O Texto, do embaixador SPG, foi publicado na Carta Maior, e sugerido pelo Sinclair.
Este
documento do Samuel Pinheiro Guimarães -SPG- tem uma linha básica geral e
abrangente de descrever o Brasil, em contraposição ao paradigma de uma nação
soberana e à altura do que nós de esquerda consideramos que deveria ser, quando
revemos seus recursos e as qualidades que enxergamos na parte sã de seu povo.
Dos itens 1
a 7, predomina o tom descritivo. Do 8 ao 9, começam análises. Do 10 em diante,
torna-se propositivo, também. Interessante que aqui SPG tenha mencionado – e
excluído - a hipótese revolucionária.
O diabo é
que ao deixar de lado a hipótese da violência ele fala de reformas que é
difícil imaginar serem possíveis mesmo se fossem devolvidas à vida as
instituições que foram sendo corrompidas e sucateadas mesmo antes do golpe,
acelerando com Temer e ainda mais rápido com o capetão.
Acho que é
um esboço de programa básico para motivar quem queira combater o bolsonarismo vigente e
seus fundamentos. É radical, e inclui as questões de gênero que a bancada da
bíblia tem combatido para regredir.
Ele fala de
melhoria na distribuição de cargos na Administração Pública. Mas hoje estamos
lidando com um movimento de ocupação militar em cargos de toda a administração
federal.
Fala de
soberania, delineia onde é necessário mudar, mas temos ainda a famosa ideologia
vira-lata dos brasileiros medíocres.
É isso que deveríamos pegar agora? Um programa que implica na restauração de uma
“normalidade” anterior aos golpes que desmontaram o que tínhamos de
instituições? Será que não é melhor explorar conceitos mais radicais? Tá
aqui uma fala de 25 minutos da Marilena Chauí
sobre o ódio no Brasil, ainda em 2018.
No fim, ele
fala sobre o que é necessário de imediato:
“93. A
Pandemia, com seu séquito trágico de mortes, de dor de milhões de familiares e
de amigos atingidos e enlutados, e dos que se salvam mas sofrem as sequelas, e
as investigações judiciais e policiais têm feito avançar o clima político de
rejeição social e política a Bolsonaro, criando as condições para um regresso à
normalidade da Sociedade, para que os brasileiros possam, unidos, lutar por
mais democracia, mais desenvolvimento, mais justiça, mais soberania.
94. O primeiro passo para realizar as Utopias no Brasil pós-Pandemia é
mobilizar desde já a população para exigir a remoção do grupo de indivíduos
ignorantes; incompetentes; insensíveis; autoritários; antidemocráticos;
submissos aos Estados Unidos, que ocuparam o Estado e executa, de forma
mentirosa e manhosa, porém nefasta e determinada, um programa que é anti-trabalhador; antipovo; anti-Estado; anti-Brasil.
95. Todos, todos os brasileiros, o que quer que tenham feito no passado ou o
que quer que pensem, devem estar unidos na luta para salvar o Brasil da ação
maligna de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes !”
Precisamos
saber o como dessa mobilização e dessa luta. Precisamos de massas de
trabalhadores que pulem para fora das redes de manipulação tradicionais – a
mídia, os setores estruturalmente fascistas do estado, como as polícias e as
forças armadas, e grande parte do judiciário, e as mais recentes,
representadas pelo ativismo-digital com campanhas de destruição de reputação
ajudadas com ou sem fake news, e fundamentalistas reigiosos. Será que já existe massa crítica nesses setores, e
entre a intelectualidade pequeno-burguesa? Será que tem alguma coisa surgindo,
que possa crescer? Que Fazer? para um horizonte de tempo razoável?
Por Samuel Pinheiro Guimarães
10/08/2020 14:18
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Samuel Pinheiro Guimarães
3 de agosto de 2020
1. O Brasil tem o quinto maior território e a sexta maior população do mundo e
está entre as doze maiores economias. Nestas três categorias de Estados, entre
os doze primeiros somente se encontram cinco: os Estados Unidos, a China, a
Índia, o Brasil e a Rússia.
2. Todavia, em contraste com estas características positivas, a sociedade
brasileira é complexa, com enormes disparidades de riqueza; de nível cultural;
de origem étnica; de gênero; regionais; entre centros e periferias urbanas.
Disparidades agravadas pela ação cotidiana de um Governo retrógrado, que não
tem comparação com qualquer outro no mundo, cuja intenção, declarada, é
destruir tudo o que foi construído no passado, semear o ódio, a violência e a
ignorância.
3. A utopia é indispensável para libertar o Brasil do jugo do Império informal
a que está submetido, através de seu agente, Jair Bolsonaro, ainda que muitos
não percebam esta situação ou prefiram a ela fechar os olhos. O Império é o
Império Americano e nele o Brasil se encontra na qualidade de Província
subdesenvolvida, em desindustrialização e reprimarização, com extraordinária e
crescente concentração de renda, nação desarmada, dominada por uma oligarquia
plutocrática.
* * *
4. São 193 os Estados no mundo e entre esses o Brasil é o segundo pior classificado
em concentração de renda, país em que 1% da população têm 28% da renda. A
concentração de riqueza no Brasil (bens imóveis e ativos móveis) é bem maior do
que a de renda.
