Uma das formas de sabedoria comum aplicada à política trata
conservadores e esquerdistas como duas opções, que se podem revezar na busca de
um bem maior, o da sociedade como um todo. Como os comunistas tradicionais, eu contesto
essa visão, e prefiro referir essas posições a interesses materiais e formas de
inserção social dos indivíduos e grupos. Mas isso é pouco para descrever como a
sociedade em geral, e a brasileira atual se cinde na política.
Uma característica básica da mente conservadora é a
prioridade que dá aos direitos de
propriedade, atuais ou que venham a ser adquiridos ou subtraídos de outrem
ou de um comum. Mais conservador, maior
a importância para ele de possuir de forma privada, ou seja, privando outras pessoas ou todos os
outros.
Outra característica é a necessidade de se considerar membro
de uma minoria melhor do que o resto da sociedade, com direito a privilégios,
ou complementarmente, de que os “outros” sejam inferiores. Daí decorre certa
ligação no Brasil do conservadorismo com o racismo.
Uma terceira, que deriva das outras duas, é a indiferença,
ou mesmo ojeriza com os bens comuns, entre os quais o meio ambiente, e o acesso
universal a condições de vida decentes e aos bens culturais, e como corolário,
a aversão à ascensão econômica e social dos mais pobres, a não ser através dos
mecanismos de filtragem do mercado, onde os ricos dominam.
O conservador tem sempre uma contrapartida a perdas
progressivas de qualidade de vida. Contra a insegurança, busca o isolamento em
condomínios fechados, verticais (apartamentos) ou horizontais (subúrbios),
usando sistemas de proteção e, sobretudo sistemas de guardas privados, não se
interessando pela segurança pública. Contra outros sintomas de decadência
urbana, também o isolamento, e o luxo dentro de suas casas e dos ambientes que
frequentam, em particular os shopping-centers, desprezando os espaços realmente
públicos.
Possui um conceito simples da sociedade: os mais aptos devem
sobreviver, os outros podem perecer, e as ações das empresas dentro de
mecanismos de mercado são o instrumento adequado para esse processo de seleção
social. Os conceitos pelos quais a metade menos afortunada deve ser submetida,
em contraste, são sempre complicados. Como os mecanismos de operação dos
serviços públicos privatizados, que inviabilizam, por sua complexidade, que o
objetivo de disponibilidade em qualidade e quantidade adequadas a preços
módicos possa ser adotado, ou imposto pelos “reguladores”. Ou as fraudes que os
sistemas bancários dos EUA e da Europa usaram para se assenhorarem das maiores parcelas de riqueza de toda a
história capitalista, causando uma crise econômica na qual esses países estão
atolados desde 2008. O fato de esses mecanismos afetarem também os
conservadores que não sejam muito ricos é importante, mas pouco levado em
conta.
Têm uma posição firme contra os direitos humanos: prejudicam
o combate ao crime. Grupos de extermínio são coisa suja, mas podem ser um “mal
necessário”. A justiça deve agir contra os envolvidos com atos corruptos na
política, desde que não sejam conservadores importantes. Muitas avaliações, os valores, não são, para
o conservador, algo amadurecido de maneira crítica. Ele conta para isso com o
noticiário, opiniões, vogas, avaliações da mídia. Pensar criticamente exige um
esforço contínuo, que os órgãos impressos, falados e televisados do
conservadorismo tornam desnecessário.
Os conservadores brasileiros têm uma referência básica. Não
é Adam Smith, não é mais a Igreja. São os Estados Unidos. Por cima da
hostilidade bélica daquele país, com a reativação da sexta frota e ao
estabelecimento de base militar na Colômbia, e tentativa para o Paraguai; por
cima da corrupção institucionalizada pelos lobbies, da opressão dos povos do
Médio Oriente, especialmente dos não judeus da Palestina, os EUA são o modelo e
o líder para o conservador brasileiro.
Mas a questão que me separa mais dos conservadores
brasileiros é a questão da ditadura, e meus companheiros ou colegas que caíram
nas garras do aparelho repressor da ditadura, que teve apoio e participação
ativa da mídia impressa e televisada, da FIESP, de banqueiros e do consulado dos EUA. Não esqueço Totó da Quarta, do Lauri, colegas
da Poli, torturados até a morte; da Iara, assassinada no Rio; da Lúcia, do
Chicão, do Ceici, da Rioco, do Genoino, da Dilma, todos torturados. Os
conservadores vulgares, os reacionários, são até hoje indiferentes a esses
fatos.
A mídia continua atuando, assim como vários desses outros parceiros. No momento, usam o sistema judiciário, como sempre enviesado para favorecer os poderosos, para atuar na política e calar vozes dissidentes, como é o caso da perseguição aos blogs independentes. Eles dividiram a sociedade brasileira, não a esquerda. Não será sob o controle deles que se há de construir uma nova sociedade, livre, democrática,
para além do poder do dinheiro.
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