Marx deu grande centralidade a conceito de classes sociais,
e a frase em que ele afirma a importância das lutas de classes na história é
bem conhecida. Muitos historiadores têm se debruçado sobre o papel das classes
sociais na conformação do estado e nas lutas políticas tanto nos períodos mais
recentes como em épocas mais remotas. Na realidade a história é incompreensível
sem incluir os mecanismos que as classes dominantes usam para legitimar seu
predomínio sobre as demais.
Propomos aqui que para entender as potencialidades de atuação
de comunidades locais e de interesses difusos nos processos de decisões sobre
grandes projetos é necessário que o estudo passe pela análise da estrutura das
classes envolvidas.
Fogo de barragem
ideológica
Nos dias que correm os temas políticos são manipulados
através de uma guerra total sobre o
conhecimento. Guerra total, que junta
a expansão de plataformas do discurso neoliberal na Academia e na
think-tank-lândia com o esforço para desacreditar e suprimir o pensamento
divergente. A iniciativa dessa guerra é das minorias super ricas formadas em
torno das instituições financeiras privadas e estatais, que dominam a mídia em
todo o mundo, e no Brasil detêm o monopólio de fato.
Os “militantes” que trabalham para o domínio dos um por
cento, como nos tempos de ascensão dos fascismos europeus da primeira metade do
século vinte, incluem não só os extratos tradicionalmente reacionários da
classe média, como gerentes, engenheiros e técnicos especializados, mas
caracteristicamente na conjuntura brasileira, os que vêm sendo chamados de
pobres de direita.
Classes no
capitalismo escravagista e depois
É de grande interesse sempre examinar o que a literatura do
centro do império (território dos EUA na América do Norte) pode oferecer sobre
o que acontece por lá o livro de Steven Fraser, “Class Matters: The Strange Carrier of an American Dellusion” – é
valioso pela possibilidade de fazer paralelos históricos e estruturais entre
Brasil e EEUU (o livro é centrado nos EEUU). O fato de serem duas economias em
que o escravagismo marcou a economia e a sociedade, em variantes ligeiramente
deferentes, e em que os efeitos desse escravagismo continuam na atualidade
reforça a oportunidade de ver os paralelos.
Em outra obra publicada recentemente “The Half Has Never Been Told: Slavery and the
Making of American Capitalism”, de Edward E. Baptist, é possível verificar
que a omissão ou o encobrimento de explicações relevantes sobre a estruturação
do capitalismo do século 19 e do capitalismo atual, está escandalosamente
presente na história oficial dos dois países.
O fato de a renda extraída das populações escravizadas na
produção de mercadorias como o algodão lá e o açúcar e depois o café, aqui,
tenha se apoiado na ideologia do racismo e nas técnicas da tortura e terrorismo
sobre esses trabalhadores. Muito do racismo atual nas duas sociedades provem da
continuidade da atual elite com a antiga, que nunca aceitou a perda desse
“capital” humano e nunca deixou de dominar os meios de comunicação em massa –
primeiro a imprensa, depois a mídia.
Criminalização como
instrumento da luta (guerra) de classes
Setores das classes não dominantes reagem, em determinadas
circunstâncias. Quando essa ação atinge determinada escala, podem surgir
partidos políticos como os socialistas e comunistas dos séculos 19 e 20. A
reação à mobilização dos deserdados da terra por parte do Estado sempre foi de
reprimir, pela violência se não por outras maneiras. Parte do trabalho de
repressão a partidos ou movimentos que contrariem os “direitos” das classes
dominantes é feito armando o aparelho armado do Estado, com leis, ideologias e
armas propriamente, e difamando esses grupamentos através das mídias
dominantes.
Quando isso não é suficiente, ignoram-se as regras vigentes, ou
eliminam-se, colocando membros do Estado para gerir os negócios em favor dos de
sempre.
Mais uma vez é bom traçar um paralelo com os EUA,
frequentemente citados como exemplo de um país com instituições democráticas
mais sólidas do que as brasileiras. Fraser ajuda a recuperar a repressão que o
Estado de lá impôs aos estudantes que protestaram e atuaram contra a guerra do
Vietnam. Na realidade, todo o cardápio
do atual golpe brasileiro esteve presente nos EUA. Brutalidade policial,
infiltração, criminalização de grupos como o SDS – sigla inglesa de Estudantes
para uma Sociedade Democrática e Panteras Negras, que foram muito fortes, e que
foram esmagadas por uma confluência bem parecida com a que domina o Brasil
atual: mídia conservadora, promotores, polícia, políticos corruptos.
Lá como cá existe uma guerra permanente que aterroriza via
tratamento brutal os que são marcados como “suspeitos” pela polícia e coloca atrás
das grades multidões de jovens dos extratos da população mais pobres e de pele
mais escura.
Movimentos como os pela moradia ou pela terra são integrados
predominantemente por pessoas desses extratos, e são atacados tanto pelo Estado
– mídia, judiciário e polícias como por milícias de sicários.
Classes interessam
Interessam, porque são a base em que se perpetuam, ou pioram,
a desigualdade de riqueza e de oportunidades. Mas também sempre interessa disfarçar
a estrutura de classes, usando racismo, “meritocracia”, demonização dos que
ousam desafiar a ordem. Conhecemos mal a
estrutura e a dinâmica das lutas de classes, principalmente das atuais. É tempo
de examinar isso tudo, bem rápido, mais rápido do que as classes dominantes.
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