A
DEMOCRACIA EM CRISE
Rush Holt
Rush Holt é
o Diretor Geral da AAAS e Editor da família de periódicos Science
Cientistas
trabalham com um profundo senso de que sua busca por conhecimento confiável
leva a algum lugar – de que seguir as evidências e excluir um viés prévio ajuda
a conferir sentido ao mundo. Pode ser um processo lento, e interações na
comunidade científica não são isentas de atrito e de etapas falsas, mas mesmo
assim os cientistas se dedicam à busca porque eles observam que isso funciona.
Pode-se fazer sentido do mundo. Einstein disse em uma famosa frase: "o
eterno mistério do mundo é a sua compreensibilidade”, e os cientistas entendem
que o pensamento científico baseado em evidências leva a essa compreensão. Os
cientistas poderiam fazer um melhor trabalho ao partilhar essa poderosa visão.
À medida que
me preocupo com os recentes desafios à democracia, parece que uma cura para o
que aflige a democracia pode vir, em parte, em ciência. Cidadãos vêm cada vez
mais afirmando valores, esperanças e opiniões, aparentemente sem interesse em
encontrar uma compreensão compartilhada do estado real das coisas. Sem tal
compreensão compartilhada, aqueles valores e esperanças não podem racionalmente
ser expressos e percebidos. Observadores falam de "decadência da
verdade", desprezo pelo trabalho dos especialistas e menosprezo pelas
evidências. No conjunto, estes são problemas de enorme importância porque eles
ameaçam a própria democracia.
A
democracia passa a estar em risco quando ela se torna simplesmente um concurso
de opiniões fervorosas ou valores não baseados em evidências. Quando uma
opinião é tão boa quanto qualquer outra – e cada uma é defendida com tanta força
e até com tanta trapaça quanto possível, a democracia não pode sobreviver. A sociedade
vai-se afogando em um mar de opiniões e valores sem bases.
Democracia
exige uma cidadania que seja informada, bem como engajada. Temos que encontrar
uma abertura para reforçar entre os cidadãos uma apreciação renovada pelas
evidências. Aproximar-se do entendimento
do estado real de as coisas é o que a ciência faz bem.
Nos Estados
Unidos, a aprovação e confiança do público na ciência são relativamente fortes
em comparação com outras instituições, uma condição que tem sido observada em
pesquisas há décadas. Aqui, então, pode haver uma abertura.
Os
cientistas podem compartilhar os admirados sucessos da ciência de uma maneira
que leve os cidadãos a abraçar por si mesmos a essência da ciência? Esta
essência da ciência consiste em exigir provas em cada turno e descartar ideias
quando se mostra que não se encaixam com as evidências.
Esse
pensamento não é reservado apenas para os cientistas, e ninguém precisa ser
especialista para exigir provas. Dado o respeito do público pela ciência e a
reverência científica pelas evidências, o público pode ser levado a exigir e adotar
as evidências por si mesmo? Essa conexão parece lógica – precisamos torná-la
viável. Os cientistas podem alcançar o que a educação cívica normal não conseguiu?
Não há tempo a perder em verificar isso.
Muito se
sabe a partir das ciências sociais, estudos de comunicação e marketing sobre
como as pessoas vêm a entender e aceitar conceitos científicos. A importância
da comunicação efetiva atualmente também é incorporada à formação de muitos
cientistas. A comunidade científica precisa empreender uma iniciativa
importante - engajar negócios, indústria e líderes culturais e políticos - para
comunicar que o pensamento baseado em evidências está disponível, não apenas
para os cientistas.
Como o
público considera a ciência como bem sucedida e benéfica, eles podem estar
interessados em por que e como ela funciona. Eles
podem ver que essa maneira extremamente poderosa de pensar está disponível para
todos em suas vidas diárias e seus papéis cívicos.
Uma visão
muito avançada? Possivelmente. Mas é a única abertura que vejo para lidar com as
dificuldades da democracia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário