SEX, 05/08/2016 - 00:39
ATUALIZADO EM 05/08/2016 - 07:05
Caso 1 – cenas de uma República
risonha e franca
O Ministro interino da Casa Civil,
Eliseu Padilha, é acusado de ter manobrado ilegalmente certificados de
filantropia para uma Universidade Privada em troca de bolsas para apaniguados e
contratos para suas empresas (http://migre.me/uz6NF).
Também é réu por jogadas com
precatórios envolvendo o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
Como Ministro dos Transportes, valeu-se de um acordo extrajudicial para
repassar R$ 2,3 milhões a uma empresa gaúcha (http://migre.me/uz6Vv).
Foi condenado em R$ 300 mil por
manter um servidor fantasma (http://migre.me/uz6Sv).
Em 2011 foi indiciado pela Polícia
federal por formação de quadrilha na construção das barragens Jaguari e
Taquarengó (http://migre.me/uz711).
É feliz proprietário de um terreno
onde se instalou um parque eólico, Padilha recebe R$ 1,5 milhão por ano apenas
por estar na corrente do vento (http://migre.me/uz7t8), embora vozes
maliciosas sugerissem se tratar de propina da EDP.
Mas passou a controlar a Secom (Secretaria da
Comunicação) e a inundar sites e blogs da velha mídia com o controle
centralizado da publicidade de todas as estatais.
Com isso, transmudou—se. Eliseu
Padilha aparece nos jornais com aspecto grave, pontificando sobre reforma da
Previdência, reforma administrativa, diplomacia. Tem a última palavra para
liberar verbas milionárias para estados (http://migre.me/uz7vQ). Tornou-se o segundo
homem mais poderoso de um país continental, com mais de 200 milhões de
habitantes. E sob as vistas benevolentes dos mais intimoratos defensores da
moralidade pública que a República já conheceu: o Procurador Geral da República
Rodrigo Janot, a Força tarefa da Lava Jato, colunistas moralistas da velha
mídia.
Cena 2 – a destruição de direitos
sociais
Montou-se o seguinte pacto dos justos:
1. Em 2016 o orçamento
federal será utilizado para pagar a conta do impeachment. Houve aumento para as
emendas parlamentares, para as carreiras que mais contribuíram para a vitória.
Ao mesmo tempo, manteve-se no Banco Central a política de Selic a 14,15% com
apreciação cambial, propiciando enormes lucros para os especuladores que
apostaram na queda do dólar pós-golpe.
2. O enorme déficit
contratado para 2016 e 2017 será compensado pela lei de limitação de gastos
públicos. Se congelarão as despesas no menor nível da década (porque após dois
anos de recessão). Depois de aprovada a lei, só poderão ser corrigidas pela
inflação. Como os gastos com a Previdência continuarão aumentando, pelo
envelhecimento da população, haverá cada vez menos recursos para saúde,
educação, políticas assistenciais e todos os demais gastos públicos. E a conta
de juros continuará sem limitações.
3. A lambança fiscal deste
ano ajudará de algum modo na recuperação moderada da economia. A médio prazo, a
situação não será sustentável, a menos que se coloque o Exército nas ruas para
administrar a segurança.
4. A estratégia não é
eleitoralmente viável para 2018. Mesmo esperando alguma recuperação da economia
– que parece ter batido no fundo do poço.
Tem-se, então, um modelo em xeque.
O atual grupo de poder conseguiu salvo-conduto na
condição de abrir o saco de maldades e liquidar com direitos consagrados na
Constituição de 1988.
Mas vai-se chegar a 2018 com a dívida pública muito
mais elevada – devido às lambanças desses dois anos – e sem a menor garantia de
manutenção desse pacote devido a essa inconveniência das democracias chamada de
voto popular.
Não é nenhum pouco factível a ideia de um grupo de
desprendidos, dispostos a passar dois anos praticando maldades para depois
passar o bastão para terceiros.
De duas, uma: ou prolongarão a irresponsabilidade
fiscal; ou tratarão de se articular para impedir as eleições de 2018.
Cena 3 – os sinais da ditadura que se
avizinha
Conforme o “Xadrez” antecipou, o caminho natural
será apostar na figura do inimigo interno visando primeiro partir para uma
democracia mitigada e, mais à frente, para um endurecimento maior do regime,
provavelmente inviabilizando 2018.
O grupo que tomou o poder é alvo de muitas
críticas. Mas há de se reconhecer que, no exercício do poder, são
profissionais, incomparavelmente mais eficientes do que o amadorismo
constrangedor do governo deposto: sabe intimidar os que se intimidaram; e a
comprar os que se vendem.
Basta ver a reação da cúpula do governo à
informação de que Michel Temer estaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa: “Não
tem problema: mudaremos a lei”.