5. Cerca de 80 mil brasileiros têm renda mensal superior a 160 salários
mínimos e entre eles se encontram 208 bilionários. São os mega-ricos, os
grandes proprietários rurais e urbanos; os grandes proprietários de empresas
industriais, comerciais e de serviços; os proprietários dos grandes meios de
comunicação; os grandes rentistas; os grandes proprietários de bancos; os altos
executivos e grandes profissionais liberais, os proprietários de luxuosos
carros, iates, jatos, helicópteros, de mansões, livres da violência policial
cotidiana; seus filhos frequentam as melhores escolas no mundo; têm acesso à
melhor produção cultural; quando enfermos, podem utilizar os melhores médicos e
hospitais do mundo; e possuem, alguns, qualificação profissional e nível
cultural elevados.
6. Entre esses 80 mil brasileiros se encontra o reduzido grupo de indivíduos
que constituem as classes hegemônicas, que se formaram ao longo de cinco
séculos, organizando e adaptando a economia, o sistema social e o sistema
político brasileiro. A influência política das classes hegemônicas,
através de seus representantes, congressistas, Ministros do Judiciário,
Ministros de Estado, os prelados, os militares da mais alta patente, garante a
elaboração e a execução de leis em seu favor, assim como a ação administrativa
(e policial) que as protege.
7. No extremo oposto, sobrevivem a duras e duríssimas penas, cerca de cem
milhões de brasileiros que têm renda inferior a dois salários mínimos, entre
eles os 50 milhões que recebem o Bolsa Família, porque têm renda individual
inferior a 178 reais por mês, e os que estão abaixo da linha de pobreza. Vivem
nas mais violentas e deterioradas periferias urbanas, sem saneamento nem coleta
de lixo, sujeitos à violência policial cotidiana; vivem nos grotões do
interior; seus filhos frequentam, quando frequentam, escolas depredadas com os menos
qualificados professores leigos; 60% da população é de analfabetos
funcionais; são formados culturalmente pelos programas de auditório e de
exaltação à violência exibidos na televisão, obrigados a trabalhar desde cedo,
em famílias chefiadas por mulheres; somente tem acesso a hospitais públicos
desaparelhados e não tem como comprar remédios; viajam diariamente em
transportes coletivos, apinhados como sardinhas em lata; sua influência
política, dispersa e desorganizada, ocorre apenas nos períodos de eleição.
8. Entre a ínfima minoria de mega-ricos e as dezenas de milhões de mega-pobres,
flutua a classe média, admirando o estilo de vida dos ricos e desprezando
profundamente os pobres, os trabalhadores, os mestiços, preconceituosa e
raivosa, temendo sempre resvalar para a classe que consideram inferior.
9. A extrema disparidade de renda está na origem das extremas disparidades de
poder político; de nível cultural; de origem étnica; de gênero; entre centros e
periferias urbanas.
* * *
10. É necessário ser realista para bem definir as condições de realização de
utopias. Somente o controle do Estado, em seus três Poderes, pode permitir
a execução de políticas que tornem realidade as utopias. Para tal, excluindo a
hipótese revolucionária, hoje irrealista, é a ação política, permanente, de
longo prazo, de mobilização e conscientização da enorme maioria, vítima da
concentração de renda e de poder político, para que, por meios democráticos,
esta maioria possa vir a assumir o Poder e tornar as utopias realidade.
11. A mega utopia pós Pandemia é eleger um Governo determinado a executar um
projeto para a maioria do povo brasileiro e não um projeto em benefício
de um mítico e ínfimo Mercado. Um projeto inclusivo, tolerante, de um Governo
eficiente, digno, com a intensa participação da iniciativa privada brasileira,
do capital estrangeiro, do Estado e do trabalho. Suas metas utópicas, a se
buscar com firmeza, prudência e pertinácia, devem ser:
a. aperfeiçoar a democracia para superar o sistema político oligárquico-plutocrático;
b. acelerar o desenvolvimento e desconcentrar a renda para superar a relação
colonial de dependência;
c. promover a justiça social para vencer a barbárie;
d. promover a soberania nacional para livrar o Brasil da submissão abjeta ao
Império.
12. A meta utópica de aperfeiçoar a democracia e superar o sistema
oligárquico-plutocrático que há cinco séculos domina, organiza e explora a
enorme maioria do povo brasileiro, é tarefa que exige grande mobilização
popular e tem de ser realizada gradualmente, afastada a hipótese de revolução.
13. É tanto maior o grau de democracia de um sistema político quanto maior for
a proporcionalidade de representação, nos organismos legislativos, executivos e
judiciários, das diferentes classes sociais, segmentos e setores de atividade.
No sistema político democrático liberal cada cidadão tem um voto. No sistema
econômico capitalista, cada moeda é um voto. Quanto maior a concentração de
renda e de riqueza maior a capacidade das classes hegemônicas de influenciar, através
de seus representantes, os organismos do Estado em seus processos eleitorais,
legislativos, executivos e judiciários. É no sistema político-legislativo que
se define a organização das atividades econômicas, direitos e deveres de
empresas e trabalhadores, questões vitais para os beneficiários da concentração
de renda manterem sua posição. Precisam moldar as normas do processo político
eleitoral e legislativo de modo a poderem melhor exercer sua força econômica e
garantir a representação majoritária desproporcional de seus interesses.
É suficiente comparar a bancada ruralista, de grandes proprietários rurais, com
a bancada praticamente inexistente de trabalhadores do campo. Assim, a
legislação agrária e ambiental se faz sob forte influência dos grandes
proprietários. O mesmo se dá com a legislação sobre bancos e demais setores
econômicos.
14. As mulheres são 51% da população brasileira e ocupam 15%, 77 assentos dos
513 da Câmara de Deputados e há 12 Senadoras entre os 81 membros do Senado
Federal. No Congresso Nacional se define a legislação, as normas de organização
da sociedade, os direitos e deveres dos brasileiros, das empresas e das
agências do Estado e os programas de alocação de recursos públicos coletados
pelos impostos. O Brasil é o 151º país em número de mulheres no Legislativo. Há
um dispositivo legal sobre o número de candidatas (30%) que os Partidos têm de
registrar. Este dispositivo tem sido fraudado através da prática de uso de
laranjas, candidatas fantasmas, e se revelou inócuo. Assim, a representação
política das mulheres deve ser garantida na Constituição que deve determinar
que 40% das mulheres mais votadas, sem distinção de partido político ou de
Estado, para a Câmara dos Deputados, sejam eleitas. No caso do Senado, deveria
haver uma representação mínima de uma mulher por Estado. A candidata mais
votada em cada Estado ao Senado seria eleita.
15. No Congresso há grandes bancadas que representam e defendem interesses
econômicos, como a bancada dos ruralistas, a dos bancos, a dos hospitais, a das
escolas e de setores sociais, como a dos evangélicos, dos católicos etc. A
força de trabalho no Brasil é de 86 milhões de indivíduos e estão fora da força
de trabalho por estarem desempregados etc cerca de 76 milhões. O número de
grandes proprietários rurais, banqueiros, donos de hospital, de escolas não
chega, todos somados, a duzentos mil. Os cerca de 150 milhões de trabalhadores
não se encontram representados nas bancadas ruralistas, dos bancos etc. Se
considerarmos que o PT, o PSOL, o PCdoB, o PDT, a Rede, e deputados isolados de
outros partidos representam, de modo geral, os trabalhadores, os trabalhadores
estariam representados por cerca de 150 deputados (29%) e 14 senadores (17%).
Em verdade, somente se for reduzido o poder econômico no processo eleitoral é
que poderá haver uma representação que corresponda melhor à dimensão relativa
dos diferentes segmentos da população.
16. A democracia requer a participação dos cidadãos, o que deve ser considerado
um dever, além de ser um direito, no funcionamento dos Partidos. É necessário
criar regras mais rigorosas para o registro de novos partidos para evitar sua
proliferação como instrumentos de captação de recursos públicos e de venda de
sigla. Os Partidos devem ter funcionamento regular, com a realização de reuniões
pelo menos trimestrais com a participação de seus filiados. A eleição de seus
órgãos dirigentes deve ser sujeita à fiscalização da Justiça Eleitoral. A
escolha de candidatos pelos Partidos deve ser feita através de convenções
municipais, com a presença de número significativo de filiados, no caso
de candidatos a cargos estaduais, e de convenções estaduais para escolha de
candidatos a cargos nacionais. Esta participação dos cidadãos é fundamental
para que os partidos representem segmentos da população e não sejam máquinas
oligárquicas, plutocratas, corruptas, controlados por pequenos grupos.
17. Importante passo no caminho do aperfeiçoamento democrático será estabelecer
rito e período mínimo de tramitação de projetos de lei e de emendas
constitucionais, para impedir que uma maioria eventual de partidos aprove e
altere a legislação a toque de caixa e a seu bel-prazer. As emendas
constitucionais deveriam ser submetidas à aprovação das legislaturas estaduais
ou serem submetidas a referendo.
18. A legislação deve prever a instituição do sistema de recall
(revogação de mandato) para cargos eletivos e para cargos de livre nomeação,
para que os eleitos ou nomeados possam ser destituídos caso os cidadãos julguem
que renegaram os programas que defenderam como candidatos ou que têm conduta
imprópria à dignidade e às exigências do cargo.
19. Na organização e funcionamento do Poder Judiciário ocorre a menor
participação da cidadania e assim este é o Poder menos democrático. Os juízes
de primeira instância são selecionados por meio de concurso público, a que em
geral podem ter acesso os candidatos de famílias de classe média, dificilmente
trabalhadores. Na nomeação de juízes de segunda instância, os desembargadores
de Tribunais de Justiça e Tribunais Federais, prevalecem por vezes situações de
nepotismo. A legislação deve prever um sistema de eleição dos juízes de segunda
instância e a possibilidade de seu recall para reduzir o nepotismo nos
tribunais estaduais e corrigir condutas inadequadas. O televisionamento de sessões
do Judiciário leva ao espetáculo e ao exibicionismo e à influência indevida de
grupos de pressão.
20. A democracia moderna depende da formação da opinião pública pelos meios de
comunicação de massa, inclusive a Internet, sobre cada tema do debate nacional
e internacional. Todavia, os meios de comunicação de massa se transformaram em
megaempresas comerciais, de entretenimento, diversionismo e informação (e
desinformação). As novas tecnologias têm permitido usar esses meios de forma
fraudulenta (robôs, impulsionamento, fake news, segmentação do público) para
influir no processo eleitoral e no debate político. A legislação deve
diversificar o debate e reduzir o poder político dos meios de comunicação
através de medidas de limitação de propriedade cruzada de distintos veículos e
de área geográfica de ação, e exigir o cumprimento de sua função política.
21. A existência efetiva da democracia e a qualidade de seu funcionamento
depende do nível de cultura política da cidadania. Muitas vezes há um processo
deliberado de depreciação da política e dos políticos (ainda que se elogie a
democracia) para afastar a população de participação na política ao
apresentá-la como atividade corrupta de que o cidadão “de bem” não deve
participar. O indivíduo de “bem” deveria se dedicar apenas a ser um bom
trabalhador, preocupado com o bem estar de sua família, individualista, temente
a Deus. É necessário um programa público, gratuito, inclusive na TV, de difusão
da cultura brasileira, da história política do país, de sua economia, de sua
luta para superar o subdesenvolvimento, de sua luta contra a hegemonia
cultural. Esta é uma tarefa pública, não de editoras e empresas privadas que
visam o lucro, pois a maioria da população não tem recursos disponíveis para
consumir cultura e informação política.
