Na
Somália, a emergência climática já está instalada. O mundo não pode ignorar
isso
Mustapha
Tahir
Secas cada vez mais severas e frequentes estão
ameaçando a vida de milhões de somalis. Mas está faltando apoio internacional
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"O clima tem
causando estragos nas estações da Somália." Mulheres coletam água no
acampamento de New Kabasa para deslocados internos no norte da Somália, em
2018. Foto: Baz Ratner / Reuters
A emergência climática está causando estragos em todo o
mundo, e são os países mais pobres que sofrem o maior impacto da crise. Na
Somália, onde estou atuando como diretora do país para a agência humanitária
Islamic Relief, a população está passando por uma seca que pode ameaçar a vida
ou o sustento de mais de dois milhões de pessoas até o final do verão, segundo
a ONU.
O clima vem causando estragos nas estações da Somália.
Normalmente elas são quatro: a estação chuvosa principal entre abril e junho (gu), a segunda estação chuvosa entre
outubro e dezembro (deyr) e as
estações secas que seguem cada uma delas. Dois terços da população do país
vivem em áreas rurais e são completamente dependentes das chuvas para suas
colheitas e o gado. No ano passado, essas pessoas ficaram para trás quando a
temporada de deyr produziu menos
chuva que o normal. E novamente este ano as chuvas gu quase falharam completamente, chegando eventualmente a bolsões
minúsculos do país muito pouco, tarde demais. Isto levou a uma quebra
generalizada das colheitas e a um declínio na produção pecuária, empurrando
rapidamente as comunidades nas áreas mais afetadas para a insegurança
alimentar.
Nos últimos anos, a frequência e a duração desses
períodos de seca tem crescido. Ao fazê-lo, diminui a capacidade das pessoas
resistirem a esses choques. Toda seca esgota seus bens: seus animais vão
morrer, suas colheitas vão fracassar, eles não terão nada para vender e na
próxima temporada eles não terão dinheiro para comprar sementes para plantar
novamente. Em desespero, os pastores vendem seus animais a um preço vil,
deixando-os ainda mais vulneráveis. Esta ação reduz significativamente o número
de bovinos abaixo do limite mínimo necessário para continuar a criação de gado.
Neste ponto, eles começam a debandar e a tornar-se deslocados, muitas vezes em
acampamentos informais perto de assentamentos urbanos.
Eu vi recentemente como o clima extremo pode colocar as
delicadas vidas dos mais vulneráveis fora de ordem. Nossa equipe conheceu
Geelo Ahmed Osman, mãe de cinco filhos do distrito de Ainabo, Somalilândia, em
um acampamento informal para deslocados internos (IDPs), onde ela agora mora.
Ela foi incumbida de uma grande responsabilidade. Quatro de seus cinco filhos
são incapacitados com condições tão severas que não podem se mover sem ajuda -
e seu quinto está completamente emaciado com desnutrição. Porque o marido teve
um derrame no ano passado, ela agora é a provedora da casa inteira.
Dois anos atrás, outra seca afetou duramente Osman e
sua família. Sua casa, dedicada ao pastoreio, perdeu todos os seus animais. Nos
dois anos desde então, eles dependiam inteiramente de doações de seus parentes
e, quando seus parentes não puderam mais oferecer apoio, eles mudaram para os
arredores do distrito de Ainabo e se juntaram a um assentamento informal de
deslocados internos na esperança de obterem assistência de organizações de
ajuda.
A atual seca levou a que mais e mais pessoas como Geelo
Ahmed Osman, se deslocassem de suas casas e passassem a ser dependentes do
apoio da comunidade internacional. Cerca de metade da população do país precisa
de ajuda de emergência. Se eles não receberem isso, é muito provável que
vejamos uma fome em grande escala antes do final do ano. A falta de água não
tem apenas implicações nutricionais: espalha doenças. Se as pessoas não têm
água para lavar em momentos críticos, elas não podem conter a disseminação de
doenças, o que se torna inevitável em campos de deslocados internos. Coisas
como diarreia, se não forem tratadas, podem ser fatais para as crianças.
As agências de ajuda precisam de mais fundos, e não
apenas para assistência imediata. Com a crise climática fazendo esses tipos de
eventos crescerem em frequência e intensidade, poderíamos estar exatamente na
mesma situação no ano que vem, no ano seguinte e assim por diante. Portanto,
embora a primeira fase da intervenção deva ser uma resposta emergencial,
precisamos desenvolver então a resiliência para que as pessoas estejam mais bem
preparadas para o futuro e não dependam de doações da comunidade internacional.
O triste é que, em todo o mundo, as emergências estão a
aumentar: das guerras em curso na Síria e do Iémen a catástrofes naturais
devastadoras, como o ciclone Idai, no sudeste de África. A crise climática só
trará mais desastre. Mas no momento, a atenção, o financiamento e o apoio da
comunidade internacional não estão lá. É crucial que, no nosso mundo turbulento
e cada vez mais instável, a Somália não seja deixada para trás.
• Mustapha Tahir é o diretor nacional do país para
Ajuda Islâmica na Somália
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