Hoje em dia, todas as nomeações, inclusive de
funcionários concursados, passam pelo crivo do Ministro Padilha, com a
assessoria do general Sérgio Etchegoyen, do GSI (Gabinete de Segurança
Institucional). Há um estímulo à delação, visando eliminar qualquer sinal de
resistência na máquina pública.
Multiplicam-se as ações contra Lula do mesmo modo
que desaparecem as ações contra políticos do PSDB. Tanto na PGR quanto na Força
Tarefa da Lava Jato mantém informações sob sigilo, só sendo vazadas informações
contra Lula e o PT.
Cena 4 – os responsáveis
Seria esse o objetivo final do Procurador Geral da
República Rodrigo Janot, da força-tarefa da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, da
Globo, de entregar o país a um grupo tão polêmico? Tenho para mim que não.
Então o que leva forças tão díspares a montarem uma
operação de tal envergadura, derrubando uma presidente de forma ilegítima, para
entregar o poder a um grupo tão polêmico?
As ditaduras não nascem do nada. São semeadas,
irrigadas, até ganhar vida própria.
A base da psicologia de massa do fascismo, dos
movimentos violentos europeus dos anos 30, consistia em centrar a intolerância
em uma figura ou um grupo e ir alimentando gradativamente o ódio, até que a
besta saísse às ruas.
Criado o efeito manada, no início consegue-se
manipular a coesão contra o inimigo comum, levantando o grande véu debaixo do
qual misturam-se do exercício do preconceito mais odioso, o personalismo mais
entranhado às jogadas mais rasteiras, mas todos imbuídos da orientação divina
de erradicar o mal.
Destampada a caixa de Pandora, gradativamente a
besta vai ganhando vida própria e todos os atores, em volta, acabam sendo
conduzidos pelo turbilhão que pretendiam controlar.
Quando a grita contra Lula e o PT tornou-se
hegemônica, Janot resolveu surfar na onda. No início, dá uma indizível sensação
de onipotência.
Provavelmente o que se passava na sua cabeça foi
isso, um tremendo sentimento de onipotência. Julgava que o primeiro passo seria
defenestrar Dilma e prender Lula. Ficaria tocado por um poder tão avassalador
que o segundo passo seria pegar o PMDB.
No momento do segundo passo, o aprendiz de
feiticeiro deu uma tacada altíssima: o pedido de prisão de vários senadores com
base em grampos de Sérgio Machado. O álibi do inimigo interno só se aplicava ao
PT, as declarações grampeadas não eram fortes o suficiente para justificar tais
arroubos, o STF impediu e a PGR veio ao chão como um balão furado.
Imediatamente recuou. Não se ouviu falar mais em
ofensivas contra o PMDB, manteve a blindagem a Aécio Neves. As únicas duas
missões do PGR e do MPF, assim como dos juízes de 1ainstância, são
continuar atacando os bichos de sempre – PT e Lula - e, no andar de cima,
Eduardo Cunha, e apenas ele, já que se tornou pato manco.
Cena 5 – os desdobramentos
Nesses momentos de selvageria, o país não dispõe de
forças contra cíclicas. O conceito de democracia e estado de direito não é
suficientemente forte nem entre os seus operadores.
Ante a onda formada, o Supremo apequenou-se. No
MPF, qualquer ato contra a onda recebe críticas da própria corporação. Qualquer
medida contra Lula ou Dilma é aplaudida. E o PGR não conduz, pelo contrário, é
conduzido por esse sentimento porque vive-se a Procuradoria de coalizão, desde
que o PT inventou a história de indicar automaticamente o Procurador mais
votado – que obviamente vai ser descontinuado pelos novos donos do poder.
Criou-se um movimento tácito irresistível. Numa
ponta, o desmonte total do precário Estado de bem-estar que o país ousou
levantar nos últimos anos, somado à venda indiscriminada de estatais na bacia
das almas. Na outra, a condescendência com o grupo de Temer, desde que entregue
o combinado. Alimentando essa fuzarca, a intolerância, a radicalização do
Judiciário, o delenda Lula. E, a cada momento, mais tentativas de avançar sobre
o estado de direito.
E como impedir essa avalanche? O que aconteceria se
o PGR ganhasse coragem cívica e tentasse enquadrar Temer e sua turma? Pagaria o
preço de uma segunda crise institucional sem dispor da unanimidade em que se
calçou para derrubar a presidente?
Evidente que não. A caminhada rumo ao arbítrio
acontecerá grotescamente, mas passo a passo. Cada novo ato de arbítrio será
minimizado, cada novo cerco aos recalcitrantes ignorado. Até que o país passe
da democracia mitigada ao autoritarismo.
E não haverá forças contra cíclicas. Hoje em dia,
em lugar de Raimundo Faoro, Luís Roberto Barroso; em lugar de Waldir Pires,
Rodrigo Janot; em lugar de Pedro Aleixo, Michel Temer; em lugar de Paulo
Brossard, Cristovam Buarque.
Enfim, o país é a resultante do nível de suas
elites.
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