22. Os juízes, os procuradores, os promotores, os militares das Forças Armadas,
os policiais militares, os do corpo de bombeiros, os policiais civis, somente
poderiam ser candidatos a cargos eletivos cinco anos após sua aposentadoria ou
passagem para a reserva.
* * *
23. A meta utópica de acelerar o desenvolvimento e desconcentrar a renda
enfrentará a resistência, velada e tenaz, dos beneficiários dessa concentração.
24. A meta utópica da sociedade brasileira é crescer a uma taxa que reduza a
distância que nos separa dos países semelhantes ao Brasil, isto é, países
continentais, de extensos recursos naturais e grande população. O Brasil não é
um pequeno ou médio país europeu, africano, latino-americano, asiático. A taxa
de crescimento deve ser no mínimo de 5% para permitir o aumento da renda per
capita e a geração de empregos.
25. A Demanda depende da dimensão do mercado, da possibilidade de
escalas mais econômicas de produção em cada setor, da capacidade aquisitiva dos
consumidores e da distribuição de renda.
26. A elevada concentração de renda diminui o número de consumidores e não
aumenta, necessariamente, o número de investidores e o volume de investimentos,
pois as oportunidades de lucro são menores. O fluxo de capital estrangeiro é
circunstancial, atraído pelo programa de privatização, pelo preço das empresas
brasileiras pela oportunidade de especulação na Bolsa e pelas taxas de juros
relativamente elevadas e cessará se o mercado não for dinâmico em expansão.
Assim, todo o esforço de política econômica deve ser no sentido de melhor uso
dos fatores de produção, recursos, trabalho e capital, para aumentar a oferta,
expandir a demanda pela ampliação do mercado interno pela melhor distribuição
de renda, e reduzir as vulnerabilidades externas.
27. O primeiro passo para acelerar o desenvolvimento é revogar a Emenda
Constitucional 95 que congelou os gastos primários por vinte anos, política
jamais adotada por qualquer país, e que está destruindo o futuro do Brasil,
acelerando a desnacionalização da economia, e agravando a concentração de
renda, devido ao benefício aos detentores de títulos de dívida pública e ao
prejuízo causado aos mais pobres, com a redução dos serviços públicos de
previdência, saúde, educação, assistência social e emprego.
28. O desenvolvimento econômico de um país (desenvolvimento e não apenas
crescimento do produto) do ponto de vista da Oferta depende do uso cada
vez mais eficiente de seus recursos naturais, de sua força de trabalho, de seu
capital físico, de seu capital financeiro.
29. No que diz respeito aos recursos naturais, a primeira etapa é o seu
conhecimento, tanto dos recursos do subsolo como das características do solo e
da biodiversidade.
30. Uma meta pós-Pandemia deve ser a plena utilização dos recursos naturais a
começar pelo pleno conhecimento do subsolo. Somente cerca de 60% do território
brasileiro foi mapeado geologicamente. Esta percentagem de mapeamento é ainda
mais baixa na Amazônia. Um programa sistemático de formação de geólogos, insumo
básico deste processo, e de pesquisa pode ter resultados extraordinários para a
economia como as descobertas da Província de Carajás e do Pré-Sal comprovaram.
31. O Brasil é um dos três ou quatro países que, simultaneamente, têm grandes
reservas de urânio; grande mercado interno; domina a tecnologia industrial de
enriquecimento; produz ultra centrífugas; domina a tecnologia de fabricação de
reatores. As tecnologias eólica e solar de geração de energia sofrem limitações
naturais em muitos países e regiões. No Brasil, as fontes potenciais de energia
hidroelétrica se encontram na Amazônia. Há forte oposição
ambientalista/indigenista à construção de usinas tradicionais e as usinas a fio
d’água são pouco eficientes. Assim, a energia nuclear é a única fonte de
energia que pode assegurar regularidade de suprimento, porém sofre forte
oposição de ambientalistas apesar do desenvolvimento das técnicas de
armazenamento de resíduos. Haverá um grande mercado internacional para reatores
nucleares e para urânio enriquecido. Uma meta utópica é realizar o mapeamento
geológico do urânio em todo o território.
32. Duas indústrias de grande perspectiva de expansão e de elevada
lucratividade são as indústrias de medicamentos e as de cosméticos. A Amazônia
é uma das regiões de maior biodiversidade, inexplorada e sujeita à pirataria e
onde se encontram muitos dos insumos dessas indústrias em estado de natureza,
identificadas em seu uso por populações tradicionais, e cujas substâncias são
sintetizadas e se tornam objeto de produção industrial. Seria urgente o
fortalecimento e a criação de centros de pesquisa de biodiversidade na região.
33. A grilagem de terras e a expulsão de posseiros aceleram o êxodo rural e a
concentração de propriedade. É urgente reduzir o êxodo rural, ter um programa
de criação de cidades de porte médio no interior, estabelecer, por lei, um
programa mínimo de metas de reforma agrária e de assentamento de trabalhadores sem-terra.
Por outro lado, é necessário estimular tais assentamentos com acesso a crédito,
assistência técnica e acesso a mercados para que, juntos com a agricultura
familiar pudessem ampliar a produção de alimentos para o abastecimento interno
com vistas a soberania alimentar.
