educação de modo a que elas revelem o que designo por sociologia das ausências, o conjunto de alternativas anticapitalistas, anticolonialistas e antipatriarcais que proliferam no mundo.

Não carecemos de alternativas, carecemos de um pensamento alternativo de alternativas.