A palavra ideologia tem uma conotação negativa. A esquerda
usa nesse sentido pelo menos desde Marx. Seria um conjunto de conceitos sem
muita base no que sucede no mundo real, nas experiências das pessoas. A direita
usa desde que elegeu o comunismo como seu inimigo político principal. Não
falava muito disso depois do fim do comunismo em 1989, mas entre nós
ressuscitou a tática ao denunciar a “ideologia de gênero” contra a filósofa e
acadêmica Judith Butler, que visitou o país recentemente. A ideologia de gênero
seria um instrumento para favorecer o crescimento da parcela não heterossexual
da população: gays, lésbicas, transsexuais e outros, que trazem todo tipo de "ameaça" para
a sociedade.
Mais importante é falar sobre conceitos e visões que podem
ser relacionados a ideologias não declaradas publicamente, por serem
politicamente incorretas. Elas têm relação com a necessidade da visão
conservadora, ou seja da direita, de reforçar a desigualdade social. A
principal e mais abrangente é a ideologia que postula que há seres humanos, e
seres humanos inferiores. Existe em todo o mundo, e é mais presente onde a
desigualdade é maior.
Entre nós, essa ideologia se desdobra em diferentes formas
de expressão: o conceito da competência (os outros são incompetentes), a menor importância dada aos direitos e às vidas dos mais pobres, a qualificação de país de
vira latas: corrupto, ineficiente, burro, comparado com os países do “primeiro
mundo”.
A ideologia da desigualdade justificada, com efeitos mais
debilitantes sobre a sociedade como organismo vivo é a da crença de que as
estruturas que organizam quem produz o que, quem consome o que o que podemos
fazer com a terra e os seres vivos são coisa natural, sujeita a “leis
econômicas” que é errado tentar mudar. É a ideologia que legitima os ricos,
a grande referência que move as ações do PNL. Quem fica para trás é por falta de
méritos, não se esforçou o suficiente. As vantagens de
berço dos mais ricos, que transmitem a desigualdade através das gerações simplesmente não são citadas.
É o caso da ideologia que a mídia internacional ocidental
usa para editar opiniões e notícias da Grécia. Pego na contramão quando da
erupção da crise de 2008, aquele país amarga há quase dez anos políticas de austeridade impostas
pela Troika formada por FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu,
dominados pela Alemanha. Para justificar uma política de austeridade que joga
ano a ano na miséria parcelas cada vez maiores de sua população, a mídia
procura retratar o povo grego como de boas vidas, parasitas e aproveitadores, aliás, como
os outros povos do sul da Europa. Projeta sobre trabalhadores o comportamento
de suas elites e faz o jogo da Troika tratando de manter Espanha, Portugal e
Itália dentro do cercadinho que os bancos lhes reservaram. Qualquer semelhança com os preconceitos da classe média contra os mais pobres no Brasil, não é simples coincidência.
Essas ideologias são passadas de forma nem muito sutil pela
mídia e pela indústria cultural dominante. Nelas não há lugar para a
participação das pessoas comuns (as inferiores) nas decisões importantes que as
afetam. É o discurso do PNL internacional, dos bancos, das castas
privilegiadas, espaço das decisões deve ser ocupado pelo “mercado”, apelido dado
aos donos do mundo que atuam preferivelmente em segredo até que as consequências
de suas ações comecem a afetar os outros, os 99 %. Opinar sobre a reforma da previdência? Isto é para os especialistas e os parlamentares.
A maior mentira do PNL é que ele trata de ensejar o
progresso. No Brasil, o golpe se lançou com um documento a que deram o nome de Ponte para o Futuro. Não é.
O neoliberalismo prático acaba por ser um conjunto de medidas miradas no curto
prazo, para tentar recompor margens de lucro das grandes corporações, enquanto o sistema econômico vai inexoravelmente
perdendo legitimidade real perante a maioria, já que o crescimento econômico caiu
a uma fração do que vinha sendo, a desigualdade social só aumenta e o setor
financeiro permanece uma fonte de instabilidade (Ver os livros recentes de
Ladislau Dowbor e Wolfgang Streeck).
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