34. As queimadas decorrentes do desmatamento são a principal fonte de emissão
de gases de efeito estufa pelo Brasil. A legislação de proteção ambiental deve
ser reforçada assim como os organismos encarregados de sua implementação, no
que concerne as fiscais recursos e equipamentos.
35. Quanto à força de trabalho o objetivo deve ser a melhoria de suas
condições de saúde, de capacitação, de aperfeiçoamento da tríplice dimensão do
indivíduo como trabalhador, ser cultural e cidadão.
36. É necessário ampliar os programas públicos e gratuitos de saneamento
básico, de saúde, de educação. Mas, acima de tudo, instituir um sistema de
aumento real do salário mínimo que acompanhe a evolução dos lucros das
empresas e dos bancos.
37. O capital físico corresponde à infraestrutura e à produção de bens.
No caso da produção de bens o capital físico é de propriedade de empresas
privadas e de empresas estatais. A maior parte das empresas privadas de grande
porte no Brasil são de capital estrangeiro e operam no contexto do planejamento
global de suas matrizes no que diz respeito a investimentos, tecnologia adotada
(maquinária) e mercados a que devem atender. Cabe ao Estado definir e
implementar políticas que estimulem as empresas a desenvolver tecnologia, a
absorver tecnologia moderna, a expandir e diversificar exportações já que as
que são estrangeiras devem remeter lucros a suas matrizes.
38. Não é possível que a economia cresça a taxas elevadas e que são
necessárias, em benefício de todas as classes, sem que as infraestruturas de
transportes, de energia e de comunicação se expandam. Essas infraestruturas
estão deterioradas por falta de investimentos e insucesso do programa de
concessões. Estima-se em 1,7 trilhões de reais os investimentos necessários
para recuperar a infraestrutura de transportes em todos os modais. Ainda que
parte do capital necessário pudesse vir do exterior teriam de ser remunerados e
para tal teria o Brasil de aumentar suas exportações e o saldo comercial, o que
exigiria diversificar a pauta de produtos e o destino das exportações e ter um
câmbio competitivo.
39. O setor industrial é o setor mais dinâmico de qualquer grande
economia que não pode, pelas suas próprias dimensões, se especializar em poucas
atividades produtivas e importar os demais produtos que consome, o que a torna
vulnerável a qualquer evento externo. O Brasil tem 220 milhões de habitantes,
sendo sua população em 85% urbana. Sua agricultura moderna é altamente
intensiva em capital e expele mão de obra. A atividade urbana é industrial ou
de serviços que estão muito vinculados à atividade industrial. O emprego para
os brasileiros desempregados, desalentados, subempregados, marginalizados terá
de ser criado na indústria e não na agropecuária. Por outro lado, a tendência
tecnológica é pela economia de trabalho e por isto o desafio de geração de
emprego é de enorme complexidade. De toda a forma, o nível geral de indústria
brasileira é inferior ao nível tecnológico da indústria nos países mais
avançados. Assim, é necessária uma política tarifária e cambial estratégica que
estimule investimentos industriais, nacionais e estrangeiros, com tecnologia de
ponta e com capacidade exportadora. Ao mesmo tempo, é necessária uma política
de investimentos de mão-de-obra intensiva como a construção de infraestrutura
etc. Por outro lado, o Estado por razões de segurança nacional, deve estabelecer
centros de pesquisa nas áreas consideradas como sendo as áreas de tecnologia do
futuro, identificadas pelos Estados líderes em desenvolvimento tecnológico.
40. O sistema tributário é regressivo. A arrecadação de impostos
indiretos que incidem sobre os consumidores é maior do que a de impostos
diretos sobre a renda e o patrimônio. A carga tributária no Brasil é cerca de
35% do PIB sendo 45% sobre bens e serviços, 28% sobre folha de salários, 22%
sobre renda, 5% sobre propriedade. Grande parte do total arrecadado retorna aos
contribuintes mais ricos através de programas de refinanciamento de dívida;
empréstimos rurais a taxas altamente subsidiadas, pagamento de rendimentos da
dívida pública, empréstimos de bancos públicos.
41. É necessário instituir a CPMF não como fonte de receita, mas sim
para verificar a compatibilidade entre movimentação bancária e declaração de
imposto de renda e assim identificar a evasão de tributos. A alíquota deve ser
mínima, por exemplo 0.001%, e as transações abaixo de 10 mil reais seriam
isentas.
42. É indispensável que o sistema financeiro ofereça crédito às empresas
industriais, comerciais e de serviços em prazos, condições e juros compatíveis
com os índices médios de lucratividade para que não haja um estrangulamento de
demanda devido à prática de preços de varejo elevados para cobrir os juros
excessivos, o que acarreta a repressão da produção. Caso os bancos privados
argumentem que não podem reduzir juros, apesar dos elevados lucros que exibem,
cabe aos bancos públicos oferecer empréstimos a prazos e juros adequados à
iniciativa privada.
43. A demanda por produtos primários, em especial chinesa, tem provocado uma
elevação importante dos seus preços. Por outro lado, a grande capacidade
produtiva, a extensão de terras que podem ser recuperadas, o avanço na pesquisa
tecnológica, o crédito generoso do Estado fez com que os grandes produtores
rurais acumulem lucros extraordinários.
44. Seria importante criar um imposto de exportação a partir de certos níveis
de preços internacionais que se destinasse a um fundo que, gerido com a
participação dos produtores, compensasse eventuais perdas decorrentes da queda
de preços e financiasse investimentos na transformação dos produtos primários
em itens de maior valor e na organização de tradings nacionais.
