TCU na contramão do desenvolvimento nacional
Entrevista com Gilberto Bercovici
| 05/07/2016
No final do mês de junho, o Tribunal de Contas da
União (TCU) fez uma auditoria e concluiu que a política de conteúdo local é
danosa à Petrobras. Segundo o Tribunal, esta política é ideológica e faz da
empresa vítima dos custos mais elevados e da demora na entrega dos equipamentos
nacionais. A conjuntura nacional e, especialmente, o envolvimento de grandes
empreiteiras na Operação Lava-Jato pressionam ainda mais para que argumentos
como estes do TCU sejam mais evidenciados, pois as obras ficam ainda mais
instáveis e têm os prazos comprometidos. Contudo, o professor titular de
Direito Econômico da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto
Bercovici, rebateu as conclusões do TCU em entrevista à AMERI.
De acordo com o professor, até podem ocorrer certas
situações em que o preço é mais alto e as entregas atrasam, pois o setor se
encontra em fase de maturação e consolidação. Para Bercovici, a discussão
central reside na pergunta: para que o Brasil está disposto a explorar o
petróleo? Para criar empregos e gerar impostos no Brasil ou no exterior?
A Petrobras é responsável pela dinâmica de cerca de
15% de toda a atividade econômica do país a partir do setor de óleo e gás. Isto
ocorre, entre outras coisas, por conta da política de conteúdo local. O que o
senhor tem a dizer sobre a recente conclusão do TCU de que a política de
conteúdo local é danosa tanto para o país quanto para a Petrobras?
O TCU é um órgão incompetente que não tem a mínima noção do que é uma política
industrial, não sabe o que é uma política de desenvolvimento. O que o TCU sabe
fazer é planilha (e nem isso eu sei se eles sabem fazer direito, haja vista a
lambança que eles estão fazendo com esta história do impeachment).
Este argumento é absolutamente pueril. Primeiro
porque é lógico que a política de conteúdo local é mais cara, pois se não
custasse mais, não seria necessária esta política. Se você quer estimular a
indústria brasileira, sendo ela mais cara que a indústria internacional,
obviamente você vai ter que criar mais condicionantes de compra, de conteúdo
obrigatoriamente nacional para estimular e desenvolver o setor.
Segundo, demora mais? Depende da capacidade
instalada, da capacidade de fornecimento. Quando não se tem esta indústria
totalmente instalada no país, como é o caso, que ela está se instalando, é
óbvio que vai demorar mais, que vai ter mais dificuldades, mais atraso. No
entanto isso não quer dizer que seja irrelevante, eles (o TCU) simplesmente
olharam para as planilhas e fizeram uma conclusão errada.
Mas então porque defender a política de conteúdo
local?
O que está em jogo com a política de conteúdo local é a capacidade do Brasil ser industrialmente forte e autossuficiente. Do contrário, a demanda brasileira criará emprego e gerará impostos na Itália ou Coreia do Sul, por exemplo, que vão lucrar exportando serviços e máquinas para a exploração e produção de energia no Brasil. Dizer que a política de conteúdo local é danosa ao país é um grande erro. Com ela o Brasil estimula e desenvolve as suas próprias capacidades de sustentar as demandas do setor sem ter que importar máquinas e equipamentos, produzindo-os nacionalmente, gerando emprego e impostos no Brasil, isto é, aumentando a geração de riquezas internamente e não em outros países.
O que está em jogo com a política de conteúdo local é a capacidade do Brasil ser industrialmente forte e autossuficiente. Do contrário, a demanda brasileira criará emprego e gerará impostos na Itália ou Coreia do Sul, por exemplo, que vão lucrar exportando serviços e máquinas para a exploração e produção de energia no Brasil. Dizer que a política de conteúdo local é danosa ao país é um grande erro. Com ela o Brasil estimula e desenvolve as suas próprias capacidades de sustentar as demandas do setor sem ter que importar máquinas e equipamentos, produzindo-os nacionalmente, gerando emprego e impostos no Brasil, isto é, aumentando a geração de riquezas internamente e não em outros países.
Por que o projeto de lei do senador Serra (PLS
131/2015), costurado com o governo federal, que estabelece que a Petrobras tem
preferência para dizer se quer ou não ser operadora única nos campos do Pré-Sal
acaba sendo o mesmo que aceitar o projeto original, o qual somente retirava a
obrigatoriedade da Petrobras, sem prever a preferência da empresa? Este projeto
não aliviaria a empresa de tantos compromissos financeiros que ela não está em
condições de sustentar?
Porque com a atual presidência da Petrobras, a empresa nunca vai se posicionar pela preferência da operação, o que vai ocorrer é que a Petrobras vai começar a abrir mão disto e deixar com que as empresas internacionais tomem conta do nosso petróleo.
