Zizek:
Apenas uma esquerda pan-europeia pode derrotar o "populismo"
Slavoj Zizek é um filósofo cultural.
Ele é pesquisador sênior do Instituto de Sociologia e Filosofia da Universidade
de Ljubljana e professor de alemão de renome na Universidade de Nova York.
Após as eleições do Parlamento Europeu da semana
passada, mudou tudo ou não mudou absolutamente nada?
Houve alguns detalhes espetaculares, como a derrota
esmagadora dos dois principais partidos do Reino Unido. No entanto, isso não
deve nos cegar para o fato básico de que nada realmente grande e surpreendente
aconteceu. Sim, a nova direita populista avançou, mas continua longe ser de uma
tendência predominante.
Ouvimos
a frase, repetida como um mantra, de que as pessoas exigiam mudanças. Mas
talvez seja profundamente enganador - porque não especifica que tipo de
mudança?
Em vez disso, foi basicamente uma variação do velho
lema "algumas coisas têm que mudar para que tudo permaneça o mesmo".
A autopercepção dos europeus em geral é que eles têm
muito a perder para arriscar uma revolução (uma reviravolta radical), e é por
isso que a maioria tende a votar em partidos que prometem a eles paz e uma vida
calma (contra as elites financeiras, contra a “ameaça imigrante”…).
Assim, um dos perdedores das eleições europeias de 2019
foi a esquerda populista, especialmente na França e na Alemanha. Porque a
maioria não quer mobilização política. Os populistas de direita entendem muito
melhor esta mensagem. Então, o que eles realmente oferecem não é a democracia
ativa, mas um poder forte autoritário que trabalharia pelos (o que eles
apresentam como) interesses das pessoas.
Nada é como parece ser
Aí reside também a limitação fatal do DIEM grego de
Yanis Varoufakis: o núcleo de sua ideologia é a esperança de mobilizar a maior
parte das pessoas comuns, para dar-lhes voz através da quebra da hegemonia das
elites dominantes.
Mesmo o sucesso dos partidos verdes nas eleições
europeias de 2019 se encaixa nesta fórmula: não deve ser tomado como o sinal de
um autêntico despertar ecológico; era mais um voto falso, a franquia preferida
de todos aqueles que percebem claramente a insuficiência da política hegemônica
do establishment europeu e rejeitam a reação nacionalista-populista, mas não
estão prontos para votar na esquerda mais radical.
A este
respeito, foi um voto daqueles que querem manter a consciência limpa sem agir de
verdade. Ou seja, o que se torna aparente imediatamente nos partidos verdes
europeus de hoje é o tom predominante de moderação: eles permanecem enquadrados
em grande parte na abordagem “política de
sempre” e seu objetivo é simplesmente o capitalismo com uma cara verde.
Ainda estamos longe da tão necessária radicalização que só pode emergir através
de uma coalizão dos verdes com a esquerda radical.
A lição para a esquerda de tudo isso é: abandone o
sonho da grande mobilização popular e foquem nas mudanças da vida cotidiana. O
verdadeiro sucesso de uma “revolução”
só pode ser medido no dia em que as coisas voltarem ao normal: como
consequência de como a mudança é percebida na vida cotidiana das pessoas
comuns.
Narrativa de precaução
Assim, o triste destino do Syriza é emblemático da nova
situação da esquerda europeia. Preparado para perder poder nas próximas
eleições gregas, paradoxalmente lhe será permitido desempenhar o papel
normalmente reservado às ditaduras de direita.
Na medida em que tomou o poder em um momento de
convulsão e crise econômica, e de fato destruiu a mobilização popular de base (a
base original de seu poder) enquanto impunha medidas duras de austeridade.
Agora que o trabalho está feito, com toda a
probabilidade perderá o poder e o partido conservador “normal” (Nova Democracia) assumirá. Este é o nosso mundo de hoje,
um mundo em que populistas direitistas promulgam medidas de bem-estar e a
esquerda radical faz o trabalho autoritário de impor austeridade.
Voltando ao Reino Unido, sua confusão com o Brexit não
é uma exceção, mas apenas a explosão agravada de tensões que se espalham por
toda a Europa. O que a situação no Reino Unido demonstra é como, diria Mao, as
contradições secundárias são importantes.
O erro de Corbyn foi agir como se a escolha de “Brexit ou não” não fosse realmente
importante, então (embora seu coração estivesse com o Brexit) ele navegou
oportunisticamente entre os dois lados; tentando não perder votos de nenhum
lado. Como resultado, ele os perdeu de ambos os lados.
Mas as contradições secundárias importam sim: era
crucial ter uma postura clara. Esta é, em geral, a difícil questão que a
esquerda europeia vai cuidadosamente evitando: como, em vez de sucumbir à
tentação nacionalista-populista, elaborar uma nova visão esquerdista da Europa.
A ameaça não vem do populismo: o populismo é apenas uma
reação ao fracasso do establishment liberal da Europa em permanecer fiel aos
potenciais emancipatórios da Europa, ao oferecer uma falsa saída para os
problemas das pessoas comuns.
Assim, a única maneira de realmente derrotar o
populismo é submeter o próprio establishment liberal, sua política atual, a uma
crítica implacável. O novo começo da esquerda radical é, portanto, a única
maneira de salvar a Europa - mas que esquerda? Não a esquerda emergente
populista de estados-nação fortes, mas sim uma esquerda verdadeiramente pan-europeia.
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