45. As agências reguladoras regulam e fiscalizam setores. O Banco Central é a
agência reguladora do setor financeiro. Todavia, a atribuição de fixar a taxa
de juro e a de câmbio faz com que o Banco Central tenha influência decisiva
sobre toda a economia, interna e externa, do país, sobre os
investimentos e o emprego. A atribuição principal do Banco Central deve ser não
só o controle da moeda e do crédito, mas também do nível de emprego da
economia. O Banco Central foi capturado pelo setor financeiro, em especial
pelos grandes bancos. Os diretores do Banco Central muitas vezes provêm de
grandes bancos ou neles vão trabalhar ao deixar o Banco Central. Os
ex-diretores do Banco Central devem cumprir uma quarentena de pelo menos cinco
anos antes de voltar a trabalhar no setor financeiro privado. É de suma
importância a instituição no âmbito do Banco Central e Conselho de alto nível e
integrado por representantes de empresários e de trabalhadores da agropecuária,
da indústria e dos serviços que têm experiência direta desses setores e não uma
visão acadêmica ou apenas de seus aspectos financeiros, para opinar sobre a
política de juros e de câmbio.
46. A recuperação do controle das empresas públicas estratégicas e a
paralização do programa de privatizações é uma utopia pós-Pandemia, e que deve
ter seu início com a recuperação do controle e a preservação da Petrobras como
grande empresa integrada exploradora, produtora, distribuidora e processadora
de petróleo no Brasil que já tem a décima quinta maior reserva de petróleo do
mundo e detém a tecnologia necessária.
* * *
47. A utopia de promover a justiça social para vencer a barbárie
significa defender e promover os direitos das minorias (que são, em
realidade, maiorias) do povo brasileiro: as mulheres, os afrodescendentes, os
pobres, os excluídos, os indígenas, os indivíduos que desejam e têm o direito
de exercer sua orientação sexual sem sofrer violência ou discriminação.
48. O emprego, a atividade produtiva, a crescente qualificação profissional,
são importantes elementos para vencer a exclusão social de que são vítimas as
minorias. Algumas das metas utópicas para promover a justiça social tem
natureza política e econômica, e foram descritas acima.
49. A legislação deve afirmar o direito da mulher a seu corpo e à
realização do aborto em qualquer circunstância. Este é um direito que as
mulheres de classe média e das classes hegemônicas sempre exerceram no conforto
e na segurança de clínicas particulares, sem preocupação religiosa. As
mulheres trabalhadoras e pobres quando abortam o fazem em condições em extremo
precárias. O número estimado de abortos ilegais por ano no Brasil é de um
milhão com grande número de vítimas. O número de adolescentes que engravidam é
significativo com grave prejuízo para sua vida social e profissional. O Estado
deve fazer campanha permanente, preventiva e esclarecedora, sobre os riscos da
gravidez precoce, com o fornecimento de anticoncepcionais e aconselhamento
médico.
50. Esta será uma tarefa ingente devido ao conservadorismo das seitas
religiosas protestantes e da Igreja Católica e dos movimentos pró-vida.
Possivelmente, pesquisa estatística revelaria o uso do aborto entre as crentes
e as pastoras dessas igrejas.
51. O número de mulheres em cargos elevados de direção na Administração Pública
é muito inferior em termos percentuais à presença das mulheres na população
brasileira que é de 51 %. Por outro lado, o número de mulheres no ensino
superior cresceu de forma significativa em todos os setores, sendo que as mulheres
são hoje cerca de 57% de todos os alunos matriculados em universidades. Assim,
seria necessário estabelecer, por lei, um sistema de quotas para que o número
de mulheres ocupando cargos DAS-5 e DAS-6 aumentasse anualmente até atingir 50%
ao final de dez anos. A participação de um número significativo de mulheres nos
quadros elevados da Administração Pública tornaria possível a elaboração de
medidas não discriminatórias contra a mulher em todos os setores.
52. Cerca de 51% da população brasileira se declarou no Censo como se
considerando afrodescendente.
53. Os afrodescendentes são a maioria dos encarcerados, muitas vezes sem
condenação, na barbárie dos presídios, sofrendo toda sorte de sevícias,
cometidas por agentes do próprio Estado, ou com sua conivência. São eles a
maioria dos que vivem em condições sub-humanas de habitação, de saneamento, de
segurança, nas favelas, nas periferias. São eles a maioria dos desempregados
dos subempregados, dos que recebem os menores salários.
54. Há uma ínfima minoria que, por circunstâncias aleatórias, escapa a esta
condição de exclusão em uma sociedade bárbara, como revelam os números de
assassinatos, de estupros, de violência sexual, de violência policial contra
afrodescendentes e excluídos em geral.
55. São eles perseguidos, desde a Abolição da Escravidão, pelos ex-senhores e
pelo Estado controlado por estes. Deixaram a situação de escravos sem possuírem
bens de qualquer natureza pois os escravos não os tinham. Sua pobreza é
hereditária.
56. A primeira medida para superar a barbárie em que se encontram os
afrodescendentes seria a libertação de todos os presos provisórios sem culpa
formada que são 200 mil, em que os afrodescendentes são maioria, encarcerados
em condições degradantes.
57. A segunda medida seria o estabelecimento, por lei, de um sistema de quotas
progressivas, escalonadas, a serem preenchidas em um período de dez anos por
afrodescendentes de cargos superiores de DAS-5 e DAS-6 na Administração
Pública, em cada Ministério, Agência Reguladora e grandes empresas estatais até
atingir 50%.