Porque com a atual presidência da Petrobras, a empresa nunca vai se posicionar pela preferência da operação, o que vai ocorrer é que a Petrobras vai começar a abrir mão disto e deixar com que as empresas internacionais tomem conta do nosso petróleo.
É sempre bom lembrar que a Petrobras foi construída
com o dinheiro do Tesouro, este é o limite dela, este é o lastro da empresa, o
próprio Tesouro Nacional, daí a confiança que vários fundos de pensão e
acionistas têm com as ações da Petrobrás. A empresa estatal tem a retaguarda
dos recursos do Estado para cumprir seus acordos e compromissos financeiros.
O que ocorre é que povo está assistindo
“bestializado” a entrega da Petrobras para poucas pessoas, que nada têm de
defensores dos interesses nacionais, são compromissadas consigo mesmas, fazendo
da Petrobras um grande balcão de negócios para irrigar suas contas pessoais e
sustentar o capital eleitoral de seus padrinhos políticos.
Mas a empresa não passa por sérios problemas de
corrupção? Lembrando que em abril de 2015 a Petrobras chegou a considerar mais
de R$ 6 bilhões em perdas contábeis por conta dos desvios ocorridos.
Em toda empresa tem corrupção, seja ela pública ou privada. O que ocorreu com a
Petrobras foi que estabeleceram um método muito bem organizado para desviar os
recursos. Os contratos eram superfaturados dentro de um limite que era
aceitável pelo próprio negócio, a quantia desviada estava dentro da margem que
cada contrato aceitava de sobrepreço. Por exemplo, a contratação de um
determinado serviço que fosse orçado entre R$ 100 milhões e R$ 105 milhões, era
fechado por R$ 102 milhões. Sendo R$ 100 milhões para a execução do serviço e
os outros R$ 2 milhões eram desviados, ou seja, 2% de todo o contrato. Por isso
que a própria PriceWater não conseguia detectar as fraudes, porque em termos
percentuais o roubo era pequeno e passava batido pela auditoria por estar
dentro da margem de negociação do próprio contrato. Em cada contrato era
estabelecida uma margem diferente para ser desviada e isto fez com que não
fosse possível determinar a real quantia que a empresa perdeu com corrupção.
A partir disso a PriceWater se recusou a assinar a
auditoria das contas da empresa. Aí veio a então presidenta Graça Foster
fazendo um verdadeiro estelionato contábil, considerando que todos os contratos
que a empresa celebrou no período foram superfaturados em 3%, dando então em R$
6 bilhões de perdas para a Petrobras. Isto é um absurdo! É uma arbitrariedade!
Como eu disse, não se sabe quais são os percentuais de corrupção dos contratos
e também não se sabe se todos os contratos foram superfaturados. E mesmo assim,
por mais que R$ 6 bilhões seja muito dinheiro, para uma empresa do porte da Petrobras
esta quantia está longe de ser alvo de grandes preocupações, muito menos ser
argumento para alguns dizerem que a corrupção faliu a empresa.
Outro argumento recorrente é que o petróleo está se
tornando um recurso obsoleto e em breve será ultrapassado pelas novas fontes de
energia, portanto seria inteligente abrir o setor para o capital internacional
explorar o petróleo o quanto antes.
Ouvi de um parlamentar, agora no dia 26 de abril que estive numa audiência pública em Brasília, que o petróleo está se esgotando e é uma espécie de “mico” para o Brasil. Aí eu digo: ainda bem que temos muitos amigos, como a Shell, a Chevron, que vão nos ajudar e pegar pra si este “mico”. Como são bondosas estas empresas, não?
Ouvi de um parlamentar, agora no dia 26 de abril que estive numa audiência pública em Brasília, que o petróleo está se esgotando e é uma espécie de “mico” para o Brasil. Aí eu digo: ainda bem que temos muitos amigos, como a Shell, a Chevron, que vão nos ajudar e pegar pra si este “mico”. Como são bondosas estas empresas, não?
No fundo, a discussão que está em pauta é a seguinte:
Para que petróleo? É para estimular e desenvolver a economia nacional, gerando
emprego e renda no Brasil? Ou todo este petróleo é para ser exportado pelas
multinacionais, que remetem seus lucros para as matrizes sem nenhum compromisso
com o desenvolvimento brasileiro?
Giovani del Prete é
bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais pela
Universidade Federal do ABC (UFABC). Faz parte do grupo de estudos “Geopolítica
da Energia” (UFABC) e é coordenador-geral do Centro Acadêmico de Relações
Internacionais (UFABC).
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