58. A terceira medida seria o estabelecimento, por lei, da obrigação das
empresas privadas de preencherem cargos de direção, em um período escalonado de
dez anos, até atingir 50% dos cargos, por afrodescendentes.
59. O nível relativamente baixo de capacitação profissional da massa de
excluídos, a tendência do progresso tecnológico a poupar mão-de-obra e a grande
população urbana faz necessário um programa de investimentos públicos, e de
estímulo a investimentos privados, em atividades mão-de-obra intensivas.
60. O extremo desnível de renda, a situação de pobreza e a dependência de
muitos municípios de rendimentos de beneficiários do Bolsa Família e da
Previdência Social, torna necessário um programa de investimentos públicos e de
estímulo a investimentos privados nos municípios de menores índices de renda e
de desenvolvimento humano.
61. Um programa utópico mas de grande impacto seria a doação de terras do
Estado para afrodescendentes para seu cultivo.
62. A Internet, além de estar provocando mudanças importantes, e muitas vezes
negativas para o relacionamento humano, de hábitos sociais, tem sido utilizada
como veículo poderoso para promover campanhas de difamação, de preconceito, de
ódio e de violência, justamente contra as minorias.
63. A disciplina do uso da Internet é tarefa urgente para proteger a sociedade
brasileira em sua atividade política, para promover a harmonia social e reduzir
a barbárie. A punição rigorosa dos propagadores de difamação e de ódio na
Internet e de seus financiadores é de grande relevância e sua atividade
criminosa não pode ser justificada pelo argumento de liberdade de expressão.
64. No Brasil são cometidos 50 mil assassinatos por ano, a maioria por armas de
fogo e neste item o Brasil é recordista. O Governo Bolsonaro está promovendo o
armamento da população, liberando a compra de armas, a prática de tiro, a
compra de munição para atender à pressão da indústria de armamentos e por uma
visão extravagante de que uma sociedade armada pode se defender contra qualquer
tentativa de golpe contra a democracia.
65. A liberação da compra de armas, inclusive de grosso calibre, levará a maior
armamento das milícias, a acidentes e a mais crimes com armas de fogo. É
necessário colocar restrições à venda de armas e munição para evitar que as
principais vítimas de assassinatos por armas de fogo continuem a ser os que
vivem nas periferias e em especial as mulheres, os jovens e os
afrodescendentes.
* * *
66. A meta utópica de promover a soberania requer uma política externa
firme e serena que somente se guie pelos objetivos nacionais de democracia,
desenvolvimento e justiça.
67. Os princípios fundamentais do sistema internacional, consagrados na
Carta das Nações Unidas, são a não-intervenção e a autodeterminação. Estes
princípios estão também afirmados no Artigo 4º da Constituição Federal
brasileira.
68. Esses princípios permitem, em tese, a convivência pacífica entre Estados de
dimensão distinta, de sistemas políticos e econômicos distintos, de sistemas
religiosos distintos, de poder político, militar, econômico distinto.
69. O princípio de autodeterminação garante a todos os Estados o direito de se
organizar de acordo com sua história, com as características de sua população,
de seu território, de sua economia e com suas aspirações nacionais. A Carta das
Nações Unidas não determina que os Estados devam ter certa organização social,
política, econômica, religiosa.
70. O princípio de não-intervenção assegura que nenhum Estado pode intervir em
outro Estado para forçá-lo a adotar políticas ou instituições diversas.
71. No sistema imperial, o Império Americano não aceita, sem declarar
abertamente, o exercício de autodeterminação pelos Estados (que considera
Províncias) nem pratica o princípio de não-intervenção em sua política
internacional. O Império Americano tem certas regras, informais, que procura
impor a todos os Estados (Províncias) que, quando não as aceitam, são punidos
com severidade.
72. Essas regras são:
a. ter uma economia capitalista;
b. ter uma economia aberta do ponto de vista comercial;
c. ter uma economia aberta ao capital estrangeiro;
d. ter um grau mínimo de intervenção do Estado;
e. dar tratamento igual às empresas de capital local em relação às
estrangeiras;
f. não exercer controle sobre os meios de comunicação de massa;
g. ter regime político de pluralidade partidária e eleições periódicas;
h. respeitar os direitos humanos, políticos e sociais;
i. não restringir a ação de ONGs estrangeiras;
j. não celebrar acordos, em especial militares, com a Rússia e a China;
k. apoiar iniciativas de política internacional do Império.
* * *
73. Treze são os Estados da América do Sul. O Brasil faz fronteira com nove
deles (inclusive com a França) e está próximo do Equador e do Chile.
74. As diferenças de dimensão territorial, populacional e econômica entre o
Brasil e cada um dos vizinhos sul-americanos são muito grandes e há uma
suspeita histórica de uma ambição sub-imperialista brasileira.
75. De outro lado, os ressentimentos entre os países sul-americanos são de
longa data mas emergem em cada momento de crise. Entre Venezuela e Guiana;
entre Colômbia e Venezuela; entre Colômbia e Equador; entre Equador e Peru;
entre Bolívia, Peru e Chile; entre Bolívia e Paraguai; entre Argentina e
Uruguai; entre Paraguai e Brasil.
76. O Brasil é muitas vezes solicitado a tomar parte em disputas entre vizinhos
e deve, com firmeza, não se intrometer, não tomar partido e respeitar o princípio
de autodeterminação e não-intervenção.
77. O Brasil tem todo interesse em diversificar suas relações comerciais,
financeiras, culturais, com todos os Estados vizinhos, a começar pela
Argentina, pois é do interesse do Brasil sua amizade e contribuir para sua
estabilidade econômica, política e social que tem reflexos sobre o Brasil.
78. As relações com os países vizinhos é a questão central da política
externa brasileira.
* * *
79. As vulnerabilidades externas de qualquer Estado são óbices à plena
realização de seus projetos de desenvolvimento econômico e de ação política.
80. Assim, a política externa deve contribuir para reduzir essa vulnerabilidade
pela diversificação de suas relações comerciais, financeiras, tecnológicas,
militares, culturais, e assim reduzir a capacidade de pressão sobre o Brasil
por parte de qualquer Estado em qualquer desses campos.
81. A presença de bases estrangeiras no território de qualquer Estado é uma
significativa redução de sua soberania e grave vulnerabilidade. Em quase todos
os Estados europeus há bases americanas ou bases da OTAN com a presença de
tropas e equipamentos americanos. A mesma situação ocorre na Ásia em especial
nos Estados vizinhos da China.
82. Não há bases estrangeiras no Brasil, porém há muitos indivíduos que
trabalham em defesa dos interesses do Império americano no Brasil, como ficou
revelado nos telegramas da embaixada americana em Brasília publicados no Wikileaks.
Evitar a instalação de base estrangeira de qualquer Estado no Brasil, sob
qualquer disfarce, é um objetivo fundamental da política externa e da preservação
de soberania.
* * *
83. As relações do Brasil com as principais Potências capitalistas são antigas
nos mais diversos campos. Hoje, porém é necessário diversificá-las para
reequilibrá-las, pois as relações com algumas delas se retraíram. Há que
estimular também as relações de toda ordem com a República Popular da China e
com a Rússia pela sua grande importância política, econômica e tecnológica.
84. O sistema de relações multilaterais permite ao Brasil, que não é uma
Potência, articular grupos de Estados que têm interesses afins para coordenar
sua ação em distintos campos de negociação, em confronto com o Império
Americano (que também quando convém negocia em grupo, sendo o Governo Trump uma
exceção) e as grandes Potências. Assim, é do interesse do Brasil defender o
multilateralismo e condenar o unilateralismo das Potências que aplicam sanções
unilaterais e ilegais e chegam a agredir militarmente Estados mais fracos.
85. As Nações Unidas e suas Agências Especializadas são, de um certo ângulo, um
sistema de negociação de normas internacionais para reger as relações de todo
tipo entre empresas, indivíduos e agências estatais de Estados soberanos.
86. Assim, a participação de funcionários brasileiros no Secretariado das
Nações Unidas e das Agências Especializadas é de suma importância para influir
sobre a preparação de negociações, sobre os temas a serem nelas tratados, sobre
a documentação preparada.
87. A luta diplomática para alcançar um assento permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas é fundamental. Se forem bem sucedidos os esforços
do povo brasileiro de desenvolvimento, democracia, justiça e soberania ocorrerá
uma grande diversificação de suas relações com todos os Estados, em todos os
continentes e, portanto, se multiplicará a necessidade de promover e defender
seus interesses quando forem contrários aos interesses de outros Estados mais
poderosos.
88. Caso os esforços do Brasil não sejam bem sucedidos é previsível um futuro
de grande instabilidade política e econômica no país e, portanto, a emergência
da tentação em outros Estados de intervir no Brasil sob os mais variados
pretextos.
89. Assim, é vital em qualquer das duas hipóteses acima para os objetivos de
democracia, desenvolvimento, justiça e soberania no Brasil a inclusão do Brasil
como Membro Permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o órgão que
monopoliza o uso da força e pode autorizar sanções de todo o tipo, inclusive
militares, contra um Estado.
90. Os Estados Membros Permanentes do Conselho estão fora do alcance da ação do
Conselho pois têm o direito de veto inclusive sobre os temas da agenda das
reuniões e sobre qualquer decisão.
91. Estão acima do Direito Internacional e podem obrigar todos os demais
Estados a cumprir as decisões do Conselho de Segurança.
* * *
92. A promoção da soberania requer uma política militar de construção de
capacidade dissuasória a qual depende de garantia de recursos estáveis de longo
prazo para realizar projetos estratégicos nas áreas cibernética, nuclear e
aeroespacial.
* * *
93. A Pandemia, com seu séquito trágico de mortes, de dor de milhões de
familiares e de amigos atingidos e enlutados, e dos que se salvam mas sofrem as
sequelas, e as investigações judiciais e policiais têm feito avançar o clima
político de rejeição social e política a Bolsonaro, criando as condições para
um regresso à normalidade da Sociedade, para que os brasileiros possam,
unidos, lutar por mais democracia, mais desenvolvimento, mais justiça, mais
soberania.
94. O primeiro passo para realizar as Utopias no Brasil pós-Pandemia é
mobilizar desde já a população para exigir a remoção do grupo de indivíduos
ignorantes; incompetentes; insensíveis; autoritários; anti-democráticos;
submissos aos Estados Unidos, que ocuparam o Estado e executa, de forma mentirosa
e manhosa, porém nefasta e determinada, um programa que é anti-trabalhador;
anti-povo; anti-Estado; anti-Brasil.
95. Todos, todos os brasileiros, o que quer que tenham feito no passado ou o
que quer que pensem, devem estar unidos na luta para salvar o Brasil da ação
maligna de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes !
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Samuel Pinheiro Guimarães
Embaixador
Secretário Geral do Itamaraty (2003-09)
Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-10)